• 27/11/2012

    Lançamento do relatório de Direitos Humanos

    O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Processo de Articulação e Diálogo entre as Agências Ecumênicas Européias e Parceiros Brasileiros (PAD), Parceiros de MISEREOR no Brasil e Plataforma Brasileira de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil), redes que coordenam desde 2004 a iniciativa conjunta do Projeto Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, lançam o terceiro Relatório Periódico de Direitos Humanos.

     

    O lançamento do Relatório “Direitos Humanos no Brasil: Diagnósticos e Perspectivas, vol. III” será realizado na próxima quinta-feira (29), na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.


    Seguindo as experiências anteriores (Relatórios Periódicos I e II, lançados respectivamente em 2003 e 2007), o presente Relatório tem como finalidade contribuir no monitoramento político da situação concreta dos direitos humanos, com enfoque na situação dos sujeitos de direitos. Neste sentido o foco do relatório não está em analisar determinadas políticas ou aspectos orçamentários específicos, mas sim em fazer uma análise abrangente, com caráter analítico-político, podendo conter estudos de casos, denúncias e recomendações, tentando circunscrever o período a partir de 2007 até o presente momento.


    O Relatório possui 35 textos na sua totalidade e é estruturado em duas partes. Na primeira, que trata de aspectos gerais dos direitos humanos, são abordados temas como: Democracia e Participação Popular; Desenvolvimento e Direitos Humanos; Políticas Públicas e Direitos Humanos; Criminalização dos movimentos e lutas sociais; Territorialidade e luta por Direitos, entre outros. A segunda parte versa sobre enfoques específicos dos direitos humanos e traz textos que tratam de diferentes direitos e diferentes sujeitos, tais como: Meio Ambiente; Alimentação; Educação; Memória, Justiça e Verdade; Liberdade de Expressão, Culto e Religião; Direitos sexuais e Direitos reprodutivos; Saúde; Segurança Pública; Criança e Adolescente; LGBT; Afrodescendentes; Migrantes; Mulheres; Povos indígenas; Populações encarceradas; Populações de rua, entre outros.


    Com o prefácio escrito pelo Ex-Ministro Paulo Vannuchi e textos elaborados a partir da contribuição de autores e autoras ligados às organizações e entidades sociais e à academia, o Relatório se constitui numa mescla entre leituras numa perspectiva prática a partir da experiência cotidiana e a pesquisa numa perspectiva acadêmica. Trata-se de um importante instrumento de monitoramento dos direitos humanos no Brasil, que oferece informações, denúncias e análises sobre uma ampla gama de temas e uma rica plataforma de lutas em busca da garantia e realização dos direitos humanos no Brasil.

     

    ———-
    Serviço:

    Evento: Lançamento do Relatório “Direitos Humanos no Brasil: Diagnósticos e Perspectivas, vol. III”
    Dia: 29 de novembro
    Horário: 9 horas
    Local: Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Anexo II, Câmara dos Deputados, Plenário 09 – Brasília-DF


    Contatos:

    Secretário Executivo: Enéias da Rosa (62) 8141-0102
    MNDH: Joisiane Gamba (98) 8123-2222
    Parc. Miserior: Daniel Rech (61) 8134-6020

    Coordenação Geral:

    Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)
    Processo de Articulação e Diálogo entre as Agências Ecumênicas Européias e Parceiros Brasileiros (PAD)
    Parceiros de MISEREOR no Brasil
    Plataforma Brasileira de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil)

     

    Secretaria Executiva:

    Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil

    Av. Anhanguera, n. 5674 – Ed. Palácio do Comércio, 10 andar – sala 1008
    Goiânia – GO – 74043-010

    Fone / Fax: (62) 3223-6662/ 8141-0102 – secretaria.dhesc@gmail.com

    Read More
  • 27/11/2012

    Latuff dedica charge à campanha Causa Indígena – apóie você também!


    O cartunista e ativista brasileiro Carlos Latuff dedicou uma charge à campanha "Eu apóio a causa indígena". Na reta final da coleta de assinaturas, o movimento reivindica a demarcação de terras, a não aprovação da PEC 215, e o julgamento urgente de todas as ações em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que envolvam os direitos dos povos indígenas.

    As assinaturas serão entregues ao STF, ao Congresso Nacional e à Presidência da República após uma audiência organizada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em Brasília, dia 4 de dezembro. Delegações indígenas de todo o Brasil farão a entrega pública do documento.

    Ainda não participou? Clique aqui e assine a petição

    Noam Chomsky, Wagner Moura, Eduardo Galeano e MC Leonardo, entre muitos outros, são algumas dos famosos que apóiam a campanha. Lançada em junho, o movimento é uma iniciativa do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Associação de Juízes para a Democracia (AJD), com o apoio de dezenas de organizações indígenas, indigenistas e movimentos sociais.

    VIOLAÇÕES


    O abaixo-assinado vem num momento de graves violações dos direitos indígenas. Na Amazônia, no último dia 7, um indígena Munduruku foi assassinado durante Operação da Polícia Federal em território indigena demarcado. No Mato Grosso do Sul, indígenas Kadiwéu são despejados de terra homologada há mais de um século, enquanto Guarani-Kaiowá sofrem ataques e pressões dos mais variados tipos.

    No Rio Grande do Sul, indígenas Kaingang e Mbyá vivem às margens das estradas, acampados sob o intenso frio do Sul do país, sobrevivendo há décadas em pequenos pedaços de terra entre as cercas do latifúndio e o asfalto das rodovias.

    Outro caso emblemático é dos Awá-Guajá, no Maranhão. Caso seja concretizada, a expansão da ferrovia Carajás pela mineradora Vale promoverá o desaparecimento das florestas e da fauna, fonte de vida daqueles indígenas, que hoje já tem suas terras invadidas por madeireiros, que abrem estradas clandestinas, desmatam áreas próximas a lagoas, privilegiadas em caça e pesca, locais de fundamental importância para a sobrevivência física e cultural deste povo.

    A APIB denunciou às Nações Unidas (ONU) a violação de direitos e o genocídio promovidos contra os povos indígenas da Brasil, destacando a PEC 215 e a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU) como instrumentos jurídicos contrários a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

    Ainda não participou? Assine a divulgue a campanha "Eu apóio a causa indígena"

    ENTENDA A PEC 215


    A Proposta de Emenda Constitucional 215/00 (PEC 215) tem o propósito de transferir para o Congresso Nacional a competência de aprovar a demarcação das terras indígenas, criação de unidades de conservação e titulação de terras quilombolas, que é de responsabilidade do poder executivo, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e da Fundação Cultural Palmares (FCP). A aprovação da PEC 215 – assim como da PEC 038/99, em trâmite no Senado – põem em risco as terras indígenas já demarcadas e inviabiliza toda e qualquer possível demarcação futura.


    AUDIÊNCIA

     

    Na audiência pública estarão presentes representantes de diversos povos, inclusive dos jovens e mulheres indígenas, que serão ouvidos pelo Congresso Nacional. A sessão acontece no dia 4 de dezembro, terça-feira, às 10h da manhã, no plenário 9 do anexo 2 da Câmara dos Deputados, em Brasília. Participe!

     

    Read More
  • 25/11/2012

    Kátia, a antropóloga, criadora da abreugrafia

    Nelson Rodrigues só se deslumbrou com "a psicóloga da PUC" porque não conheceu "a antropóloga da Folha". Mas ela existe. É a Kátia Abreu. É ela quem diz aos leitores da Folha de São Paulo, com muita autoridade, quem é índio no Brasil. É ela quem religiosamente, todos os sábados, em sua coluna, nos explica como vivem os "nossos aborígenes". É ela quem nos ensina sobre a organização social, a distribuição espacial e o modo de viver deles.

     

    Podeis obtemperar que o caderno Mercado, onde a coluna é publicada, não é lugar adequado para esse tipo de reflexão e eu vos respondo que não é pecado se aproveitar das brechas da mídia. Mesmo dentro do mercado, a autora conseguiu discorrer sobre a temática indígena, não se intimidou nem sequer diante de algo tão complexo como a estrutura de parentesco e teorizou sobre "aborigenidade", ou seja, a identidade dos "silvícolas" que constitui o foco central de sua – digamos assim – linha de pesquisa.

     

    A maior contribuição da antropóloga da Folha talvez tenha sido justamente a recuperação que fez de categorias como "silvícola" e "aborígene", muito usadas no período colonial, mas lamentavelmente já esquecidas por seus colegas de ofício. Desencavá-las foi um trabalho de arqueologia num sambaqui conceitual, que demonstrou, afinal, que um conceito nunca morre, permanece como a bela adormecida à espera de alguém que o desperte com um beijo. Não precisa nem reciclá-lo. Foi o que Kátia Abreu fez.

     

    Com tal ferramenta inovadora, ela estabeleceu as linhas de uma nova política indigenista, depois de fulminar e demolir aquilo que chama de "antropologia imóvel" que seria praticada pela Funai. Sua abordagem vai além do estudo sobre a relação observador-observado na pesquisa antropológica, não se limitando a ver como índios observam antropólogos, mas como quem está de fora observa os antropólogos sendo observados pelos índios. Não sei se me faço entender. Mas em inglês seria algo assim como Observing Observers Observed.

    Os argonautas do Gurupi

     

    Todo esse esforço de abstração desaguou na criação de um modelo teórico, a partir do qual Kátia Abreu sistematizou um ousado método etnográfico conhecido como abreugrafia que, nos anos 1940, não passava de um prosaico exame de raios X do tórax, uma técnica de tirar chapa radiográfica do pulmão para diagnosticar a tuberculose, mas que foi ressignificado. Hoje, abreugrafia é a descrição etnográfica feita com o método inventado por Kátia Abreu, no caso uma espécie de raio X das sociedades indígenas.

     

    Esse método de coleta e registro de dados foi empregado na elaboração dos três últimos artigos assinados pela antropóloga da Folha: Uma antropologia imóvel (17/11), A Tragédia da Funai (03/11/) e Até abuso tem limite (27/10) que bem mereciam ser editados, com outros, num livro intitulado "Os argonautas do Gurupi". São textos imperdíveis, que deviam ser leitura obrigatória de todo estudante que se inicia nos mistérios da antropologia. A etnografia refinada e apurada que daí resulta quebrou paradigmas e provocou uma ruptura epistemológica ao ponto de não-retorno.

     

    A antropóloga da Folha aplicou aqui seu método revolucionário – a abreugrafia – que substituiu o tradicional trabalho de campo, tornando caducas as contribuições de Boas e Malinowski. Até então, para estudar as microssociedades não ocidentais, o antropólogo ia conviver lá, com os nativos, tinha de "viver na lama também, comendo a mesma comida, bebendo a mesma bebida, respirando o mesmo ar" da sociedade estudada, numa convivência prolongada e profunda com ela, como em ‘Lama’, interpretada por Núbia Lafayette ou Maria Bethania.

     

    A abreugrafia acabou com essas presepadas. Nada de cantoria. Nada de anthropological blues. Agora, o antropólogo já não precisa se deslocar para sítios longínquos, nem viver um ano a quatro mil metros de altura, numa pequena comunidade nos Andes, comendo carne de lhama, ou se internar nas selvas amazônicas entre os huitoto, como fez um casal de amigos meus. E tem ainda uma vantagem adicional: com a abreugrafia, os antropólogos nunca mais serão observados pelos índios.

     

    Em que consiste, afinal, esse método que dispensa o trabalho de campo? É simples. Para conhecer os índios, basta tão somente pagar entrevistadores terceirizados. Foi o que fez a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) que, por acaso, é presidida por Kátia Abreu. A CNA encomendou pesquisa ao Datafolha que, por acaso, pertence à empresa dona do jornal onde, por acaso, escreve Kátia. Está tudo em casa. Por acaso.

    Terra à vista

     

    Os pesquisadores contratados, sempre viajando em duplas – um homem e uma mulher – realizaram 1.222 entrevistas em 32 aldeias com cem habitantes ou mais, em todas as regiões do país. Os resultados mostram que 63% dos índios têm televisão, 37% tem aparelho de DVD, 51% geladeira, 66% fogão a gás e 36% telefone celular. "A margem de erro" – rejubila-se o Datafolha – "é de três pontos percentuais para mais ou para menos".

     

    "Eu não disse! Bem que eu dizia" – repetiu Kátia Abreu no seu último artigo, no qual gritou "terra à vista", com o tom de quem acaba de descobrir o Brasil. O acesso dos índios aos eletrodomésticos foi exibido por ela como a prova de que os "silvícolas" já estão integrados ao modo de vida urbano, ao contrário do que pretende a Funai, com sua "antropologia imóvel" que "busca eternizar os povos indígenas como primitivos e personagens simbólicos da vida simples". A antropóloga da Folha, filiada à corrente da "antropologia móvel", seja lá o que isso signifique, concluiu:

     

    – "Nossos tupis-guaranis, por exemplo, são estudados há tanto tempo quanto os astecas e os incas, mas a ilusão de que eles, em seus sonhos e seus desejos, estão parados, não resiste a meia hora de conversa com qualquer um dos seus descendentes atuais".

     

    Antropólogos da velha guarda que persistem em fazer trabalho de campo alegam que Kátia Abreu, além de nunca ter conversado sequer um minuto com um índio, arrombou portas que já estavam abertas. Qualquer aluno de antropologia sabe que as culturas indígenas não estão congeladas, pois vivem em diálogo com as culturas do entorno. Para a velha guarda, Kátia Abreu cometeu o erro dos geocêntricos, pensando que os outros estão imóveis e ela em movimento, quando quem está parada no tempo é ela, incapaz de perceber que não é o sol que dá voltas diárias em torno da terra.

     

    No seu artigo, a antropóloga da Folha lamenta que os índios "continuem morrendo de diarreia". Segundo ela, isso acontece, não porque os rios estejam poluídos pelo agronegócio, mas "porque seus tutores não lhes ensinaram que a água de beber deve ser fervida". Esses tutores representados pela FUNAI – escreve ela – são responsáveis por manter os índios "numa situação de extrema pobreza, como brasileiros pobres". Numa afirmação cuja margem de erro é de 3% para mais ou para menos, ela conclui que os índios não precisam de tutela.

     

    – Quem precisa de tutela intelectual é Kátia Abreu – retrucam os antropólogos invejosos da velha guarda, que desconhecem a abreugrafia. Eles contestam a pobreza dos índios, citando Marshall Sahlins através de postagem feita no facebook por Eduardo Viveiros de Castro:

     

    ‎"Os povos mais ‘primitivos’ do mundo tem poucas posses, mas eles não são pobres. Pobreza não é uma questão de se ter uma pequena quantidade de bens, nem é simplesmente uma relação entre meios e fins. A pobreza é, acima de tudo, uma relação entre pessoas. Ela é um estatuto social. Enquanto tal, a pobreza é uma invenção da civilização. Ela emergiu com a civilização…"

    Miss Desmatamento

     

    A conclusão mais importante que a antropóloga da Folha retira das pesquisas realizadas com a abreugrafia é de que os "aborígenes", já modernizados, não precisam de terras que, aliás, segundo a pesquisa, é uma preocupação secundária dos índios, evidentemente com uma margem de erro de três pontos para mais ou para menos.

     

    – "Reduzir o índio à terra é o mesmo que continuar a querer e imaginá-lo nu" – escreve a antropóloga da Folha, que não quer ver o índio nu em seu território. "Falar em terra é tirar o foco da realidade e justificar a inoperância do poder público. O índio hoje reclama da falta de assistência médica, de remédio, de escola, de meios e instrumentos para tirar o sustento de suas terras. Mais chão não dá a ele a dignidade que lhe é subtraída pela falta de estrutura sanitária, de capacitação técnica e até mesmo de investimentos para o cultivo".

     

    A autora sustenta que não é de terra, mas de fossas sépticas e de privadas que o índio precisa. Demarcar terras indígenas, para ela, significa aumentar os conflitos na área, porque "ocorre aí uma expropriação criminosa de terras produtivas, e o fazendeiro, desesperado, tem que abandonar a propriedade com uma mão na frente e outra atrás".

     

    Ficamos, então, assim combinados: os índios não precisam de terra, quem precisa são os fazendeiros, os pecuaristas e o agronegócio. Dados apresentados pela jornalista Verenilde Pereira mostram que na área Guarani Kaiowá existem 20 milhões de cabeças de gado que dispõem de 3 a 5 hectares por cabeça, enquanto cada índio não chega a ocupar um hectare.

     

    Um discípulo menor de Kátia Abreu, Luiz Felipe Pondé, também articulista da Folha, tem feito enorme esforço para acompanhar a produção intelectual de sua mestra, usando as técnicas da abreugrafia, sem sucesso, como mostra artigo por ele publicado com o título Guarani Kaiowá de boutique (9/11), onde tenta debochar da solidariedade recente aos Kaiowá que explodiu nas redes sociais.

     

    Kátia Regina de Abreu, 50 anos, empresária, pecuarista e senadora pelo Tocantins (ex-DEM,atual PSD), não é apenas antropóloga da Folha. É também psicóloga formada pela PUC de Goiás, reunindo dois perfis que deslumbrariam Nelson Rodrigues.

     

    Bartolomé De las Casas, reconhecido defensor dos índios no século XVI, contesta o discurso do cronista do rei, Gonzalo Fernandez de Oviedo, questionando sua objetividade pelo lugar que ele ocupa no sistema econômico colonial:

     

    – “Se na capa do livro de Oviedo estivesse escrito que seu autor era conquistador, explorador e matador de índios e ainda inimigo cruel deles, pouco crédito e autoridade sua história teria entre os cristãos inteligentes e sensíveis”.

     

    O que é que nós podemos escrever na capa do livro "Os Argonautas do Gurupi" de Kátia Abreu, eleita pelo movimento ambientalista como Miss Desmatamento? Que crédito e autoridade tem ela para emitir juízos sobre os índios? O que diriam os cristão inteligentes e sensíveis contemporâneos? Respostas em cartas à redação, com a margem de erro de 3% para mais ou para menos.

     

    Read More
  • 24/11/2012

    APIB denuncia à ONU a violação de direitos e o genocídio dos indígenas brasileiros

    A direção nacional da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, representada pelo líder indígena Uilton Tuxá – também coordenador da APOINME – denunciou aos oficiais do Auto Comissionado das Nações Unidas para os Direitos Humanos a violação de direitos e o genocídio promovidos contra os Povos Indígenas da Brasil, diante do descaso e omissão do governo Dilma Rousseff.

     

    A reunião aconteceu na sede da ONU em Genebra, na Suiça, onde também foi entregue aos presentes um documento da APIB que destaca a PEC 215/00 e Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU) como instrumentos jurídicos contrários a Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

     

    Desde o início do mês, em viagem pela Europa, o líder Uilton Tuxá tem denunciado à diversas organizações internacionais e à imprensa mundial a situação crítica enfrentada pelos Povos do Brasil. O objetivo é angariar o apoio internacional para a conscientização de nossos governantes sobre a necessidade urgente de medidas mais efetiva para por um fim à violência sistemática que vitima  diariamente homens, mulheres e crianças indígenas em todo país.

     

    Leia abaixo a íntegra da Carta da APIB às Nações Unidas.

     

    Carta da APIB às Nações Unidas sobre a situação dos Povos Indígenas do Brasil

     

    Genebra, 13 de Novembro de 2012.

     

    Assunto: Situação dos direitos indígenas no Brasil

     

    Para: Oficina do Alto Comissionado das Nações Unidas para os Direitos Humanos

     

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) organização indígena nacional composta pelas principais organizações indígenas em diferentes regiões do país:

     

    – A Articulação dos Povos indígenas do Nordeste e de Minas Gerais e Espírito Santo APOINME,

    – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB,

    – Articulação dos Povos Indígenas do Sul – ARPINSUL,

    – Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste – ARPINSUDESTE,

    – Articulação dos Povos Indígenas e Região do Pantanal – ARPIPAN,

    – Grande Assembleia Guarani – ATY GUASU.

     

    Vem por meio desta, manifestar sua preocupação com o agravamento da violação dos direitos humanos e fundamentais de nossos povos indígenas no Brasil.

     

    O objetivo principal deste documento é solicitar que o sistema das Nações Unidas possa intervir junto ao Estado Brasileiro pedindo para acate suas recomendações e tome medidas urgentes visando assegurar o respeito aos direitos dos povos indígenas, de acordo com os tratados internacionais, conforme a Convenção 169 OIT e Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que estabelecem o direito dos povos indígenas ao consentimento livre, prévio e informado, frequentemente os nossos direitos são violados pelo Governo do Brasil, apesar das recomendações apresentadas pelo Relator Especial das Nações Unidas para questões indígenas sobre a situação dos direitos humanos e liberdades fundamentais dos povos indígenas e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA).

     

    O Brasil tem sido visto no mundo como um dos países que mais cresceu economicamente na última década, e por tanto, saiu da condição de país do terceiro mundo, sendo parte dos países considerados emergentes, porém mesmo com o investimento no programa Bolsa Família visando acabar com a fome da população que vive em situação de extrema pobreza ainda há muitas famílias pobres e os povos indígenas brasileiros estão dentro desse contexto de pobreza.

     

    Apresentamos neste documento um panorama geral da situação dos povos indígenas no Brasil:

     

    Direitos sociais

     

    O respeito aos direitos dos povos indígenas constitucionalmente garantidos é uma realidade que está longe de ser alcançada, devido à ausência da aprovação de uma lei que regulamente o artigo 231 da Constituição Federal a falta desta lei contra diz os discursos dos líderes do atual governo como a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

     

    De acordo com o Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há uma população total de 817.963 indígenas em todo o Brasil. Destes, pelo menos 326.375 indígenas estão em situação de extrema pobreza (39,9%), o que representa quase quatro em cada dez índios. Diferente de outros seguimentos as sociedade brasileira que apresentam percentuais bem mais baixos que os indígenas a exemplo dos brancos que seu percentual chega a 4,7%, e os negros 10,0%, vale ressaltar que os indígenas no Brasil representam apenas 0,04% da população total do país.

     

    Terra e territórios indígenas

     

    O governo brasileiro conta vantagens ao afirmar que as terras indígenas no Brasil já estão quase que totalmente demarcadas, representando 95% das terras indígenas, porém, não explica que esse percentual está relacionado quase exclusivamente nas terras amazônicas e que algumas que foram demarcadas e outras que foram regularizadas contaram com o incentivo de expressivos apoios financeiro da cooperação internacional e pouco investimento dos recursos financeiros do governo do Brasil.

     

    A maioria da população indígena que sofre e vive em situação de extrema pobreza estão localizados exatamente no Norte (Amazônia) e Centro-Oeste, e muitos casos ocorrem em terras que já foram demarcadas mostrando que não é suficiente apenas demarcar terras indígenas sem oferecer condições dignas de trabalhar o uso sustentável da terra, os povos e comunidades indígenas como qualquer outro cidadão precisam de condições de sustentabilidade e proteção de seus territórios. Se as condições de pobreza são visíveis em regiões da terra demarcada, imagine então em outras regiões, como o sul e nordeste do país, onde muitas terras indígenas não são demarcadas e continuam invadidas por fazendeiros.

     

    A maioria dos povos indígenas do Brasil está sujeitos a vulnerabilidades, devido estar sofrendo pressão sobre suas terras, territórios e recursos naturais por causa da construção de grandes projetos de desenvolvimento econômico do governo, como estradas, pequenas e grandes hidrelétricas, transposição do curso de água no rio São Francisco, redes de transmissão de energia elétrica, a intrusão de mineração e exploração madeireira, expansão da fronteira agrícola, o monocultura, os conflitos com os proprietários e latifundiários.

     

    Como exemplo, podemos citar alguns casos dos povos indígenas como o povo Guarani Kaiowá está localizado no estado de Mato Grosso do Sul, o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, Pataxó e Tupinambá, no Estado da Bahia e dos Xavantes no estado de Mato Grosso. No primeiro caso os Guarani Kaiowá são submetidos a condições de discriminação aberta e etnocídio. Eles vivem em áreas extremamente pequenas estas terras estão sendo invadidas por fazendeiros e pistoleiros, agricultores e produtores de monoculturas como soja, cana de açúcar e eucalipto. Na terra indígena de Dourados, a taxa de homicídios é muito alta em função do conflito na disputa pela terra e existem casos em outros povos indígenas como os Pataxó Hãhãhãe no estado da Bahia, que estão esperando a mais de 20 anos atrás, que a Corte Suprema da Justiça Federal brasileira resolvesse a situação de seu território, este ano foi julgado em 2 de maio, a suprema corte improcedente e nulos os títulos de propriedades que o governo da Bahia concedeu a fazendeiros da região, no entanto o governo federal que é o responsável pela demarcação de terras indígenas no Brasil ainda não fez nada para a retirada dos vários fazendeiros do território indígena.

     

    O caso do povo Xavante no Estado de Mato Grosso está revelando o propósito das classes hegemônicas de descaradamente violar os direitos constitucionais dos povos indígenas, que, segundo as leis do país são de responsabilidade do governo federal. A Terra Indígena Maraiwatséde foi homologada em 1998, com direito a posse permanente e uso exclusivo do povo Xavante, no entanto, o governo federal, através do órgão indigenista, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), não retirou os fazendeiros até o momento, para o desespero do povo Xavante, como se não bastasse recentemente, a Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso, aprovou um projeto de lei propondo que os Xavantes sejam transferidos para um parque estadual para que os produtores e fazendeiros não indígenas permaneçam no território indígena. Além disso, como os Kaiowá nos estados da região sul do país existe cerca de 50 acampamentos aguardando a demarcação do território tradicional indígena ou esperando pela desintrusão dos mesmos.

     

    Como pode ver o destino dos povos indígenas do Brasil está ameaçado, porque sabemos que sem terras e territórios assegurados e sem condições de proteção e sustentabilidade toda a perspectiva de vida dos povos indígenas tornam-se inviáveis.

     

    Megaprojetos

     

    A respeito de projetos de desenvolvimento de infraestrutura do governo brasileiros, pelo menos 434 devem afetar territórios indígenas destes, destacamos dois megaprojetos: a Hidrelétrica de Belo Monte, na região amazônica e Transposição das águas do Rio São Francisco, no nordeste do país, em ambos os casos o governo brasileiro não tem respeitado o direito dos povos indígenas ao consentimento livre, prévio e informado.

     

    O projeto de Belo Monte, resiste a mais de 20 anos atrás não foi executado por força da luta dos povos indígenas serão afetados, este projeto é considerado uma grande tragédia ambiental que trará grandes problemas sociais para os povos que serão impactados, ele vai inundar uma área de 500 quilômetros quadrados.

     

    O desvio das águas do rio Xingu, no estado do Pará, deixar sem água, sem peixe e sem meio de transporte fluvial povos indígenas e comunidades tradicionais, principalmente aqueles localizados em uma área de até 130 quilômetros, do projeto estas comunidades sofrerão impacto em suas formas tradicionais de produção e cultura da região, sem citar os conflitos e problemas sociais que serão causados pela imigração de 20 mil operários de várias regiões do país em busca de trabalho e melhores condições de vida.

     

    A Transposição do rio São Francisco para os estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, que supostamente traria água para a população carente desses estados é realmente planejado como um projeto que visa favorecer e atender as demandas do agronegócio e aos interesses econômica e políticos outros setores região.

     

    O rio São Francisco desde o seu nascimento até a foz, atravessa territórios tradicionais ocupados por mais de 9000 anos pelos povos indígenas da região nordeste. Tem uma extensão de 2.800 km, e em sua bacia há 32 povos indígenas, ocupando 38 territórios tradicionais dos seguintes povos: Kaxagó, Kariri-Xocó, Tingui-Boto, Akona, Karapotó, Geripancó, Xoco, Katokin, Koiupanká, Karuazu, Kalankó, Pankararu, Fulni-ô, Xucuru-Kariri, Pankaiuká, Tuxá, Pipipã, Kambiwá, Kapinawá, Xukuru, Pankará, Tupan, Truká, Pankararé, Kantaruré, Atikum, Tumbalalá, Pankaru, Kiriri, Xacriabá, Kaxixó e Pataxó, com população aproximada de 70.000 indígenas.

     

    O Rio São Francisco para esses povos é de vital importância para a sua sobrevivência física e cultural, tanto para o modo de produção para a continuidade de seus rituais e cultura. No entanto, o governo ignora todo esse contexto e principalmente o grito de repúdio dessas pessoas indígenas e não indígenas e decidiu autorizar as obras de implantação do projeto, violando o direito à consulta prévia.

     

    No Brasil, a Convenção 169 da OIT não é respeitada e por isso não se aplica um exemplo de violação é o fato que ocorreu em 2011 quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu ao governo brasileiro para suspender o processo de licenciamento e construção de Belo Monte enquanto não devidamente consultado os povos indígenas interessados.

     

    Então o governo brasileiro, informou caluniosamente em 5 de abril que tinha cumprido o seu papel institucional para esclarecer a consultar as comunidades indígenas. Quando na verdade houve encontros de socialização de informações simples que formam manipulados para se caracterizar como consultas, até mesmo eventos marcados por denúncias de divisão e práticas de cooptação ou descaracterização de líderes indígenas.

     

    Claramente está faltando “boa-fé” por parte do Estado Brasileiro, não há vontade política de aceitar que os povos indígenas segam realmente consultados sobre os projetos que irão impactá-los e que sejam também envolvidos nas instâncias de tomadas de decisões sobre as “medidas legislativas e administrativas que possam afetá-los diretamente”.

     

    Criminalização, saúde e outros aspectos

     

    A violação dos direitos indígenas no Brasil é preocupante em todos os aspectos de acordo com o último relatório anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), divulgado em 30 de junho de 2011, 92 crianças morreram em 2010 devido à falta de cuidados médicos, 60 índios foram mortos e há 152 ameaças de morte. Dos 60 índios assassinados, 34 estavam no estado de Mato Grosso do Sul, onde estão localizados os Guarani Kaiowá.

     

    O atendimento à saúde dos povos indígenas é pobre, a Secretaria Especial de Saúde Indígena, criado em 2010 não consegue funcionar adequadamente e dispõe de uma estrutura insuficiente para promover uma assistência básica de saúde adequada, o mesmo se repete com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) que, apesar da promessa de ter sido reestruturada parta melhorar suas ações nas bases principalmente nos processos fundiário de regularização dos território indígenas ainda não é possível identificar tais mudanças. Na verdade o órgão indigenista passa por um sucateamento proposital da parte do governo justamente para não avanças nos processos de demarcações de terras.

     

    Direitos indígenas

     

    No aspecto dos direitos indígenas estamos a mais de 20 anos esperam que o Congresso Nacional Brasileiro aprove o novo Estatuto dos Povos Indígenas que tramita sob o nº PL 760/2011 que propõe regulamentar os artigos 231 e 232 da Constituição Federal do Brasil que trata dos direitos indígenas. Aguardamos também a aprovação do projeto de lei nº PL 3571/2008 que criação o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), que tramita na Câmara dos Deputados. Esses pleitos legislativos não avançam no congresso devido a falta de compromisso do atual governo que na verdade não quer aprovar leis que garantam os nossos direitos devido o interesse de explorar nossos território tradicionais através dos projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

     

    Pleitos Legislativos anti indígenas

     

    PEC 215/2000. Em sentido contrário à proteção dos direitos indígenas esperada, foi aprovada em 21 de março deste ano, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00. A PEC tem o propósito de transferir para o Congresso Nacional a competência de aprovar a demarcação das terras indígenas, criação de unidades de conservação e titulação de terras quilombolas, que é de responsabilidade do poder executivo, por meio da FUNAI, do Ibama e da Fundação Cultural Palmares (FCP), respectivamente. A aprovação da PEC 215 – assim como da PEC 038/ 99, em trâmite no Senado, põem em risco as terras indígenas já demarcadas e inviabiliza toda e qualquer possível demarcação futura. O risco é grande uma vez que o Congresso Nacional é composto, na sua maioria, por representantes de setores econômicos poderosos patrocinadores do modelo de desenvolvimento em curso.

     

    Projeto de Mineração PL 1610/1996. A bancada da mineração, integrada por parlamentares da base aliada do governo, tem o propósito de aprovar também, o Projeto de Lei (PL) 1610/96 que trata da exploração mineral em terras indígenas. O texto do relator, ignora totalmente salvaguardas de proteção da integridade territorial, social, cultural e espiritual dos povos indígenas, desburocratiza a autorização da pesquisa e lavra mineral em terras indígenas, com fartas facilidades e condições que permitem o lucro fácil e avolumado das empresas envolvidas. Ou seja, o texto se preocupa apenas, de forma escandalosa, em disponibilizar as terras indígenas e seus potenciais ao capital financeiro-especulativo, principalmente minerador. Cria as condições para a corrida descontrolada, da grande mineração, pelo ouro nos territórios indígenas; decreta o ataque aos povos indígenas isolados ou de pouco contato, ao submeter o seu destino aos princípios da segurança nacional; relativiza ou afasta de forma ridícula a participação do Ministério Público Federal do seu papel de proteger os direitos indígenas; enterra a autonomia dos povos indígenas, ao submeter a sua decisão de não querer mineração à deliberação de uma comissão governamental deliberativa que deverá dizer qual é a melhor proposta para as comunidades, ressuscitando dessa forma o indigenismo tutelar, paternalista e autoritário. Enfim, minimiza o alcance do direito de consulta estabelecido pela Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT;

     

    Os povos e organizações indígenas são contrários a este projeto, pelos estragos que poderá acarretar, e reivindicam que o assunto da mineração seja tratado no texto do Estatuto dos Povos Indígenas, discutido e consensuando amplamente pelo movimento indígena com o Governo Federal nos anos de 2008 e 2009.

     

    Medidas administrativas e jurídicas contrárias aos direitos indígenas

     

    O Governo Federal tem publicado nos últimos dois anos uma série de Decretos e Portarias que tem o propósito de inviabilizar a demarcação de terras reivindicadas pelos povos indígenas e a abertura dos territórios e seus recursos naturais à exploração descontrolada por parte de empresas nacionais e do capital financeiro especulativo transnacional. Destacamos entre essas medidas as seguintes:

     

    Portaria 2498/2011 que objetiva a participação dos entes federados (Estados e municípios) no processo de identificação e delimitação de terras indígenas; ao editar esta medida, o governo ignorou o Decreto 1775/96 que institui os procedimentos de demarcação das terras indígenas e que já garante o direito do contraditório alegado para a criação desta Portaria.

     

    Portaria 419/2011, que regulamenta a atuação do órgão indigenista, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em prazo irrisório, nos processos de licenciamento ambiental, para facilitar a implantação de empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC (hidrelétricas, mineração, portos, hidrovias, rodovias, linhas de transmissão etc.) nos territórios indígenas.

     

    Portaria 303/2012, que se propõe “normatizar” a atuação dos órgãos jurídicos da Administração Pública Federal direta e indireta em relação às salvaguardas institucionais às terras indígenas. Atendendo o anseio dos latifundiários e do agronegócio, a Portaria, na verdade, busca estender para todas as terras indígenas as condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3.888-Roraima/STF). O Governo editou a Portaria mesmo sabendo que a decisão do STF sobre os embargos declaratórios da Raposa Serra do Sol ainda não transitou em julgado e estas condicionantes podem sofrer modificações ou até mesmo serem afastadas pela Suprema Corte. A Portaria afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos e comunidades indígenas e à FUNAI; determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; ataca a autonomia dos povos indígenas sobre os seus territórios; limita e relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes nas terras indígenas assegurado pela Constituição Federal; transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) o controle de terras indígenas, sobre as quais indevida e ilegalmente foram sobrepostas Unidades de Conservação (UCs); e cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas, que não observaram integralmente o direito indígena sobre a ocupação tradicional.

     

    Petição

     

    Diante da situação a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem junto aos Mecanismos de Direito Humanos das Nações Unidas, reivindicar medidas necessárias para um acompanhamento mais rigoroso da situação dos direitos indígenas no Brasil, e sobre tudo da violação desses direitos, talvez permitindo ação conjunta com vários relatores, promovendo, por exemplo, uma missão conjunta com a Comissão de Peritos em Aplicação de Convenções e Recomendações (CEACR), para verificar a aplicação da Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

     

    Na oportunidade gostaríamos de sugerir as Nações Unidas que se crie um sistema online de tradução de idiomas para que qualquer seguimento de países membro da ONU que não fala língua oficial também possa fazer suas denuncias como é o nosso caso dos povos indígenas do Brasil.

     

    Confiantes de contar com o vosso apoio e atenção nos despedimos ao mesmo tempo em que dispomo-nos a esclarecer qualquer questão abordada neste documento.

     

    Cordialmente,

     

    Manoel Uilton dos Santos / Indígena do Povo Tuxá

    Pela Diretoria Nacional de Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

     

    Read More
  • 23/11/2012

    Informe nº 1041: Nota de repúdio contra a ação criminosa da Polícia Federal praticada na Aldeia Teles Pires, do povo Munduruku

    O Cimi vem a público manifestar seu veemente repúdio à ação virulenta e assassina praticada pela Polícia Federal, na chamada Operação Eldorado. Usando o pretexto de cumprimento de ordem judicial que determinava a destruição de dragas de garimpos no Rio Teles Pires e de pontos ilegais de mineração, o delegado Antonio Carlos Muriel Sanchez comandou a invasão, no dia 07/11/2012, à Aldeia Indígena Teles Pires, no município de Jacareacanga, estado do Pará. De acordo com depoimentos prestados à 6ª. Câmara do Ministério Público Federal, lá praticaram todo tipo de atrocidades, como espancamentos, assassinato, tentativa de assassinato, destruição de moradias, de escola, posto de saúde, celulares, computadores, aparelho de radiofonia, embarcações de pesca, de transporte e as dragas utilizadas no garimpo. Além disso, os indígenas não estão podendo pescar, pois o rio ficou contaminado pelo combustível que estava nas dragas, destruídas pela Polícia Federal.

     

    Os indígenas Munduruku relataram que, sem nenhuma explicação, o delegado Muriel e policiais federais acompanhados de dois representantes da Funai e Ibama, entraram na aldeia, invadiram casas e destruíram tudo que encontravam pela frente. Os líderes indígenas, na tentativa de estabelecer diálogo foram agredidos, com tapas no rosto e humilhações, sendo que num dos momentos o delegado sacou seu revólver e o apontou para o cacique da comunidade, quando então, um dos indígenas tentou desviar a arma, momento em que o delegado caiu no rio. Ainda, segundo os depoimentos prestados ao MPF, os agentes da Polícia Federal que acompanhavam o delegado, passaram a disparar contra os indígenas, foi quando Adenilson Kirixi recebeu três disparos nas pernas e também caiu no rio. O delegado, que estava na água, também atirou contra o indígena. Seu corpo foi encontrado boiando no rio no dia seguinte. No mesmo instante, helicópteros sobrevoavam a aldeia e jogavam bombas. Outros três indígenas ficaram gravemente feridos e estão internados. Muitas crianças ficaram feridas e em estado de choque, em função da violência, das bombas e dos disparos de balas de borracha.

     

    De acordo com os depoimentos das vítimas, o garimpo que se pratica no Rio Teles Pires é regular, pois vem sendo feito mediante acordos estabelecidos entre os Munduruku, a Funai, o Ministério da Justiça e o Ibama.

     

    Nos depoimentos os Munduruku afirmam que servidores da Funai e do Ibama foram anteriormente à região, na tentativa de convencer a comunidade a dar sua anuência para o estudo de impacto ambiental, tendo em vista a construção de hidrelétricas no Rio Teles Pires. Na ocasião, a comunidade se manifestou, em consonância com as demais comunidades e povos de toda a região, contra tais empreendimentos e informou que não dará nenhum tipo de anuência a estas iniciativas do governo.

     

    Conclui-se, com isso, que a ação criminosa da Polícia Federal não tem relação com a exploração garimpeira, exercida há décadas. Foi sim uma tentativa de intimação e desastrosa demonstração de força do Governo Federal, no intuito de calar a voz de resistência do povo Munduruku, contra a construção do complexo de hidrelétrico previsto para a região do Tapajós.

     

    Na opinião do Cimi, as autoridades públicas responsáveis pelas questões indígena e ambiental devem ser responsabilizadas. São elas: a presidente Dilma Rousseff, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, a presidente da Funai, Marta Azevedo, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o presidente do Ibama, Volney Zanardi Junior. Estas autoridades deveriam agir e exercer suas funções com zelo e cuidado no sentido proteger as comunidades, especialmente aquelas que se encontram em situação de risco, como é o caso da comunidade indígena Munduruku, da Aldeia Teles Pires.

     

    O Conselho Indigenista Missionário manifesta solidariedade ao povo Munduruku e exige que medidas sejam adotadas imediatamente, no sentido de garantir a segurança e a proteção aos Munduruku, bem como se preste toda assistência aos feridos e à comunidade que perdeu tudo que tinha no ataque criminoso. É necessário que se garanta acompanhamento médico e sejam levados alimentos para a comunidade.

     

    No entender do Cimi, esse ataque policial criminoso constitui-se em tentativa de genocídio, visto que o poder público avalizou uma ação policial virulenta contra toda uma comunidade indígena, dentro de uma área demarcada pelo Governo Federal.

     

    Brasília, 23 de novembro de 2012.

     

    Cimi – Conselho Indigenista Missionário

    Cimi 40 anos

     

    * Imagens do ataque: Comunidade Mundukuru

    Read More
  • 22/11/2012

    O bem viver e a missão

    Em todo rito há uma mescla de mística e de militância, pois o “ser enviado” e o “assumir a missão” supõem uma textura existencial e histórica em que se mesclam fios de mística e urdiduras de militância.

    Continue reading O bem viver e a missão

    Read More
  • 22/11/2012

    Povo Pataxó realiza retomada na Bahia e comunidade é ameaçada

    Índios Pataxó do extremo sul da Bahia retomaram no último dia 18 área reivindicada como de ocupação tradicional. A propriedade rural, Fazenda Santa Lúcia, com 54 hectares, está dentro dos limites da demarcação das terras indígenas no Parque Nacional do Descobrimento, caso de Cahy-Pequi (Comexatibá).

    Lideranças informam que estão sendo ameaçadas por homens que se passam por policiais militares; dizem que se os índios não saírem por bem, vão sair ‘na bala’.

    A fazenda fica localizada a nove quilômetros de Cumuruxatiba, sendo que é usada para a criação de gado. Antes da chegada do invasor, a área era de mata nativa, derrubada para dar lugar ao pasto.

    Em 18 de março do ano passado, a Funai publicou a Portaria 365, que constituiu um Grupo de Trabalho com o objetivo de realizar estudos complementares. O trabalho do GT só teve início em 15 de abril deste ano. Da mesma forma, deveria ter publicado o resultado técnico em até 60 dias, o que ainda não aconteceu.

     

    A retomada visa sinalizar ao governo federal que a comunidade não aceita mais a demora da demarcação das terras dos Pataxó.

     

    Read More
  • 21/11/2012

    Raízes, aprendizados e rumos pastorais do Cimi

    Repensar a missão com fidelidade e audácia (cf. DAp 11)

     

    1. Labirintos da missão pré-conciliar

     

    Historicamente, a evangelização dos pobres podia ser resumida com a sigla de “conformação sistêmica” e “consolação humana”. Já a evangelização dos outros, dos povos indígenas, por exemplo, trabalhou com os prefixos de “assimilação” e “conversão”. Para os missionários, ambas as bandeiras, a da “conformação consoladora” e da “conversão assimilacionista” abriram caminhos para a salvação das almas e a integração social. A integração social acoplada à salvação das almas era a garantia para conter revoltas e revoluções nos territórios conquistados. A missão produziu submissão e garantiu em alguns momentos de glória um mínimo de direitos humanos nos limites do sistema colonial.

     

    50 anos atrás, o Vaticano II produziu 16 documentos que procuravam romper com essa situação e romperam com duas vertentes ideológicas, incompatíveis com o evangelho de Jesus Cristo, romperam com as heranças do Império Romano e do sistema colonial. Com a decretação do cristianismo como religião oficial do Império Romano, em 380, pelo imperador bizantino Teodósio I., e com a progressiva decadência desse império, insígnias, liturgias, estruturas e modos de administração imperiais foram assumidas pela nova religião de Estado. De geração para geração, de século para século, foram transmitidas e se tornaram fetiches do cristianismo, sinais mágicos da violência. Setores do Vaticano II estavam decididos de romper com essa herança, historicamente, caducada.

     

    No final do Concílio, no “Pacto das Catacumbas”, de 1965, 40 padres conciliares renunciaram à herança do Império Romano, “à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos)”; recusaram-se a ser chamados “com nomes e títulos que significassem a grandeza e o poder (Eminência, Excelência, Monsenhor…)”. Paulo VI deu um sinal na mesma direção quando, no dia 13 de novembro de 1964, antes de viajar para Bombaim, colocou a Tiara, a tríplice coroa dos papas, no altar de S. Pedro para nunca mais usá-la. Mas, para o conjunto da Igreja Católica, muitas das estruturas e da indumentária imperiais até hoje não foram abolidas.

     

    No início do Vaticano II, os símbolos imperiais e a ideologia colonial ainda estiveram presentes não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Os documentos oficiais da Igreja Católica latino-americana do fim do século XIX e da primeira metade do século XX apontam para uma Igreja que defende seus privilégios como meio e a civilização ocidental como meta missionária, sobretudo para as "tribos que ainda permanecem na infidelidade" [n. 770] (cf. CONCÍLIO PLENÁRIO, Actas, 1906, itens 547s, 619, 627, 770-774). Muitas das deliberações pastorais do Concílio Plenário da América Latina, celebrado em Roma em 1899, repetem os tópicos elencados trezentos anos antes, na primeira fase de colonização, nos concílios de México e Lima.

     

    A “Pastoral Collectiva” e as "Resoluções e Estatutos" da Província Eclesiástica Meridional do Brasil, de 1901, mostram uma Igreja romanizada, defensiva e voltada para si mesma, sem nenhuma preocupação com os povos indígenas (cf. PASTORAL COLLECTIVA, 1902). A mesma despreocupação refletem as Cartas Pastorais, como aquela que o episcopado brasileiro escreveu por ocasião do Centenário da Independência (cf. CARTA PASTORAL, 1922); a mesma lacuna encontra-se nos 489 cânones do Primeiro Concílio Plenário Brasileiro, celebrado em 1939 no Rio de Janeiro (cf. CONCILIUM PLENARIUM BRASILIENSE, 1939). Mas, em cada ano dessa época, um povo indígena foi definitivamente exterminado.

     

    Para o trabalho missionário, um dos precursores da descolonização foi Charles de Foucauld (1858-1916). Com seus seguidores nos mais diversos movimentos espirituais e fundações religiosas, antecipava questões posteriormente articuladas em torno do paradigma da inculturação e da presença missionária. No contexto pós-colonial da opção pelos outros, emerge a opção pelos operários de um Joseph Cardijn que, em 1924, fundou na Bélgica a Juventude Operária Cristã (JOC), inspirando a Ação Católica com seu método da “revisão de vida” (ver, julgar, agir). A sobriedade missionária do movimento dos padres operários e da Mission de France já apontaram para a opção pelos pobres. A criatividade e tenacidade dos movimentos litúrgico, bíblico e ecumênico abriram, muito antes do Vaticano II, perspectivas para a celebração da vida e para a leitura da palavra de Deus a partir do respectivo contexto cultural e histórico. Finalmente, o papa João XXIII, na encíclica Pacem in terris (1963), invoca a descolonização como um sinal de Deus no tempo [n. 42]. O anúncio do Vaticano II, na festa da conversão do apóstolo Paulo, dia 25 de janeiro de 1959, na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, tem um profundo significado simbólico. Data, lugar e pessoa escolhidos pelo papa João XXIII apontam para o propósito de reconstruir uma Igreja com atitude de conversão fora dos muros do legalismo; apontam para uma Igreja apostólica, cuja atividade missionária se torna responsabilidade libertadora para com toda a humanidade. A missão da Igreja começa “fora dos muros”, entre aqueles que vivem nas margens das respectivas sociedades.

     

    Como colocar a Igreja em dia com o mundo e com uma nova consciência histórica, e inseri-la na realidade de hoje? Inserção na realidade, consciência histórica, contemporaneidade, sem concessões aos modismos, e visão utópica delineiam o campo semântico do aggiornamento de João XXIII.

     

    2. A virada pastoral do Cimi: voz e vez dos povos indígenas

     

    Ao Cimi coube a tarefa de conduzir a causa dos povos indígenas do labirinto colonial à planície pós-conciliar e da invisibilidade política e da tutela colonial ao confronto com o poder político. Este visava através das senhas de integração, emancipação, desenvolvimento e sustentabilidade, encaminhar os povos indígenas para o desaparecimento de sua alteridade.

     

    As inovações verbais e documentais do Concílio foram significativas, porém, muitas vezes, polissêmicas e não obrigatórias. Permitiram, ao lado da caminhada do Cimi, outros caminhos e projetos, uns, pré-conciliares, outros modernizantes e ainda outros afinados com os respectivos governos. A pastoral do Cimi foi uma opção, não uma obrigação. Este fato permitiu, no tempo pós conciliar, parar processos, obstaculizar caminhos, reverter reformas, às vezes no campo simbólico, às vezes, no campo real. Na situação de um pluralismo pastoral quase pós-moderno, algumas afirmações nos incomodaram particularmente:

     

    – a negação da existência de índios em determinadas dioceses: “Na nossa diocese não têm mais índios; são todos caboclos”;

    – a negação do protagonismo e da voz própria dos povos indígenas: “Eu amo os índios, mas odeio o Cimi”;

    – a confusão da proteção específica dos povos indígenas com sua manutenção no atraso de uma redoma cultural: “O Cimi tem uma visão romântica e não histórica dos povos indígenas”;

    – a negação da relevância pastoral do trabalho indigenista do Cimi: “Eu tenho a `minha´ pastoral indigenista, porque o Cimi não faz pastoral; o Cimi presta apenas um serviço social”.

     

    Não é difícil mostrar o fundo ideológico e interesseiro dessas afirmações. Limito a minha colocação a alguns passos pastoralmente relevantes, que procuravam traduzir as inspirações fundamentais do Vaticano II para a caminhada do Cimi.

     

    Primeiro: Da pastoral dedutiva à pastoral indutiva

     

    A Constituição Pastoral Gaudium et spes, mais do que outros Documentos do Vaticano II, assume um discurso indutivo, partindo da vida concreta da humanidade, das alegrias e esperanças, das tristezas e angústias, “sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem” (GS 1). A leitura dos “sinais dos tempos” e a interpretação das mensagens que Deus envia a partir do mundo secular à sua Igreja foram reconhecidas como uma espécie de revelações históricas: “A própria Igreja não ignora o quanto tenha recebido da história e da evolução da humanidade”, nos informa a Gaudium et spes (GS 44,1).

     

    Para o Cimi, a tradução desse impulso conciliar de uma pastoral indutiva aconteceu nas “Assembleias dos povos indígenas”. Para fortalecer o protagonismo indígena, o Cimi incentivou, desde 1974, a organização de assembleias de líderes indígenas. Nessas assembleias, na escuta da voz dos povos indígenas e na interpretação dos sinais do tempo transmitidos nos relatos de sua história sofrida, o Cimi assumiu a metodologia teológica do “ver-julgar-agir”, reconhecida pelo magistério eclesial desde a programática Carta Encíclica Mater et magistra, de João XXIII (1961) [MM 235]. Essas assembleias indígenas foram para o Cimi eventos que permitiram várias vezes superar “pontos mortos” da tradição pastoral indigenista e reconhecer os povos indígenas como sujeitos da missão. Acreditamos na racionalidade e significância da dor dos povos indígenas e procuramos não só interpretá-la, mas denunciar a sua origem e interromper as suas consequências. Experimentamos nessas assembleias o que pode aparecer como frase de efeito no Documento de Aparecida: “Quantas vezes os pobres e os que sofrem nos evangelizam realmente” (DAp 257)! As inspirações pastorais do Cimi vieram da práxis pastoral, do chão das aldeias indígenas.

     

    Segundo: Do monopólio salvífico ao diálogo inter-religioso

     

    A realidade do outro não representa uma tábula rasa, mas uma realidade a ser assumida em continuidade e, ao mesmo tempo, com rupturas. Onde a missão chega, Deus já está presente. Ele nos precede em todos os povos. Aprendemos a assumir e contextualizar a história dos povos indígenas no interior da história de salvação. O aggiornamento de João XXIII sugeriu a passagem de um mundo pré-moderno e fundamentalista à assunção crítica da modernidade; apontou para a passagem do monólogo salvífico ao diálogo com outras religiões, credos e visões do mundo.

     

    Missionários exemplares como José de Anchieta (1534-1597) e Antônio Vieira (1608-1697), no Brasil, ensinavam a doutrina oficial da Igreja-cristandade. Para eles, o mundo do outro, do não católico, era um mundo sem graça.

     

    Os princípios hermenêuticos dessa atividade missionária são conhecidos:

     

    a) O cristianismo em sua vertente católica é a única religião que salva.

    b) As religiões dos outros são religiões idolátricas porque não têm por base a revelação do verdadeiro Deus.

    c) O empenho na salvação das almas é um dever urgente da Igreja.

    d) O diálogo inter-religioso serve para convencer o outro dos seus erros e convertê-lo ao cristianismo.

     

    Essa era a doutrina oficial – não só da Igreja Católica, mas também da maioria das denominações cristãs – até a primeira metade do século XX.

     

    O Vaticano II trouxe mudanças substanciais que aqui são resumidamente elencadas:

     

    a) “O Salvador quer que todos os homens se salvem” (LG 16; cf. 1Tim 2,4).

    b) “O plano da salvação abrange também àqueles que reconhecem o Criador” (LG 16), muitas vezes, em religiões não cristãs que “refletem lampejos daquela Verdade que ilumina todos os homens” (NA 2b). De ninguém, que procura “o Deus desconhecido em sombras e imagens, Deus está longe” (LG 16a). Essa afirmação significa um reconhecimento salvífico das religiões não cristãs.

    c) Cristãos e não cristãos podem ser associados ao mistério pascal e à esperança da ressurreição: “Devemos admitir que o Espírito Santo oferece a todos a possibilidade de se associarem, de modo conhecido por Deus, a este mistério pascal” (GS 22).

    d) Todos “que sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e Sua Igreja, mas buscam a Deus com coração sincero e tentam, sob o influxo da graça, cumprir por obras a Sua vontade conhecida através do ditame da consciência, podem conseguir a salvação eterna” (LG 16). “Deus pode por caminhos d´Ele conhecidos levar à fé os homens que sem culpa própria ignoram o Evangelho” (AG 7a).

    e) A liberdade religiosa é um direito da pessoa humana e um pressuposto da missão. “Em assuntos religiosos ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência, nem se impeça de agir de acordo com ela” (DH 2a).

     

    Todas essas afirmações aliviaram o trabalho missionário. Para o Cimi, as religiões indígenas tornaram-se interlocutores do diálogo inter-religioso e ecumênico. O diálogo é, como o lava-pé de Jesus, um serviço que prestamos à humanidade: “O clima do diálogo é a amizade; melhor, o serviço”, afirmou Paulo VI em sua encíclica programática Ecclesiam suam [ES 49].

     

    Terceiro: A metamorfose do caçador de borboletas ao jardineiro ou da missão que salva almas à missão que salva vidas

     

    Ao defender território, cultura e subjetividade (autodeterminação, abolição da tutela), o Cimi substituiu a prioridade da salvação de almas pela salvação de vidas historicamente situadas. Missionários e missionárias junto aos povos indígenas não precisavam mais correr como caçadores de borboletas atrás do resgate das almas dos índios, mas podíam dedicar-se, como jardineiros que atuam por atração, ao plantio das flores da solidariedade, autenticidade e relevância de um conceito de missão (salvação) integral.

     

    Em seu discurso final, na última sessão do Concílio (7.12.1965), o papa Paulo VI oferece uma chave de leitura teológico-pastoral de todo o Vaticano II que era, ao mesmo tempo, um imperativo para a pastoral do Cimi: “A ideia de serviço ocupou o lugar central” do Vaticano II. “Desejamos antes notar que a religião do nosso Concílio foi, antes de mais nada, a caridade”.

     

    “No tempo pós-conciliar, as missionárias e os missionários construíram uma nova articulação entre os campos espiritual e material, entre o político e o religioso, entre as convicções religiosas próprias e as dos outros, na base dos mistérios e nas festas centrais do cristianismo. Na festa de Natal, por exemplo, comemora-se a encarnação do Filho de Deus entre nós, que inspirou o paradigma da inculturação. A festa da Páscoa aponta para o paradigma da libertação. A festa de Pentecostes, que comemora a fundação da Igreja, ajuda a ver melhor os aspectos do diálogo e da gratuidade da presença missionária e a pluralidade dos projetos de vida dos povos indígenas” (Plano Pastoral do Cimi, n. 107).

     

    Se os missionários e as missionárias do Cimi não se consideram mais caçadores de almas, mas defensores de um conceito de pastoral integral que opera por atração, também a discussão sobre a evangelização explícita e a implícita não tem mais sentido. Na base do Evangelho, o Documento de Aparecida (DAp) procurou encontrar um justo meio, quando declara: “Iluminados pelo Cristo, o sofrimento, a injustiça e a cruz nos desafiam a viver como Igreja samaritana, recordando que a evangelização vai unida sempre à promoção humana e à autêntica libertação cristã” (DAp 26). Aparecida radicaliza quando declara: “Tudo o que tenha relação com Cristo tem relação com os pobres e tudo o que está relacionado com os pobres clama por Jesus Cristo” (DAp 393). Abandonamos, na pastoral indigenista, a dicotomia entre “salvar almas” e “cuidar corpos”, fazer catequese e lutar por terra e teto. Existe uma articulação orgânica entre palavra e ação, fé e política, celebração sacramental e horizonte de sentido; entre vida ativa e contemplativa. Lutar pelo reconhecimento da dignidade das pessoas como criaturas de Deus e cuidar do planeta terra como obra de Deus é tão importante como fazer catequese e explicar as escrituras. “A fé que não se traduz em ações, por si só está morta” (Tg 2,17). Igreja samaritana tão enfatizada por Aparecida (cf. DAp 26) responde à pergunta do doutor da Lei “O que devo fazer para ter a vida eterna”. Segundo a parábola de Jesus, ela não vem do templo, mas é relevante para a vida eterna: se é eterna, então é vida ontem, hoje e amanhã, vida histórica e escatológica.

     

    A Evangelii nuntiandi resume a questão ao declarar: “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres” (EN 41). A pastoral do Cimi teve a graça de gerar testemunhas qualificadas, mártires, confessores e profetas.

     

    Os serviços pastorais da Igreja, a sua diaconia no anúncio da palavra como na prática de solidariedade, são seguimento do Verbo encarnado. Através de ambos os serviços entramos “na vida e na missão d´Aquele que `se aniquilou a Si mesmo, tomando a forma de servo´ (Fil 2,7)” (Ad gentes, 24; cf. Gaudium et spes, 32; Lumen gentium, 8). No conjunto da ação pastoral do Cimi, cada serviço é serviço pastoral que envolve uma atividade específica (assessorias), integral (defesa do território e da cultura), contextual (cidade, aldeia) e universal (“causa indígena”, não casos isolados). Universal quer dizer que os nossos serviços estão interligados pelos vasos capilares da Boa-Nova e do Reino. Nossa atividade pastoral, que é apostólica e profética, exige que tenhamos zelo pelo outro, não ciúme; “exige que anunciemos Jesus Cristo e a Boa-Nova do Reino de Deus, denunciemos as situações de pecado, as estruturas de morte, a violência e as injustiças internas e externas e fomentemos o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico” (DAp 95). Fazemos alianças com todos os setores que acreditam no futuro específico dos povos indígenas e atuam num horizonte antissistêmico. Nos trâmites da justiça e nas lutas pelas condições dignas de vida, o Cimi nunca se considerou juiz entre as partes, mas “advogado da justiça” (DAp 395, 533) dos povos indígenas.

     

    Quarto: Da adaptação e acomodação à inculturação

     

    Adaptação e acomodação eram instrumentos de uma pastoral colonial e colonizadora. A bandeira do aggiornamento de João XXIII forjou trilhos de descolonização na Igreja que agora estendeu seus braços em direção da macroestrutura da modernidade e das microestruturas dos contextos vivenciais dos povos. Nos contextos vivenciais encontrou as vítimas do sistema em curso: os pobres e suas lutas pela redistribuição dos bens; e os outros, os povos indígenas em busca de terra e reconhecimento de sua alteridade.

     

    O aggiornamento macroestrutural ao mundo moderno não nos afastou dos contextos microestruturais dos pobres e dos outros. Pelo contrário, a modernidade disponibiliza os instrumentos em defesa da causa indígena: autonomia e autodeterminação, universalidade de causas e subjetividade das pessoas, organização de lutas sociais e participação democrática, tolerância e reconhecimento de alteridade.

     

    A proposta do aggiornamento, segundo Paulo VI, a “orientação programática” do Concílio (Ecclesiam suam, 27), o Cimi traduziu como inculturação, como construção de uma Igreja versus populum, como virada popular das práticas pastorais, litúrgicas, institucionais e teológicas (Teologia índia!).

     

    “Para os povos indígenas que pedem a evangelização, a inculturação é um instrumento da evangelização libertadora. Jesus não separou o anúncio de sinais de justiça e caridade. `Por onde andardes anunciai que o reino dos céus está próximo. Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios´ (Mt 10,7s) [Plano Pastoral, n. 112]. A inculturação, essa tentativa de anunciar o Evangelho e transmitir a fé numa proximidade cultural com os povos indígenas, é para os que adotaram essa fé “um imperativo do seguimento de Jesus e é necessária para restaurar o rosto desfigurado do mundo (cf. LG 8, DSD 13; PP, n. 113). “O Cimi está convencido de que uma leitura pós-colonial e profética do Evangelho pode contribuir para o fortalecimento do projeto dos povos indígenas, de sua identidade e capacidade de construir alianças com outros setores marginalizados da sociedade brasileira; pode contribuir para a formulação de uma ética de solidariedade além das fronteiras tribais e locais; pode contribuir para a sua confiança num futuro específico, num mundo que será para todos” (Plano Pastoral, n. 114).

     

    Na proximidade vivencial com os povos indígenas descobrimos as questões da terra/território, da autodeterminação e da cultura como seus salva-vidas. Procuramos ancorar a defesa dessas questões axiais na tradição da Igreja que, na configuração da CNBB, era e é nossa grande aliada. Recorremos, muitas vezes, como os textos do Vaticano II, aos tópicos da Patrística que permitiram construir uma ponte desde os primórdios do cristianismo até as aldeias indígenas. O mártir Justino ((+165) nos falou das “sementes do Verbo“ nas culturas (vgl. Ad Gentes 11; Lumen Gentium 17; Gaudium et Spes 57). Irineu de Lyon (+202) e Eusébio de Cesareia (+339) procuravam ler as culturas pagãs como pedagogia, como „preparatio evangelica“ (Ad gentes 3). Puebla (cf. n. 400) cita Santo Irineu que nos advertiu que somente o “assumido” pode ser “redimido”. .

     

    Quinto: Da missão ad gentes à missão entre e com os povos indígenas e as vítimas

     

    A “missão ad gentes”, dirigida na mão única aos povos indígenas, hoje, de fato, é “missão com e entre os povos indígenas e as vítimas”. Formamos, na pastoral do Cimi, alianças inter étnicas, latino-americanas, continentais e planetárias, alianças entre Igrejas locais e comunidades, com todos os setores que estão dispostos a construir um outro mundo que é possível e participa da realidade do Reino de Deus entre nós.

     

    O paradigma da “missio inter gentes”

    – leva em conta a situação do pluralismo religioso e da diáspora crescente da Igreja no mundo de hoje;

    – enfatiza a responsabilidade da Igreja local e dos próprios povos indígenas para definir os rumos da missão;

    – quebra o monopólio de uma Igreja que envia missionári@s e uma Igreja que os recebe;

    – admite a reciprocidade e conversão mútua entre agentes e destinatários da missão e reconhece o valor indispensável do diálogo intercultural e inter-religioso;

    – sublinha a missão não como uma atividade entre indivíduos, mas entre comunidades (cum gentes significa com os povos).

     

    Para a América Latina e o Caribe, que passou por um aprofundamento na leitura da Bíblia e pela renovação de Medellín, Puebla e Santo Domingo, missão “ad gentes” significa seguir Jesus, convocar seus destinatários preferenciais, os pobres, e enviá-los como protagonistas de seu Reino e seus representantes no mundo. Em seus discursos axiais da Sinagoga de Nazaré (Lc 4), das Bem-Aventuranças (Mt 5) e do Último Juízo (Mt 25), Jesus de Nazaré é muito claro. Os protagonistas de seu projeto, que é o Reino, são as vítimas (pobres, cativos, cegos, famintos, oprimidos, outros, enfermos). Reconhecer o outro-pobre em sua dignidade e alteridade não significa inclusão sistêmica, mas um convite para participar na transformação desse sistema. Impulsionar práticas significativas de participação do povo de Deus é uma expressão coerente da natureza missionária da Igreja.

     

    Os povos indígenas são os indignados das Américas, são o movimento “occupy”, não no Parque Zucotti na Wall Street de New York, mas no Mato Grosso Sul, do Brasil, simbolicamente representando um país e um mundo, em que os pobres salvam os Bancos e os ricos ocupam as terras. Os povos indígenas e sua causa não têm partido, a não ser todos aqueles que se tornaram seus advogados dispostos a lutar e sofrer por sua causa. O partido dos povos indígenas é a dor desarmada. E nós, do Cimi, procuramos aprender com eles a reler a história na chave da memória subversiva de Jesus.

     

    3. Horizontes para caminhar e navegar

     

    Como podemos, a partir do retrovisor da história dos povos indígenas e dos 40 anos do Cimi, delinear rumos, costurar alianças, alimentar esperanças na luta pela vida no planeta terra, a partir da nossa fé?

     

    A luta nos deu alegrias e esperanças, nos causou dores e tristezas. Objetivamente, podemos afirmar que assistimos à demarcação de muitos hectares de terra nesses 40 anos. Mas, para cada 10 hectares de terra demarcada, um líder indígena foi assassinado. Tivemos a graça pascal de acompanhar, nesses anos, um povo martirial que deu sentido à nossa vida.

     

    O Cimi contribuiu com outras pastorais e setores da sociedade civil para a credibilidade da Igreja Católica na sociedade brasileira. A Igreja nos deu a cobertura institucional para realizar essa virada indígena na pastoral. Na reciprocidade do dar e receber, nos iniciamos numa vida despojada. Cresceu em nós a consciência da centralidade dos povos indígenas para nossa vida e da prioridade de sua causa para saídas humanas nos impasses civilizatórios. Mesmo sendo servos inúteis, procuramos viver a serviço do Reino.

     

    Através do Cimi, encontramos companheiros e companheiras, na sociedade civil e na Igreja. Através da causa indígena, encontramos uma comunidade que alimentou em cada um de nós uma mística missionária militante. Fez-nos conservar nossa vida como vinho jovem, rebelde, em odres novos. Continuamos jovens, não é, D. Thomás?

     

    A missão, com seus dois movimentos, a diástole do envio à periferia do mundo e a sístole que convoca, a partir dessa periferia, para a libertação do centro, é o coração da nossa pastoral que, sob a senha do Reino, propõe um mundo sem periferia e sem centro.

     

    Para nós que, às vezes, somos missionários de Fórmula 1 com pit-stop nas aldeias indígenas, tudo anda muito devagar. Queríamos que Lula desse o tiro de largada para a construção da “terra sem males” dos guarani; que Evo Morales lançasse a pedra fundamental do sumak kawsai, o bem viver, dos quechua, e que com a eleição do papa Bento XVI começasse o Reino de Deus na terra. Ledo engano. Eles deram um golpe duro à nossa mentalidade construcionista e intervencionista. Não esperemos de líderes políticos ou eclesiásticos a inauguração de um paraíso terrestre, que o próprio Jesus de Nazaré se recusou a instalar. Sumak kawsai, terra sem males e Reino de Deus são árvores pequenas, como um bonsai, às vezes, até invisíveis. Num jardim que cultivamos podem-se tornar realidade como dádiva e kairós. Todos nós já recorremos à sombra dessas árvores, no quintal de uma Igreja despojada, que não tem pátria nem cultura, nem é dona de verdades, mas serva, peregrina, hóspede, sinal. Ela tem rumo. Navegar é preciso. Na urgência do amor (2Cor 5,14), a nossa pastoral indigenista encontra tempo para se deixar interromper pelos “pobres índios”, para interromper os programas de aceleração de uma corrida ao abismo e puxar os freios de emergência. Na luta ampliamos a margem de nossa intervenção. Mas ao mesmo tempo experimentamos os limites dessa liberdade intervencionista. Para que serve então a utopia do Reino, do Cimi, da terra sem males, do sumak kawsay se ela nunca estará ao nosso alcance?

     

    Ella está en el horizonte. Me acerco dos pasos y ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos, y el horizonte se desplaza diez pasos más allá. A pesar de que camine, no la alcanzaré nunca. Para qué sirve la utopía? Sirve para esto: para caminar. (Eduardo Galeano)

    Read More
  • 21/11/2012

    Y-Juca-Pirama, rompendo a solidão

     

    “… chame-lhe progresso quem do extermínio secular se ufana; eu, modesto cantor do povo extinto, chorarei nos vastíssimos sepulcros que vão do mar aos Andes e do Prata ao largo e doce mar das Amazonas”. (Antônio Gonçalves Dias – Os Tymbiras, canto III. Citado no Documento Y-Juca-Pirama, o índio: aquele que deve morrer).

     

    O que dizer nos 40 anos do Cimi que não seja apenas congratulações e reconhecimento de um trabalho de solidariedade integral aos povos indígenas, cujos resultados são visíveis, louváveis e da maior importância na sociedade brasileira racista e antiindígena? Por que isso tudo seria apenas, ao manter-se a formalidade da homenagem.

     

    Vou destacar em primeiro lugar algumas dimensões da solidariedade integral aos povos indígenas. A dimensão política, aquela que fez do Cimi protagonista de uma árdua batalha para convencer a sociedade brasileira de que os povos indígenas possuem direitos, pois são os habitantes originários dessa terra e são sujeitos ativos na vida sócio-política brasileira. O protagonismo do Cimi levou a construção de um campo jurídico que atualizou os elementos componentes do direito indígena, de maneira inovadora, até a instituição de uma assessoria jurídica que os povos indígenas não possuíam até então. Muitos juristas envolveram-se com a causa indígena e foram decisivos nos debates e nas formulações teóricas e ideológicas. Como furar o cerco da tutela sem perder direitos e, mais do que isso, conquistar direitos ainda não explicitados? Não foi o Cimi que promoveu exclusivamente esse debate, mas foi o Cimi que ousou formalizar uma assessoria jurídica, até hoje inédita nas organizações indígenas e indigenistas; e que produz uma reflexão jurídica da maior importância. Há outras ações inéditas, igualmente importantes, tais como uma imprensa voltada exclusivamente para os assuntos indígenas e o envolvimento pioneiro com as questões da educação e da saúde indígenas.

     

    O aspecto, jurídico, é parte essencial da trama política que envolveu o conjunto dos missionários na luta de solidariedade aos povos indígenas. A coragem de embrenhar-se nas matas através de caminhos cheios de armadilhas e emboscadas, enfrentando a morte, as feridas e o medo, tornou os missionários o grupo de referência em todas as regiões do Brasil. Isso sem falar no carinho e nos laços de amizade estabelecidos entre os missionários e os indígenas, mesmo que em certas ocasiões e circunstâncias esses laços tenham se transformado em relações conflituosas. É importante destacar essas relações conflituosas porque nelas reside uma essência valorativa que opõe e nega as benesses monetárias das “mitigações” para não entregar o bem maior que é a terra. No âmbito dos movimentos sociais, da ação parlamentar, das universidades, das ONGs, das paróquias, das dioceses está sempre o Cimi a estabelecer parcerias, a articular aliados e a colocar pedras nos sapatos daqueles que querem “uma paz sem índios” ou “índios sem problemas”.

     

    Porém, as dimensões social e política mais importantes residem na contribuição decisiva para a construção do movimento indígena. Quando os primeiros missionários esforçaram-se para realizar a primeira Assembléia de Chefes Indígenas plantaram a semente do processo de rompimento da solidão social e política na qual viviam os povos indígenas no Brasil.

     

    A política indigenista republicana, formulada em 1910, além de colocar em prática os instrumentos integracionistas, consistiu em manter a população indígena sob controle absoluto. O principal instrumento integrativo foi conduzir os indígenas para atividades produtivas consideradas trabalho de fato: a agricultura indígena deveria ser modificada, tanto em termos dos produtos cultivados, quanto em termos das técnicas agrícolas. Assim, tratores e plantadeiras manuais são introduzidos nas áreas para que os indígenas aprendessem a trabalhar; como a produção também deveria ser comercializada o SPI instrui seus servidores a arregimentar os indígenas para o trabalho nos grandes roçados, sob controle dos Chefes de Posto mediante promessa de divisão dos rendimentos após a comercialização da produção; assim os indígenas aprenderiam novas técnicas e novas modalidades sociais, como esse arremedo de trabalho assalariado que sempre foi mais um modo de trabalho escravo. O controle das áreas indígenas, chamadas reservas, abrangia também a mobilidade espacial: para sair da aldeia os indígenas necessitavam de uma autorização por escrito emitida pelo Chefe de Posto, que, desse modo, dominava o conjunto de informações necessárias para controlar todas as atividades individuais e coletivas dentro e fora das aldeias. Não raro o Chefe de Posto negava a autorização para a saída de indivíduos ou famílias. Esse dispositivo disciplinar, sustentado pela necessidade de exercer a tutela, tornou-se a estratégia de controle mais eficaz para cassar a voz política dos povos indígenas. Cada comunidade, considerada um todo indissolúvel e fechado, constituía uma unidade cultural idiossincrásica, isto é, portadora de um particularismo sem comparação com outras comunidades.

     

    Desse modo, cada comunidade recebia uma parcela de terra proporcional ao número de famílias que receberiam o tratamento civilizador apregoado pelo Estado: a preservação de línguas e hábitos culturais, o não desmembramento das famílias; apenas se ensinaria aos indígenas a trabalhar para que pudessem se preparar para a integração na sociedade nacional.

     

    O controle era exercido, portanto, sobre uma ou poucas comunidades que viviam dentro do limite da reserva, cujo perímetro era definido pelo SPI, tendo em vista a integração, isto é, a saída da área, a saída da condição indígena, e não o futuro da comunidade, reproduzindo e aumentando sua população. Assim, aqueles que migravam, para outros sítios ou para as cidades “dispensavam a proteção” do Estado e passavam a viver a outra forma da solidão social: o ocultamento de sua condição indígena. Dentro do limite das reservas funcionários do Estado foram investidos de uma autoridade que possibilitou toda sorte de desmandos: o Chefe de Posto contratava funcionários braçais assalariados, regulava o uso dos recursos  designados para aquela área e promovia a eleição do Capitão ou Cacique que deveria responder por toda a comunidade. Assim, em volta do funcionário chefe formava-se uma escuderia disciplinadora, totalmente manipulada, formando uma hierarquia política, funcional e autoritária.

     

    Esses capitães permaneceram no controle de muitas áreas indígenas até os dias de hoje, obrigando as comunidades a votarem num chefe que nunca correspondeu ao modelo político tradicional. Ao contrário, eles eram e ainda são os receptores de recursos externos, seja do Estado ou de outros organismos presentes nas áreas, igrejas, ONGs e toda sorte de beneméritos comovidos com a pobreza indígena. Certa vez, numa aldeia Kaiowá Guarani em Mato Grosso do Sul, duas mulheres envolvidas na luta de seu povo assim explicaram: a principal fonte de violência dentro das nossas aldeias vem dos capitães, que são figuras criadas pela FUNAI e não tem nada a ver com a gente. Eles querem dinheiro, envolvem os jovens em coisas erradas e tudo o que chega fica com eles. Outra fonte de controle é o agenciamento da mão de obra indígena para o trabalho nas fazendas próximas às áreas, realizado tanto pelo funcionário chefe quanto pelo capitão. É interessante notar que mesmo depois que os indígenas passaram a ocupar os cargos da FUNAI não houve modificação nas funções e nem no modelo de gestão das áreas indígenas.

     

    Foi esse modelo que propiciou a criação das polícias indígenas que ainda existem em muitas comunidades. No período da ditadura militar a criação da Guarda Rural Indígena / GRIN, que funcionou em alguns lugares foi ao que tudo indica uma versão mais sofisticada do modelo de controle e que introduziu o treinamento militar especializado e a tortura. O empoderamento de uma casta dentro da comunidade do poder disciplinador e dos instrumentos de violência faz parte do rol de maus exemplos que a sociedade brasileira oferece aos povos indígenas. São as páginas tristes de uma história que deve ser olhada de frente para que possamos compreender melhor uma das facetas da violência e das formas de sociabilidade que vigoram em diversas comunidades.

     

    O Cimi, há 40 anos, atua para furar o cerco do controle do Estado e romper a solidão em que cada comunidade vivia (algumas ainda vivem) confinada sob o comando dos chefes funcionários. As ilhas sociais, às quais correspondem ilhas territoriais, reduziam a população a uma identidade única, sem comunicação com outras comunidades e povos. Nunca vou esquecer Maria Rosa Kaingang, lá no Icatu, no interior de São Paulo, em 1976. A área era dividida entre Terena e Kaingang. A presença Terena provinha do fato de que a reserva Indígena de Icatu havia sido presídio indígena, por isso tinham ficado por lá algumas famílias. Maria Rosa dizia que aquela terra era dos índios e que, por isso, os Terena não deveriam permanecer; afinal, índios eram os Kaingang, como se fossem sinônimos. Nem essa noção, de que índios pertencem a uma categoria social histórica, possuíam.

     

    Conhecer outros povos, identificar sua condição enquanto categoria social brasileira, trocar experiências, construir a luta pela demarcação de terras, constituir direitos, enfim, criar o movimento indígena, essa foi a contribuição que o CIMI deu aos povos indígenas que viviam isoladamente sua solidão social e política. Se isso fosse pouco já seria bastante.

     

    O documento que inspirou o título dessa colocação Y-Juca-Pirama termina assim:

     

    “Neste esforço de assumir nossa existência em todas as suas dimensões, sentimo-nos solidários com tudo o que existe no mundo, especialmente na América Latina, em favor da libertação do homem e dos povos, em particular dos povos indígenas. (…)

    “Chegou o momento de anunciar, na esperança, que aquele que deveria morrer, é aquele que deve viver”.

     

    E aí estão vivos e fortes, guerreiros e guerreiras a lutar por suas terras, por seus direitos e, infelizmente ainda, contra a violência.

     

    _________

    O título do artigo inspirou-se no Documento Y-Juca-Pirama, o índio: aquele que deve morrer. Documento de urgência de bispos e missionários assinado em 25 de dezembro de 1973. E também no livro de Octavio Paz – O labirinto da solidão e post-scriptum: tradução de Eliane Zagury. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1976.

    Read More
  • 21/11/2012

    HÁNAITI Ho únevo têrenoe (Grande assembleia do povo terena)

    Aldeia Moreira, 16, 17 e 18 de novembro de 2012

     

    O Povo Terena lembra a data do dia 18 de novembro, quando se completa um ano do assassinado do Cacique de Guayviry Nísio Gomes. Pedimos justiça e a punição dos executores e mandantes desse ato brutal. Não é tirando a vida de nossas lideranças que vai se resolver a demarcação de terra nesse estado. É preciso que o governo federal assuma sua responsabilidade em demarcar nossos territórios, principalmente no estado de Mato Grosso do Sul que é campeão em violência contra os povos indígenas.

     

    As lideranças da Aldeia Imbirussú, Aldeia Bananal, Aldeia Lagoinha, Aldeia Ipegue, Aldeia Água Branca, Aldeia Morrinho, Aldeia Limão Verde, Aldeia Lalima, Aldeia Passarinho, Aldeia Cachoeirinha, Aldeia Argola, Aldeia Babaçu, Aldeia Moreira, Aldeia Tereré, Aldeia Buriti, Aldeia Mãe terra; juntamente com seus anciões, professores, diretores, acadêmicos indígenas, agente de saúde e suas organizações.

     

    Este conselho é formado pelas lideranças Terena legítimas, que atuam na base de suas comunidades e que sabem os verdadeiros anseios de seu povo.

     

    Nós lideranças Terena reunidos em assembleia na Aldeia Moreira juntamente com representante do Ministério Público Federal, representante da Secretaria de Articulação Social da Presidência da República, representante da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, equipe técnica da FUNAI e Coletivo Terra Vermelha, tratamos das questões relativos à nossa comunidade referente aos nossos territórios tradicionais, a saúde, a questão política dentro da comunidade e educação escolar indígena.

     

    Em primeiro lugar repudiamos todas as formas instrumentais que o movimento anti-indígena tem articulado para usurpar nossos direitos historicamente conquistados, tais como a Portaria 2498 publicada em 31 de outubro de 2011, por meio do Ministério da Justiça, que determina a intimação dos entes federados para que participem dos procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas. A PEC 38/99 que com o relatório e voto do Senador Romero Jucá, quer alterar os artigos 52 e 231 da Constituição Federal e determinar que as demarcações de terras indígenas deverão ser aprovadas pelo Senado Federal. A PEC 215/00, que foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados no primeiro semestre de 2012 e visa alterar os artigos 49, 225 e 231 da CF e, em última instância, determinará: que toda e qualquer a demarcação de terra indígena ainda não concluída deverá ser submetida à aprovação do Congresso Nacional e que as áreas predominantemente ocupadas por pequenas propriedade rurais que sejam exploradas em regime de economia familiar não serão demarcadas como terras tradicionalmente ocupadas por povo indígenas. Repudiamos também o Projeto de Lei n. 1.610/96 que se constitui como instrumento de facilitação a invasão, mercantilização e exploração das nossas terras.

     

    Exigimos novamente a revogação da Portaria n. 303 da AGU. O Governo Federal, fazendo uso da Advocacia Geral da União, manipula, escandalosamente, a decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no âmbito da Petição 3.388, que diz respeito exclusivamente ao caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, não possuindo, portanto, efeito vinculante. Nesse sentido, já há três decisões liminares de Ministros do STF que manifestam esse entendimento. Além do mais, o caso ainda não transitou em julgado. Com a presente portaria, o Governo desvirtua a decisão da Suprema Corte generalizando e retroagindo a aplicabilidade das chamadas condicionantes emanadas nesse julgamento.

     

    Em nossa comunidade não há mais espaço para a roça, chegará o tempo que teremos que construir nossas casas em cima da outra. Estamos vivendo um verdadeiro confinamento. O estado brasileiro está em dívida com os povos indígenas, pois o Art. 67 da ADTC determinou prazo de 5 anos para que toas as demarcações fossem concluídas. Assim, desde 1.993 o governo federal está em mora com as nossas comunidades. Até hoje a Presidenta Dilma não recebeu uma delegação indígena. Em seu discurso de posse ela afirmou que em seu governo os direitos humanos não seriam negociáveis. Exigimos que nossas terras tradicionais sejam demarcadas.

     

    Que o judiciário julgue as ações em trâmite que versão sobre demarcação de nossas terras. Denunciamos a judicialização da demarcação de nossas terras, o poder judiciário com sua morosidade não tem resolvido à demarcação, mas tem dado decisões sistemáticas contra as comunidades indígenas. Repudiamos as liminares concedidas que paralisam os processos demarcatórios, decisões essas concedidas unilateralmente atingindo o nosso bem maior, nossa terra.

     

    Denunciamos o modelo desenvolvimentista agroextrativista exportador adotado pelo Estado brasileiro, onde em nome do dito desenvolvimento passa por cima dos direitos humanos, ambientais e sociais. Enquanto o estado de Mato Grosso do Sul bate recordes de produção na agricultura e pecuária, existe por traz disso o avesso do olhar desenvolvimentista. Mato Grosso do Sul é o estado que bate recordes de violência contra os povos indígenas, de negação aos territórios tradicionais, de má assistência à saúde indígena e total submissão aos poderes locais do agronegócio.

     

    Denunciamos o mau atendimento à saúde nas aldeias, não há medicamentos para a população, não há profissionais suficientes para atender a demanda específica das comunidades indígenas. Está acontecendo em várias comunidades negligência por parte do atendimento a saúde. Reivindicamos capacitação para a população indígena para conhecer a gestão de saúde e atuação dos profissionais.

     

    Nossas lideranças, anciãos, professores, acadêmicos indígenas e mulheres indígenas devem ter consciência de que o índio deve ser protagonista na política sul-mato-grossense. Devem-se criar comissões internas nas comunidades para trabalhar o fortalecimento e autonomia de suas comunidades. Que as secretarias municipais de assuntos indígenas atuem junto com as lideranças tradicionais para formar uma comissão que avaliem a atuação dos partidos políticos em nossas aldeias.

     

    Propomos para nossa comunidade o fortalecimento da educação bilíngue, específica e diferenciada. Temos que preparar nossa juventude para irem estudar fora na cidade e estarem aptos ao mercado de trabalho. Pedimos as nossas lideranças que apoiem os professores e acadêmicos indígenas na luta pela educação escolar indígena e educação superior indígena.

     

    Encaminhamentos:

     

    Convocamos a participar das próximas assembleias o Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI), bem como representante da SESAI Brasília para estarem conhecendo a realidade e a demanda de nossas comunidades.

     

    Intimamos e exigimos a participação do Sr. Nelson Carmelo (Presidente DSEI), nas próximas assembleias Terena.

     

    Fica aprovada pelo Conselho a reivindicação para que a FUNAI realize a reunião do Comitê Gestor em nossas comunidades. Exigimos que a FUNAI regional de Campo Grande inclua um membro desse conselho no Comitê Gestor.

     

    Em nossas escolas, temos que ter materiais didáticos em nossa língua materna e concurso público específico para professores indígenas falantes da língua. Queremos nossos professores Terena assumindo exclusivamente as salas de aula em nossas comunidades, conforme diretriz do MEC publicado em 15.06.2012.

     

    Pedimos concurso diferenciado para profissionais da área de saúde que atuem em nossas comunidades. Pedimos apoio logístico na questão da saúde em nossas aldeias, tais como ambulância para pronto atendimento da comunidade, bem como renovação dos carros já existentes. Temos que ter especial atenção as pessoas portadores de necessidades especiais que estão na aldeia.

     

    Repudiamos a atitude de servidores que atuaram na aplicação das provas do ENEM, que impediram muitos estudantes indígenas de realizarem a prova. Exigimos que o MEC adote medidas no sentido de atender as especificidades das comunidades indígenas.

     

    Exigimos que o Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça, que faça a desintrusão das terras indígenas já homologadas. É inadmissível ver decisões judiciais ordenando o despejo de comunidades indígenas, a exemplo dos Kadiwéu, que já tem sua terra homologada.

     

    Fica encaminhado para a presidência da FUNAI que providencie a publicação da portaria do Sr. Valcélio Figueiredo, ratificando-o como representante desse conselho no Comissão Nacional Política Indigenista.

     

    Será realizado o II Encontro da juventude Terena (Hánaiti Hoúnevohiko Inámati xâne têrenoe), na aldeia Lalima no primeiro semestre do ano 2013.

     

    Será realizado o Encontro dos professores Terena da Terra indígena TAUNAY/IPEGUE (Hánaiti Hoúnevohiko Ihíkaxotihiko têrenoe), na aldeia Lagoinha, Município de Aquidauana-MS, no dia 14 de dezembro de 2.012. Fica desde já, a Secretaria Estadual e Municipais de Educação, intimados a participarem desse encontro de professores.

     

    Será realizado o III HÁNAITI Ho únevo têrenoe (Grande assembleia do povo terena), na aldeia Buriti, Município de Dois de Irmão de Buriti/MS, no mês de março de 2013.

     

    Aldeia Moreira – MS, 18 de novembro de 2012.

     

    Povo Terena,

    Povo forte,

    Povo que se levanta!

     

    Assinam as lideranças presentes

     

    Read More
Page 596 of 1202