• 18/02/2010

    Informe nº 901: Comunidade do povo Kaingang retoma terra na capital do Rio Grande do Sul

    No início da noite da quarta-feira de cinzas (17), um grupo de 15 de famílias do povo Kaingang retomou uma área de terra denominada de Morro Santana, no Bairro Santana, em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul. Essas famílias viviam nas periferias da capital e há muitos anos reivindicam que a Funai constitua um Grupo de Trabalho (GT) para realizar os estudos de identificação e demarcação da área.

     

    De acordo com Eli Kaingang, liderança indígena da região, a ocupação se deu de forma tranqüila e com o objetivo claro de cobrar um direito que é do povo Kaingang: o acesso a terra. “A ocupação foi muito pensada e bem planejada, ela está baseada em anos de pesquisa e levantamento sobre os antigos moradores da área. Questão que chegou ao conhecimento do povo por meio de um jornalista que publicou matéria falando que a terra já havia sido ocupada por nosso povo e que originalmente era nossa”, declarou.

     

    A área ocupada pelos Kaingang está sob o domínio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e localiza-se próximo aos municípios de Alvorada e Viamão. Pesquisadores da própria universidade, vinculados às áreas de biologia, arqueologia e antropologia desenvolveram estudos nos quais apontam que a terra em questão vem sendo usada pelos Kaingang há décadas. O Morro Santana faz parte das áreas que famílias indígenas ocupam tradicionalmente para o manejo e coleta de materiais, tais como cipós e taquara, utilizados como matéria prima na confecção do artesanato e das cestarias.

     

    No ano de 2008 a Funai realizou diversas reuniões com lideranças do povo Kaingang no Rio Grande do Sul, de modo especial em Porto Alegre e Passo Fundo. Durante essas reuniões, lideranças indígenas apresentaram uma relação de áreas sobre as quais reivindicam a demarcação. Dentre as áreas apontadas pelos Kaingang estão: Morro do Osso, Lomba do Pinheiro, Morro Santana, São Leopoldo, Estrela, Lajeado e Farroupilha. Os representantes do órgão indigenista firmaram o compromisso de que até o mês de julho de 2009 criariam os Grupos de Trabalho (GTs) com o objetivo de realizar os estudos de identificação dessas áreas. 

     

    Segundo lideranças indígenas, a retomada do Morro Santana tem o objetivo de marcar um posicionamento firme em defesa dos seus direitos, e com ela os Kaingang pretendem agilizar a criação de grupos de trabalhos, por parte da Funai, para proceder os estudos nas áreas por eles reivindicadas há décadas. “Cansamos de esperar, por isso, resolvemos ocupar a área e cobrar providências da Funai. Cobramos respeito aos nossos direitos, tanto à terra quanto à criação de políticas públicas especificas de saúde e educação”, disse Eli.

     

    A terra onde vivia essa comunidade Kaingang, TI Nonoai, localizada a noroeste do estado, se tornou insuficiente para manutenção da vida e da subsistência das famílias. A área foi demarcada em 1910, quando cerca de 400 indígenas viviam na região. Hoje são cerca de dez mil pessoas. A falta de espaço para plantio e demais formas de manutenção da saúde física e cultural dos indígenas fazem com que diversas famílias se mudem para a cidade, o que afasta as crianças e jovens de parte dos costumes do povo.

     

    Relação com a terra

     

    Os Kaingang de todas estas áreas vivem nos centros urbanos e mantêm uma firme relação com o meio ambiente, dependem dele para a sua sobrevivência física, espiritual e econômica. As áreas reivindicadas são aquelas necessárias para a sobrevivência e manutenção da cultura deste povo. Nessas terras, estas famílias celebram a vida, realizam rituais, coletam sementes e remédios tradicionais, desenvolvem práticas educativas das crianças e dos jovens, na perspectiva do fortalecimento da cultura Kaingang.

     

    O espaço urbano integra-se hoje aos modos de viver Kaingang e, de forma dinâmica, eles mantêm uma relação direta através da comercialização de seus produtos, das lutas pela garantia de direitos à saúde, educação e por espaços urbanos onde consigam estabelecer suas bancas de trabalho. As centenas de famílias indígenas Kaingang que vivem nos centros urbanos conseguem dinamicamente viver sua cultura através da fala na própria língua, dos rituais de nascimento, batismo, casamento, dos hábitos alimentares, das festas e inclusive dos rituais de passagem, ou dos rituais de morte.

     

    Porto Alegre, 18 de fevereiro de 2010.

    Cimi Sul Equipe Porto Alegre

     

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  • 17/02/2010

    Belo Monte: ”Condicionantes não consertam o erro básico que é o erro de engenharia”

    Entrevista especial com Oswaldo Sevá

     

    “Minc foi até muito eficiente na sua nova missão, porque ele recebeu o maior estudo de impacto que já foi produzido sobre uma das obras mais complicadas do mundo inteiro, num lugar maravilhoso, e foi capaz de realizar as audiências públicas às pressas e de concordar que essas reuniões tivessem a presença de centenas de policiais. E depois de dois ou três meses corridos, ele finalmente concedeu a licença. Um verdadeiro recorde”. A avaliação é do engenheiro Oswaldo Sevá que concedeu à IHU On-Line, por telefone, a entrevista a seguir. Sevá analisou o licenciamento prévio de Belo Monte, avaliando o perfil do diretor do IBAMA e do atual Ministro do Meio Ambiente e refletindo sobre as condicionantes colocadas para o início das obras.

     

    Oswaldo Sevá é graduado em Engenharia Mecânica de Produção pela Universidade de São Paulo. Fez mestrado em Engenharia de produção pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, e doutorado na Université de Paris I. Em 1988, a Universidade Estadual de Campinas, onde é professor atualmente, concedeu-lhe o título de Livre-docência.

     

    Confira a entrevista.

     

    IHU On-Line – A licença prévia (LP) concedida pelo IBAMA para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte surpreendeu o senhor ou já era algo aguardado?

     

    Oswaldo Sevá – O processo já estava se arrastando há muitos anos, a parte ambiental é que foi muito rápida. Na realidade, o estudo de impacto ambiental foi entregue meio às pressas pelo IBAMA em maio, e ainda não estava completo. Do final de maio até o início de fevereiro, a licença foi concebida com um intervalo de seis ou sete meses, o que é completamente inadequado. Mesmo que todo o histórico do processo já fosse conhecido, é algo de muitos anos com toda a preparação feita com detalhamentos. Dentro do IBAMA, o processo ocorreu por pouco mais de seis meses, o que é muito pouco tempo. Não me surpreendeu, mas não esperava que eles pudessem atropelar e conceder uma licença em um prazo tão curto de análise. Tudo isso sabendo que o IBAMA tem deficiências de pessoal, e tiveram momentos em que havia apenas seis ou sete técnicos encarregados de fazer a leitura e a análise. Realmente é lamentável, porque o governo fica difundindo a notícia pela mídia de que seria a terceira maior hidrelétrica do mundo, integralmente brasileira. O governo só serve para fazer propaganda.

     

    IHU On-Line – Como o senhor avalia a lista das 40 condicionantes?

     

    Oswaldo Sevá – Houve uma pressa muito grande para o IBAMA conceder essa licença num prazo de seis meses. Naturalmente, tudo decorre desse atropelo. Quarenta condicionantes, aparentemente, podem parecer um exagero. Se considerarmos que cada uma delas é um verbete, um parágrafo de quatro a oito linhas, os anexos da licença ocupam oito páginas, então, poderia-se dizer, à primeira vista, que é muita coisa. Quem não conhece a prática dos órgãos ambientais pode ficar impressionado, mas o que interessa é o conjunto. Não sei se quarenta é muito ou pouco e não saberia avaliar em função da quantidade, mas temos que ver o teor delas.

     

    Se vamos ao corpo da licença, na parte principal, ali diz que o Xingu terá uma vazão de água residual. Deixaram escapar esse adjetivo “residual”, que diz tratar-se de um resíduo, da pouca água que irá sobrar, já que o principal será desviado por cima da terra firme na parte da mata grande, onde tem as fazendas, para poder turbinar, lá do outro lado, depois que o rio completou a volta. Nas quarenta condicionantes, esse assunto não é tratado, a não ser uma menção muito breve de que o hidrograma da parte seca tem que ser acompanhado, mas, na realidade, eles estão assumindo isso como um fato consumado de que o trecho de mais de 100 quilômetros do rio, um trecho maravilhoso, será adulterado. Uma parte dele será alagada até a barragem que será construída, tudo ficará de baixo d’água, e a parte até completar a volta e água ser restituída, vai ficando seca.

     

    IHU On-Line – O que há de consistente e irreal?

     

    Oswaldo Sevá – Não seria obrigatório fazer a barragem naquele ponto e fazer a água ser desviada com toda essa extensão de rio seco. Também não é obrigatório que aquele volume de água fosse desviado. O condicionante não conserta o erro básico que é o erro de engenharia. Claro que, para eles que estão interessados na maior potência e volume de água possível, a obra é uma maravilha. Porém, esta é uma das maiores mentiras que a sociedade brasileira já enfrentou ao longo da sua história. Criaram, há vinte anos, uma concepção que foi ligeiramente modificada, para diminuir um pouco a área alagada, mas que nunca foi alterada radicalmente. Considera-se normal desviar um volume imenso de água do rio para poder turbinar lá embaixo. Poderia haver até 400 condicionantes que este problema não seria resolvido.

     

    Com relação aos condicionantes, também tem coisas que são incompreensíveis. Por exemplo, a licença não é concedida para todas as medidas que são necessárias para fazer a usina. A licença é concedida apenas para os quatro canteiros principais de obras, para algumas linhas elétricas de alta voltagem que alimentam esses canteiros, para duas linhas de transmissão que irão ligar-se às duas estações já existentes da Eletronorte, para as jazidas onde será retirada a rocha e areia, para algumas rodovias de serviço pesado, para a passagem de caminhões etc, que ligarão os canteiros de obra até a rodovia transamazônica. O que chama atenção é que existe uma série de outras providências e de outros pontos de obras que não foram licenciados. O IBAMA abre mão de licenciar o alojamento dos trabalhadores, e, dentro dele, todos os sistemas de água, esgoto, drenagem da água pluvial e aterros de lixo. O IBAMA abre mão de licenciar os remanejamentos de várias estradas que terão água ou obras sobre elas. Abre mão de licenciar portos que são necessários para obra, e inclusive um porto de grande dimensão que ficará no Rio Xingu, no município de Vitória do Xingu, e que apresentará um movimento enorme de embarcações em todo o trecho do Xingu até a boca do Amazonas, e aumentará o tráfego fluvial ao sul da Ilha de Marajó, a passagem que liga Belém a toda bacia do Amazonas e que é estreita. Nada disso é tratado na licença. Eles deixam para que isso seja licenciado por órgãos municipais e estaduais. O que é um absurdo, pois esses órgãos, em Altamira, nem existem, e o órgão ambiental do Pará, na situação de hoje, o que for apresentado, eles licenciam, já que estão atendendo somente o interesse dos políticos.

     

    IHU On-Line – E o que mais chama a sua atenção em relação a toda essa sucessão de problemas que levam à hidrelétrica de Belo Monte?

     

    Oswaldo Sevá – O que chama a atenção é essa covardia de receber um pedido de licença de algo enorme e muito complexo, sendo a obra mais complicada do país e que ocupa a maior área que já se teve notícia no Brasil, muito mais complicada que Itaipu, embora tenha uma potência elétrica menor, e abrirem mão de tantas coisas. Para mim, esses seriam os pontos de contradição maior. Existem outros que devem ser mencionados também. Um deles que não é resolvido nas condicionantes, e nem se pretende resolver, é a questão das pessoas. A licença chega ao absurdo de, desses quarenta condicionantes, meia dúzia tratarem dos quelônios e das tartarugas, que são importantes, e não tem nenhum item dedicado especialmente às vinte mil pessoas que serão desalojadas. A grande maioria é moradora da cidade de Altamira, que vivem nos bairros mais baixos, outros são da beira do rio e dos igarapés. Isso sem falar que eles não reconhecem os outros todos não serão atingidos.

     

    Não existe nenhuma cláusula condicionante, dentro da licença, que diz que esse pessoal terá de ser reassentado ou que terão de ser construídos bairros e vilas. Isso significa que tudo será improvisado, que eles irão para aqueles grandes fazendeiros que têm títulos de propriedade, e irão oferecer indenizações em dinheiro vivo ou cartas de crédito, para, por exemplo, assentados do INCRA que estão há 30 anos, que receberam lotes da reforma agrária, vão dizer que eles que se virem. Ocorrerá um crime social com a expulsão dessas pessoas das áreas rurais e com o não oferecimento na licença de uma alternativa clara de que elas vão voltar a residir na mesma região em condições apropriadas. Isso, para mim, é o pior.

     

    IHU On-Line – O senhor tem feito duras críticas ao ministro Carlos Minc e ao presidente do IBAMA. O senhor considera que eles estão a serviço dos interesses das grandes empresas interessadas no empreendimento?

     

    Oswaldo Sevá – Sem dúvida. Eu não conheço a biografia de cada um deles, mas já tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o atual diretor do IBAMAem Minas Gerais, há quase 20 anos, numa ocasião que estava sendo realizado um seminário sobre programas ambientais numa cidade que é extremamente poluída, onde fica a sede de uma siderúrgica. E ele foi participar desse evento, fazendo uma preleção destinada praticamente a estudantes de primeiro grau sobre o funcionamento dos rios, lençol freático, barrancos etc. Uma coisa exageradamente didática. Ele fez isso de forma proposital justamente para não abordar a situação real da poluição do rio que passava naquela cidade e que estava sendo objeto de descarga de milhares de toneladas por dia de afluentes perigosíssimos. E, nessa ocasião, ele foi como representante de um órgão ambiental de Minas Gerais.

     

    O Ministro Carlos Minc eu também já tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Os últimos anos de atuação dele no Rio de Janeiro como Secretário Estadual do Meio Ambiente comprovam que ele está a serviço desses grandes interesses, porque ele foi capaz de aprovar dois grandes empreendimentos nas imediações da região metropolitana do Rio de Janeiro que vão fazer com que, no futuro, o estado esteja cercado, pelo lado leste, por um dos maiores complexos petroquímicos do mundo, que está em construção, e do lado oeste por uma das maiores siderúrgicas do mundo que está quase pronta e vai começar a funcionar no ano que vem. A petroquímica, durante seu funcionamento, vai contaminar dois pequenos rios que são os únicos que chegam atualmente limpos no fundo da baía de Guanabara e vai comprometê-la de forma que ela nunca mais vai conseguir ser saneada.

     

    IHU On-Line – E o que o senhor tem a dizer do Minc que substituiu Marina Silva?

     

    Oswaldo Sevá – Esses são os antecedentes que conheço de uma pessoa que foi guindada ao Ministério do Meio Ambiente para substituir a ministra Marina Silva numa época em que ela estava sendo pressionada de todas as maneiras para conceder as licenças das grandes obras, para a indústria madeireira, para os interesses do agronegócio. Ela foi derrubada do cargo por esses interesses, e ele foi chamado para substituí-la. Naturalmente, quando ele aceitou, era de conhecimento de todos que ele foi chamado para liberar as coisas que estavam sendo analisadas. Minc foi até muito eficiente na sua nova missão, porque ele recebeu o maior estudo de impacto que já foi produzido sobre uma das obras mais complicadas do mundo inteiro, num lugar maravilhoso, e foi capaz de realizar as audiências públicas às pressas e de concordar que essas reuniões tivessem a presença de centenas de policiais. E depois de dois ou três meses corridos, ele finalmente concedeu a licença. Um verdadeiro recorde: pegou uma das maiores coisas que a engenharia já foi capaz de conceber e concedeu a licença em prazo absolutamente recorde. Uma pessoa que age dessa maneira só pode ser qualificada como um defensor dos interesses empresariais, e não dos interesses ambientais.

     

    Se nós dermos como certo de que essa obra vai ser feita e que de fato ela vai funcionar, o que demora um bom tempo, algo como dez ou quinze anos, devemos pensar que nenhuma outra será aprovada. Porque seria uma espécie de compensação para a sociedade. Aprovar Belo Monte? Vão acrescentar mais 11 mil megawatts? Então não precisa de mais nenhuma. No entanto, o que estamos observando é um movimento completamente absurdo à primeira vista, onde, em todos os estados brasileiros, exceto Amazonas e Acre, está acontecendo a verdadeira corrida ao ouro das cachoeiras. Estamos vivendo uma época que vai ficar conhecida na história brasileira como um período muito triste, um período de caça às cachoeiras. O governo está abrindo as porteiras dos nossos rios e dizendo aos empresários que querem ganhar dinheiro nesse setor que está liberado: “podem apresentar seus projetos que eles serão aprovados”. Essas são conhecidas como as Pequenas Centrais Hidrelétricas. Estão anunciando obras de hidrelétricas em quase todos os rios brasileiros e com o espírito praticamente da conquista militar.

     

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  • 15/02/2010

    Hidroelétrica de Belo Monte: uma questão de democracia

    Cândido Grzybowski*

     

    A construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, na Amazônia, tem a ver com a produção e segurança energética do país, sem dúvida. Mas está longe de ser algo restrito à avaliação de engenheiros(as), economistas e gestores de política energética. Parece um símbolo emblemático dos rumos do país. Afinal, que país estamos construindo?

     

    Belo Monte, assim como Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, são hidroelétricas pensadas como parte do projeto “Brasil Grande” da ditadura militar, nos anos 1970. Mais de 30 anos depois, tais projetos são retomados e, uma vez mais, apresentados como inevitáveis para o desenvolvimento e a segurança energética. Contribui para isso a tomada de consciência do enorme risco de mudanças climáticas por causa da queima de combustíveis fósseis. As hidroelétricas significam energia limpa.

     

    Mesmo com significativas mudanças técnicas – de grandes reservatórios, tipo Itaipu, no rio Paraná, para reservatórios menores com turbinas turbo – e substantiva melhora na avaliação do impacto ambiental, continuamos com a mesma visão sobre energia e segurança energética dos tempos da ditadura.

     

    Será que não existe outra maneira de ver e resolver os essenciais problemas de energia? Não acredito no autoritarismo contido na visão tecnocrática que nos impõe esse tipo de solução. Vejo, pelo contrário, a dificuldade do modelo desenvolvimentista que torna regiões inteiras do país, como a Amazônia e o Centro Oeste, meras zonas de reserva de recursos naturais. Há um desenvolvimento, na essência, concentrador de riquezas e destruidor da base natural.

     

    A controvérsia de Belo Monte ainda não acabou, apesar da licença ambiental concedida há pouco pelo Ibama. Os “birrentos” continuam resistindo: povos indígenas originários, comunidades de pescadores, extrativistas e pequenos agricultores posseiros, todos os que têm muito a perder e nada a ganhar, nem mesmo energia elétrica, em nome do desenvolvimento do Brasil. Que Brasil? Para quem?  Aos que resistem no local, aliam-se ativistas de direitos humanos e ambientalistas de variadas correntes. E há também os(as) teimosos(as) procuradores(as), atacados(as) pela própria Advocacia-Geral da União (AGU) por cumprirem o seu papel.

     

    Não adianta alegar que todos os ritos foram cumpridos e que as 40 exigências do Ibama deverão ser atendidas para as obras não serem embargadas. O fato é que a decisão de usar o rio Xingu como recurso energético atende aos interesses de grandes empreiteiras e investidores, grandes consumidores industriais de energia elétrica (alumínio e outros). Tais decisões já estavam tomadas, faltava apenas contornar as condicionalidades ambientais, entre outras. O rito não foi para mudar uma decisão, mas para legitimá-la.

     

    Por que mais essa agressão aos povos da floresta e à Amazônia? Será que não somos capazes de nos libertar de obsoletas ideias de desenvolvimento que nos levam a praticar uma espécie de colonialismo interno, que conquista zonas chamadas livres e de expansão, explora recursos naturais, destrói e concentra riquezas?

     

    A justificativa de matriz elétrica limpa não melhora a imagem de um desenvolvimento contrário ao futuro dos povos que compõem a nossa diversidade brasileira. Outras, muitas outras opções existem. Uma delas é o uso mais eficiente da energia que já temos. Além disso, podemos e devemos transformar em eletricidade o sol e os ventos com os quais a natureza nos brinda. Por que insistir na grande usina, nos custosos investimentos de produção e transmissão de energia para locais distantes, e não no pequeno e localizado, onde existe a necessidade de energia elétrica e a possibilidade de satisfazê-la?

     

    O debate sobre a Usina Hidroelétrica de Belo Monte é, antes de tudo, um debate sobre o Brasil que queremos – sustentável, solidário e democrático –, no qual poder e economia se relocalizam, se aproximam da cidadania e por ela são controlados.

     

    * Sociólogo, diretor do Ibase

     

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  • 12/02/2010

    Memorandum of solidarity of the National Conference of Bishops of Brazil (CNBB) to the social movements

    National Conference of Bishops of Brazil

    CNBB – North Region 2

     

    Memorandum of Solidarity

     

    We, Bishops of the National Conference of Bishops of Brazil – CNBB N2, unite our voice to the diverse social movements and all those who struggle in dedfense of life, to make public the immense concern with the  resulting from installation of the hydroelectric plant of Belo Monte, in Altamira, in southeastern Pará.

     

    Known by all, by being amply reported in the press and reaffirmed by the Ministério Público Federal, that there are lacunas to be addressedfor the viability of the project that intends to exploit the waters of the Xingu.

     

    We share the anguish of the people who will be impacted by the execution of the project. Data from researchers and scholars of Amazonia corroborate there being anticipated a 1522km2 area of destruction – 516km2 area inundated and 1006km2 area desiccated by the definitive diversion of the Volte Grande of the Xingu!

     

    Thus, we reaffirm our position in opposition to the entire act that assaults and disrespects nature as well as threatens the survival of traditional communities.

     

    We reaffirm also that we are not against actions that see to progress, but oppose measures that are taken in an arbitrary form. Civil society, the more than 40 specialists who made an in depth study of the question and presented the report of the study of the impacts on the environment, the indigenous peoples, the riverine peoples, the movements in defense of life and all those impacted by the hydroelectric of Belo Monte, need to be heard in a respectful and correct form and our concern is precisely in this lack of a plan of development for the region that hears the local population.

     

    We need to learn, with the indigenous peoples, the guardians of the forest, who respect mother earth, rivers and forests and and always promote a life shared in the midst of so much human greed.

     

    Thus, we reinvigorate our hope that Amazônia be developed not on the basis of predatory development as has always occurred, but with a real development that respects their peoples and their background.

     

    Belém, 08 February of 2010

    Bishops of the National Conference of Bishops of Brazil – CNBB Norte 2

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  • 12/02/2010

    Newsletter 900 – Four children die from outbreak of diarrhea in Maxakali communities

    Occurrences began in January and resulted in 94 children being admitted to hospitals in the region

     

    Since the beginning of January, 94 cases of acute diarrhea were recorded in communities of the Maxakali people, in Minas Gerais. Children of up to five years of age from the villages of Pradinho and Água Boa, located in the municipality of Bertópolis, in the northeastern part of the state, were hospitalized in regional hospitals. Four of the children died.

     

    It is suspected that the outbreak of diarrhea had been caused by ingestion of contaminated water, a situation that had already occurred three years ago without answers. At the time, the National Health Foundation (FUNASA) had already accompanied the Maxakali people and in fact, done nothing concrete to discover the cause of the outbreak.

     

    Stranger yet is the fact that the highest incidence of cases occurred precisely in the village of Pradinho, held as a model village where a good portion of the FUNASA, FUNAI and Bertópolis municipal assistance is concentrated. The negligence of the National Health Foundation in treating the issue in a preventive and forthcoming manner could have been an aggravating factor.

     

    For eight days the residents of the village were obliged to draw water from the river, knowing it was not fit for consumption, as the pump for an artesian well had broken. The FUNASA response to requests from the community to repair or replace the pump took longer than they could wait.

     

    According to Adalberto Maxakali, of Pradinho, the presence of FUNASA in the area is sporadic, which does not allow an effective and efficient service. As a result of this, at various times, residents neighboring the community have provided emergency relief to those in need of medical attention. According Adalberto, not even the ambulance that was designated for Maxakali service came to the region.

     

    Several problems are pointed out by the leaders during the treatment of the infected children, which to them is related to lack of training of the functionaries of the Foundation. Many women and families accompanying the hospitalized children, in the CASAI (Casa de Saúde Indígena) received inadequate treatment. Some even being pushed by security guards or seeing the children left on hospital stretchers.

     

    Another factor that may have contributed to the outbreak of diarrhea is the way in which soup provided by Funasa is served. According to leaders of the village Cachoeirinha, it is served in a large vat, which is placed on the ground for people to serve using plastic bottles cut in half. It is worth emphasizing that the food arrives cold and found to be of disagreeable aspect to the villages, as it is produced in locations far from of the community.

     

    Current situation

     

    According to a statement released by the National Health Foundation (FUNASA), last Tuesday (09), the situation is under control, with only one verified hospital admission and found medical discharge of 12 of the 36 children admitted to five hospitals in the region.

     

    The agency also reported that steps were taken to stop the outbreak, medicines and food parcels were sent to the affected communities, as well as a task force that aims to assess the occurrence of new cases and educating the public. Medical staff of the Department of Indigenous Health (Desai) are also conducting investigations to discover the cause of the outbreak and monitoring the cases on record.
     
    Added by: Administrator

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  • 12/02/2010

    Newsletter No 899 – Belo Monte: “There was no dialogue”

    The president of the Indigenist Missionary Council (CIMI), Bishop of the Xingu Prelature, Dom Erwin Kräutler and one of the leaders of the fight agains the Belo Monte Hydroelectric reaffirmed his position on the dam, in Pará: “I am opposed!”. The firm voice of the bishop remained unweakened following news that the license that authorizes the auction of the Plant had been published by the Brazilian Institute of the Environment and Renewable Natural Resources (IBAMA), on February 1, 2010.

     

    Lack of dialogue

    On Wednesday morning, when meeting with the president of IBAMA, Roberto Massias, Dom Erwin was emphatic. “It is not we who requested this meeting. It was the president himself of the IBAMA who solicited this meeting, even before issuing of the license. And we are here, always open to dialogue. It is they who are not open to frank dialogue”, he emphasized. Also participating in the meeting were the executive secretary of CIMI, Eden Magalhães, Paulo Machado Guimarães CIMI´s legal assessor, and the director of licensing for IBAMA, Pedro Bignelli.

     

    Conditions

    During the meeting, Messias asked if now, with the 40 conditions added to the licensing amounting to R$1.5 billion of investments, Erwin would not mediate. “I was indignant!”, declared the bishop. “I do not believe in these companies that are going to assume the work because after all is ascertained and they become owners of enterprise, they can do whatever they like”.

     

    Authoritarian

    According to Dom Erwin, in being questioned about the public hearings and the lack of respect for the population of the Xingu, Roberto Messias always changed the subject. “I twice attempted to question him about the hearings, because we always maintain that 27 hearings should be held and, yet, only four were conducted, and in an authoritarian manner no less, including impeding the participation of the Federal Public Ministry. But at no time did he respond to my questioning”, he recalled.

     

    Lacunas

    Dom Erwin did not leave the meeting satisfied and lamented the audience having occurred in the face of an already consummate fact. “To dialogue about what now? Many points that remain open still have no answer!”, he emphasized. According to Dom Erwin, the question of the riverine peoples, who have no where to go, was not resolved; no solutions are indicated for the contiguous areas that would be deteriorated; the panel of specialists is not heard in the hearings; they do not know about the situation of the water to be repressed; they do not explicitly inform that entire districts would be inundated and that a third of the city of Altamira will be under the waters; they do not address the migratory influx due to increase considerably in the region; among other points.

     

    Eden Magalhães was also emphatic. “This is a project that has been around since the period of the dictatorship and it is an absurdity to carry it forward. They make this agreeable conversation with us, but we know that behind it there exist huge economic interests”, he declared.

     

    Support of the Federal Public Ministry

    Further on Wednesday, Dom Erwin also met with Dr. Débora Duprat, Subprocuradora Geral da República and the entire team of procurators of the 6th Câmara de Coordenaçao e Revisão do Minstério Público Federal. Several questions were discussed about the enterprise, including the public statement released by the Attorney General stating that it was going to prosecute the members of the Public Ministry that attempt to make the construction of the plant unviable. By late afternoon, the Procuradoria Geral da República (PGR) and the Procuradoria da República in Pará released a public statement in which it states “such critics, in acid tone, appear scornful that a democratic State is not constructed on the basis of coercion, direct or veiled, wherever it originates from”.

      

    Regarding the licensing, the procurators committed to formation of a working group to study the licensing as well as the technical opinion and will soon have a position as to the possibility of taking judicial action for suspension of the license issued by the IBAMA. The group will be formed by procurators from Altamira and from the PGR, in Brasília.

     

    In CIMI’s evaluation, the Belo Monte enterprise is authoritarian and replete with failings that compromise its legitimacy. In addition to this, it has been shoved – contrary to what President Lula stated – “down the throat” of the population that lives in the Xingu region.

     

    Indigenist Missionary Council

    Brasília, 4 February of 2010

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  • 12/02/2010

    Quinto aniversário do assassinato de Irmã Dorothy Mae Stang, NDdN

    Cinco anos passaram desde aquele fatídico sábado em que Rayfran e Clodoaldo, empregados de Tato, cruzaram o caminho da Irmã Dorothy, não para cumprimentá-la, mas para executar o sinistro plano, há tempo concebido pelo consórcio do crime, e cumprir o nefasto papel de matar a Irmã que dedicou toda a sua vida aos pobres.

    Os pobres de hoje não são apenas uns explorados e oprimidos. São excluídos, expulsos da sociedade e da terra por serem considerados "supérfluos" (cf. DAp 65). Irmã Dorothy fez a opção de sua vida exatamente por essas pessoas, por essas famílias "sem eira nem beira", desprezadas e maltratadas, sem perspectivas num mundo em que perderam sua pátria.

    Foi aos pobres, que Deus assegurou seu amor incondicional e preferencial. As palavras do profeta Jeremias calaram fundo no coração de Dorothy: "Ponde em prática a justiça e o direito, livrai o oprimido das mãos do opressor, nunca prejudiqueis ou exploreis o migrante, o órfão e a viúva nem jamais derrameis sangue inocente no país" (Jer 22,3). Dorothy não apenas acompanhou as famílias de Anapu e da Transamazônica na busca de seus direitos e defendeu seus interesses, peregrinando de repartição em repartição, procurando falar com prefeitos, vereadores, deputados, senadores. Dorothy fez e foi muito mais: Ela amou!  E esse amor fez vibrar cada uma das fibras de seu coração. Ela foi mãe, foi irmã, foi filha de seu povo! Dorothy nos lembra a passagem tão sugestiva na primeira carta de São Paulo aos Tessalonicenses: "Apresentamo-nos no meio de vós cheios de bondade, como u’a mãe que acaricia os seus filhinhos. Tanto bem vos queríamos que desejávamos dar-vos não somente o evangelho de Deus, mas até a própria vida, de tanto amor que vos tínhamos" (1 Tes 2,7-8).

    Naquela manhã de sábado, 12 de fevereiro de 2005, ela testemunhou "o evangelho de Deus", derramando o seu próprio sangue. Foi morta porque amou sem medida, foi trucidada porque entendeu que seu lugar era "ao lado dessas pessoas constantemente humilhadas"  foi assassinada porque abraçou "a justiça e o direito" e lutou para livrar "o oprimido das mãos do opressor" (Jer 22,3), foi eliminada do meio do povo pobre porque contrariou os interesses e ambições de "gente que se considera poderosa", como ela mesma costumava expressar-se.

    Dorothy viveu em vida a opção pelos pobres sem deixar-se intimidar ou constranger. Com a sua morte, porém, Dorothy ultrapassou todos os limites e fronteiras. Sacudiu o mundo, descerrando a face ensanguentada da Amazônia, fazendo ecoar os gritos e revelando as dores que golpeiam os povos que aqui vivem.

    Cinco anos passaram! Cinco anos, também repletos de tramas e trâmites judiciais. Prisões efetuadas com grande alarde, sentenças condenatórias solenemente proferidas e com a mesma solenidade anuladas, pedidos de habeas corpus deferidos e liberdade provisória concedida. Sempre novas versões do crime, chegando até ao cúmulo absurdo de transformar a vítima em ré, alegando legítima defesa.

    Há poucos dias um dos acusados é preso outra vez  . Foi condenado a 30 anos e absolvido em um segundo julgamento. Agora outro recurso consegue anular o veredicto anterior e o fazendeiro recebe novamente voz de prisão. E a imprensa divulga o fato como se fosse a prova mais convincente de que a Justiça funciona. Só tem um detalhe! Nós todos já estamos saturados de tais notícias. Em breve, algum advogado experto vai achar outra brecha na legislação e o homem conseguirá mais um alvará de soltura para acrescentar à sua coleção. O mesmo se diga do tal desaforamento anunciado agora . Precisava cinco anos para chegar a essa conclusão?!

    E o consórcio do crime? Nada mais tem a temer! A poeira há tempo sentou. Afinal, já há quem responde pelo homicídio! Por que procurar outros para submetê-los a processos complicados? Por que investigar a quem já não quer lembrar-se de nada? E aqueles que de longa data prepararam o terreno e o ambiente para que a irmã fosse morta? Agora negam tudo! Há pessoas que andaram de cima para baixo com a Dorothy e com ela comeram farofa na casa da Prelazia. Hoje estão do outro lado! Habilitaram-se a jogar no time adversário! É o salmo 41 bem atualizado: "Até meu amigo, em quem eu confiava, que comia do meu pão, levantou o calcanhar contra mim" (Sl 41 (40),10).

    Neste ano de 2010, o mês de fevereiro, em que Irmã Dorothy foi assassinada, ganha mais uma razão para tornar-se histórico. A Amazônia que Dorothy tanto defendeu e pela qual doou sua vida, recebe mais um golpe, desta vez de proporções que ainda nem sequer podemos vislumbrar. O Presidente da República me prometeu pessoalmente  a continuação do diálogo sobre o projeto Belo Monte. No dia primeiro deste mês o Ibama tornou pública a licença prévia para que o Xingu fosse barrado. 1522 km2 de destruição à vista: 516 km2 de área inundada e 1006 km2 de área deteriorada porque faltará água!

    Todas as 40 condicionantes que a Licença Prévia elenca para serem observadas pela empresa que sairá vitoriosa no leilão, nada mais são que uma confissão pública do Governo que o projeto, se for executado, terá consequências desastrosas. Ao exigir um bilhão e meio de reais em projetos para mitigar os efeitos, o próprio Governo admite de antemão que Belo Monte causará um terrível e irreversível impacto sobre a Amazônia. Onde já se viu tanto esmero para atenuar sequelas antes de iniciar a obra? É a prova cabal de que o próprio Governo sabe que está dando um tiro no escuro. Até esta data, o Ibama nem sequer conseguiu identificar a abrangência e intensidade dos impactos. Como esse órgão então pode realmente atestar a viabilidade de Belo Monte?

    Lamentavelmente, quem sofrerá os trágicos efeitos não serão os tecnocratas em Brasília e políticos míopes, mas os povos desta região da Amazônia. O Xingu nunca mais será o mesmo. O solo será danificado, a floresta devastada e das águas turvas e mortas emergirão apenas os esqueletos esbranquiçados das outrora frondosas árvores.

    É a política do rolo compressor, é a tática do fato consumado, é o método do autoritarismo que não aceita contestação!

    E Dorothy, no seu túmulo, chora a desgraça anunciada!

    Mas não deixa de encorajar-nos na luta em favor da vida contra projetos de morte. Nosso caminho é aquele traçado pelo Evangelho. Somos enviados por Jesus para anunciar a Boa Nova aos pobres e denunciar o que se opõe ao Evangelho da Vida, para quebrar as algemas da opressão e tirania, para defender o lar que Deus criou para todos nós e as futuras gerações, e proclamar um ano de graça do Senhor (cf. Lc 4,18-19).

    Amém! Marána thá! Vem Senhor Jesus!

    Anapu, 12 de fevereiro de 2010
    Erwin Kräutler, Bispo do Xingu

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  • 11/02/2010

    Informe Nº 900: Quatro crianças morrem por surto de diarréia em comunidades Maxakali

    Ocorrências começaram no início de janeiro e levaram 94 crianças a internações em hospitais da região

    Desde o início de janeiro, 94 casos de diarréia aguda foram registrados em comunidades do povo Maxakali, em Minas Gerais. Crianças de até cinco anos, das aldeias Pradinho e Água Boa, localizadas no município de Bertópolis, nordeste do Estado, foram internadas em hospitais da região. Quatro delas morreram. 

    A suspeita é que o surto de diarréia tenha sido provocado pela ingestão de água contaminada, situação que já ocorreu há três anos e continua sem respostas. Na época, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) já acompanhava o povo Maxakali e, de fato, nada de concreto foi feito para descobrir a causa do surto. 

    Entranha-se ainda o fato de que o maior número de ocorrências tenha acontecido justamente na aldeia Pradinho, tida como aldeia modelo, onde se concentra boa parte da assistência da Funasa, Funai e prefeitura de Bertópolis. A negligência da Fundação Nacional de Saúde em tratar o tema de maneira preventiva e esclarecedora, pode ter sido um agravante. 

    Durante oito dias, os moradores da aldeia se viram obrigados a retirar água do rio, mesmo sabendo que esta não era própria para consumo, pois a bomba que retira água do poço artesiano havia quebrado. A resposta da Funasa à solicitação da comunidade para o conserto ou substituição da bomba demorou mais que o esperado. 

    De acordo com Adalberto Maxakali, de Pradinho, a presença da Funasa na área é esporádica, o que não possibilita um atendimento efetivo e eficaz. Em decorrência disso, em vários momentos, moradores vizinhos à comunidade prestam socorro de urgência a quem necessita de atendimento médico. Ainda segundo Adalberto, nem mesmo a ambulância que foi destinada ao atendimento dos Maxakali chegou à região. 

    Diversos problemas são apontados pelas lideranças durante o atendimento às crianças infectadas, o que para eles está relacionado à falta de preparo dos funcionários da Fundação. Muitas mulheres e familiares das crianças internadas receberam tratamento inadequado na Casa de Saúde Indígena (Casai). Alguns, inclusive, sendo empurrados pelos seguranças ou vendo as crianças jogadas em macas dos hospitais. 

    Outro fator que pode ter contribuído para o surto de diarréia é a forma com que é servida a sopa fornecida pela Funasa. De acordo com lideranças da aldeia Cachoeirinha, ela é servida em uma vasilha grande, que é colocada no chão para que as pessoas se sirvam utilizando garrafas pets cortadas ao meio. Vale ressaltar ainda que o alimento já chega frio e com aspecto desagradável às aldeias, visto que é produzido em locais distantes da comunidade. 

    Situação Atual

    De acordo com nota divulgada pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), na última terça-feira (09), a situação está sob controle, com apenas uma internação verificada e a alta médica de 12 das 36 crianças internadas nos cinco hospitais da região.  

    O órgão divulgou ainda que providências foram tomadas para acabar com o surto, medicamentos e cestas básicas foram encaminhados às comunidades atingidas, bem como uma força-tarefa, que tem o objetivo de verificar a ocorrência de novos casos e orientar a população. Equipes médicas do Departamento de Saúde Indígena (Desai) também estão fazendo investigações para descobrir a causa do surto e acompanhamento dos casos já registrados.

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  • 11/02/2010

    Lideranças Xokleng são condenadas a mais de 20 anos de prisão por impedir a dilapidação do patrimônio indígena

    Mais um caso de criminalização indígena e discriminação no sul do país. Os indígenas Cunllung Vêi-Tcha Têie Winklr (conhecida também como Suzana), Vaihecu Ndilli e o cacique Jeremias Pattã, do povo Xokleng foram condenados no dia 12 de novembro pelo juiz Jéferson Isidoro Mafra, da justiça comum do estado de Santa Catarina. Os índios foram julgados por protestarem contra a retirada ilegal de madeira nativa e reflorestada de suas terras (da parte em litígio), e também por chamar a atenção das autoridades para a regularização fundiária. A manifestação aconteceu no dia 13 de janeiro de 2006, após várias denúncias sem respostas feitas à Funai.

     

    No processo, eles são acusados de apreender três caminhões que transportavam madeiras, aparelhos de rádio, chave de boca, macaco hidráulico, pneus e cerca de 150 litros de óleo diesel. Também são acusados de cometer ameaças e de terem retido por várias horas um dos caminhoneiros.

     

    Os indígenas foram indiciados e condenados a penas que variam de 10 a 20 anos de reclusão em regime fechado. O procurador federal Derli Fiúza, representante da Funai, já entrou com recurso contra a condenação em dezembro de 2009 e aguarda decisão da Justiça.

     

    Discriminação

    Os acusados foram julgados pela Justiça comum, quando na verdade o orgão responsável pelo caso deveria ser a Justiça Federal. Inconformados com tratamento que lhes foi dispensado pelo juiz os indígenas vieram a público solicitar que o processo seja anulado, desde o inquérito policial até a divulgação da sentença no final do ano passado, sendo o caso encaminhado à Justiça Federal.

     

    Na manhã de quarta-feira, lideranças estiveram na Assembléia Legislativa de Santa Catarina para denunciar o fato e solicitar ajuda. Sairam de lá com a garantia de que a Casa irá acompanhar os desdobramentos do caso.

     

    Incoerências

    Lideranças criticam a decisão de indiciar três pessoas, os tratando como criminosos, quando o ato foi político e guiado por toda a coletividade. Para eles, em nenhum momento foi levado em consideração o fato do movimento ter ocorrido como forma de pressão para a regularização da terra indígena e como forma de garantir o patrimônio indígena e público, já que a terra havia sido declarada como tradicionalmente Xokleng  por meio de portaria do Ministro da Justiça ainda em 2003.

     

    Outro ponto questionado pelos indígenas diz respeito as penas a que foram condenados, consideradas altas, e as acusações (roubo e crime de extorsão mediante seqüestro). Segundo eles, os caminhões apreendidos foram devolvidos aos seus donos no final do protesto após acordo firmado perante o secretário Regional de Ibama e o MPF.

     

     

    Condenações

    Suzana foi condenada pelo crime de roubo, extorsão mediante seqüestro a uma pena de 20 anos, um mês e seis dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado, e 96 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.

     

    Dili Jeremias Patté foi condenado por roubo e crime de extorsão mediante seqüestro uma “pena de 19 anos, três meses e 18 dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado, e 79 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.”

     

    E Vaihecu Ndilli, foi condenado pelo crime de extorsão mediante seqüestro, e sua pena foi dez anos e seis meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime fechado. Os indígenas também devem arcar com as custas processuais.

     

    O Cimi se solidariza com estas lideranças vítimas de mais este ato que visa criminalizar as lutas indígenas e populares no estado de Santa Catarina. Ao mesmo tempo, manifesta confiança de que o processo e a sentença serão anulados já que a matéria não é de competência da justiça comum.

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  • 11/02/2010

    Nota de solidariedade da CNBB aos movimentos sociais

    Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

    CNBB – Regional Norte 2

     

    Nota de Solidariedade

     

    Nós, Bispos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB N2, unimos nossa voz a dos diversos movimentos sociais e a todos os que lutam pela defesa da vida, para tornar pública a imensa preocupação com as conseqüências desastrosas advindas da instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, sudoeste do Pará.

     

    É sabido de todos, por ter sido amplamente divulgado pela imprensa e reafirmado pelo Ministério Público Federal, que há lacunas a serem preenchidas para a viabilidade do projeto que pretende explorar as águas do Xingu.

     

    Partilhamos a angústia do povo que será atingido pela execução do projeto. Dados de pesquisadores e estudiosos da Amazônia comprovam que são previstos 1522 km2 de destruição – 516 km2 de área inundada e 1006 km2 de área que secará com o desvio definitivo da Volta Grande do Xingu!

     

    Assim, reafirmamos nossa posição contra todo ato que agride e desrespeita a natureza bem como ameace a sobrevivência de comunidades tradicionais.

     

    Reafirmamos também que não somos contra ações que visem o progresso, mas sim contra medidas que são tomadas de forma arbitrária. A sociedade civil, os mais de 40 especialistas que aprofundaram a questão e apresentaram o relatório do estudo dos impactos ambientais, os povos indígenas, os ribeirinhos, os movimentos em defesa da vida e todos os impactados pela hidrelétrica de Belo Monte, precisam ser ouvidos de forma respeitosa e correta e nossa preocupação é justamente nessa falta de um plano de desenvolvimento para a região que ouça a população local.

     

    Devíamos aprender com os índios, os guardiões da floresta, que respeitam a mãe terra, rios e matas e sempre promoveram uma vida compartilhada em meio a tanta ganância humana.

     

    Por isso, reforçamos nossa esperança de que a Amazônia seja desenvolvida sim, não à base de desenvolvimento predatório como sempre vem acontecendo, mas com um real desenvolvimento que respeita seus povos e seu chão.

     

    Belém, 08 de fevereiro de 2010.

     

    Pelos Bispos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB N2

     

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