• 19/06/2014

    Luta por direitos leva delegação de indígenas do Brasil a Portugal

    Representantes dos povos Guajajara, Macuxi, Munduruku, Terena, Taurepang, Tukano, Yanomami e Maya estarão presentes no Colóquio Internacional “Território, Interculturalidade e Bem-Viver: as lutas dos povos indígenas no Brasil”, que será realizado no dia 24 de junho, no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC), organizado no âmbito do Projeto ALICE – Espelhos Estranhos, Lições Imprevistas, em parceria com aArticulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

    Coordenadora executiva da APIB, Sonia Guajajara avalia que “o mundo vive um momento de mudanças incrivelmente desumanas” e que “o modelo de desenvolvimento atual desrespeita, desconsidera e pisoteia quem ousar não se inserir nesse contexto”. “Nós, povos indígenas, vivemos um momento dramático de ameaças, retrocessos, violações de direitos e violências brutais. Um dos caminhos para seguirmos na luta é fazer esse enfrentamento político e internacionalizar as discussões para dar visibilidade à situação real que vivemos no Brasil”.

    “Há mais de cinco séculos, o colonialismo, fortemente associado desde o seu nascedouro ao que se produz nos centros de produção de conhecimento virados ao ‘Norte’, vem reservando aos indígenas uma condição de povos supostamente ‘incapazes’ e ‘inferiores’. Para o Projeto ALICE, que se dedica às chamadas ‘epistemologias do Sul’ – ou seja, às alternativas ao modelo colonial, capitalista e patriarcal -, os povos indígenas são sujeitos plenos de lutas cruciais para toda humanidade, bem como detentores e praticantes de conhecimentos que desafiam a ordem estabelecida”, reflete o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, coordenador do ALICE, diretor do CES e anfitrião do colóquio.

    Os debates se darão em três módulos (veja programação completa e faça a inscrição gratuita para o evento). O primeiro, pela manhã, tratará do modelo de desenvolvimento neoextrativista brasileiro e das lutas pela terra e pelo bem viver. O segundo, que abre os trabalhos da tarde, enfoca a saúde indígena e a interculturalidade. Já o terceiro se dedicará às questões de gênero e, mais particularmente, à saúde da mulher indígena.

    Para Telma Marques, do Povo Taurepang e secretária do Movimento de Mulheres do Conselho Indígena de Roraima (CIR), a presença “além-mar” é uma oportunidade de “trazer para sociedade a conscientização acerca da importância do respeito quanto à garantia dos nossos direitos indígenas, que vêm sendo violados há 514 anos”. O colóquio também deve ajudar, continua Telma, a “fortalecer a nossa luta e fazer o Estado brasileiro entender definitivamente que a terra é a nossa vida e a das futuras gerações”.

    Lideranças indígenas confirmadas:
- Sonia Bone Guajajara (Povo Guajajara – Coordenadora Executiva da APIB)
- Josias Manhuary Munduruku (Povo Munduruku)
- Jacir José de Souza (Povo Macuxi)
- Luis Henrique Eloy Amado (Povo Terena)
- Dário Vitório Kopenawa Yanomami (Povo Yanomami)
- Maximiliano Correa Menezes (Povo Tukano)
- Paulino Montejo (Povo Maya – Assessor da APIB)
- Telma Marques da Silva (Povo Taurepang)
- Maria Leusa Munduruku (Povo Munduruku)

    Abertura e encerramento:
 Boaventura de Sousa Santos

    Colóquio Internacional 
Território, Interculturalidade e Bem Viver: As Lutas dos Povos Indígenas no Brasil
Data: 24 de junho de 2014
. Local: Centro de Estudos Sociais (CES) – Sala 1
Universidade de Coimbra (UC)
. Horário: 9h às 19h
Inscrições gratuitas em: http://bit.do/coloquioindigenas
. Haverá transmissão ao vivo (via streaming), na página do Projeto ALICE (www.alice.ces.uc.pt) a partir das 9:00 AM de Portugal (UTC/GMT +1).

    Mais informações

    
Luciane Lucas dos Santos – 
lucianelucas@ces.uc.pt
    Maurício Hashizume
 – mauriciohashizume@ces.uc.pt

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  • 18/06/2014

    Em defesa dos direitos indígenas e quilombolas e contra a criminalização dos defensores e defensoras de direitos humanos

    As organizações sociais, os movimentos populares, os Defensores e as Defensoras de Direitos Humanos reunidos no I SEMINÁRIO ESTADUAL DOS DEFENSORES E DEFENSORAS DE DIREITOS HUMANOS NO RIO GRANDE DO SUL, que teve lugar nos dias 09, 10 e 11 de junho de 2014, em São Leopoldo/RS, vem a público manifestar-se em defesa dos direitos indígenas e quilombolas e contra a criminalização dos defensores e defensoras de direitos humanos, dos movimentos e organizações sociais populares e suas lideranças.

    A omissão, negligência e conivência das três esferas de Estado (Judiciário, Legislativo e Executivo) promoveram ao longo dos últimos anos: a paralisação das demarcações das terras indígenas e quilombolas; a invasão aos territórios ancestrais; o assassinato de milhares de jovens negros; o desalojamento de milhares de famílias de suas casas e terras; a implementação de megaprojetos criminosos realizados numa lógica de "desenvolvimento" predatória para a maioria dos seres humanos e para o meio ambiente; a criminalização e prisão de lideranças indígenas, quilombolas e dos movimentos sociais.

    As violações aos direitos humanos aumentam, mas a resistência também aumenta. Nós, entidades e movimentos, que lutamos pela defesa dos direitos humanos nos juntamos a todos aqueles que estão em luta pela garantia de direitos sociais, políticos e nas lutas pela terra e contra o racismo institucionalizado.

    Resistiremos e lutaremos contra o agronegócio, contra os projetos do capitalismo para o campo e as alianças entre os ruralistas, as corporações transnacionais, o capital financeiro com os governos. Colocamo-nos contra o governo federal e estadual que estimulam o desenvolvimentismo e que pactuam com os crimes impostos pelo latifúndio e que geram inclusive conflitos entre os pequenos.

    Recuperar e fortalecer as expressões coletivas da verdadeira cidadania é o desafio que está posto, para nós, povos que resistimos aos impactos da neocolonização e lutaremos:

    – Contra o genocídio da juventude negra;

    – Contra a PEC 215/2000 (projeto de emenda à Constituição Federal) e PLP 227/2012 (projeto de lei complementar da Câmara dos Deputados);

    – Contra a Ação Direta de Inconstitucionalidade/3239 proposta pelo DEM (Democratas);

    – Pela titulação e demarcação imediata dos territórios quilombolas e indígenas;

    – Pela Reforma Agrária;

    – Pela unidade campo, floresta e cidade, só a luta traz conquistas;

    – Pelo passe livre para estudantes, trabalhadores, quilombolas e indígenas;

    – Pelo reassentamento/indenização para pequenos proprietários em sobreposição com terras indígenas e quilombolas;

    – Pela libertação dos presos políticos do povo Kaingang – terra indígena Kandóia.

    São Leopoldo, 11 junho de 2014.

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  • 17/06/2014

    A culpa do genocídio de povos indígenas no Brasil é do direito fundamental às suas terras tradicionais?

    O sub-procurador da República, Dr. Eugênio Aragão, ao participar da  audiência da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que trata acerca da Proposta de Emenda Constitucional 215/00, no último dia 11 de junho,  questionou o paradigma demarcatório de terras indígenas, vigente no  Brasil, e defendeu a tese segundo a qual “o modelo atual, a toda evidência, está apresentando sinais claros de esgotamento”. Defendeu a referida tese com o argumento de que “mesmo quando o Poder Executivo, depois de longuíssimas tramitações, consegue promover a demarcação de uma área indígena, a reação imediata é a judicialização do respectivo ato administrativo, o que leva a um impasse em que não se vai nem pra frente nem pra trás”. Um argumento evidentemente falacioso, haja vista a existência de diversos procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas paralisados sem que exista qualquer impedimento judicial para tanto. Ou seja, o motivo da paralisação, no caso, é político e causado pela opção governamental e pela “pressão” de atores políticos e econômicos bem conhecidos de todos, dentre os quais os representantes do latifúndio, a bancada ruralista, para quem Aragão discursava.

     

    Para além da falácia, no entanto, o sub-procurador avançou na argumentação, por um caminho que, julgamos, malicioso, desrespeitoso e ultra ideológico. Segundo ele o genocídio contemporâneo dos povos indígenas tem sua raiz motivacional no direito fundamental dos povos às suas terras tradicionais, conforme assegurado pelo texto constitucional de 1988. Isso porque, segundo ele, fazendo eco aos argumentos ruralistas  “o processo concebido na Constituição, no artigo 231, é um processo unilateral. É um processo em que a administração pública, ex-ofício, identifica e demarca as áreas, olhando sobretudo apenas em uma direção, a direção do bem estar do indígena. O problema é que ao longo dos anos foi-se percebendo que essa visão unilateral, de só se olhar para a população indígena, esquecendo as circunstâncias, levaram, na verdade, eu posso dizer com a  maior tranquilidade, a uma política genocida. Porque na medida em que a gente olha só para um lado do problema, todos os outros que estão excluídos da atenção do poder público produzem ressentimento. E o ressentimento acaba levando à estigmatização e a estigmatização, por sua vez, acaba levando ao genocídio”.

     

    Ora, além de incompatível com o arcabouço jurídico que envolve o procedimento de demarcação, uma vez que o elemento do contraditório é amplamente respeitado, tanto no campo administrativo, quanto no campo do Poder Judiciário, o argumento defendido pelo Dr. Eugênio, ideológica e maliciosamente, esconde os verdadeiros sujeitos político-econômicos responsáveis pelo atual quadro de genocídio dos povos indígenas no país. Como fica evidente no argumento, Aragão admite a existência de genocídio de povos indígenas no país, mas, além de esconder os sujeitos responsáveis pelo genocídio, o mesmo, desrespeitosamente, o legitima uma vez que seria, como que natural, que o “ressentimento” produzido pelo arguido unilateralismo produzisse a “estigmatização” e que, consequentemente, levasse ao genocídio.

     

    O argumento em questão causa-nos, como não poderia deixar de ser, profunda indignação, e se enquadra na típica estratégia da culpabilização da vítima. Segundo ele, os povos indígenas seriam vítimas do genocídio porque ousaram lutar e conseguiram assegurar o reconhecimento do direito às suas terras tradicionais no texto Constitucional do Estado brasileiro.

     

    O que defendemos é exatamente o contrário da opinião do sub-procurador. É a efetivação do direito fundamental às suas terras tradicionais que suplantará o quadro de genocídio de povos indígenas no Brasil. O genocídio de povos indígenas no Brasil precede o texto Constitucional vigente em nosso país. O genocídio de povos indígenas não se justifica e não se legitima sob qualquer hipótese. O genocídio de povos indígenas no Brasil é efetivado por sujeitos político-econômicos bem conhecidos, tais como, dentre outros, latifundiários, usineiros, empreiteiras, mineradoras. Em cada região e período histórico de nosso país, atuaram e atuam com avareza na perspectiva de se apossar e explorar as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos.

     

    Os povos indígenas têm o direito à vida e o direito à vida precede o direito de propriedade.  Os não-índios, ocupantes de terras indígenas, além de receberem pelas benfeitorias construídas sobre essas terras, têm direito à justa indenização dos títulos de propriedade de boa fé, por parte dos entes federados responsáveis pela sua emissão. Além disso, a legislação vigente no Brasil estabelece ainda o direito ao devido reassentamento aos ocupantes. O reassentamento, por sua vez, deve ser feito com a desapropriação dos latifúndios, que, infelizmente, se perpetuam em favor de poucos e devido aos genocídios provocados, aos privilégios históricos e à super-representação do setor no Congresso Nacional e noutros espaços de poder do Estado brasileiro.

     

    Ao atacar o direito fundamental dos povos indígenas às suas terras tradicionais com os argumentos acima destacados, ataca-se também o direito dos não-indígenas ao devido reassentamento. Dessa maneira, faz-se a dupla defesa do latifúndio e da concentração fundiária cada vez maior em nosso país, objetivo central da estratégia ruralista ao defender a aprovação da PEC 215/00. Talvez seja este o motivo pelo qual Aragão, em momento algum de sua explanação, tenha feito referência à nota técnica produzida pela 6ª. Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, órgão setorial da Procuradoria Geral da República que trata de temáticas indígenas. Leia aqui a nota, que explicita a inconstitucionalidade da referida Proposta de Emenda Constitucional.

     

    Brasília, DF, 17 de junho de 2014.

     

    Cleber César Buzatto

    Licenciado em Filosofia

    Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi

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  • 17/06/2014

    Diocese de Roraima divulga nota sobre Mineração e Hidrelétricas em Terras Indígenas

    Em nota, a diocese de Roraima aborda a questão da prática da mineração e instalação de hidrelétricas em terras indígenas na região. De acordo com o texto, "os impactos ambientais desses grandes projetos são incalculáveis e irreversíveis, já suficientemente demonstrados por estudos científicos e pela própria experiência de projetos passados". Leia na íntegra.

     

    Mineração e Hidrelétricas em Terras Indígenas

     

    “A Igreja está na Amazônia

    não como aqueles que têm as malas na mão,

    para partir depois de terem explorado

    tudo o que puderam”.

    (Papa Francisco aos Bispos do Brasil, Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013)

    O nosso país intensificou, nos últimos anos, uma política de crescimento econômico que passa pela exploração dos recursos naturais para a exportação. Este modelo econômico não é novo e já nos legou marcas de desigualdade social e de injustiça ambiental: os benefícios ficam na mão de poucos, enquanto os impactos e prejuízos, muitos deles irreversíveis, pesam sobre as costas de comunidades indígenas, camponesas, ribeirinhas e quilombolas; repercutem ainda no inchaço de muitas de nossas cidades. Mesmo não sendo um modelo novo, estamos assistindo a sua intensificação, fazendo lembrar as políticas do mal chamado “desenvolvimento”, que o Regime Militar impulsionou na década de 1970.

    Tal realidade é mais gritante na região amazônica. Dezenas de projetos de médias e grandes hidrelétricas estão barrando o curso dos rios que formam a bacia amazônica. Do Teles Pires ao rio Branco, do Madeira ao Tapajós e o Xingu, passando por outras barragens projetadas sobre rios amazônicos de países vizinhos, como Peru e Bolívia. Os impactos ambientais desses grandes projetos são incalculáveis e irreversíveis, já suficientemente demonstrados por estudos científicos e pela própria experiência de projetos passados. E os impactos sobre os territórios e a vida de tantas comunidades ribeirinhas e indígenas, considerando particularmente os povos indígenas isolados, serão gravíssimos.

    Os grandes projetos hidrelétricos não são pensados para as comunidades e regiões locais. Respondem a interesses maiores, de grandes empresas nacionais e transnacionais e ao ídolo do crescimento macroeconômico que a miopia política insiste em perseguir. Hidrelétricas e Mineração sempre andaram juntas: todo projeto hidrelétrico abre a porta, favorece e alimenta os grandes projetos de mineração para exportação que rondam a Amazônia.

    O Governo Federal propõe-se a multiplicar por quatro a exploração mineral em nosso país até 2030. No decorrer dos próximos anos, incrementará grandes projetos extrativos, razão pela qual se empenha, junto com o Congresso Nacional, pela aprovação do Novo Código de Mineração. Circula ainda na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1610/99.  Este Projeto de Lei visa regulamentar a mineração em terras indígenas, sem garantir salvaguardas sobre lugares sagrados nem medidas para proteger a vida das comunidades.

    A Amazônia, como se sabe, é região cobiçada pelos interesses minerários que reúnem grandes empresas transnacionais a setores políticos e econômicos de nosso país. Recordamos os 30 anos da exploração no Carajás como prova de que a mineração em grande escala traz consequências funestas: é um tipo de economia que absorve a maior parte dos empreendimentos econômicos sem conseguir diversificá-los nem construir uma perspectiva de sustentabilidade na região. Provoca a chegada de milhares de trabalhadores, a criação espontânea de vilas e cidades e o acúmulo de toneladas de rejeitos. Não existem experiências bem sucedidas de políticas preventivas ao fim do minério. Quando a exploração mineira se esgota (muitas vezes antes do previsto), os impactos deixados se tornam irreversíveis e a recuperação social, econômica e ambiental fica comprometida.

    A quem pode interessar um crescimento econômico assim? É este o desenvolvimento em que acreditamos, aquele que gera vida para todos e vida em abundância?

    No mês de maio, povos indígenas de Roraima, Guiana e Venezuela, junto com o CIMI, o ISA e outros, reuniram-se na comunidade de Tabalascada no I Seminário sobre Mineração e Hidrelétricas em Terras Indígenas.  Nesse encontro, os povos indígenas levantaram sua voz firme e clara contra esses grandes projetos em seus territórios. “Para nós, o que tem importância é a terra, a vida, as florestas, os animais, a cultura, a tranquilidade e essa forma de vida garantida para nossas futuras gerações”, afirma o documento final do encontro. Do território guianense, 68%podem ser afetados por projetos de mineração e hidrelétricas. Na Venezuela, avançam as concessões de vastas áreas amazônicas do país para empresas chinesas, enquanto 90% das terras indígenas ainda não foram demarcadas. O Brasil, além de encaminhar propostas legislativas visando permitir e facilitar esses empreendimentos nos territórios indígenas, já vem comprometendo recursos públicos (de todos nós!) no financiamento de grandes projetos em países vizinhos, como Peru, Bolívia e Guiana.

    Os povos indígenas têm o direito de serem consultados e definirem livremente o caminho que querem seguir. Em uma Nota da Hutukara Associação Yanomami – HAY, Davi Kopenawa Yanomami afirma sabiamente: “Nós não somos contra o desenvolvimento: nós somos contra apenas o desenvolvimento que vocês, brancos, querem empurrar para cima de nós [..].Nós, Yanomami, temos outras riquezas deixadas pelos nossos antigos que vocês, brancos, não conseguem enxergar: a terra que nos dá vida, a água limpa que tomamos, nossas crianças satisfeitas”. Os Estados, por sua vez, têm o dever legal e moral de consultar os povos indígenas sobre quaisquer empreendimentos ou iniciativas legislativas que os afetem, e, em decorrência, respeitar assuas decisões.

    Os povos amazônicos são portadores de uma enorme contribuição para a vida e o nosso futuro. Sua profunda espiritualidade, sua relação com a Mãe-Terra, com as florestas, os rios e todas as formas de vida com que convivem; seu impressionante acervo de conhecimentos aponta caminhos diferentes e humanizadores para todos nós.

    Mineração e Hidrelétricas são faces de um projeto econômico que é lesivo não apenas para os povos indígenas, mas para toda a sociedade e o planeta. Agride a Vida e compromete as gerações que virão depois de nós. Como diz o Documento de Aparecida, conclusivo da V Conferência Episcopal da América Latina e do Caribe: “Nossa irmã a mãe terra é nossa casa comum e o lugar da aliança de Deus com os seres humanos e com toda a criação. Desatender as mútuas relações e o equilíbrio que o próprio Deus estabeleceu entre as realidades criadas, é uma ofensa ao Criador, um atentado contra a biodiversidade e, definitivamente, contra a vida”. (DAp.125).

    Boa Vista-RR, 06 de Junho de 2014

    Roque Paloschi

    Bispo da Diocese de Roraima

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  • 17/06/2014

    Carta do Povo Tenharim pede urgência de visita da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas e Comissão de Direitos Humanos da Câmara

    Poteakuá… bom dia…

    “Nosso espírito está doente… nosso sangue está escorrendo pelo chão junto com nossas lágrimas…” – estas as palavras de dona Margarida Tenharim, no alto de seus sessenta e poucos anos, que viu a chegada da frente de ocupação de seu território tradicional nas margens do Rio Marmelos, que viu a Rodovia Transamazônica rasgar o coração de seu povo, que viu a Mineradora Paranapanema abrir crateras, extrair minérios e enterrar seus parentes aos montes, vítimas do sarampo, da catapora e da gripe…

    Este discurso foi a tônica da Assembléia dos Kawahib – Povo Tenharim na aldeia Bela Vista -, entre os dias 13 a 15 de junho, com mais de 300 indígenas Tenharim e com a presença de convidados: Antenor Karitiana e Henrique Yabadai Surui, da Comissão de Articulação do Movimento Indígena de RO, noroeste do MT e sul do AM; de pessoas do CIMI (Volmir e Laura); do IIEB (Cloude e equipe); do IMV (Márcia Mura); e do mandato do Dep. Fed. Pe. Ton (Iremar).

    Esta assembléia teve um único objetivo: energizar o povo Tenharim na condução da vida diante de outros desafios como: sustentabilidade pós-pedágio (compensação), organização interna e ameaça da barragem de Tabajara.

    Porém a situação da prisão dos cinco Tenharim – Gilson, Gilvan, Domiceno, Simeão e Valdiná – também ocupou a pauta e gerou muita consternação, principalmente entre os mais idosos. Depoimentos dão conta de que foram escalados jovens para vigiar os idosos, porque falam em se matar para não sofrer mais com a prisão de seus filhos.

    O mês de julho é o período de realização da Festa dos Espíritos. No ano passado foi escolhido o cacique Domiceno (que está preso) para coordená-la, ou seja, ele é o dono da festa escolhida pelo antecessor… só ele pode coordenar este momento… sem ele dar as coordenadas, nem as pessoas podem se preparar, cortar cabelo, construir a maloca da festa…

    Já Gilvan (preso) é filho do falecido cacique Ivan, e ele deveria ter sido empossado pelos mais velhos como cacique de origem do Povo Tenharim… Ele foi preparado para ser o guardião da cultura, a continuidade e manutenção da relação intra-étnica dos clãs Tarawé e Mutum-Namguera.

    Se não for consentido pela justiça a liberdade deles este ciclo da cultura vai se quebrar… isso significa que o Povo estará desprotegido pelos Espíritos porque o Povo está sem cacique de origem e sem o dono da festa… ficarão sujeitos a doenças, conflitos internos e externos, porque estarão sem direção…

    Alguns guerreiros antigos afirmaram que se não for feita Justiça, se eles não forem soltos (nem que seja para cumprir prisão domiciliar na aldeia), os Tenharim estarão declarando guerra à in-Justiça dos “brancos” e isolarão a Transamazônica que só tem trazido mortes para eles…

    Por isso as lideranças mais jovens pedem urgentemente a presença da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, Comissão de Direitos Humanos e demais lideranças políticas do Estado do Amazonas para que vão visitá-los, para ajudar a criar esperança, para se solidarizar e transmitir energia para eles, porque do contrário tudo poderá acontecer com aquele povo e o que mais temem, perder o controle…

    Porque assim disse uma liderança: preferimos viver no isolamento do nosso jeito, do que ver nossa terra sendo destruída por esta rodovia, por estes governos, por estes madeireiros, garimpeiros, traficantes e ver nosso povo ser tratado como marginal…

    Outra liderança ainda afirma: a ação do Coronel Poty aqui foi de mentiroso… nós confiamos neles, demos apoio para as investigações e tudo; e aí junto com a Federal eles levaram nossos filhos pra fora da nossa terra pra prendê-los, isso foi ilegal, e ainda os mantêm presos sem provas… onde já se viu se nós tivéssemos feito alguma coisa com essas pessoas nós íamos abrir as portas de nossa terra, acompanhar eles nas buscas, dar apoio?

    Atenção: o cacique Domiceno já sofreu um AVC a uns anos atrás e sua papelada foi queimada na CASAI de Humaitá e o mesmo está doente na prisão correndo risco de repetir e pela ausência deste histórico a administração do presídio não deixa entrar medicamentos… isso é gravíssimo… esta semana deverá vir médico da Casai de Humaitá para ver esta situação… imagina se neste período ele sofre outro (tem reclamado de dores de cabeça e com inchaço) e vem a óbito dentro da prisão… ai é o fim…

    As perguntas que não calam feitas pelas lideranças:

    Quem vai pagar prejuízo de nossas aldeias com a queima de construções, moto, carros compradas por nós…
    Quem vai responder pela morte do cacique IVAN, que foi assassinado e não acidente como afirmam no laudo;
    Quem vai pagar pela violência física e psicológica sofrida pelos Tenharim, Jiahui e demais povos da região;
    Quem vai pagar pela queima do patrimônio público;
    Por que a justiça dos brancos só enxerga nós como criminosos…

    Só vivenciando alguns momentos junto ao povo Tenharim para sentir… choramos muito juntos… é muita dor, é muito pranto na luta por Justiça…

    A decisão do conjunto que lá estava é de ir juntos até o final e juntando mais gente pra esta Luta… Por isso elegeram nova diretoria para a APITEN – Associação do Povo Indígena Tenharim, como coordenador geral Antônio Anésio Tenharim…

    Por isso, deputado padre Ton, independente do calendário da CDHC ou FPDPI urge uma visita aos Tenharim, e melhor ainda se articulada com parlamentares do AM, porque eles estão isolados, abandonados e criminalizados, e passou da hora de mostrarmos que o Povo Tenharim e Jiahui não são criminosos… Criminosa é a bancada ruralista que incita a violência de toda forma para violar os direitos indígenas, dos quilombolas, entre outros neste País e em mídia nacional.

    *Coordenador Equipe Mandato Dep. Fed. Pe. Ton; Graduado em História – UNIR; Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – PGDRA/UNIR; Educador Popular; membro do Instituto Madeira Vivo – IMV.

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  • 17/06/2014

    Divulgado relatório que aponta graves violações de direitos de indígenas no MS

    A Relatoria do Direito Humano à Terra, Território e Alimentação divulgou nesta segunda-feira (16) o relatório “Violações de direitos humanos dos indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul”. O documento é resultado de Missão de investigação realizada pela Relatoria nos dias 13 a 17 de agosto de 2013.

    A situação dos indígenas no Estado é gritante no campo dos direitos humanos. A negação do acesso ao território implica diversos outros problemas, como a ausência de acesso a alimentação adequada, moradia, além de gerar um contexto de violência e segregação social.

    Além de apontar as violações, o relatório também traz as recomendações encaminhadas pela Relatoria ao poder público.

    O que é a Relatoria

    A Relatoria do Direito Humano à Terra, Território e Alimentação integra as Relatorias em Direitos Humanos, uma iniciativa da sociedade civil brasileira que tem como objetivo contribuir para que o Brasil adote um padrão de respeito aos direitos humanos, tendo por fundamento a Constituição Federal, o Programa Nacional de Direitos Humanos, os tratados e convenções internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil e as recomendações de órgãos internacionais de monitoramento.

    Baixe o relatório

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  • 11/06/2014

    NOTA PÚBLICA – Indígenas são ameaçados por supostos traficantes

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Regional Norte I (AM/RR), vem a público denunciar as ameaças de que são vítimas indígenas do povo Maraguá das comunidades Pilão e Terra Preta, localizadas no rio Abacaxis, município de Nova Olinda do Norte – a 225 quilômetros de Manaus. De acordo com relato de moradores das comunidades pessoas supostamente envolvidas com o tráfico de drogas em áreas próximas tem ameaçado de morte lideranças indígenas por causa de ações de repressão desenvolvidas pela Polícia Federal e Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – Ibama.

    Os moradores das comunidades Maraguá, no rio Abacaxis, encaminharam denúncia à Fundação Nacional do Índio (Funai) e Secretaria Nacional de Direitos Humanos a espera de proteção por  parte dos órgãos de segurança pois temem represálias.

    Os indígenas relatam que as ameaças se intensificaram a partir do dia 11 de maio passado, depois de operação na área feita pela Polícia Federal e Ibama em que duas pessoas foram presas e outra conseguiu fugir. Passados alguns dias, os dois foram liberados e retornaram para suas residências, também nas imediações do rio Abacaxis.

    O Cimi Norte I apóia a iniciativa dos indígenas de buscar segurança junto aos órgãos governamentais e espera que as ações de proteção às comunidades sejam efetivadas o mais breve possível. Nos últimos anos, os Maraguá tem enfrentado dificuldades decorrentes da incursão de empresas de turismo em suas terras, da tentativa de ocupação de parte do território por assentados dos projetos governamentais de reforma agrária e, mais recentemente, pelas ameaças de supostos traficantes a região.

    Manaus (AM), 9 de junho de 2014

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  • 11/06/2014

    Prefeitura de Jacareacanga manipula para dividir Munduruku, denuncia documento

    Uma carta escrita no final de maio, mas divulgada apenas nesta segunda (9), pelo Movimento Munduruku Ipereng Ayu, aponta uma grande preocupação, por parte da comunidade indígena da região de Jacareacanga (PA), de que a prefeitura do município está tentando interferir na organização dos Munduruku, acirrando conflitos internos e com a população da cidade.

    Assinada a punho por lideranças, caciques, estudantes e professores indígenas, a carta denuncia uma reunião, convocada pelo Secretário de Assuntos Indígenas de Jacareacanga, Ivânio Alencar Nogueira, com o apoio da associação indígena Pusuru, que dizia ter como objetivo discutir a “organização social” do povo Munduruku.

    Ocorrida nos dias 1 e 2 de junho na aldeia Karapanatuba, às margens do Tapajós, segundo texto no blog de Alencar a reunião teria decidido que a Pusuru, associação que tem participado de processos de negociação sobre o complexo hidrelétrico do Tapajós com o governo federal – à revelia de grande parte da população Munduruku, que optou pela resistência contra as usinas- é a única representante do povo Munduruku.

    “O Secretário de Assuntos Indígenas está pressionando alguns representantes Munduruku da Associação Pusuru para se posicionarem contra os demais indígenas que não concordam com as posições do governo”, denuncia o documento divulgado hoje. A carta também deslegitima a reunião de Karapanatuba, acusando a Prefeitura de Jacareacanga – que está nas mãos do PT e foi acusada de compra de votos de indígenas nas ultimas eleições – de tentar desestabilizar a resistência dos Munduruku para implementar as hidrelétricas na região, e não garantir sua principal reivindicação de recontratação de 70 professores munduruku, demitidos no final de fevereiro. “Entendemos que a reunião na aldeia Karapanatuba não poderá decidir sobre as atividades que impactem o povo Munduruku, como por exemplo, fazer acordos, aprovar projetos ou autorizar coisas sem conversar e consultar com o povo Munduruku”.

    Secretário é acusado de incitar atos de violência

    Segundo lideranças Munduruku, Ivânio Alencar é o principal mentor da manifestação anti-indígena ocorrida em Jacareacanga há menos de um mês, quando comerciantes e garimpeiros locais atacaram com paus e fogos de artifício cerca de 20 indígenas que reivindicavam a recontratação dos professores demitidos. “A manifestação do dia 13.05.2014 foi organizada pelo Secretário de Assuntos indígenas, que chamou os comerciantes da cidade para participarem”, denunciam.

    A Prefeitura de Jacareacanga acusa os Munduruku de colocar fogo em uma casa destinada aos professores durante as manifestações contra a demissão dos docentes indígenas. Os Munduruku alegam que foram membros da Prefeitura que atearam fogo no local para incriminá-los.

    Segundo um morador que vive próximo à casa dos professores, nenhum indígena esteve perto do alojamento no dia do incêndio. “Eu apaguei o fogo e não vi nenhum índio passar perto da casa. Não vi nenhum índio colocar fogo em nenhuma casa de professores”, afirma o morador que preferiu não se identificar com receio de represália por parte da prefeitura.

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  • 11/06/2014

    Por conta de barragem, enchente isola quatro aldeias e desabriga famílias Xokleng em SC

    Enquanto o povo de Blumenau está livre de enchentes o povo Xokleng Laklãnõ paga o preço e pede socorro. A chuva dos últimos dias aumentou o drama de centenas de famílias Xokleng no Alto Vale do Itajaí, tudo por conta da barragem de contenção de cheia construída pelos governos militares sem estudos de impactos e sem autorização do povo indígena há 38 anos com objetivo de controlar as enchentes nos municípios a jusante.

    Quatro aldeias estão totalmente isoladas. As estradas estão intransitáveis. As escolas estão fechadas e as equipes de saúde não conseguem chegar até as famílias. Já começa faltar alimentos e remédios. A previsão é que as águas demorem pelo menos duas semanas para baixar, se não chover mais, somente depois disso é que poderão ser iniciadas as recuperações de estradas.

    Esse é o volume mais alto atingido pelas águas, faltando apenas 70cm para transbordar. O nível da água subiu assustadoramente invadindo e inundando muitas casas e várias famílias indígenas tiveram que sair às pressas por causa das inundações, outras famílias deixaram suas casas por medo de deslizamento de terra, já que algumas aldeias foram condenadas pela defesa civil. As comportas da barragem foram parcialmente abertas, mas isso não minimiza o sofrimento do povo indígena.

    Segundo as lideranças da comunidade a Defesa Civil autorizou construir casas em locais abaixo da cota máxima da água. Como essa enchente foi maior as casas ficaram submersas.

    Se para as cidades de Ibirama, Indaial e Blumenau a obra é fundamental para não sofrerem prejuízos, para os indígenas é um caos. Nunca foram feitos estudos de impacto. As poucas obras previstas, que atenuariam os prejuízos, nunca foram realizadas. A única ponte construída, que liga a aldeia Toldo fica submersa a cada chuva.  Cansados de tanto sofrimento, os indígenas que já estavam há mais de um mês fazendo protestos e cobrando do governo do estado as reformas da escola indígena, ginásio de esportes e casa da cultura, além da melhoria das estradas, decidiram ocupar a Barragem Norte nesta manhã como forma de denunciar. Os indígenas querem uma reunião com o governo do estado, para discutir sobre a barragem e os prejuízos que vêm sofrendo a cada chuva mais intensa.

    Querem que o ministro da Justiça interceda junto aos órgãos federais para que sejam feitos estudos dos impactos da construção e os cumulativos, já que uma aldeia está condenada pelos desmoronamentos provocados pela erosão na inconstância do volume d’água. Vão pedir também aos ministros do Superior Tribunal de Justiça que julgue o mais breve possível a ação que tramita contra a União Federal pelos prejuízos.

    Neste momento as famílias estão precisando da ajuda como doações de roupas, cobertores, colchões, alimentos e água potável.

    Contatos: 

    Aristides: 47 84519073 (diretor da escola)

    Funai: 47 3352 7352

    Marina: 48 9161 9245 (Cimi)

     

     

    Florianópolis, 10 de junho de 2014.

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  • 10/06/2014

    Sem provas consistentes, indígenas Kaingang são mantidos como presos políticos no RS

    Por Patrícia Bonilha,

    de Brasília

    A criminalização dos povos e das lideranças indígenas e, assim, a deslegitimação da luta pelas suas terras tradicionais se radicaliza e inscreve uma nova página na história já bastante violenta do Brasil em relação aos seus habitantes originais. Mesmo sem provas materiais sólidas e indícios relevantes de que tenham cometido o assassinato de dois agricultores, cinco indígenas Kaingang da Aldeia Votouro/Kandóia estão presos desde o último dia 9 de maio no Presídio Estadual de Jacuí (RS). Chama atenção, no entanto, o fato de que, de acordo com os cinco indígenas e os outros membros da comunidade, nenhum deles tenha participado do bloqueio da estrada vicinal, que fica dentro da área reivindicada pelos indígenas, no município de Faxinalzinho, onde o conflito com agricultores ocorreu no dia 28 de abril. Apesar das inúmeras e óbvias falhas no inquérito, os indígenas continuam presos, evidenciando que o que está em jogo, de fato, é a criminalização do direito dos indígenas de lutarem pela terra. 

    Este caso se insere em um contexto de outros episódios ocorridos nos quatro cantos do país. Por vinte anos, nas décadas de 1990 e de 2000, o povo Xukuru, em Pernambuco, sentiu na pele a dor de ser acusado de vários crimes que não cometeu. Em novembro de 2012, uma catastrófica operação da Polícia Federal, com a desculpa de dizimar o garimpo ilegal na região, resultou na morte de Adenilson Munduruku, além da destruição da aldeia Teles Pires. Os indígenas já tinham se manifestado contrários à construção das hidrelétricas no Rio Tapajós, que inundariam suas aldeias. Outra operação desastrosa da Polícia Federal aconteceu em Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul, durante a reintegração de posse da fazenda Buriti, em que o indígena Oziel Terena foi morto.  A recente prisão do cacique Babau, realizada em abril deste ano, na véspera de sua viagem a Roma, onde ele iria denunciar ao papa as violações a que seu povo está submetido há décadas foi o último episódio de criminalização vivido pelos Tupinambá, na Bahia. Mesmo sendo um dos primeiros povos a ter contato com os colonizadores, eles vêm há cinco séculos enfrentando as duras consequências de não desistir da luta pela demarcação da sua terra. Todos estes casos têm em comum o fato de que os povos acusados de terem cometido algum crime estavam na luta pela demarcação ou defesa da sua terra tradicional.

    Cabe ressaltar aqui que os cinco Kaingang presos em Faxinalzinho ocupam posições importantes em suas comunidades. Deoclides de Paula é cacique, Nelson Reco de Oliveira é vice-cacique, Celinho de Oliveira é filho do kujã, líder religioso da comunidade, Daniel Rodrigues Fortes é agente de saúde e Romildo de Paula é uma das lideranças do povo, além de ser primo do cacique. Desse modo, é claro que, ao prender estes indígenas, desestrutura-se a organização social da comunidade.

    O inquérito está repleto de irregularidades e, ao invés de focar em questões básicas, como de quem eram as armas utilizadas e os motivos que levaram ao conflito, parte da premissa inicial de que “os índios se reúnem em bando ou quadrilha para cometer crime” e que formam uma organização criminosa, onde os dissidentes saem das reservas demarcadas para disputarem terras com pequenos agricultores, que seriam usadas para futuros arrendamentos. 

    Abusos e falta de provas

    Sem ter nenhuma prova cabal de que aquelas eram as pessoas que haviam praticado os delitos, já que não há nenhuma testemunha que tenha presenciado as mortes ocorridas, a Polícia Federal invadiu e prendeu os indígenas em uma reunião promovida por integrantes da prefeitura de Faxinalzinho, do governo do Rio Grande do Sul e do governo federal para dialogar sobre os conflitos entre indígenas e agricultores e o processo de demarcação da terra já reconhecida pelo órgão federal como tradicionalmente indígena.

    De acordo com o relato feito pelos indígenas aos seus advogados de defesa, as prisões foram realizadas de forma truculenta e irregular, sendo que os mandados de prisão temporária não foram apresentados no ato de detenção de sete indígenas Kaingang, que puderam tomar conhecimento do documento apenas horas mais tarde, em Passo Fundo. Chegou-se ao ponto de dois indígenas terem sido liberados, neste município, em função de absoluta falta de elementos que justificassem suas prisões.

    Um dos aspectos que chama bastante atenção é o de que, além dos depoimentos dos próprios indígenas presos, a comunidade de Kandoya, desde a prisão, afirma categoricamente que nenhum dos cinco Kaingang participou do bloqueio da estrada onde os agricultores morreram. Em pronunciamento, eles garantem que o cacique Deoclides estava em sua casa, com a família e outros membros da comunidade. Ele, inclusive, foi quem, informado do clima de tensão na área, chamou a Polícia Militar antes mesmo dos conflitos ocorrerem. Celinho de Oliveira estava com seu pai, mãe e esposa no município de Nonoai, a cerca de 25 km do local onde o conflito ocorreu. Ele dirigiu o veículo utilizado pela família que fez compras em vários estabelecimentos comerciais neste município. Nelson de Oliveira também estava em sua casa, com a família, no momento do conflito. Cumprindo suas obrigações de agente de saúde, Daniel Rodrigues Fortes estava fazendo visita domiciliar na própria comunidade. E, por último, Romildo de Paula não esteve no bloqueio onde ocorreu o conflito.

    Talvez a explicação para estas prisões aleatórias esteja na espantosa admissão do próprio delegado da polícia federal, Mário Vieira, feita aos juízes de primeira instância, de que pode haver falhas na representação contra os cinco Kaingang, ao reconhecer que “a identificação de índios é muito difícil”, porque “são parecidos”.

    Além de demonstrar desconhecer a organização social indígena, o delegado Vieira tem apresentado uma conduta inadequada e parcial. Ele dificultou o acesso e o acompanhamento dos advogados dos Kaingang ao inquérito policial e a outros procedimentos durante a investigação, como as oitivas dos indígenas realizadas no dia 14 de maio na Superintendência Regional da Polícia Federal do Rio Grande do Sul (SR/DPF/RS). Neste caso, os advogados deveriam ter sido comunicados com antecedência, mas o delegado informou que as oitivas não seriam realizadas no dia proposto. Uma manobra que, se não tivesse sido revertida, poderia resultar em prejuízo para os indígenas detidos. O fato foi denunciado ao delegado da Polícia Federal, Cesar Leandro Hubner, de plantão na SR/DPF/RS, naquele mesmo dia. Além disso, o delegado também se manifestou de forma inapropriada na imprensa, outorgando a si o poder de julgar quando afirmou publicamente, sem quaisquer evidências sólidas baseadas em uma cuidadosa investigação, a culpa dos Kaingang pela prática de crime hediondo, informando que estes ficarão presos por um período de 30 a 50 anos. Devido a estes fatos, Vieira e membros de sua equipe são objetos de denúncia encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF).

    O que é relevante está fora do foco

    De acordo com os advogados dos indígenas, não há, de fato, indícios de autoria e materialidade relacionados aos cinco Kaingang presos, já que nenhuma das testemunhas, até agora, afirma ter presenciado a morte dos agricultores; alguns depoimentos terem sido feitos por amigos das vítimas e apresentarem contradições evidentes; e os testemunhos dos policiais que, inclusive, apontaram nomes de indígenas que teriam cometido os crimes, serem bastante frágeis, já que eles não estavam no local do conflito no momento, chegando muito tempo depois do ocorrido. Também não há prova de que as armas utilizadas eram dos indígenas. Estes, ao contrário, afirmam categoricamente que não portavam armas de fogo. Fica a questão: como estas armas, de uso restrito, apareceram no conflito?

    Cabe observar que inicialmente foi a Polícia Civil que instaurou o inquérito policial para a apuração dos fatos, sendo que a chefia de polícia determinou que a apuração fosse repassada para a Polícia Federal. Ou seja, a investigação foi realizada de forma indireta.

    “A partir de tudo o que analisamos deste processo, consideramos que não há motivo para que seja mantida a prisão temporária dos cinco Kaingang. Desse modo, será dada entrada em um pedido de habeas corpus para a soltura dos indígenas”, afirma Adelar Cupsinski, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

    Terra, a questão de fundo

    A espera de 12 anos para obter o reconhecimento final da Terra Indígena Kandóia e o total descaso do governo federal no sentido de finalizar este processo é o pano de fundo do conflito ocorrido em Faxinalzinho. Muito antes deste processo recente, o governo do Rio Grande do Sul havia reconhecido esta terra indígena Kaingang, originalmente comandada pelo cacique Votouro, a leste do Rio Passo Fundo, em 1918, com 31 mil hectares. Deste total, após inúmeras distribuições de terras em projetos de colonização e invasões de fazendeiros, o relatório de identificação e limitação da Terra Indígena Votouro/Kandóia, da Fundação Nacional do Índio (Funai), define que a área é de apenas 5.977 hectares. Destes, 3.100 hectares foram demarcados como Terra Indígena Votouro. Faltando demarcar, portanto, 2.877 hectares da Terra Indígena Kandóia.

    Após a publicação no Diário Oficial da União em 7 de dezembro de 2009, o relatório foi encaminhado ao Ministério da Justiça, que tinha um prazo de 30 dias para dar um encaminhamento ao processo. No entanto, ele continua paralisado em alguma gaveta, à espera da assinatura da Portaria Declaratória pelo ministro José Eduardo Cardozo.

    Ao invés de cumprir suas obrigações constitucionais e de modo a não frustrar os interesses do agronegócio na região, o governo federal insiste em negociar os direitos indígenas em mesas de diálogo, que não tem amparo no procedimento administrativo da demarcação de terras indígenas.

    Promessas e nada mais

    Após bastante pressão dos Kaingang, e com a promessa de dar prosseguimento à demarcação, foi realizada uma reunião no dia 19 de março no Ministério da Justiça, em Brasília. Neste dia, foi agendada uma reunião para o dia 5 de abril ou 12 de abril. No entanto, o ministro Cardozo não apareceu nem nesta e nem nas outras três reuniões agendadas no mês de abril com o povo Kaingang, em uma cruel manifestação de total desrespeito e descompromisso em resolver os problemas latentes.

    Em nota pública, divulgada no dia 29 de abril, o Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul, o Conselho de Missão entre os Povos Indígenas (Comin) e a Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas/RS afirmam “Responsabilizamos o governo pelas violências em função de sua omissão e negligência, uma vez que as autoridades eram sabedoras da situação de conflito e nada fizeram, a não ser protelar suas decisões”.

    Para as lideranças indígenas, a verdadeira raiz do conflito que vitimou os dois agricultores é justamente o fato de o ministro estar enrolando o povo e não concluir efetivamente a demarcação, o que causa insegurança e aumento da tensão na região. Segundo Valério de Oliveira, liderança do povo Kaingang da Aldeia Kandóia, “todos os caciques estão preocupados com a situação no Rio Grande do Sul, onde crianças estão sofrendo embaixo das lonas… mas o ministro não tem nem vergonha de não ter demarcado nem um dedo, nem um palmo de terra aqui. Até agora não aconteceu nada…”.  

    Também cabe lembrar que a violência em relação aos conflitos agrários tem sido estimulada por membros do parlamento brasileiro. Em discursos realizados em Vicente Dutra, a apenas 123 km de Faxinalzinho, em dezembro de 2013, os deputados federais Alceu Moreira (PMDB/RS) e Luis Carlos Heinze (PP/RS), durante audiência pública financiada com recursos públicos, incitam os agricultores contra as populações indígenas e quilombolas. O fato ganhou grande repercussão nacional e resultou em queixa crime, por parte de várias organizações da sociedade civil, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).

     

     

     

     

     

     

     

     

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