• 20/08/2012

    Nota da Aty Guasu Guarani-Kaiowá às autoridades federais do Brasil e Mundo diante da ameaça de morte coletiva indígena

    Diante da ameaça de morte coletiva indígena, isto é, o genocídio/etnocídio histórico anunciado pelos ocupantes (“fazendeiros”) de territórios antigos guarani-kaiowá, grande assembléia Guarani e Kaiowá Aty Guasu através desta nota vem denunciar às autoridades federais (FUNAI, MPF e PF) os fazendeiros temidos e assassinos dos indígenas que anunciaram, hoje 18/08/2012, a nova matança/extermínio dos povos indígenas no município de Paranhos-MS, localizada na faixa de fronteira Brasil/Paraguai. Importa destacar que estes grupos de fazendeiros temidos são oriundos de um grupo de praticantes históricos de genocídio/etnocídios na região do atual município de Paranhos-MS, localizada na faixa de fronteira Brasil/Paraguai. Assim, de modo natural ou normal, eles pregam o extermínio dos povos indígenas e anunciam a morte coletiva guarani-kaiowá e genocídio/etnocídio. Frente à ameaça de morte coletiva prometida publicamente na imprensa pelos fazendeiros, vimos solicitar a investigação e punição rigorosa desses mentores de genocídio/etnocídio dos povos indígenas. Todos sabem que eles têm armas de fogos sofisticados e temidos, eles têm dinheiros produzidos em cima do sangue indígenas para comprar mais armas e contratar os pistoleiros. Visto que historicamente eles já dominaram nossos territórios guarani-kaiowá com mão armados, matando indígenas e expulsando os indígenas dos territórios tradicionais que perdura até hoje.

     

    É importante se compreender que ao longo da década 1940, 1960 e 1970, este mesmos fazendeiros recém-assentados invasores dos territórios Guarani e Kaiowá do atua Cone Sul, começaram dizimar/assassinar, expulsar e dispersar de forma violenta diversas comunidades guarani-kaiowá dos seus territórios tradicionais tekoha guasu, que hoje no dia 18 de agosto de 2012, às 12h00min, estes mesmos fazendeiros caracterizados de pistoleiros de “faroeste/estilo gaúcho” já ricos em cima dos sangues dos indígenas, retornaram a anunciar a morte coletiva guarani-kaiowá ou genocídio do povo guarani-kaiowá. Eles reafirmam que vão continuar matando nos indígenas em nossos próprios territórios antigos.

     

    Diante dessa iminente ataque dos pistoleiros armados, vimos comunicar, mais uma vez, a todas as autoridades federais do Brasil e do Mundo que nós povos Guarani e Kaiowá que luta pelos pedaços de nossas terras antigas não temos armas de fogos e, sobretudo, nãos sabemos utilizar tais armas de fogos. Queremos repetir e evidenciar que a nossa luta pelos nossos territórios antigos é somente para garantir a vida humana, fauna e flora do Planeta Terra, nosso objetivo não é para assassinar a vida de ninguém. A nossa linha de luta pelos nossos territórios antigos é para buscar de bom viver possível e paz à vida dos seres humanos no Planeta Terra. Acreditamos na paz, somos da paz verdadeira, nos não temos armas de fogos destrutivos à vida humana. Queremos sobreviver. Por fim, repudiamos reiteradamente a violências contra a vida humana.  Sim, temos somente nossos cantos e rezas sagradas mbaraka e takua para buscar e gerar a paz verdadeira à vida humana. Neste sentido, nós vamos e queremos ser morto coletivamente cantando e rezando pelos pistoleiros das fazendas. Esta é nossa posição definitiva diante da ameaça de morte coletiva/genocídio/etnocídio anunciada publicamente pelos fazendeiros da região de faixa de fronteira Brasil/Paraguai.

     

    Atenciosamente,

     

    Território antigo Arroio Kora-Paranhos, 18 de agosto de 2012.

     

    Lideranças Guarani-Kaiowá da Aty Guasu-MS

     

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  • 19/08/2012

    Um encontro histórico de camponeses

    Entre os dias 20 e 22 de agosto, no Parque da Cidade em Brasília (DF), se realiza um encontro nacional de todos os movimentos sociais e entidades que atuam no meio rural brasileiro. Lá estarão os representantes do movimento sindical como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), dos movimentos sociais do campo vinculados a Via Campesina Brasil como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

     

    Estarão também os movimentos de pescadores e pescadoras artesanais do Brasil e representantes das centenas de agrupamentos quilombolas esparramados pelo país.

     

    A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também marcarão presença com a questão indígena. As pastorais sociais que atuam no meio rural, como Comissão Pastoral da Terra (CPT), Cáritas, Pastoral da Juventude etc, e também dezenas de outros movimentos regionalizados ou de nível estadual se farão presentes.

     

    Assim, será portanto, um encontro unitário, plural e expressivo de todas as formas de organização e representação que existem hoje no meio rural brasileiro, abrangendo desde os assalariados rurais, camponeses, pequenos agricultores familiares, posseiros, ribeirinhos, quilombolas, pescadores e povos indígenas. Todos unidos, independente da corrente política ou ideológica a que se identificam.

     

    Esse encontro será histórico, porque que na trajetória dos movimentos sociais do campo essa unidade somente havia ocorrido uma vez, em novembro de 1961, quando se realizou em Belo Horizonte (MG) o I Congresso Camponês do Brasil. Naquela ocasião também se unificaram todos os movimentos, de todas as correntes políticas-ideológicas, desde o PCB, PSB, esquerda cristã, PTB, brizolistas e esquerda radical.

     

    A unidade foi necessária, apesar da diversidade, para cerrar fi leiras contra a direita e dar força ao novo governo popular de João Goulart para assumir a bandeira da reforma agrária e elaborar uma lei inédita de reforma agrária para o país. Daí que o lema resultante dos debates e que iria orientar a ação prática dos movimentos foi “Reforma agrária: na lei ou na marra!”

     

    Passaram-se 50 anos para que, mais uma vez, todas as formas de organização da população que vive no campo viessem a se reencontrar. E agora com uma representação ainda maior, acrescida dos quilombolas, pescadores e povos indígenas, que na época nem se reconheciam como formas organizativas de nosso povo.

     

    E por que foi possível realizar esse encontro? Por várias razões. Primeiro, porque o capital está em ofensiva no campo. Sob a hegemonia do capital financeiro e das empresas transnacionais está impondo um novo padrão de produção, exploração e espoliação da natureza: o agronegócio. E o agronegócio construiu uma unidade, uma aliança do capital, aglutinando o capital financeiro, as corporações transnacionais, a mídia burguesa e os grandes proprietários de terra. E essa aliança representa hoje os inimigos comuns para toda a população que vive no meio rural, e que depende da agricultura, da natureza, da pesca, para sobreviver.

     

    Em segundo lugar, porque estamos assistindo à subserviência do Estado brasileiro, em suas várias articulações a esse projeto. O poder Judiciário, as leis e o Congresso Nacional operam apenas em seu favor.

     

    Em terceiro lugar, estamos assistindo a um governo federal dividido. Um governo de composição de forças, que mescla diversos interesses, mas que o agronegócio possui maior influência, seja nos ministérios seja nos programas de governo.

     

    Em quarto lugar, percebeu-se que essa forma de exploração e de produção do agronegócio está colocando em risco o meio ambiente, a natureza e a saúde da população, com o uso intensivo de agrotóxicos, que matam. Matam a biodiversidade vegetal e animal e matam indiretamente os seres humanos, com a proliferação de enfermidades, em especial o câncer, como têm denunciado os cientistas da área de saúde.

     

    Em quinto lugar, porque o país precisa de um projeto de desenvolvimento nacional, que atenda aos interesses do povo brasileiro e não apenas do lucro das empresas. Nesse projeto, a democratização da propriedade da terra e a forma como devemos organizar a produção dos alimentos é fundamental.

     

    Em sexto lugar, é necessário que se reoriente as políticas públicas, de forma prioritária para preservar o meio ambiente, produzir alimentos saudáveis com garantia de mercado, e garantia de renda e emprego para toda a população que mora no interior.

     

    Em sétimo lugar, é necessária colocar na pauta prioritária dos movimentos sociais do campo a democratização do acesso à educação, em todos os níveis. Desde um programa massivo de alfabetização, que tire da escuridão os 14 milhões de adultos brasileiros que ainda não sabem ler e escrever, até garantir o acesso ao ensino médio e superior aos mais de 3 milhões de jovens que vivem no meio rural.

     

    Tudo isso será debatido durante os três dias do Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais.

     

    Esperamos que o resultado seja a construção de uma unidade programática, em torno de pontos comuns, para enfrentar os mesmos inimigos, como também se possa avançar para construir uma agenda de lutas e mobilização unitária para 2013.

     

    Salve o II encontro nacional de todos os trabalhadores e populações que vivem no interior do Brasil!

     

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  • 17/08/2012

    Terra Tradicional do Povo Xavante de Marãiwatséde – TRF-1

    Decisão da quinta turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) a respeito da situação de invasão da Terra Indígena Marãiwatséde Continue reading Terra Tradicional do Povo Xavante de Marãiwatséde – TRF-1

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  • 17/08/2012

    Condicionantes do Julgamento da TI Raposa Serra do Sol e efeito vinculante STF

    Reclamação 13769/DF

    Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, proposta pelo Município de Amarante do Maranhão/MA, em que se alega desrespeito à autoridade do acórdão prolatado pelo Plenário desta Corte no julgamento da Petição 3.388/RR, Rel. Min. Ayres Britto, por parte de sentença proferida, em 29/2/2012, pelo Juízo da 20ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal nos autos do Processo 0016759-73.2011.4.01.3400.

     

    A decisão ora impugnada, ao denegar mandado de segurança impetrado pela municipalidade reclamante, afastou a alegação de nulidade das Portarias 677/2008 e 1.437/2010, da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, que haviam determinado a constituição de grupos técnicos para a realização de estudos necessários à verificação de eventual equívoco na delimitação – e, por conseguinte, da necessidade de ampliação – da área da Terra Indígena Governador, demarcada em 1982.

     

    O reclamante sustenta, em síntese, que a sentença reclamada, ao admitir o prosseguimento de estudos técnicos que visam à ampliação de reserva indígena já demarcada e homologada mediante o acréscimo de área não ocupada por índios em 1988, teria contrariado a decisão tomada por esta Corte na Petição 3.388/RR, que, na apreciação do caso concreto, reiterou a existência de um marco temporal – 5/10/1988 – para a aferição da ocupação territorial por uma determinada etnia indígena e impôs, como salvaguarda institucional da constitucionalidade daquele procedimento demarcatório, a vedação à ampliação da terra indígena já demarcada.

     

    Requer a suspensão liminar do processo administrativo de ampliação da Reserva Indígena Governador até o julgamento final desta Reclamação e, no mérito, a sua integral anulação.

     

    É o relatório necessário.

     

    Decido.

     

    Bem examinados os autos, constato a manifesta inadmissibilidade desta ação reclamatória.

     

    Como visto, a reclamação ora em exame aponta o descumprimento do acórdão proferido na Petição 3.388/RR, feito em que o Plenário desta Corte, ao julgar parcialmente procedente pedido formulado em ação popular, declarou, especificamente, a constitucionalidade da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e de seu respectivo procedimento administrativo-demarcatório, desde que observadas dezenove condições ou salvaguardas institucionais, inseridas na parte dispositiva da decisão com o intuito de conferir, segundo consta expressamente da ementa do julgado, um “maior teor de operacionalidade ao acórdão”.

     

    Originalmente trazidas a lume no voto-vista proferido pelo Ministro Menezes Direto, essas condições foram incorporadas ao voto do Relator, Ministro Ayres Britto, conforme exposto no pronunciamento a seguir transcrito:

     

    “Senhor Presidente, quero apenas confirmar com ajuste o meu voto, dizendo o seguinte – peço vênia ao Ministro Cezar Peluso para falar de logo -: o eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no seu magnífico voto, usou de uma técnica de decidibilidade ou de uma formatação decisória que me pareceu, num primeiro momento, estranha, mas, refletindo melhor, pela importância da causa, eu acho que compreendi perfeitamente a intenção louvabilíssima de Sua Excelência que foi traçar as diretivas para a própria execução desta nossa decisão por parte da União. Então, Sua Excelência transformou fundamentos, transplantou uma parte dos fundamentos para a disposição, para a parte dispositiva da decisão. E pareceu-me uma técnica interessante, inovadora que, embora inusual do ponto de vista da operacionalização do que estamos aqui a decidir, resulta altamente proveitosa.

    Não tenho motivos para deixar de aderir a essa proposta de formatação decisória, até porque, se formos percentualizar as coincidências dos nossos votos, beiraremos os cem por cento dos fundamentos, embora com palavras e fontes de pesquisa diferentes.

    Faço o ajuste, Senhor Presidente, com todo o conforto intelectual” (grifos meus).

     

    Observo, portanto, que o acórdão invocado nas razões desta reclamação apreciou, especificamente, o procedimento de demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, não podendo, por isso mesmo, ter sua autoridade afrontada por atos e decisões que digam respeito a qualquer outra área indígena demarcada, como é o caso narrado nos autos.

     

    Isso porque não houve no acórdão que se alega descumprido o expresso estabelecimento de enunciado vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, atributo próprio dos procedimentos de controle abstrato de constitucionalidade das normas, bem como das súmulas vinculantes, do qual não são dotadas, ordinariamente, as ações populares.

     

    Não foi por outra razão que o Ministro Ayres Britto, Relator da Pet 3.388/RR, asseverou, ao censurar o cabimento de reclamação análoga a que ora se examina (Rcl 8.070/MS), que “ação popular não é meio processual de controle abstrato de normas, nem se iguala a uma súmula vinculante”.

     

    Destaco, ainda, que o Ministro Cezar Peluso ressaltou em seu voto na Pet 3.388/RR que aquele julgamento representava “autêntico caso-padrão, ou leading case, cujos enunciados propostos deixariam claro o pensamento da Corte a respeito do tema enfrentado.

     

    Todavia, conforme ressaltado pela Ministra Cármen Lúcia ao negar seguimento à Rcl 4.708/GO, as consequências vinculantes do leading case, próprias do sistema do Common Law, não se aplicam, a priori, ao nosso sistema jurídico, uma vez que “o papel de fonte do direito que o precedente tem, naquele, não é desempenhado pelo precedente no direito brasileiro, salvo nos casos constitucional ou legalmente previstos, como se dá com as ações constitucionais para o controle abstrato”. Concluiu, então, a Ministra Cármen Lúcia ressaltando que “o precedente serve, no sistema brasileiro, apenas como elemento judicial orientador, inicialmente, para a solução dos casos postos a exame. É ponto de partida, não é ponto de chegada”.

     

    Por fim, recordo que a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo ou substitutivo de recurso, ajuizada diretamente no órgão máximo do Poder Judiciário. Veja-se que contra a sentença judicial ora contestada o reclamante já interpôs, regularmente, recurso de apelação, que será oportunamente apreciado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

     

    Isso posto, nego seguimento a esta reclamação (RISTF, art. 21, § 1º), ficando prejudicado, por conseguinte, o exame do pedido de liminar.

     

    Arquivem-se os autos.

     

    Publique-se.

     

    Brasília, 23 de maio de 2012.

     

    Ministro Ricardo Lewandowski

    Relator

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  • 17/08/2012

    Parecer sobre a PEC 215

    PARECER SOBRE A

     

    PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 215, DE 2000

     

     

     

    I.                  Proposição

     

    Trata-se de Proposta de Emenda Constitucional de nº 215, de 2000, apresentada por parlamentares, tendo à frente o Deputado Almir Sá, na qual sugere que:

     

    1.      se acrescente ao art. 49 da Constituição Federal, o inciso, renumerando-se os demais, com o seguinte teor:

    Art. 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

    (novo inciso) – aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e ratificar as demarcações já homologadas”;

     

    2.      se altere a redação do § 4º do art. 231 da Constituição Federal e acrescenta um oitavo parágrafo neste mesmo art. 231 da CF, de forma a passar a vigorar com as seguintes redações:

    § 4º As terras de que trata este artigo, após a respectiva demarcação aprovada ou ratificada pelo Congresso Nacional, são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”;

     

    § 8º Os critérios e procedimentos de demarcação das Áreas indígenas deverão ser regulamentados por lei”.

     

     

    II.               Parâmetros Constitucionais para a admissibilidade da PEC 215/2000

     

    Na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, nos termos do que estabelece a alínea “b” do inciso III do art. 32, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados cabe a apreciação da “admissibilidade de proposta de emenda à Constituição”, que deverá se pautar, portanto, pelos parâmetros fixados no art. 60 da Constituição Federal, em especial o disposto no seu § 4º.

     

    O disposto nos §§ 1º e 5º do art. 60 da CF, não se aplicam no presente caso.

     

    O § 4º do art. 60 da CF, é taxativo ao estabelecer que:

     Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

    I – a forma federativa de Estado;

    II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

    III – a separação dos Poderes;

    IV – os direitos e garantias individuais

    III.           Proposta tendente a abolir a separação dos Poderes

     

    Com efeito, a PEC 215/2000, ao relacionar na competência exclusiva do Congresso Nacional: “a aprovação das demarcações das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e ratificar as demarcações já homologadas”; conforma pretensão legislativa de forma que uma das ações administrativas do Poder Executivo ficaria condicionada à validação de um outro Poder da República, o Poder Legislativo.

     

    A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios decorre de imperativo constitucional, consignado no caput do art. 231 da CF, ao estabelecer “competir à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

     

    A demarcação consiste em ato administrativo, por intermédio do qual a administração pública federal explicita os limites das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, baseado em elementos de prova documental, testemunhal e pericial, fixando marcos oficiais, sinalizadores do limite da terra demarcada.

     

    Esse ato administrativo tem natureza declaratória dos limites da terra tradicionalmente ocupada pelos índios, que consiste em um bem da União, por força do que estabelece o inciso XI do art.20 da CF e sobre a qual os índios exercem a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes no solo, nos rios e nos lagos.

     

    A União, que nos termos do art. 19 da Lei nº 6.001/73 e do Decreto nº 1775/96, atribui a concretização das demarcações à Fundação Nacional do Índio e ao Ministro de Estado da Justiça. Em seguida, a demarcação é homologada, por expressa determinação legal, pelo Exmo Senhor Presidente da República, para, em seguida ser registrada em Cartório Imobiliário e no Serviço de Patrimônio da União.

     

    Sob o aspecto estritamente jurídico, uma terra estará efetivamente demarcada, quando estiver com seus limites registrados em Cartório, após ter sido demarcada e homologada.

     

    Como se pode, portanto, pretender, que após conformado em Cartório, um ato da administração pública, este mesmo ato venha a ser submetido a aprovação de um outro Poder da República, sem que haja invasão nas atribuições do Poder Executivo?

     

    Mesmo que se pretendesse interpretar a “demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”, como a fase na qual a administração pública fixa os marcos nos limites de seu bem patrimonial, disponibilizado para a posse permanente e o usufruto exclusivo pelos índios, ainda assim, a proposta de emenda constitucional afigura-se incongruente e atentatória ao erário, na medida em que estaria permitindo que gastos públicos fossem feitos, alguns até resultantes de processo licitatório, para a contratação de empresas de topografia, para em seguida, virem a ser objeto de aferição por outro Poder da República.

     

    Não se alegue, ainda, o disposto no inciso XVI do art. 49 da CF, como justificativa legitimadora da proposição em comento.

     

    A atribuição ao Congresso Nacional, da autorização para a exploração e aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais em terras indígenas foi fixada pelo poder constituinte originário e somente ocorrerá após fixação de condições específicas, previstas em lei.

     

    No caso, o poder constituinte derivado não pode pretender reduzir as atribuições que constitucionalmente os constituintes originários não lhe atribuíram.

     

    A inovação objeto da PEC 215/2000, além de acrescentar atribuições ao Poder Legislativo, invade atribuições do Poder Executivo, condicionando a validade de seus atos à vontade dos membros do Congresso Nacional.

     

    IV.             Conclusão

     

    Do exposto, concluímos pela inadmissibilidade da PEC 215/2000, por violação ao disposto no inciso III do § 4º do art. 60 da Constituição Federal.

     

    Brasília, 24 de junho de 2004

     

     

    Paulo Machado Guimarães

    Assessor Jurídico do Cimi

     

     

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  • 17/08/2012

    Movimento Indígena de Rondônia se manifesta contra a Portaria 303

    Mais de 200 indígenas saíram às ruas de Ji-Paraná, Rondônia, para manifestar sua indignação contra a Portaria 303/12 da AGU, a PEC 215 e o Projeto de Mineração em Terras Indígenas. Uma ponte localizada na BR-364, principal via de acesso aos dois distritos da cidade, foi interditada. Trata-se de uma mobilização histórica para o Movimento Indígena de Rondônia, visto que há mais de 15 anos não se fazia uma mobilização desse porte.

     

    Após a mobilização, uma Carta de Repúdio foi entregue ao Ministério Público Federal de Ji-Paraná. A seguir, íntegra da Carta dos indígenas:

     

    O Movimento Indígena de Rondônia, por meio de suas lideranças e representantes das organizações e associações indígenas, manifesta sua insatisfação e indignação com relação à Portaria da AGU, n° 303, de 16 de julho de 2012 e neste sentido, exige a sua imediata revogação.

     

    Entendemos que esta Portaria fere os direitos dos Povos Indígenas garantidos como resultados das lutas históricas, expressas nos documentos legais, centrais, a saber: a Constituição Brasileira, a Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas.

     

    A Constituição Brasileira em seu artigo 231 que trata dos direitos originários das terras milenarmente ocupadas pelos Povos Indígenas, afirma que “são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para as suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Assim, as terras que sempre foram ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.

     

    No entanto, a referida Portaria esvazia e modifica os direitos indígenas durante assegurados na medida em que impõe de forma arbitrária e autoritária, uma série de negações ao usufruto de seus tradicionais territórios, dentre os quais, destacamos o inciso V: “o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional a instalação de bases, unidades e postos militares […], serão implementados, independentemente de consulta as comunidades indígenas envolvidas e a FUNAI”, o que evidencia que uma política de destituição de direitos está em curso contra áreas de usufruto coletivo, a exemplo das Portarias Interministeriais 420 a 424, que estabelecem prazos irrisórios para a FUNAI se posicionar frente aos Estudos de Impactos e licenciamento de obras, da mudança do Código Florestal para facilitar a exploração da natureza e da PEC 215 para inviabilizar a demarcação das terras indígenas.

     

    Lembramos que os direitos da Constituição Federal são resultados de uma luta que começou ao longo de mais de 500 anos, como muito sangue derramado pela perda de nossos territórios ancestrais.

     

    A Convenção 169 da OIT em seu artigo 6°, estabelece que alterações nos territórios indígenas devem considerar procedimentos adequados através de suas instituições representativas, cada vez que medidas legislativas ou administrativas possam afetá-los direto ou indiretamente. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.

     

    Já a Declaração das Nações Unidas no que tange aos direitos dos Povos Indígenas, tem como Objetivo defender suas lutas no mundo inteiro, a favor do direito de existir como povos diferenciados e de permanecer autodeterminados enquanto nações e, no que se refere à autonomia – ao direito de consulta e consentimento prévio e, informado no que diz respeito às intervenções em seus territórios. A referida Declaração sustenta a autonomia e a liberdade dos Povos Indígenas em decidir livremente sobre os assuntos que afetem suas terras, territórios, recursos naturais, vida e destino, em relação à sociedade de qual fazem parte e o autogoverno que é a própria forma de organização social política e econômica de cada povo indígena, além da autonomia para decidir de acordo com suas culturas sobre as questões que lhes dizem respeito.

     

    Desta forma, é importante assegurar os nossos direitos reconhecidos nos textos legais, bem como torná-los realidade para os nossos povos que vivem nas aldeias para que possam efetivamente fazer valer estes instrumentos.

     

    Em função disso, solicitamos providências da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e da Organização das Nações Unidas – ONU para coletivamente exigirmos a revogação da portaria 303 e a garantia de que o estado não permita mais esta violação aos Direitos indígenas!

     

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  • 17/08/2012

    Parecer sobre a PEC 38/1999

    Ao Excelentíssimo Senhor Senador
    SIBÁ MACHADO

    Análise da Proposta de Emenda à Constituição nº 38, de 1999, tendo como primeiro signatário o Senador Mozarildo Cavalcanti, que altera os artigos 52, 225 e 231 da Constituição Federal, com Parecer sob nº 317, de 2002, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Relator Senador Almir Lando, favorável, com as Emendas 1 a 4-CCJ.

    A novel redação que se pretende conferir ao art. 52 da CF, atribuindo competência privativa ao Senado Federal para aprovar, mediante proposta do Poder Executivo, o ato demarcatório das terras indígenas, e ao art. 231 da CF, mediante acréscimo de um § 2º, segundo o qual a área destinada às terras indígenas e às unidades de conservação ambiental não poderá ultrapassar, conjuntamente, 50% (cinqüenta por cento) da superfície de cada unidade da Federação.

    A proposta, todavia, mesmo com as alterações promovidas pela CCJ, padece de vício de inconstitucionalidade.

    A Constituição de 1988 representa uma clivagem em relação a todo o sistema constitucional pretérito, ao reconhecer o Estado brasileiro como pluriétnico e multicultural, assegurando aos diversos grupos formadores dessa nacionalidade o exercício pleno de seus direitos de identidade própria. Quanto aos índios, as disposições a eles pertinentes são expressas neste sentido.

    Ao conferir aos índios a posse das terras tradicionalmente ocupadas, o legislador consituinte teve em vista a circunstância de que os territórios físicos onde estão esses grupos constituem-se em espaços simbólicos de identidade, de produção e reprodução cultural, não sendo, portanto, algo exterior à identidade, mas sim a ela imanente.

    O direito à identidade, por seu turno, além de se apresentar, ele próprio, como direito fundamental, reorienta a compreensão de toda uma gama de vários outros direitos fundamentais. Assim é que, exemplificativamente, o princípio da dignidade da pessoa humana requer que se compreenda que cada indivíduo particular é essencialmente dependente de tradições intersubjetivamente compartilhadas no seio de uma dada comunidade, motor de sua própria identidade; o direito à vida despe-se de sua visão meramente biológica, escapando ao âmbito atomístico do individualismo e assumindo caráter significativo, construída por identidades e identificações com referência a origens ou destinos comuns; a igualdade torna-se substancial, antes que formal, posto que pressupõe a alteridade, ou seja, reconhecimento do outro como igual sempre que a diferença lhe acarrete inferioridade, e como diferente, sempre que a igualdade lhe ponha em risco a identidade (Santos, 2000:246) .

    Nota característica dos direitos fundamentais é a sua indisponibilidade. Como ensina Luigi Ferrajoli , esta indisponibilidade há de ser entendida em sua dupla face: indisponibilidade ativa, que não permite aos seus titulares a sua alienação, e a indisponibilidade passiva, no sentido de não serem expropriados ou limitados por outros sujeitos, começando pelo Estado. Neste sentido, nenhuma maioria, sequer por unanimidade, pode legitimamente decidir sobre a violação de um direito de uma minoria naquilo que diz respeito à sua própria identidade. Mais uma vez valendo-nos da lição de Ferrajoli, à vista do princípio da igualdade que se realiza com respeito à diferença, nenhuma maioria pode decidir em matéria de direitos por conta dos demais, tanto mais quando a minoria tem interesses ligados à sua diferença .

    Daí a razão por que as normas que veiculam tais direitos são chamadas téticas, assim concebidas como aquelas que imediatamente dispõem sobre as situações por elas expressadas , não se sujeitando os direitos ali previstos a serem constituídos, modificados ou extintos por qualquer ato. Distinguem-se das normas ditas hipotéticas na exata medida em que as situações nestas previstas encontram-se apenas predispostas pela norma, a reclamar a intermediação de um ato – legislativo, jurídico – para a sua realização.

    Assim, os direitos fundamentais são todos ex lege, conferidos diretamente pela Constituição, e imediata e plenamente realizáveis, não se admitindo a intermediação de ato, de que natureza for, para o seu exercício pleno.

    Daí por que qualquer disposição normativa, ou mesmo hermenêutica, que afete este território, dissociando-o da questão étnica que o informa, agride o direito fundamental de identidade própria do grupo.

    Neste sentido, a proposta de emenda constitucional que passa a tratar do território indígena a partir de critérios puramente quantitativos ligados à divisão política-administrativa do Estado brasileiro encontra óbice no art. 60, § 4º, IV, da CF, segundo o qual não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (…) os direitos e garantias individuais.

    Também a submissão do ato demarcatório das áreas indígenas ao Senado Federal é ofensiva ao princípio da separação de poderes, posto se tratar de atividade de natureza estritamente administrativa, de conteúdo meramente declaratório, e, assim, não passível de ser objeto de emenda constitucional, ainda a teor do referido art. 60, § 4º, em seu inciso III.

    Neste particular, merece especial atenção o processo de demarcação das áreas indígenas.

    Os territórios indígenas, porque espaços de produção e reprodução física e cultural, não se apresentam naturalisticamente aos olhos do observador. Porque em seu interior se desenvolvem formas específicas de vida, de ver e conhecer o mundo, os seus limites físicos apenas podem ser definidos após a realização de estudo antropológico, que indique não só a situação e movimentação espacial dos grupos, mas, principalmente, toda a ritualística, todo o sentido que é emprestado a estes espaços. E exatamente porque apenas os estudos antropológicos podem fazer justiça à toda a complexidade da questão, determina o art. 2º do Decreto 1775/96 que a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida.

    Daí por que, a par da nítida ofensa à Constituição o encaminhamento do ato demarcatório ao Senado Federal, pelas razões já expostas, ressente-se de utilidade prática a providência, apresentando-se nitidamente como de caráter protelatório, pois:

    a) a extensão das áreas indígenas decorre da especial forma de ocupação, decorrente de usos, costumes e tradições, aferida antropologicamente;
    b) por se tratar de direito fundamental, pois pertinente à própria identidade do grupo, não pode ser alterado ou suprimido por qualquer ato que escape à sua própria dinâmica;
    c) não cabe ao Senado promover discussões sobre os limites territoriais com quem quer que seja, porque tais direitos não são passíveis de transação ou disposição.

    Estas as breves considerações que nos competia fazer.

    6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.

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  • 17/08/2012

    Parecer sobre a PEC 038

    Ao Excelentíssimo Senhor Senador

    SIBÁ MACHADO

     

     

          Análise da Proposta de Emenda à Constituição nº 38, de 1999, tendo como primeiro signatário o Senador Mozarildo Cavalcanti, que altera os artigos 52, 225 e 231 da Constituição Federal, com Parecer sob nº 317, de 2002, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Relator Senador Almir Lando, favorável, com as Emendas 1 a 4-CCJ.

     

          A novel redação que se pretende conferir ao art. 52 da CF, atribuindo competência privativa ao Senado Federal para aprovar, mediante proposta do Poder Executivo, o ato demarcatório das terras indígenas, e ao art. 231 da CF, mediante acréscimo de um § 2º, segundo o qual a área destinada às terras indígenas e às unidades de conservação ambiental não poderá ultrapassar, conjuntamente, 50% (cinqüenta por cento) da superfície de cada unidade da Federação.

     

          A proposta, todavia, mesmo com as alterações promovidas pela CCJ, padece de vício de inconstitucionalidade.

     

    A Constituição de 1988 representa uma clivagem em relação a todo o sistema constitucional pretérito, ao reconhecer o Estado brasileiro como pluriétnico e multicultural, assegurando aos diversos grupos formadores dessa nacionalidade o exercício pleno de seus direitos de identidade própria. Quanto aos índios, as disposições a eles pertinentes são expressas neste sentido.

     

    Ao conferir aos índios a posse das terras tradicionalmente ocupadas, o legislador consituinte teve em vista a circunstância de que os territórios físicos onde estão esses grupos constituem-se em espaços simbólicos de identidade, de produção e reprodução cultural, não sendo, portanto, algo exterior à identidade, mas sim a ela imanente.

     

    O direito à identidade, por seu turno, além de se apresentar, ele próprio, como direito fundamental, reorienta a compreensão de toda uma gama de vários outros direitos fundamentais. Assim é que, exemplificativamente, o princípio da dignidade da pessoa humana requer que se compreenda que cada indivíduo particular é essencialmente dependente de tradições intersubjetivamente compartilhadas no seio de uma dada comunidade, motor de sua própria identidade; o direito à vida despe-se de sua visão meramente biológica, escapando ao âmbito atomístico do individualismo e assumindo caráter significativo, construída por identidades e identificações com referência a origens ou destinos comuns; a igualdade torna-se substancial, antes que formal, posto que pressupõe a alteridade, ou seja, reconhecimento do outro como igual sempre que a diferença lhe acarrete inferioridade, e como diferente, sempre que a igualdade lhe ponha em risco a identidade (Santos, 2000:246) .

                                     

    Nota característica dos direitos fundamentais é a sua indisponibilidade. Como ensina Luigi Ferrajoli[1], esta indisponibilidade há de ser entendida em sua dupla face: indisponibilidade ativa, que não permite aos seus titulares a sua alienação, e a indisponibilidade passiva, no sentido de não serem expropriados ou limitados por outros sujeitos, começando pelo Estado. Neste sentido, nenhuma maioria, sequer por unanimidade, pode legitimamente decidir sobre a violação de um direito de uma minoria naquilo que diz respeito à sua própria identidade. Mais uma vez valendo-nos da lição de Ferrajoli, à vista do princípio da igualdade que se realiza com respeito à diferença, nenhuma maioria pode decidir em matéria de direitos por conta dos demais, tanto mais quando a minoria tem interesses ligados à sua diferença[2].

     

    Daí a razão por que as normas que veiculam tais direitos são chamadas téticas, assim concebidas como aquelas que imediatamente dispõem sobre as situações por elas expressadas[3], não se sujeitando os direitos ali previstos a serem constituídos, modificados ou extintos por qualquer ato. Distinguem-se das normas ditas hipotéticas na exata medida em que as situações nestas previstas encontram-se apenas predispostas pela norma, a reclamar a intermediação de um ato – legislativo, jurídico – para a sua realização.

     

    Assim, os direitos fundamentais são todos ex lege, conferidos diretamente pela Constituição, e imediata e plenamente realizáveis, não se admitindo a intermediação de ato, de que natureza for, para o seu exercício pleno.

     

    Daí por que qualquer disposição normativa, ou mesmo hermenêutica, que afete este território, dissociando-o da questão étnica que o informa, agride o direito fundamental de identidade própria do grupo.

     

    Neste sentido, a proposta de emenda constitucional que  passa a tratar do território indígena a partir de critérios puramente quantitativos ligados à divisão política-administrativa do Estado brasileiro encontra óbice no art. 60, § 4º, IV, da CF, segundo o qual não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (…) os direitos e garantias individuais.

     

    Também a submissão do ato demarcatório das áreas indígenas ao Senado Federal é ofensiva ao princípio da separação de poderes, posto se tratar de atividade de natureza estritamente administrativa, de conteúdo meramente declaratório, e, assim, não passível de ser objeto de emenda constitucional, ainda a teor do referido art. 60, § 4º, em seu inciso III.

     

    Neste particular, merece especial atenção o processo de demarcação das áreas indígenas.

     

    Os territórios indígenas, porque espaços de produção e reprodução física e cultural, não se apresentam naturalisticamente aos olhos do observador. Porque em seu interior se desenvolvem formas específicas de vida, de ver e conhecer o mundo, os seus limites físicos apenas podem ser definidos após a realização de estudo antropológico, que indique não só a situação e movimentação espacial dos grupos, mas, principalmente, toda a ritualística, todo o sentido que é emprestado a estes espaços. E exatamente porque apenas os estudos antropológicos podem fazer justiça à toda a complexidade da questão, determina o art. 2º do Decreto 1775/96 que a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por antropólogo de qualificação reconhecida.

     

    Daí por que, a par da nítida ofensa à Constituição o encaminhamento do ato demarcatório ao Senado Federal, pelas razões já expostas, ressente-se de utilidade prática a providência, apresentando-se nitidamente como de caráter protelatório, pois:

     

    a)       a extensão das áreas indígenas decorre da especial forma de ocupação, decorrente de usos, costumes e tradições, aferida antropologicamente;

    b)       por se tratar de direito fundamental, pois pertinente à própria identidade do grupo, não pode ser alterado ou suprimido por qualquer ato que escape à sua própria dinâmica;

    c)        não cabe ao Senado promover discussões sobre os limites territoriais com quem quer que seja, porque tais direitos não são passíveis de transação ou disposição.

     

    Estas as breves considerações que nos competia fazer.

     

    6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.



    [1] Derechos y garantías – La ley del más débil, Ed. Trotta, Madrid, 2001, p. 47

    [2] Ferrajoli, ob. Cit., p. 90

    [3] Ferrajoli, ob cit, p. 49

     

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  • 16/08/2012

    Informe nº1027: Indígenas exigem revogação de Portaria 303 aos ministros da Justiça e AGU

    Discursos contundentes contra a ganância predatória do agronegócio e a postura anti-indígena adotada pelo governo Dilma Rousseff marcaram as falas das lideranças durante reunião com o ministro de Justiça, José Eduardo Cardozo, e o advogado geral da União, Luís Inácio Adams, na manhã dessa terça, 14, no auditório do Ministério da Justiça.

    O movimento indígena, aliado ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Associação Nacional dos Funcionários da FUNAI (ANSEF), exigiu a imediata revogação da Portaria 303/2012, publicada pela Advocacia Geral da União (AGU) em 16 de julho. A medida, editada sem a devida consulta aos indígenas, normatiza a atuação do corpo jurídico do Poder Executivo e estende a todas as terras indígenas as condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Judicial contra Raposa Serra do Sol. No entanto, foram apresentados embargos de declaração em relação a estas condicionantes, instrumentos jurídicos que permitem a revisão de um decisão judicial quando for verificada a existência de omissão, contradição ou obscuridade  em um processo. Isto significa que a decisão do STF  ainda pode ser anulada ou modificada.

    A Portaria 303 da AGU permite a proibição de novas demarcações e revisão daquelas que não se adequem às condicionantes do STF. Também autoriza a implantação em territórios indígenas de unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos e comunidades. Afeta, ainda, a autonomia em relação ao usufruto das terras.

    O Ministro José Eduardo Cardozo iniciou a reunião explicando que no entendimento da AGU os embargos de declaração não serão aceitos e a decisão do STF em relação a Raposa Serra do Sol não deve ser modificada. Como a AGU garante que existem decisões judiciais anteriores que permitem se estender as condicionantes às demais terras indígenas, Cardozo afirmou que a publicação da Portaria foi uma decisão técnica que tem como objetivo evitar que brechas jurídicas permitam que as demarcações sejam questionadas na Justiça e fiquem paradas por anos. “Para nós o ideal é já fazer as demarcações para evitar nulidade no futuro. Há um compromisso do governo de cumprir a Constituição, mas precisamos fazer isto da melhor forma possível”, afirmou. Ele disse, ainda, que a Portaria foi suspensa temporariamente para que a FUNAI consulte as comunidades, admitindo que mais uma vez o governo desrespeitou a convenção 169 da OIT, que prevê a consulta prévia e informada sobre questões que afetem diretamente o modo de vida das populações.

    O Advogado Geral da União, Luís Inácio Adams, defendeu  todos os aspectos legais da Portaria assinalando o caráter técnico de sua decisão. Para ele é fundamental a definição destes parâmetros normativos e de uma regulação legal no que diz respeito a exploração econômica dos recursos naturais das terras Indígenas.

    As explicações iniciais não convenceram os presentes, que em todas as participações questionaram a legalidade da Portaria e os interesses por trás da iniciativa da AGU.    Ela atende às principais demandas dos interessados na exploração dos recursos naturais protegidos pelos territórios indígenas, que tem usado o poder econômico para pressionar o governo no Congresso Nacional pela flexibilização dos direitos dos índios, garantidos desde a Constituição de 1988.

    Repúdio à Portaria 303

     O primeiro a se manifestar foi o cacique Raoni, do Povo Kayapó, liderança tradicional de grande respeito entre todos os povos, que fez um apelo para que o governo acabe com a portaria. Raoni disse que todos os povos ficaram tristes com mais esta decisão e afirmou que é preciso escutar mais a Funai e os índios

    Lísio Lili, liderança do Povo Terena no Mato Grosso do Sul, disse que  os índios sempre estiveram  abertos ao diálogo  e dispostos  a  acreditar nas palavras das autoridades, mas que as recentes ações do governo contradizem isto e representam uma declaração de guerra ao Povos Indígenas de todo país. Ele testemunhou os esforços do latifundiários sul-matogrossenses em favor da Portaria. Desde o final do ano passado circulam matérias na imprensa do estado sobre encontros do Ministro da Justiça com a Famasul, associação mantida pelos fazendeiros, onde se vinha discutindo uma forma de impedir o avanço das demarcações. “Se esta Portaria não for revogada, o Estado Brasileiro estará declarando guerra aos Povos Indígenas”, concluiu.

    Sônia Bone, indígena do Povo Gujajara que integra a direção nacional da Articulação dos Povos indígenas do Brasil (APIB) e a Coordenação das Organizações indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), também fez um discurso muito forte contra medida.  Ela iniciou sua fala lembrando que desde as primeiras constituições e mesmo nos governos militares, os índios conseguiram avançar na luta por seus direitos  e que justamente em um governo que se diz “de esquerda e popular”, vemos atitudes ditatoriais e um claro desrespeito a Carta Magna. “A portaria 303 tem causado insegurança e instabilidade em nossas terras. Todos os indígenas do país estão insatisfeitos.” Sônia ressaltou que a portaria representa um mal não apenas para os índios mas para o país, pois a proteção do meio ambiente interessa a todos. Ao final, em um ato que disse representar toda indignação e revolta dos indígenas brasileiros, ela rasgou uma cópia da  Portaria 303.

    Marcos Tupã, da região sudeste, reforçou o discurso pela revogação e disse que enquanto isto não ocorrer, as lideranças não irão mais participar das próximas  reuniões da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) ou qualquer outro espaço de diálogo com o governo.

    Ceiça Pitaguary, liderança que representa o nordeste (APOINME) na direção nacional da APIB, falou logo em seguida e deu um exemplo concreto dos prejuízos já causados em sua região. “Alguns fazendeiros que estavam em terras indígenas estão se vangloriando de que a decisão da AGU dá o direito de voltarem a ocupar nossos territórios”. Ceiça informou que no sul da Bahia os latifundiários estão aterrorizando as aldeias e dizendo que poderão voltar sem consultar ninguém, nem a Funai. “Não estamos mais dormindo preocupados com a vida de nossos filhos que irão permanecer naquelas terras. Nós iremos passar, mas eles permanecerão. E haverá terra?  Vai não.  E eles serão cada vez mais encurralados e obrigados a sair de suas casas, enquanto os fazendeiros voltarão para destruir tudo. Não queremos emenda, não queremos ajustar. Queremos a revogação total.”

    Edson Bakairi, de Mato Grosso, fechou as falas dos indígenas “Se a Funai sabia da portaria e não nos avisou também traiu o movimento indígena. E se o governo não ouvir as lideranças, nós vamos para guerra e morreremos pelos nosso direitos. Mato Grosso tem 32 povos e estamos aqui pra dizer que o capitalismo selvagem não pode nos destruir.  Nós apoiamos a revogação da portaria!”

    O deputado federal Padre Ton (PT) falou em nome da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Juntamente com o Secretário Executivo do Cimi, Cleber Buzzato, e dos representantes da ANSEF, ele reforçou o pedido pela revogação integral e definitiva da Portaria da  AGU.  

    Após todas as exposições, Luís Inácio Adams voltou a dizer que sua decisão  não havia sido política e isentou o Ministério da Justiça e os demais setores do governo de qualquer responsabilidade pela publicação da Portaria 303. Disse que nenhum deles sabia previamente. E se dirigindo a Raoni afirmou ter sido tocado pelas palavras do cacique e que iria refletir sobre todas as considerações apresentadas. Não deu, no entanto, nenhum indício que de que acataria as solicitações. Adiantou apenas que tomará uma decisão sobre o assunto nas próximas semanas.

    A última a falar foi a presidente da FUNAI, Marta Maria do Amaral Azevedo, que reafirmou o conteúdo de nota publicada pelo órgão, em que se disse surpresa com a ação da AGU. Falou também que a instituição buscou a suspensão temporária da  portaria para poder ouvir as comunidades.

    Foto: Renato Santana/Cimi

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  • 15/08/2012

    MPF pede instauração de inquérito policial para apurar novo ataque a indígenas em MS

    Após reocupação, índios de Arroio-Korá foram agredidos por homens armados na última sexta-feira (10). Uma criança teria morrido no local em circunstâncias ainda não esclarecidas.

     

    O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso do Sul solicitou a instauração, pela Polícia Federal de Ponta Porã, de inquérito policial para averiguar a violência sofrida por índios guarani kaiowá e ñhandeva durante reocupação da terra indígena Arroio-Korá, em Paranhos, na última sexta-feira, 10 de agosto.

     

    Segundo o MPF, o objetivo da investigação, além de apurar a ocorrência de crimes, é também o de preservar o local dos fatos para futuros exames periciais. Órgãos de saúde indígena da região informaram ao Ministério Público que uma criança teria morrido no local do ataque, em circunstâncias ainda não suficientemente esclarecidas.

     

    Arroio-Korá

     

    A terra indígena Arroio-Korá está localizada no município de Paranhos, no sul de Mato Grosso do Sul, região de fronteira com o Paraguai. Relatório de Identificação da Terra Indígena, realizado pelo antropólogo Levi Marques Pereira e publicado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), atesta, em fontes documentais e bibliográficas, a presença dos guarani na região desde o século XVIII.

     

    Em 1767, com a instalação do Forte de Iguatemi, os índios começaram a ter contato com os “brancos”, que aos poucos passaram a habitar a região com o objetivo de mantê-la sob a guarda da corte portuguesa. A partir de 1940, fazendeiros ocuparam a área e passaram a pressionar os indígenas para que deixassem suas terras tradicionais.

     

    Os primeiros proprietários adquiriram as terras junto ao Governo do, então, Estado de Mato Grosso e, aos poucos, expulsaram os índios, prática comum naquela época. Contudo, os indígenas de Arroio-Korá permaneceram no solo de seus ancestrais, trabalhando como peões em fazendas.

     

    Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena foi publicado em 2004 e a demarcação homologada pela Presidência da República em 2009 (Decreto nº12.367). Porém, logo após a homologação, mandado de segurança impetrado por proprietários rurais suspendeu os efeitos do decreto presidencial. 

     

    Atualmente, os índios guarani-kaiowá e guarani-ñhandeva de Arroio-Korá vivem em situação precária e improvisada em barracos de lona na beira de estradas e em reservas indígenas do Cone Sul de Mato Grosso do Sul. Estima-se que 100 famílias sejam originárias da região.

     

    Assessoria de Comunicação Social

    Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul

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