14/07/2014

Xukuru-Kariri protegido por programa de direitos humanos é preso pela PM dentro da terra indígena

Por Renato Santana,

de Recife (PE)

Motivados pela denúncia de que um homem “numa moto preta e com capacete preto” havia realizado assaltos no centro de Palmeira dos Índios, Alagoas, e fugido em direção ao Bairro da Cafurna, ladeado por área retomada da Terra Indígena Xukuru-Kariri contígua ao núcleo urbano sede do município, policiais militares prenderam na noite da última sexta-feira, 11, o agente de saúde indígena e liderança do povo José Carlos Araújo Ferreira (na foto), mais conhecido na comunidade como Carlinhos. As informações constam no boletim de ocorrência lavrado no ato da prisão preventiva.  

Ao contrário do que afirmam os policias, Carlinhos diz ter sido detido na área da retomada que está dentro dos limites identificados como terra indígena e ao lado da aldeia Cafurna de Baixo. A defesa da liderança impetrou na manhã desta segunda-feira, 14, na Comarca de Palmeira dos Índios, pedido de revogação da preventiva e relaxamento da prisão. “A liderança foi presa dentro da terra indígena e a Polícia Militar não tem competência para tal, pois se trata de área federal”, defende o advogado Isloany Nogueira Brotas. Carlinhos segue detido na delegacia de Palmeira dos Índios.

O agente de saúde, desde o ano passado, é protegido, ao lado de outras duas lideranças xukuru-kariri, pelo Programa de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. As ameaças contra o indígena se intensificaram com a retomada de área que fica ao lado da aldeia Cafurna de Baixo, que há pouco mais de um ano se encontrava nas mãos de invasores. Neste local de conflito agrário a liderança foi presa. Carlinhos, além de agente de saúde, é integrante da Comissão de Luta pela Terra do povo Xukuru-Kariri. 

A proteção do Estado tampouco fez recuar as ameaças de fazendeiros e policiais que sucessivamente o perseguiam na área retomada e na cidade. A liderança precisava fazer a própria segurança. Por conta disso, o indígena mantinha uma arma para se proteger em situações de mais vulnerabilidade. Nesse contexto, quando os policiais o revistaram encontraram uma arma calibre 38 de uso permitido. Autuado por porte ilegal de arma, o indígena foi detido.

Nas demais aldeias Xukuru-Kariri os indígenas entraram em alerta. Em conversas e reuniões, a comunidade chegou a ao consenso de que a paralisação da demarcação dos pouco mais 7 mil hectares é a causa da criminalização de Carlinhos. A Fundação nacional do Índio (Funai) estava na fase do levantamento fundiário para a indenização de benfeitorias das 463 ocupações dentro da terra indígena. O trabalho é parte do procedimento de demarcação.

Em Brasília, a pressão política feita por parlamentares, como o ex-presidente e atual senador Fernando Collor, fez o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo paralisar os trabalhos e montar uma “mesa de diálogo”. As discussões não caminharam, pois o governo e seus aliados ocupantes da terra indígena queriam a diminuição da demarcação, que há 30 anos teve início com 36 mil hectares até cair para os atuais sete. Os Xukuru-Kariri se negam a reduzir sequer um palmo do território tradicional que lhes sobrou.

Com o impasse, as intimidações dos ocupantes contra os indígenas aumentaram de forma substancial. “Estava para acontecer isso com Carlinhos. A polícia entrava direto na aldeia retomada atrás dele. Desde 2011, o povo Xukuru-Kariri vem sofrendo todo tipo de ameaça. A polícia aqui sempre ajudou a nos ameaçar. Por outro lado, o Estado não cumpre o papel devido, que é de proteger lideranças e demarcar as nossas terras”, afirma uma liderança indígena, que não identificamos por motivo de segurança.

Paralisação das demarcações

A prisão do agente de saúde indígena Xukuru-Kariri é mais um episódio de criminalização de lideranças que lutam Brasil afora pela demarcação de territórios tradicionais. Em maio deste ano, durante o trancamento de uma estrada vicinal na região do município de Faxinalzinho (RS), um grupo de indígenas Kaingang, que reivindicavam a regularização da Terra Indígena Kandóia, foi atacado por indivíduos que forçavam a passagem pela manifestação. No conflito, dois agricultores acabaram mortos. Em ação orquestrada, a Polícia Federal prendeu cinco lideranças Kaingang sem nenhuma prova. O Superior Tribunal de Justiça (STF) deferiu pedido liminar pela libertação dos indígenas.  

Tanto em Alagoas como no Rio Grande do Sul a paralisação das demarcações pelo ministro Cardozo, em prol de mesas de diálogo ao largo das determinações constitucionais, reforçam os conflitos entre indígenas e os ocupantes das terras tradicionais. Na Bahia, os povos Tupinambá de Olivença e Xakriabá de Cocos vivem situações semelhantes com indícios de milícias armadas agindo contra as comunidades. 

“Estava tudo bem encaminhado aqui (Alagoas), mas os servidores da Funai foram obrigados a parar o trabalho com apenas 18 laudos fundiários de indenização prontos. Se olharmos outros exemplos, como no caso dos Pataxó Hã-hã-hãe (BA), só a demarcação garantiu o fim da violência contra os indígenas”, opina a liderança indígena. 

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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