• 25/07/2014

    Carta aberta do Povo Krikati sobre suspensão dos atos de desocupação de sua Terra indígena

    O retrocesso continua predominando. Fomos surpreendidos recentemente com a liminar judicial da Dra. Diana Maria Wanderley da Silva que suspende os atos de desintrusão da TI Krikati, que está em processo de desocupação desde 2002. Domingo dia 20 de julho, a APIB, COAPIMA, Wyty Caté, Pep Cahac Cimi, caciques e lideranças do povo Krikati reunimos na Aldeia São José, para definirmos estratégias de ação referente a mais esse caso de violação de direitos. Segue abaixo a Carta Aberta.


    Aldeia São José – Terra Indígena Krikati, 20 de julho de 2014.

    Às Organizações Indígenas: Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira); Coapima (Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão); Wyty-Cateh; Pep’cahyc Krikati

    Às Organizações Indigenistas: Cimi (Conselho Indigenista Missionário);  CTI (Centro de Trabalho Indigenista); ISA (Instituto Socioambiental)

    Aos Órgãos Públicos: Funai; Ministério Público Federal; Tribunal Regional Federal

    Nós, do Povo Krikati viemos através desta Carta Aberta contestar e pedir providências às instituições acima mencionadas quanto a decisão da Juíza Federal da 2ª Vara de Imperatriz, que respondeu pela 1ª Vara Drª Diana Maria Wanderlei da Silva, que decide pela suspensão dos atos de desocupação da Terra indígena Krikati (Processo nº 5370-56.2014.4.01.3701).

    Diante dessa decisão, solicitamos a revogação imediata da referida liminar com base nos seguintes argumentos:

    1 – São reconhecidos aos índios (…) os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

    2 – Nulidade dos títulos de propriedade em terras indígenas (C.F 1969 § 1º Art. 198) Constituição Federal de 1988 (Art. 231 § 6)

    3 – A inalienabilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade das terras indígenas (Art. 231 § 4).

    4 – Da perícia antropológica solicitada pelo Juiz Federal Dionizio Nunes Rodrigues solicitada em 1989 (realizada pela antropóloga Maria Elisa Ladeira), que define como de posse permanente a área correspondente a 144.675 ha, ocupada tradicionalmente pelo Povo Krikati;

    5 – Do Parecer do Juiz da 2ª Vara no Maranhão, em 1991, Candido Artur Medeiros Filho que julgou improcedente a ação de demarcação movida por Leon Delix Milhomem em 1980;

    6 – Esclarecemos que somos de acordo que os moradores de boa fé sejam assentados de forma justa como consta no decreto 1775/1996. Ação que é de competência exclusiva da Fundação Nacional do Indio (Funai), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e ao Emater e que devido a morosidade desses órgãos no processo de regularização da desintrusão, contribuiu para a entrada de pessoas de má fé, queimadas, extração ilegal dos recursos naturais, situação a qual estamos expostos hoje referente a decisão da Juíza e a insegurança física e cultural do povo Krikati.

    7 – Solicitamos aos órgãos e entidades que receberem esta carta, enviar uma comissão para visualizar a realidade de invasão da Terra Indígena Krikati, principalmente na região da Arraia, visto a decisão da Juíza de suspensão dos atos de desocupação; visto a sensibilização da mídia local de colocar o povo Krikati como insensível a causa dos pequenos agricultores, quando somos sabedores que as causas dos pequenos agricultores são de competência do Incra e Emater.

    8 – O desdobramento da aldeia São José em várias outras aldeias é decorrente do plano de gestão de ocupação do território pelo povo. Ressaltamos que várias famílias estão no processo de reocupação de espaços de origem de suas famílias.

    9 – A região da arraia tem uma importância para o modo de vida tradicional do povo Krikati, onde realiza-se a caça e a pesca coletiva e a retirada de matérias primas (imbé, coleta de frutas, azeite de coco, batin, medicina tradicional).

    Ressaltamos que a referência da região da Arraia, é por ser o último bloco de desintrusão da terra indígena Krikati, portanto ainda, a mais intrusada, necessitando por parte da FUNAI que realize, com a urgência que o caso requer, o pagamento dos moradores de boa fé e a retirada dos ocupantes de má fé. A suspensão da desocupação, conforme decisão da Juíza,vai acarretar uma série de conflitos entre indígenas e fazendeiros, já que convivem numa área separada apenas por uma estrada vicinal e comungam de modos de vida e culturas diferentes o que dificulta uma relação harmoniosa.

    Solicitamos aos órgãos competentes que dêem continuidade ao processo de desintrusão da Terra indígena Krikati que foi demarcada em 1997 e homologada em 2004 e que agora ao invés de avançar no sentido de concluir esse processo, nos deparamos com o maior retrocesso de nossa história na efetivação de nossos direitos.

    Chega de espera! Não suportamos mais conviver com essa situação de insegurança dentro da nossa própria terra e ainda sermos tratados como invasores. Reafirmamos que o nosso território é um bem sagrado e dele dependemos para a nossa reprodução física e cultural, sem a terra livre e protegida não é possível reproduzir o nosso modo de vida.

    Read More
  • 25/07/2014

    Avante caminhantes

    Ao iniciar o mês de julho adentramos as terras, águas, flores e animais da ilha, com a benção dos índios Jawaé.  Seguimos nos caminhos de muita vida, em partilha, reciprocidade e troca de saberes com os povos indígenas. Nos despedimos, depois de 20 dias,  na aldeia Karajá de Santa Izabel do Morro. Atravessamos o Araguaia para um encontro muito especial, em São Felix do Araguaia, com D. Pedro Casaldáliga. Com sua ternura radical e testemunho profético nos conclamou para a causa indígena e nos abençoou como ancião, poeta e irmão maior na fé.  No momento da foto, sorridente comentou “é proibido usar em campanha eleitoral”.

    Vinte dias de travessia e partilha. Quase 100 km de troca de passos, espaços e saberes. Uma caminhada memorável atravessando os medos e as belezas da maior ilha fluvial do planeta. Fomos os primeiros a fazer a travessia a pé. Muitas recomendações e temores: cuidado com as onças, os jacarés, as piranhas. Atravessamos ilesos todos esses medos e apreensões.

    Os Jawaé, Karajá e Avá Canoeiro, povos guerreiros e resistentes, nos acolhem com alegria e sabedoria. Tudo no seu tempo e significado. As redes atadas na beira do rio ou da estrada, as barracas embaixo de frondosas mangueiras ou vegetação do cerrado. Tudo acontecendo a contento e a seu tempo.

    Quarenta e quatro caminhantes, pé na estrada, mochila nas costas e o coração aberto para o diferente.  Fomos sendo surpreendidos pelos bandos de biguá, garças, socó boi e uma infinidade de pássaros.  Até os enormes Tuiuiu, em seus ninhos no alto das árvores, vigilantes com seus filhotes, deram os ares de sua graça.

    Quando as bolhas, calos começaram aparecer, era a hora da solidariedade e as paradas para refazer as energias e tratar as feridas no corpo e na alma com os óleos naturais e os cuidados necessários.

    A ilha do Bananal: belezas, impactos e ameaças

    A ilha do Bananal é berço natural de povos indígenas como os Jawaé e Karajá. Há mais de dois séculos se iniciou um processo de contatos e invasões por parte dos interesses nos recursos naturais e belezas da ilha. Porém, a invasão maior se deu a partir de meados do século vinte, com a marcha para o Brasil Central. A partir de então interesses turísticos e da expansão pecuária se estabeleceram na ilha. Apesar de ser declarada Parque Nacional e a partir da década de 80 dois terços serem declarados Terra Indígena, as invasões estimuladas por políticos e o latifúndio, fizeram com que mais de 20 mil pessoas ocupassem a ilha, chegando a ter mais de 100 mil cabeças de gado.

    No governo de Juscelino Kubitschek, foi construído um grande hotel, próximo à aldeia Kararjá  de Santa Izabel, com o intuito de desenvolver ali um pólo turístico.  Serviu como local de férias e safári para os militares durante a ditadura. Foi repassado para o governo de Goiás no início da década de 80, para exploração do turismo na ilha. Felizmente o projeto não se consolidou. Os índios se livraram do pesadelo ateando fogo no lendário Hotel JK. Hoje restam apenas as ruínas entre árvores e as casas de palha de babaçu.

    Outra grande ameaça foi o início da construção da estrada Transaraguaia, em 1983. Houve uma grande reação nacional, pois se considerava essa como “estrada da morte”, da insensatez, da ignomínia. Um absurdo. Teriam que ser feitos mais de 80 km de aterro de 3 a 6 metros. O impacto sobre o ecossistema da ilha seria fatal. Depois de iniciadas as obras os índios Jawaé interromperam os trabalhos e obrigaram a retirada das máquinas. Porém até hoje continuam as pressões dos políticos e do agronegócio para a construção dessa estrada. Ainda no ano passado o governador do Tocantins, Siqueira Campos esteve com os Karajá tentando mostrar as vantagens da estrada, fazendo promessas e doando objetos agrícolas. Uma liderança Jawaé solicitou aos caminhantes que os apoiássemos na luta contra a construção dessa estrada. Nos comprometemos com essa luta pelo bem da vida e da mãe terra. Vimos, sentimos e nos sintonizamos com o direito amplo de todas as formas de vida existentes na ilha do Bananal.

    D. Pedro comentou que há mais de quatro décadas, quando aí chegou a ilha era um espetáculo pela exuberância de vida. Infelizmente já foi bastante impactada pelas sucessivas e variadas formas de invasão, principalmente pela pecuária e turismo.

    Nos unimos, no caminho da resistência, afirmação de direitos e da vida, a todos os que lutam para que a ilha do Bananal  continue sendo não apenas a maior ilha fluvial do mundo, mas também um exemplo de preservação sócio-ambiental.

    Caminhantes da vida na “troca de saberes”, não apenas vivenciamos uma experiência admirável desse grande Brasil desconhecido, mas construímos e assumimos um compromisso com os povos indígenas e a ameaçada biodiversidade dessa região.

    Avante caminhantes, o caminho se faz caminhando, com lutas concretas, sonhos e utopias.

     

    Egon Heck e Laila Menezes

    Cimi-Secretariado

    Brasilia, 24 de julho de 2014

    Read More
  • 24/07/2014

    Boletim Mundo: Morosidade, paralisação, redução de Terras Indígenas… Está na hora de um ponto final

    O achincalhamento à Constituição Federal ganha matizes cada vez mais perversas e assustadoras no que diz respeito ao direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais. Não bastasse o ataque violento e sistemático interposto pelo latifúndio, de matiz multinacional, nas figuras de seus conglomerados empresariais, bancada ruralista e entidades de classe, o capítulo “Dos Índios” da nossa Carta Magna vem sendo violado pela práxis do atual governo brasileiro.


    Temos insistido que a ‘não demarcação’ potencializa e eterniza os conflitos e faz aumentar o nível de violações de direitos e violências, inclusive físicas, contra os povos indígenas. Tudo isso vem sendo ‘devidamente’ provado pela conjuntura político-indigenista em nosso país.


    Há muito vimos falando da morosidade governamental na condução de procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas no Brasil. Em si desrespeitosa, a morosidade “evoluiu”, recentemente, para uma situação mais gravosa de total paralisação dos procedimentos de demarcação. Temos observado, com tristeza e indignação, que ambas estratégias, no entanto, são apenas parte de uma “decisão de governo” muito mais ampla e mais agressiva aos povos indígenas.


    A morosidade e a paralisação dos procedimentos de demarcação mostram-se como etapas ‘preparatórias’ da práxis, que já está em curso, da “redução das terras indígenas”. Nossa constatação é que as maiores vítimas dessa “decisão de governo” são os povos e comunidades que se encontram em situação de maior fragilidade sócio-política. Vejamos.


    A morosidade nos procedimentos deixou dezenas de comunidades indígenas, durante anos a fio, em situação de extrema vulnerabilidade, muitas em acampamentos improvisados nas beiras de rodovias, em diferentes regiões do país. O governo visava, com isso, associar o conceito de demarcação, de acordo com o direito dos povos, à eternização de condições degradantes de existência dos mesmos.


    Ao mesmo tempo em que agia com lentidão relativamente à implementação do direito dos povos às suas terras, o governo inflacionou os financiamentos subsidiados e incentivos aos setores político econômicos antiindígenas. Para se ter uma idéia disso, enquanto o orçamento da União para a ação ‘demarcação de terras indígenas’ manteve-se estagnado, girando em torno de 20 milhões de reais mal executados ao ano, os planos safra para o agronegócio saltaram de aproximadamente 20 bilhões, no início da década de 2000, para extraordinários 156 bilhões nesta última edição.


    Assim, a paralisação nos procedimentos de demarcação anunciada pelo próprio governo em 2013 e reafirmada neste primeiro semestre de 2014, dá-se num contexto de marcante vulnerabilidade de muitos povos indígenas, por um lado, e de inconfundível fortalecimento de seus inimigos, por outro.


    Como temos visto, a força política e econômica destes grupos tem sido cotidianamente sentida pelos povos indígenas, na forma de força bélica, por meio de discursos de incitação ao ódio, de leilões para contratação de milícias armadas, de despejos extrajudiciais, de ameaças a mão armada, de assassinatos, de invasão para exploração de recursos naturais das terras indígenas.


    É neste contexto caótico e violento contra os povos que o governo brasileiro, por meio de agentes públicos, tem assediado lideranças e comunidades indígenas na perspectiva de que estas dêem seu “aceite” para propostas de redução de suas terras tradicionais. Como fica evidente, ao denominar essa prática de “mesas de diálogo”, o governo demonstra estar agindo desprovido de qualquer tipo de escrúpulo. Como pode haver diálogo ao redor de uma mesa onde uma das partes está com a “faca no pescoço”? Por meio de seu ministro da Justiça, o governo chegou ao ponto vexatório de denominar como “ajuste de direitos” o que efetivamente trata-se de explícita violação de direitos.


    Vários são os casos de terras indígenas que se enquadram nessa fase de redução. Podemos citar, a título de exemplo, a Terra Indígena Mato Preto, do povo Guarani, no Rio Grande do Sul, com portaria declaratória assinada pelo ministro José Eduardo Cardozo em 2012, atestando a tradicionalidade de 4.230 hectares, cuja proposta é de redução para 600 hectares, e a Terra Indígena Herarekã Xetá, do Povo Xetá, no estado do Paraná, cujo relatório circunstanciado de identificação e delimitação inicialmente comprovava a tradicionalidade de aproximadamente 12 mil hectares e que foi publicado, no último dia 30 de junho, pela presidência da Funai, com 2.686 hectares


    Caso também emblemático nesse contexto é o da Terra Indígena Cachoeira Seca, no estado do Pará. Declarada em 1993 como terra tradicional do povo Arara, de recente contato, pelo então ministro da Justiça Maurício Corrêa, com 760 mil hectares, foi reduzida durante o segundo mandato do govermundo@cimi.org.brno Lula, pelo então ministro da Justiça Tarso Genro, que assinou, em 2008, nova Portaria Declaratória para a mesma terra. Está situada na região de abrangência da UHE Belo Monte, cuja desintrusão, além de direito constitucional, é uma das condicionantes estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a concessão da Licença Prévia da hidrelétrica. No entanto, nem uma, nem outra determinação legal têm sido suficientes para que os Arara tenham o seu direito, líquido e certo, respeitado. Ao contrário, além de continuar intrusada, a terra indígena está sofrendo intenso processo de esbulho por parte de madeireiros instalados na região. Neste contexto extremamente adverso, chegou-nos a informação acerca de reunião realizada nessa quarta-feira, 23, envolvendo autoridades, invasores e indígenas para tratar acerca de proposta de mais uma redução da terra.


    Os inimigos dos povos indígenas não estão em ‘recesso’ para a eleição que se avizinha. Eles estão ‘em campo’. Não é hora de baixar a guarda. No período eleitoral, a luta dos povos em defesa de seus direitos territoriais deve ser intensificada.


    Morosidade, paralisação, redução de terras indígenas. Está na hora de um ponto final e somente os povos poderão sinalizá-lo.



    Brasília, DF, 24 de julho de 2014

    Cleber César Buzatto

    Licenciado em Filosofia
    Secretário Executivo do Cimi

    Esta nota compõe o boletim semanal O Mundo Que Nos Rodeia. Para recebê-lo ou enviar sugestões de pauta escreva para mundo@cimi.org.br

    Read More
  • 17/07/2014

    Enquanto Funai admite orientação para paralisar demarcações, relatório demonstra efeitos da política governista


    “Não pedimos que gostem dos índios. Exigimos apenas que nos respeitem. Que respeitem nossos direitos”. E a violação desses direitos, trazida pela fala de Ivanildo Tenharim diante das agressões sofridas pelo seu povo, é uma das principais causas dos dados apresentados pelo relatório de violências contra os povos indígenas, referente ao ano de 2013, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), lançado na manhã desta quinta-feira, 17, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília (DF).

    Clique aqui para fazer o download do relatório


    Parte das análises do relatório, a omissão do Poder Público recebeu destaque. Na questão indígena, a omissão é o principal combustível da violação. Nesta quinta, a Funai declarou para a Agência Brasil que por orientação do governo federal paralisou os processos de demarcação em áreas de conflito. Com efeito, são nestas terras indígenas que está a maior concentração de violências e agressões contra os povos, conforme atesta o relatório. No lugar de demarcar as terras, assentar os pequenos agricultores e pagar as benfeitorias, a decisão do governo é a de não contrariar os aliados ruralistas.

    O presidente do Cimi, Dom Erwin Kräutler, acredita que “o governo federal se nega a cumprir suas obrigações constitucionais de assegurar as terras indígenas. Com o relatório visamos uma ampla e intensa campanha de luta em defesa da vida. Precisamos urgentemente rever as prioridades sociais e direção política de nosso país. Não podemos nos calar diante do que ocorre com estes povos, que querem viver”.

    Viver. Como povos indígenas podem viver sem ocupar de forma plena suas terras tradicionais? A paralisação dos procedimentos demarcatórios como parte da política indigenista estatal, deixando 64% das terras indígenas sem regularização, mantém comunidades confinadas ou acampadas às margens de rodovias e vulneráveis às violências de fazendeiros, madeireiros, grandes empreendimentos. Para muitos indígenas a teia de dissociações fiadas não deixa outro caminho fora o suicídio, alcoolismo e a violência entre si.

    No Mato Grosso do Sul, conforme o relatório, ocorreram 73 suicídios em 2013, sendo 72 entre os Guarani Kaiowá. O pior resultado em 28 anos. Já o município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, majoritariamente de população oriunda de 23 povos indígenas da região do rio Negro, lidera o ranking de suicídios entre os mais de 5 mil municípios, conforme o Mapa da Violência 2014, com taxa de 50 por 100 mil habitantes – dez vezes maior que a média nacional. Leia análise aqui.

    Racismo e incitação ao ódio 

    “O relatório 2013 traz de forma muito forte a postura anti-indígena de setores da sociedade brasileira. Os ruralistas promoveram manifestações, leilões e no parlamento tentam aprovar projetos contra estas populações. Isso tem um efeito direto nas formas de violências contra os povos indígenas”, aponta a coordenadora do relatório, a antropóloga Lucia Helena Rangel. Assessora do Cimi, Lucia destaca o que chama de “liberdade de expressão” contumaz dos detratores das lutas indígenas com ataques racistas, pejorativos e de incitação ao ódio.

    A antropóloga lembrou da audiência pública da Comissão de Agricultura da Câmara Federal, ocorrida no município de Vicente Dutra (RS) em novembro do ano passado, onde os deputados Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS) fizeram ataques agressivos não só contra indígenas, mas também envolvendo negros e homossexuais taxando-os de “tudo o que não presta”. A audiência foi financiada com recursos públicos.Assista ao vídeo aqui.

    Mesmo longe de ser algo novo no país, tais ataques surpreendem pelo respaldo político que encontram no Executivo e Legislativo. O missionário indigenista Roberto Liebgott, também coordenador do relatório, analisa que a postura omissa do governo federal diante da efetivação do direito ao território tradicional desencadeou uma onda de violência contra os indígenas em diversos campos da sociedade, caso do legislativo. “A conexão se dá pelo governo federal, que possui uma dependência política dos ruralistas, e então juntos eles harmoniosamente agem contra os direitos indígenas”, afirma Liebgott.

    Num contexto desfavorável, onde a cada 100 indígenas que morrem 40 são crianças, comprometendo assim até mesmo o futuro destes grupos, os povos seguem resilientes. Sobretudo com a nova tática de criminalização, que conta com prisões e imputação de crimes sobre os ombros calejados de lideranças, caciques e pajés. E não é mera coincidência que tenham ocorrido prisões e acusações em áreas de conflito, seja motivado pelos interesses do agronegócio, do próprio governo e seus empreendimentos ou pela ação ilegal de madeireiras. Mesmo quando se trata de terras demarcadas. O caso emblemático de 2013 foi o ocorrido com os Tenharim, entre os municípios de Humaitá e Manicoré, no Amazonas. Para o relatório de 2014 já existem outras duas situações: os cinco Kaingang presos no Rio Grande do Sul e Babau Tupinambá detido em Brasília. Acusados de crimes que não cometeram, provas inconsistentes ou inexistentes. Um padrão.

    Caso Tenharim

    No caso dos tenharim, cinco lideranças foram presas acusadas de assassinar, em dezembro do ano passado, três homens. Sem nenhuma prova de que tivessem cometido o crime, e negando de forma contundente, foram execradas e condenadas pela imprensa e hoje os tenharim não podem circular pelas cidades sob risco de espancamento. As crianças estão proibidas de frequentar a escola, os professores de lecionar e os indígenas servidores públicos não podem mais se dirigir aos postos de trabalho. “A Justiça age contra a gente, mas não contra madeireiros e demais invasores. Nenhuma denúncia que fazemos tem providência. Isso acontece no Brasil inteiro”, destaca Ivanildo Tenharim.

    A liderança explica que com a abertura da Rodovia Transamazônica pela ditadura militar, nos anos 1970, chegaram os fazendeiros e madeireiros. Parte do povo foi escravizado pelas frentes de colonização. Outra parte morreu assassinada ou em decorrência da invasão. Assim nasceu o conflito. Dezenas de madeireiras se instalaram e prosperaram. Neste início de século XXI, a única área da região que mantém a floresta preservada está na terra indígena. Os madeireiros então passaram a invadir e retirar madeira do território tradicional com cerca de 1 milhão de hectares. Os tenharim reagiram.

    “Montamos os pedágios, a partir de 2006, como forma de compensar. Os recursos financiavam nossa luta contra as madeireiras. Nunca aceitaram e faz tempo que buscavam um motivo para nos atacar. Com a morte dos três passaram a nos acusar. Fecharam a estrada, atacaram a aldeia, a Funai, queimaram o barco. Todo mundo ficou contra a gente. Quem estava na cidade teve de ficar no quartel do Exército”, conta Ivanildo. O povo segue ameaçado e perseguido. A prisão das cinco lideranças mudou a rotina da aldeia e a liderança tenharim afirma que estão desamparados.

    “Fosse apenas fazendeiro e madeireiro, tudo bem. O problema é que tem o Poder Público no meio, a Polícia Federal. Quando vamos fazer queixa de ameaça na delegacia, dizem que o sistema está fora do ar. Tudo isso está relacionado com os interesses de madeireiros, fazendeiros e do próprio governo que tem projeto para aquela região”, critica o tenharim olhando a capa do relatório, com o barco do povo pegando fogo depois de atacado com bombas incendiárias pela horda arregimentada por setores anti-indígenas da região.

    Ao comentar o relatório, dom Leonardo Steiner, secretário geral da CNBB, se deteve ao poder simbólico da imagem: “É uma capa muito significativa: estamos queimando culturas. Creio que não há dimensões do quanto isso é ruim para o país. Não são números o que este relatório nos traz, mas pessoas. Não podemos continuar com essa tragédia contra os povos indígenas”.

    Read More
  • 17/07/2014

    Boletim Mundo: Omissão do governo é a maior causa da violência contra os indígenas no Brasil

    Por Patrícia Bonilha,

    de Brasília (DF)

    Os dados do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil referentes a 2013 evidenciam que a política indigenista em curso no país é omissa no que tange ao cumprimento das diversas obrigações constitucionais e da efetivação dos direitos indígenas. A total paralisação dos processos de demarcação de terras indígenas, os altos índices de mortalidade infantil, suicídio, assassinato, racismo e de desassistência nas áreas de saúde e educação indicam uma atitude de extremo descaso do governo em relação às populações indígenas. Na publicação, organizada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a falta de empenho e vontade política na proteção e promoção dos direitos desses povos fica evidente também em uma análise dos dados do Orçamento Geral da União de 2013.

    Clique aqui para download do Relatório

    Um dos mais explícitos indícios da omissão governamental foi a total paralisação das demarcações de terras indígenas no ano passado, que teve um reflexo direto no acirramento dos conflitos nas aldeias em todo o país. Apesar de uma homologação ter sido assinada, nenhum procedimento demarcatório foi concluído em 2013. Desse modo, a média anual de terras demarcadas da presidenta da República Dilma Rousseff diminuiu para 3,6, a pior média desde o fim da ditadura militar, consolidando-a como a chefe de Estado que menos demarcou terras indígenas na história recente do país.

    De acordo com os dados do relatório, das 1.047 terras indígenas reivindicadas pelos povos atualmente, apenas 38% estão regularizadas. Cerca de 30% das terras estão em processo de regularização e 32% sequer tiveram iniciado o procedimento de demarcação por parte do Estado brasileiro. Das terras indígenas regularizadas, em termos de extensão territorial, 98,75% se encontram na Amazônia Legal. Enquanto isso, 554.081 dos 896.917 indígenas existentes no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, vivem nas outras regiões do país, que têm apenas 1,25% da extensão das terras indígenas regularizadas.

    Existem 30 processos de demarcação de áreas já identificadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como terras indígenas tradicionais que não têm nenhum impedimento administrativo ou litígio judicial. Ou seja, não há nenhuma pendência ou obstáculo para a efetivação da demarcação dessas terras. Desses 30 processos, 12 dependem somente da assinatura da Portaria Declaratória pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, 17 terras indígenas aguardam a homologação pela presidenta da República, Dilma Rousseff, e um processo aguarda a expedição do Decreto de Desapropriação, também pela presidenta Dilma. Outros cinco processos estão na mesa da presidenta da Funai, Maria Augusta Assirati, aguardando apenas a assinatura de aprovação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação. Estes dados evidenciam ainda que a proposta de realizar Mesas de Diálogo como forma de resolver a morosidade dos processos de demarcação e os conflitos fundiários foi totalmente fracassada.

    De acordo com a Constituição Federal, todas as terras indígenas deveriam ter sido demarcadas até 1993. No entanto, os compromissos assumidos com os setores vinculados ao agronegócio, às empreiteiras, mineradoras e empresas de energia hidrelétrica impossibilitam o governo de cumprir suas obrigações constitucionais. Os interesses privados destes grupos encontram ressonância na política desenvolvimentista praticada pelo governo e também em seus interesses eleitoreiros. “Como é de conhecimento público, estes setores são justamente os inimigos históricos dos povos indígenas e os principais responsáveis pelos massacres, etnocídios e espoliações dos territórios destes povos, além de outros tipos de violência”, evidencia Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi.

    Também não é pela falta de recursos financeiros que as demarcações não foram realizadas. Nos desdobramentos do programa Fiscalização e Demarcação de Terras Indígenas, Localização e Proteção de Índios Isolados e de Recente Contato existe uma ação denominada “Delimitação, Demarcação e Regularização de Terras Indígenas”, cuja dotação orçamentária em 2013 foi de R$ 21,642 milhões. No entanto, foram liquidados apenas R$ 5,4 milhões (ou 24,96% do montante). “Observa-se, portanto, que muitos outros procedimentos administrativos poderiam ter sido conduzidos com os 76,04% dos recursos que deixaram de ser aplicados. Portanto, as razões para a não demarcação são vinculadas ao plano político e aos projetos de desenvolvimento do país, nos quais os povos indígenas têm sido considerados irrelevantes e desnecessários”, afirma Iara Bonin, em sua análise sobre a execução orçamentária.

    Apesar do orçamento para a assistência em saúde indígena, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ter quadruplicado nos últimos quatro anos, ela continuou marcada por uma absoluta omissão na implementação de ações – algumas bastante básicas – que poderiam salvar milhares de vidas anualmente. Um exemplo devastador dessa omissão é o índice de mortalidade infantil em 2013. Dados da Sesai informam que morreram 693 crianças de 0 a 5 anos entre os meses de janeiro e novembro. O caso mais impressionante é o do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami, em Roraima, com 124 mortes. Enquanto a Sesai relata que nesse mesmo período ocorreram 17 mortes de crianças menores de 5 anos no Mato Grosso do Sul, dados mais recentes do Dsei, de abril de 2014, apresentam um total de 90 óbitos de crianças menores de 5 anos somente neste estado, entre os meses de janeiro a dezembro. Ainda de acordo com o Dsei/MS, o coeficiente de mortalidade infantil de menores de 5 anos é de 45,9 para cada 1.000 indígenas nascidos, mais que o dobro da média nacional em 2013, que é de 19,6 segundo o IBGE, variando de acordo com as regiões.

    Novamente, verifica-se que o problema não está relacionado à falta de recursos. Para o programa Saneamento Básico em Aldeias Indígenas para Prevenção e Controle de Agravos foi autorizada a execução de R$ 27,7 milhões, mas o governo utilizou irrisórios 1,39%, deixando de aplicar, portanto, RS 27,3 milhões. A utilização destes recursos para a construção de poços artesianos em várias regiões brasileiras certamente diminuiria o índice de doenças e agravos que vitimizam especialmente as crianças, como a diarreia. “Apesar de todas as denúncias apresentadas pelo movimento indígena e por entidades indigenistas, além de ações judiciais impetradas pelo Ministério Público Federal (MPF), o governo federal mantém-se insensível frente às mortes causadas por doenças facilmente tratáveis”, considera Roberto Liebgott, representante do Cimi na Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (Cisi).

    O Mato Grosso do Sul continua sendo o estado que mais viola os direitos indígenas. Em 2013 foram registradas no estado 33 vítimas de assassinatos (62% do total no país), 16 casos de tentativas de assassinatos (de um total de 29 no país) e, segundo a Sesai, 73 vítimas de suicídios. Este índice configura-se como o maior em 28 anos, de acordo com os registros do Cimi. Dos 73 indígenas que se suicidaram, 72 eram do povo Guarani-Kaiowá, a maioria com idade entre 15 e 30 anos.

    Do total de 33 assassinatos no estado, 31 ocorreram entre indígenas do povo Guarani-Kaiowá e dois casos do povo Terena. Nos últimos 11 anos, os levantamentos do Cimi mostram que pelo menos 616 indígenas foram assassinados no país, sendo que 349 destas mortes ocorreram no Mato Grosso do Sul, onde a maioria das comunidades vive em situação de extrema precariedade, em acampamentos improvisados nas margens das rodovias, nas áreas de preservação obrigatória – faixa de domínio – dentro das fazendas, ou confinados em pequenas reservas criadas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), no início do século passado. A Reserva Indígena de Dourados, por exemplo, apresenta a maior densidade populacional entre todas as comunidades tradicionais do país, abrigando mais de 13 mil indígenas em 3,6 hectares de terra. Nela aconteceram 18 dos 73 casos de suicídio no estado em 2013.

    Também foi frequente em 2013 a difusão de discursos com teor preconceituoso e racista em meios digitais de informação, jornais, televisão e rádio. Com o registro de 23 ocorrências, estes casos mais que dobraram em relação a 2012, quando 11 registros foram feitos. Os polêmicos vídeos dos deputados federais Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) inserem-se nesses casos de racismo e incitação à violência contra os povos indígenas. “Em 2013, o crime de racismo manifestou-se de diferentes formas contra os povos indígenas: no impedimento de usarem o transporte coletivo ou de estudantes frequentarem a escola; na não contratação, mesmo que para subempregos; nas inúmeras agressões e ofensas verbais; no não reconhecimento da sua condição de indígena; na impossibilidade de acesso a benefícios sociais; na recusa de receberem atendimento médico; na obrigação de crianças indígenas lavarem banheiros nas escolas e no recebimento de merenda menor que as crianças não indígenas; e na condenação por crimes, mesmo sem provas substanciais, como foi o caso que envolveu o povo Tenharim, no Amazonas”, resume a antropóloga Lúcia Rangel, coordenadora da pesquisa do relatório.

    Em relação a este episódio, Egydio Schwade, ex-secretário executivo do Cimi e profundo conhecedor da Amazônia, afirma em seu artigo que as agressões ao povo Tenharim são bastante antigas e a sua motivação sempre foi de ordem econômica espoliadora. “Nesse sentido, não se avista nenhuma justiça para os povos indígenas da região no curto prazo. Nenhum relatório conclusivo que vá ao encontro da justiça. Ao contrário, os inquéritos policiais acabam levando a um e mesmo beco sem saída justa, porque a ‘justiça’ já foi previamente programada para a condenação de inocentes, dos índios ‘no plural’, como ‘bodes expiatórios’. Tudo para proteger os interesses em jogo dos madeireiros, mineradores, fazendeiros e agronegociantes”, conclui Schwade.

    Clique aqui para download do Relatório

    Read More
  • 15/07/2014

    Professora sofre ameaças por ensinar Constituição a indígenas Munduruku

    Por Luana Luizy,

    de Brasília

    Emanuelle Limenza Barros tem 28 anos e é de Londrina, Paraná, mas mora no estado do Pará há quatro anos onde leciona história para os indígenas Munduruku da aldeia Missão São Francisco do Rio Cururu, próximo ao município de Jacareacanga, sudoeste do Pará.

    Acusada de organizar protestos e de aliciar os indígenas Munduruku, Emanuelle sofre hoje intimidações e ameaças por ensinar a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que prevê consulta aos povos sobre o impacto de grandes empreendimentos e que assegura aos indígenas o ensino da língua materna.

    No entanto, a prefeitura de Jacareacanga menosprezou a determinação da Convenção 169 e o artigo 210 da Constituição Federal, ao demitir em massa 70 professores indígenas sob o argumento de que não tinham formação adequada para lecionar. Após meses de impasses, a Justiça Federal ao acatar determinação do Ministério Público Federal, ordenou que a prefeitura restabelecesse a quantidade necessária de professores nas escolas indígenas do povo Munduruku.

    A região é conhecida por ter grupos econômicos ligados ao garimpo e que são aliados da prefeitura local. Intimidações aos indígenas são frequentes. No dia 13 de maio uma manifestação promovida por garimpeiros, comerciantes e membros do Poder Público contra a presença dos indígenas no município terminou com dois munduruku feridos nas pernas depois de atingidos por rojões e bombas de gás lançados pelos manifestantes anti-indígenas.

    Durante o ato, o secretário de Assuntos Indígenas, Ivânio Alencar proferia palavras de ódio contra os Munduruku. “Nós não estamos pra briga. Nós temos os nossos direitos garantidos. Se vocês quiserem vir pro pau vai ter pau nessa p*. Vamos tocar o pau. Vou rasgar o meu diploma de secretário e não quero nem saber. Vamos acabar com essa palhaçada agora, vocês vão sair agora seu bando de baitolas. Nós temos o direito, nós temos o direito”.

    Confira aqui o vídeo com as ameaças

    Porém o caso não é isolado, ele procede de ataques orquestrados e programados. O Poder Público na região promove constantemente ódio contra os indígenas e também é responsável por coordenar golpe em antiga associação representativa indígena, a Pusuru a fim de fragmentar e desmobilizar os Munduruku.

    O movimento Ipereg Ayu dos Munduruku em assembleia geral decretou a extinção da Pusuru por considerarem uma série de desvios de conduta, citando inclusive a polêmica tentativa de acordo com a multinacional irlandesa, Celestial Green para venda de créditos de carbono em 2012.

     

    Emanuelle, qual tipo de trabalho que você desenvolve com os Munduruku da aldeia da Missão do rio São Francisco?

    Bem, eu aprendi a língua dos Munduruku, embora a prefeitura da região alerte aos funcionários para não se comunicarem na língua dos indígenas e não estabelecer contato mais assíduo e próximo, mas eu fiz o contrário aprendi a linguagem deles e acabei criando certo vínculo. No momento estou produzindo um projeto que visa alertar o "modus operande" do governo para conseguir estabelecer seus mega-projetos, o principal deles é a divisão de etnias e culturas tradicionais, para que percam o poder de luta.

    O projeto pretende mostrar aos indígenas que já passaram pela mesma fase ou todas, e principalmente daqueles que na época inicial dessas fases se envolveram e foram manipulados aderindo à farsa que o governo propunha a eles, pensando que seria melhor pro seu povo. Esses hoje sabem que foram manipulados, quem melhor do que eles para unificar as etnias, e mostrar que a verdade está ao lado sempre do que aprenderam com seus antepassados, isto é, a união faz a força.

    Quando e por que você sofreu intimidações?

    A prefeitura da região demitiu em massa 70 professores em fevereiro deste ano foi quando os Munduruku me pediram orientações sobre o caso. A partir desse momento os indígenas começaram a se unir para terem seus empregos de volta, foi quando grupos econômicos e políticos tentaram me pintar de divisora de etnia e de influenciadora do anarquismo.

    E qual foi o motivo que a prefeitura alegou sobre a demissão em massa?

    A explicação da prefeitura foi a de que os indígenas não tinham nível suficiente para dar aula, que os indígenas ainda não haviam terminado o “Ibourebu”, o magistério indígena realizado pela Funai, mas os Munduruku ensinam a língua materna deles de 1° a 4° série, também arte, cultura e identidade. 

    Todos os alunos da aldeia ficaram sem aula e a Prefeitura contratou professores que ainda estavam cursando ensino médio, alguns “pariwat”, não-indígena na língua Munduruku e outros indígenas. Se você demite professores alegando que não possuem experiência suficiente e contrata outros que cursam o ensino médio e que não falam a língua Munduruku, existe uma coisa errada aí.

    Me acusaram de estar fazendo parte do movimento  “Ipereg Ayu”, que na língua Munduruku significa “uma coisa que não se ultrapassa”, mas nunca cheguei a falar para os indígenas que eles precisavam se manifestar. Só disse o que existia dentro da constituição para os professores indígenas tentarem reconquistar a vaga deles e dos artigos 210 e 213 que assegura aos indígenas poderem estudar enquanto lecionam. Como posso aliciar indígenas se estava ensinando a Constituição?

    O que acha ter sido a verdadeira razão para a demissão em massa?

    A demissão pra mim não foi em nível de estudo, mas sim para fragmentar os indígenas e acentuar o “modus operande” dos reais interesses políticos existentes na região.

    O secretário de Assuntos Indígenas de Jacareacanga afirmava que eu era uma ativista branca.  E me recomendou fugir da casa dos professores, pois ela ia ser queimada, curiosamente após uma hora de eu ter ido embora a casa foi queimada, eu inclusive cheguei a escutar relatos na região de pessoas afirmando que iam queimar as casas.

    No dia seguinte, 13 de maio, aconteceu uma manifestação de 500 pessoas contra os indígenas, a maioria das pessoas presentes no ato era composta de garimpeiros e comerciantes. O secretário de Assuntos Indígenas dizia durante o ato que os indígenas eram um bando de bêbados, deslegitimando o movimento.

    Não me deixei intimidar. Só em um momento que tive de me esconder no dia da manifestação dos garimpeiros, isso porque eles estavam atacando a mando do secretário. Também no dia recebi informações de que dois homens estavam tentando me encontrar, aí eu tive que me esconder.

    Você tomou alguma atitude perante essas ameaças?

    Logo que cheguei em Itaituba-PA fui a televisão falar sobre o caso, já que estes estavam expondo minha foto e dizendo o que queriam, também fui à delegacia, porém disseram que eu teria de fazer o Boletim de Ocorrência no município em que ocorreu o caso, isso quer dizer, voltar à Jacareacanga mesmo que tendo sido ameaçada, então esperei a reunião com o Ministério Publico e passei meu relato ao procurador, Luiz de Camões Boaventura, com a assinatura dos indígenas que estavam presente, além de publicá-lo no site do Combate ao Racismo Ambiental.  As denúncias continuam e continuarão, infelizmente não consegui entrar com processo contra eles ainda, espero que o Ministério Público faça alguma coisa.


     

    Read More
  • 15/07/2014

    Cimi lança relatório com dados de violência contra os povos indígenas em 2013

    Brasília – O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lança nesta quinta-feira (17 de julho), às 9h30, na sede da CNBB, o relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil que sistematiza os dados de violências cometidas contra os povos e comunidades indígenas em 2013. O panorama político explicita que as recentes investidas e ataques contra os direitos dessas populações têm um reflexo direto nas aldeias em todo o país. A paralisação das demarcações de terras, a tentativa de retirar direitos garantidos através de projetos de emenda à Constituição, portarias e decretos, a proposta de modificar o procedimento administrativo de demarcação das terras e as manifestações ruralistas realizadas em vários estados, dentre outros atos anti-indígenas, tiveram como consequência o acirramento dos conflitos que envolvem a disputa de terras.

    Há mais de 20 anos o Cimi sistematiza informações levantadas por suas equipes espalhadas pelo Brasil, que atuam próximas ou até mesmo nas próprias áreas indígenas. Dados pesquisados junto aos órgãos públicos e notícias veiculadas pela imprensa também servem de base para o relatório.

    Dividida em quatro partes, a publicação traz no primeiro capítulo as seguintes categorias: omissão e morosidade na regularização das terras indígenas; conflitos relativos a direitos territoriais; e invasões, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio. A segunda parte apresenta as violências cometidas “contra a pessoa”, dentre elas constam assassinato, ameaça de morte, abuso de poder, homicídio culposo, lesão corporal dolosa, racismo e discriminação e violência sexual, dentre outras. Já o terceiro capítulo traz dados sobre as violências causadas por omissão do poder público, como desassistência geral e desassistência nas áreas de saúde e educação, morte por desassistência, mortalidade infantil e suicídio. E, por último, há informações sobre os povos indígenas que vivem em situação de isolamento ou de pouco contato no Brasil e as principais ameaças a que estão sujeitos.

    O relatório explicita que a presidenta da República Dilma Rousseff continua tendo a pior média de homologações de terras indígenas desde o fim da ditadura militar, com 3,6 homologações por ano. Em todo o ano de 2013, apenas uma terra foi homologada, a Terra Indígena Kayabi, no Pará. Mas nem mesmo esta terra pôde ter seu registro efetivado, visto que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, concedeu liminar contra o seu registro em cartório. Portanto, nenhum procedimento demarcatório foi concluído em 2013.

    Em relação à saúde indígena, a situação é de total omissão. “A constatação de que a cada 100 indígenas que morrem no Brasil 40 são crianças torna inegável o fato de que está em curso uma política indigenista genocida”, afirma Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Cimi.

    Sobre a ocorrência de suicídios, dados oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), divulgados em maio deste ano pelo Cimi, mostram uma realidade bastante devastadora no estado do Mato Grosso do Sul: 73 casos em 2013, uma média de um suicídio a cada cinco dias. Este índice configura-se como o maior em 28 anos, de acordo com os registros do Cimi. Dos 73 indígenas mortos, 72 eram do povo Guarani-Kaiowá, a maioria com idade entre 15 e 30 anos. No período de 1986 a 1997, foram registradas 244 mortes por suicídio entre os Guarani-Kaiowá do estado, número que praticamente triplicou na última década. De 2000 a 2013 foram 684 casos.

    Além da presença de Dom Erwin e da coordenadora do relatório, a antropóloga Lúcia Helena Rangel, uma liderança indígena do povo Tenharim também estará presente no lançamento do relatório. Quase exterminados pela construção da rodovia Transamazônica na década de 1970, dos cerca de 10 mil Tenharim sobreviveram pouco mais de 100 pessoas naquela ocasião. Em dezembro de 2013, eles foram envolvidos no que consideram ser “o segundo massacre do povo”, quando foram responsabilizados pelo desaparecimento de três não indígenas na Transamazônica. Incitada por madeireiros, a população de Humaitá se revoltou contra os Tenharim, queimando um barco, vários veículos e os prédios da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Sesai, além de terem ameaçado e discriminado radicalmente os indígenas, que ainda foram violados em seus direitos pelas próprias forças policiais em suas aldeias. Em um dos casos mais emblemáticos de violência, ocorrido no ano passado, os Tenharim foram condenados pela mídia sem que tivessem sequer sido ouvidos. E, apesar da falta de provas, cinco indígenas estão presos em Porto Velho.

    “Existem muitos madeireiros que têm raiva da gente porque eles não podem invadir a reserva para tirar madeira. Tempos atrás, com as operações da Funai e de outros órgãos, eles tiveram carros e tratores apreendidos e ficaram com mais raiva. O que eles fizeram foi aproveitar o momento para se unirem contra nós, se articulando com a população. Foram eles que bancaram o protesto, quando invadiram nossas aldeias”, afirmou a liderança Ivanildo Tenharim, na época da violenta manifestação contra o seu povo.

    Serviço:

    O quê: Lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2013

    Quando: 17 de julho (5a feira), às 9h30

    Onde: No auditório da sede da CNBB, Setor de Embaixadas Sul, Quadra 801, Conjunto B, ao lado da Embaixada do Vaticano, próximo a Esplanada dos Ministérios, Brasília (DF)

    Mais informações:

    Assessoria de Imprensa do Cimi: 61 2106-1667, 9979-7059, 9979-1670, 9686-6205 e 8128-5799

    Read More
  • 14/07/2014

    PGR requer ao STF suspensão da licença da Hidrelétrica São Manoel

    O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão do licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica (UHE) São Manoel, na divisa dos estados do Pará e Mato Grosso. No documento, Rodrigo Janot pede a suspensão da decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que manteve o processo de licenciamento ambiental da usina.


    Na decisão do TRF1, o Tribunal suspendeu a liminar concedida pela primeira instância em ação civil pública do Ministério Público Federal. Na ação, o MPF busca garantir a proteção ao povo indígena denominado Isolado Apiaká pela preservação da vida, saúde, organização, costumes, língua, crenças e tradições.


    Para o procurador-geral da República, "a solução provisória mais prudente e cautelosa, que evitará a ocorrência de dano maior à ordem, à saúde e à segurança públicas, será aquela que determina a suspensão do processo de licenciamento até julgamento final da ação civil pública, a fim de evitar a concretização dos impactos identificados na Revisão e Complementação do Estudo de Componente Indígena das UHE São Manoel e Foz do Apiacás".


    Análise cumulativa

    A peça defende que a análise do caso deve levar em consideração a inserção da usina de São Manoel em um conjunto de interferências cumulativas nos rios Teles Pires e Apiacas, denominado Complexo Hidrelétrico Teles Pires, que contempla as Usinas Hidrelétricas de Teles Pires, Sinop, Colíder, Foz do Apiacás, Magessi e São Manoel.


    Rodrigo Janot sustenta que há "uma séria indefinição quanto às medidas adotadas para evitar risco à comunidade indígena Isolado Apiaká, que conta com proteção constitucional, repetidamente atingida pelo descaso do poder público quanto ao reconhecimento de seu direito".


    De acordo com o pedido de suspensão, há um conjunto de riscos já identificados, sem que as medidas de preservação estejam suficientemente identificadas como eficazes, "o que levou o juízo federal, próximo aos fatos, entender pela paralisação do licenciamento ambiental, a fim de que se forme um juízo de valor mais preciso quanto aos impactos e sua dimensão".


    O procurador-geral da República destaca que a decisão do TRF1 baseou-se no argumento de que suspender o licenciamento acarreta grave lesão à economia pública, porque interrompe todo o cronograma e o planejamento voltado ao parque energético nacional, "ponto indiscutivelmente estratégico para o desenvolvimento econômico-social do país". O PGR ressalta ainda que tal afirmação há de ser contextualizada, pois o adiamento do aproveitamento da UHE São Manoel não impede automaticamente os demais projetos em execução e nem afetará a busca por alternativas de produção energética, com utilização de outras fontes para suprir os 700 MW projetados para o empreendimento.


    Conflito

    Para Janot, na disputa entre os danos socioambientais e o alegado comprometimento ao setor elétrico, não se pode decidir com base na incerteza, pois "o tema não comporta espaço para afirmações que não venham confortadas por uma análise mais completa e, neste sentido, a interferência do Poder Judiciário, em demanda que tenha tempo para a maturação dos temas, pode ser a única via de proteção efetiva aos direitos em colisão".


    O procurador-geral da República constata que há um aparente conflito que demanda ser resolvido. "De um lado o planejamento e o cronograma do setor elétrico e, de outro, o direito interno e internacionalmente reconhecido dos povos indígenas à preservação de sua cultura e tradições históricas ou, quando menos, ao direito de se verem consultadas".


    Segundo ele, é indispensável manter a suspensão do licenciamento ambiental da UHE São Manoel até o regular julgamento da ação civil pública, a fim de evitar que as questões debatidas nestes autos se resolvam em compensações e condenações patrimoniais futuras que, além de onerarem os cofres públicos, nada representarão aos povos afetados, caso venham a se consumar os danos socioculturais previstos nos estudos técnicos realizados.


    Entenda o caso

    Em dezembro de 2013, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública com pedido de liminar contra a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Minerais Renováveis (Ibama) com o objetivo de suspender a licença da UHE São Manoel, em vista da necessidade de proteção de índios isolados das comunidades presentes na Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados.


    Após a concessão da antecipação dos efeitos da tutela pelo juízo federal de primeira instância, suspendendo o licenciamento do UHE são Manoel, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) pediu a suspensão da decisão liminar. O pedido foi deferido pelo TRF1, restabelecendo, dessa forma, o processo de licenciamento da usina.

    Confira a íntegra do pedido aqui.

    Read More
  • 14/07/2014

    MPF quer destinação de 30 hectares para índios acampados na BR-463 em MS

    O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso do Sul ajuizou demanda na Justiça para assegurar a sobrevivência e a dignidade de índios guarani-kaiowá da comunidade Curral do Arame (Tekoha Apika’y). A ação ajuizada quer forçar a União a comprar área de 30 hectares – equivalente a um módulo rural – para acolher os indígenas até a demarcação definitiva da terra. A área a ser adquirida deve estar localizada dentre limites indicados pelos índios como território tradicional.

    Na visão do MPF, medida busca sanar a omissão da União em iniciar os estudos demarcatórios; reduzir o conflito fundiário na região, concretizado em recorrentes ameaças de morte a membros da comunidade; e dar efetividade a direitos previstos na Constituição, como o direito à sobrevivência, ao bem-estar e à reprodução física e cultural dos índios “segundo seus usos, costumes e tradições”.

    Na inicial da ação, o Ministério Público Federal enfatiza as precárias condições estruturais do acampamento e destaca que a manutenção dos índios na beira da rodovia contribui para o elevado índice de mortes por atropelamentos entre os guarani. Em 3 anos, 7 índios da comunidade perderam a vida na BR-463.

    “A omissão da União tem ocasionado graves prejuízos aos povos indígenas, seja pela invasão de suas terras tradicionais por terceiros, seja pela exploração ilegal dos recursos naturais das terras indígenas, seja pela desagregação cultural ocasionada e, principalmente, pelo desalojamento desses povos que, impossibilitados de voltarem para suas terras por inércia da União, veem-se obrigados a albergarem-se às margens de movimentadas rodovias, como no caso de Curral do Arame”, destaca o MPF.

    Segundo o órgão ministerial, o ajuizamento da ação para a concessão de pequeno território ao grupo foi "a última alternativa encontrada para garantir um mínimo de dignidade aos índios até que haja a regularização do território tradicional".

    Curral do Arame

    A comunidade indígena Curral do Arame, denominada pelos guarani-kaiowá como “Tekoha Jukeri’y” ou “Tekoha Apika’y”, está localizada às margens da BR-463, no trecho entre Dourados e Ponta Porã. Segundo estudo antropológico, os índios da comunidade foram expulsos de suas terras tradicionais para a expansão da agricultura e da pecuária. Parte desta população foi recrutada para trabalhar em fazendas da região como mão de obra barata até que se tornaram “incompatíveis” com a produção.

    Os índios resistiram em deixar suas terras, ocupando áreas de reserva legal de propriedades rurais, mas foram obrigados a fugir após a morte do patriarca da família, Hilário Cário de Souza, em 1999, atropelado por funcionário da fazenda que ocupava.

    Desde então, os guarani passaram a viver na fina faixa de domínio da rodovia, em barracos improvisados, em frente à terra que reivindicam como tradicional. Além das precárias condições estruturais, o acampamento indígena Curral do Arame já foi queimado duas vezes, a última em grande incêndio ocorrido na região em 2013.

    Em mais de uma década de idas e vindas, retomadas e despejos compulsórios, a regularização da comunidade ainda não foi realizada. Apesar da existência de Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o MPF e a Funai para início do procedimento demarcatório, até o momento, sequer foi constituído Grupo Técnico para os estudos iniciais. “A inércia do Estado tem custado caro à comunidade, que, sem expectativa de regularização fundiária, vive em péssimas condições, arriscando o bem mais precioso de seus integrantes: a vida”.

    Saiba mais sobre a comunidade

    Referência Processual na Justiça Federal de Dourados: 0001297-68.2014.403.6002

     

     

     

    Read More
  • 14/07/2014

    Xukuru-Kariri protegido por programa de direitos humanos é preso pela PM dentro da terra indígena

    Por Renato Santana,

    de Recife (PE)

    Motivados pela denúncia de que um homem “numa moto preta e com capacete preto” havia realizado assaltos no centro de Palmeira dos Índios, Alagoas, e fugido em direção ao Bairro da Cafurna, ladeado por área retomada da Terra Indígena Xukuru-Kariri contígua ao núcleo urbano sede do município, policiais militares prenderam na noite da última sexta-feira, 11, o agente de saúde indígena e liderança do povo José Carlos Araújo Ferreira (na foto), mais conhecido na comunidade como Carlinhos. As informações constam no boletim de ocorrência lavrado no ato da prisão preventiva.  

    Ao contrário do que afirmam os policias, Carlinhos diz ter sido detido na área da retomada que está dentro dos limites identificados como terra indígena e ao lado da aldeia Cafurna de Baixo. A defesa da liderança impetrou na manhã desta segunda-feira, 14, na Comarca de Palmeira dos Índios, pedido de revogação da preventiva e relaxamento da prisão. “A liderança foi presa dentro da terra indígena e a Polícia Militar não tem competência para tal, pois se trata de área federal”, defende o advogado Isloany Nogueira Brotas. Carlinhos segue detido na delegacia de Palmeira dos Índios.

    O agente de saúde, desde o ano passado, é protegido, ao lado de outras duas lideranças xukuru-kariri, pelo Programa de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. As ameaças contra o indígena se intensificaram com a retomada de área que fica ao lado da aldeia Cafurna de Baixo, que há pouco mais de um ano se encontrava nas mãos de invasores. Neste local de conflito agrário a liderança foi presa. Carlinhos, além de agente de saúde, é integrante da Comissão de Luta pela Terra do povo Xukuru-Kariri. 

    A proteção do Estado tampouco fez recuar as ameaças de fazendeiros e policiais que sucessivamente o perseguiam na área retomada e na cidade. A liderança precisava fazer a própria segurança. Por conta disso, o indígena mantinha uma arma para se proteger em situações de mais vulnerabilidade. Nesse contexto, quando os policiais o revistaram encontraram uma arma calibre 38 de uso permitido. Autuado por porte ilegal de arma, o indígena foi detido.

    Nas demais aldeias Xukuru-Kariri os indígenas entraram em alerta. Em conversas e reuniões, a comunidade chegou a ao consenso de que a paralisação da demarcação dos pouco mais 7 mil hectares é a causa da criminalização de Carlinhos. A Fundação nacional do Índio (Funai) estava na fase do levantamento fundiário para a indenização de benfeitorias das 463 ocupações dentro da terra indígena. O trabalho é parte do procedimento de demarcação.

    Em Brasília, a pressão política feita por parlamentares, como o ex-presidente e atual senador Fernando Collor, fez o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo paralisar os trabalhos e montar uma “mesa de diálogo”. As discussões não caminharam, pois o governo e seus aliados ocupantes da terra indígena queriam a diminuição da demarcação, que há 30 anos teve início com 36 mil hectares até cair para os atuais sete. Os Xukuru-Kariri se negam a reduzir sequer um palmo do território tradicional que lhes sobrou.

    Com o impasse, as intimidações dos ocupantes contra os indígenas aumentaram de forma substancial. “Estava para acontecer isso com Carlinhos. A polícia entrava direto na aldeia retomada atrás dele. Desde 2011, o povo Xukuru-Kariri vem sofrendo todo tipo de ameaça. A polícia aqui sempre ajudou a nos ameaçar. Por outro lado, o Estado não cumpre o papel devido, que é de proteger lideranças e demarcar as nossas terras”, afirma uma liderança indígena, que não identificamos por motivo de segurança.

    Paralisação das demarcações

    A prisão do agente de saúde indígena Xukuru-Kariri é mais um episódio de criminalização de lideranças que lutam Brasil afora pela demarcação de territórios tradicionais. Em maio deste ano, durante o trancamento de uma estrada vicinal na região do município de Faxinalzinho (RS), um grupo de indígenas Kaingang, que reivindicavam a regularização da Terra Indígena Kandóia, foi atacado por indivíduos que forçavam a passagem pela manifestação. No conflito, dois agricultores acabaram mortos. Em ação orquestrada, a Polícia Federal prendeu cinco lideranças Kaingang sem nenhuma prova. O Superior Tribunal de Justiça (STF) deferiu pedido liminar pela libertação dos indígenas.  

    Tanto em Alagoas como no Rio Grande do Sul a paralisação das demarcações pelo ministro Cardozo, em prol de mesas de diálogo ao largo das determinações constitucionais, reforçam os conflitos entre indígenas e os ocupantes das terras tradicionais. Na Bahia, os povos Tupinambá de Olivença e Xakriabá de Cocos vivem situações semelhantes com indícios de milícias armadas agindo contra as comunidades. 

    “Estava tudo bem encaminhado aqui (Alagoas), mas os servidores da Funai foram obrigados a parar o trabalho com apenas 18 laudos fundiários de indenização prontos. Se olharmos outros exemplos, como no caso dos Pataxó Hã-hã-hãe (BA), só a demarcação garantiu o fim da violência contra os indígenas”, opina a liderança indígena. 

    Read More
Page 500 of 1202