• 03/09/2014

    Xavante de Marãiwatsédé se posicionam contra criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena

    Indígenas xavante de Marãiwatsédé divulgaram nesta quarta-feira (3) uma carta de repúdio à criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI). A posição de mais de 15 organizações indígenas e indigenistas é reafirmada no documento, assinado por 123 indígenas xavante: “Não queremos que a saúde indígena se torne terceirizada. Nós queremos reafirmar que os nossos parentes já disseram, a saúde indígena não pode sair da responsabilidade do Governo Federal”.

    O documento será protocolado na 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, do Ministério Público Federal; na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai); na Fundação Nacional do Índio (Funai); na Secretaria Geral da Presidência da República e no gabinete de seu secretário de Articulação Social, Paulo Maldos; na Conferência  Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); na Operação Amazônia Nativa (OPAN) e na Comissão Pastoral da Terra (CPT).

    Leia a carta na íntegra:


    Nós, xavante de Marãiwatsédé queremos nos manifestar apoiando com veemente a posição da APIB, COIAB, ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS da Região Sul.

    Queremos que as Entidades competentes nos apóiem da nossa carta, que aqui pretendemos enumerar:

    CNBB

    CIMI

    OPAN

    CPT

    MPF

    PGR

    Queremos em nome dos xavante de Mato Grosso que certamente devem estar conosco por meio da Carta não aceitando o novo nome da saúde indígena INSI (Instituto Nacional de Saúde Indígena). Se é ainda como proposta que não seja decidido sem consentimento por nós indígenas de todo Brasil. Além do novo nome, não precisamos de mais um nome para saúde indígena. O que queremos é que Ministério da Saúde libere os recursos para que nós indígenas tenhamos uma saúde de qualidade. Precisamos de vagas nos hospitais. Não queremos ficar na fila do SUS esperando por um agendamento. Pedimos que o Ministério da Saúde fortaleça a SESAI como disseram nossos parentes nas suas cartas. Não queremos que a saúde indígena se torne terceirizada. Nós queremos reafirmar que os nossos parentes já disseram, a saúde indígena não pode sair da responsabilidade do Governo Federal.

    Se é para melhorar a saúde indígena o Ministério da Saúde tem que ter parceria com o Ministério da Agricultura e Meio Ambiente para que assim os indígenas conte na agricultura familiar e com Meio Ambiente.

    Nós queremos nos manifestar que até foi bom abrir espaço para os indígenas participarem nas suas aldeias e opiniões com livres espontâneos a respeito desse novo nome INSI. É a primeira vez que se pensou para que os indígenas participassem e analisassem o novo nome INSI nas comunidades de bases. É assim que se decidem sobre as questões indígenas abertamente, e não dentro de gabinete.

    Sabemos que estamos no novo tempo e tempo de colonialismo já se foi, portanto temos Convenção 169 da OIT que nos assegura essa maior respeito para com os povos indígenas. Sabemos que os assessores passarão nas bases só para convencer os indígenas a aceitarem a Criação do novo nome INSI.

    Pedimos que os indígenas da cidade procurem não se preocupar com o novo nome da Saúde Indígena, pedimos que apóiem todos nas nossas idéias o Repúdio para o INSI. Vamos que ter muito cuidado com pessoas que dizem amigos dos índios. Que na verdade é só com a boca por fora. Pedimos que os nossos direito e dever de falar, sejam respeitados.

    Antes de decidir têm que ter consultas, as bases tem que saber o que está se discutindo e debatendo.

     

     

     

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  • 03/09/2014

    Encontro Pan-Amazônico reflete sobre os desafios da missão e cria Rede Eclesial

    Os desafios da missão nos países que compõem o bioma amazônico, tem levado organismos e instituições afins  da Igreja Católica a repensarem  a sua atuação no contexto atual,  para  responder  de maneira mais eficiente e eficaz às demandas que decorrem das suas atividades missionárias.

    Em vista disso, um encontro internacional para a criação e efetivação  de uma rede eclesial, acontecerá de 9 a 12 de setembro próximo,  em Brasília, na Sede das Pontifícias Obras Missionárias.

    De acordo com a coordenação, o objetivo é estabelecer uma visão comum e algumas diretrizes gerais para consolidar um processo de articulação na Pan-Amazônia e definir os objetivos da rede e uma estrutura básica para seu funcionamento.

    O encontro terá como temas principais “A realidade da Pan-amazônia desde a perspectiva das mudanças climáticas; Testemunhos de experiências missionárias; O papel e a missão da Igreja na Ecologia e no bioma amazônico".  Atuarão como assessores o representante do Pontifício Conselho Justiça e  Paz do Vaticano, o sr. Tebaldo Vinciguerra (Roma), o representante da Agência Católica para o Desenvolvimento Exterior (CAFOD), Graham Gordon, dentre outros.

    “A ideia é consolidar e alargar o processo de construção da Rede Eclesial Pan-Amazônica na busca de consensos e a articulação das várias Instituições parceiras, em torno de uma visão comum na defesa da vida neste território”, disse a assessora para a Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB”, Irmã Maria Irene Lopes dos Santos,cmstj.

    De acordo com o assessor para a Missão Continental e membro da coordenação do encontro, padre Sidney Marcos Dornelas,cs, a necessidade da criação de uma rede eclesial nasceu a partir das bases. “O tema da Pan-Amazônica vendo sendo levantado a algum tempo por religiosos, pela Equipe Itinerante, por todos aqueles que lidam com grandes problemas que envolvem o bioma amazônico”, afirmou.

    Dornelas ressaltou, ainda, que diante dos grandes projetos de desenvolvimento  do governo, que envolvem a Amazônia, a Igreja precisa repensar e reelaborar a sua atuação. “Os governos da América Latina tem um projeto continental de integração das fronteiras que incluem a construção das grandes hidrelétricas, a interligação com o pacífico e outros. Quem trabalha com os indígenas, com as populações ribeirinhas, por exemplo, vêm nestes projetos uma ameaça que ultrapassa o contexto nacional. A ideia é, refletir, também,  a atuação da Igreja neste contexto”, afirmou.

    Cerca de 60 participantes, previamente convidados, representarão as Instituições e Organismos afins, entre eles, a presidente da Confederação Latinoamericana e Caribenha de Religiosos e Religiosas, Irmã Mercedes Casas (Colômbia), o presidente da Comissão Missão Continental, dom Adriano Ciocca Vasino, o Conselheiro Geral dos Jesuítas, padre Bruno Schizzerotto, o delegado do superior geral do Instituto Missões Consolata, padre José Salvador Medina, o delegado do superior geral dos Frades Menores, padre José Rozansky.

    O evento é organizado pela  Igreja Católica presente na Pan-Amazônia, o Pontifício Conselho justiça e Paz, o Departamento de Justiça e Solidariedade (DEJUSOL – CELAM), a Comissão Episcopal para a Amazônia, da CNBB, o Secretariado Latino-americano e do Caribe da Caritas (SELACC) e a Conferência Latino-americana e Caribenha dos Religiosos(as) (CLAR).

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  • 03/09/2014

    Na Amazônia, índios acusam governo de manipulação em consulta sobre saúde

    “O Estado é laico, mas feliz é a nação cujo Deus é o senhor…” declarou a presidenta Dilma ao participar da inauguração do Templo de Salomão, em São Paulo. Dali do sudeste do país a determinação bíblica alcançou o noroeste da Amazônia. E ao invés de utilizar algum espaço público como uma escola ou a própria Universidade Federal do Amazonas, no município vizinho de Benjamin Constant, para apresentar um novo programa que impacta diretamente a vida das comunidades indígenas, um espaço de culto evangélico — religião cuja ação proselitista de missionários é uma das principais causas de conflito com comunidades indígenas na região — tornou-se um espaço político desse Estado que é laico, “mas”…

    Em Atalaia do Norte, o governo federal realizou no sábado 30 uma “consulta prévia” à população indígena do Vale do Javari, do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) local, dentro de uma Igreja da Assembléia de Deus, sobre um tema de direto interesse a eles: a criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI). É o último ato de um processo que levou alguns dias, e que tive a oportunidade de presenciar e aqui faço um relato descritivo do que presenciei. É provável que esse processo esteja acontecendo, de forma semelhante, por todo o Brasil. Ao mesmo, é o que acusam cartas e protestos do movimento indígena.

    Nessa sábado 30, a consulta do governo poderia ter versado sobre a prospecção e exploração de petróleo que é pretendida pela Petrobrás no Vale do Javari, ou poderia ser a mineração ou extração de madeiras, ou sobre a construcão de usinas hidrelétricas, como as consultas que o governo tenta fazer junto aos Munduruku, no rio Tapajós, no Pará. Mas foi um debate sobre o que pode salvar a vida de uma população que chega a ter aldeias com elevadíssima contaminação por hepatite, por exemplo. Na mesa estavam representantes do Ministério da Saúde, no quórum indígenas e funcionárias não indígenas temporárias do ministério mobilizadas em defender seus empregos. Um cartaz “Ó vinde, adoremos” separa os que regem o culto do público nos bancos da Igreja.

    O processo aconteceu em português, com alguns depoimentos de algumas lideranças eventualmente traduzido por jovens. Ainda que poucos indígenas sentiam-se confortáveis expressando-se em português e quase todos disseram nos momentos em que tivessem chance de se expressar que não estavam entendendo nada. O que deveriam entender?

    Saúde indígena

    A saúde indígena no Brasil é caótica. No Vale do Javari a situação é uma das piores, com aldeias assoladas pelas hepatites virais, ainda mais letais quando associadas aos altos índices de contaminação por malária, mortalidade infantil bem acima da média nacional e estruturas físicas deterioradas ou inexistentes nas aldeias, que deveriam dar atenção básica e diferenciada à saúde dos povos da região. Após mudanças recentes, foram contratados médicos, porém as visitas mais seguidas nas aldeias não implicou na uma inversão no quadro degradante dos indicadores de saúde da região em razão da falta de medicamentos, de estruturas e equipamentos para atendimentos in loco na comunidade e do despreparo para uma relação intercultural com esses povos, principalmente nos diálogos no sentido da prevenção de doenças. A justiça deveria definir, nas próximas semanas, uma determinação para o ministério realizar novos concursos. Para escapar dos concursos e da lei de licitação (a famosa Lei 8.666), o ministério tentou uma medida ousada e rápida: criar um instituto privado (chamado pelos técnicos do governo de “paraestatal”), o Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), uma proposta articulada pela Secretaria Nacional de Saúde Indígena (Sesai) com técnicos do Ministério do Planejamento para salvar a saúde indígena da UTI.

    Em outras palavras, assim explica o ministério da Saúde: “A proposta de um novo modelo de gestão da saúde indígena pretende dar mais agilidade aos processos administrativos e às contratações de profissionais que atuam junto aos povos indígenas.”

    Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o movimento indígena, trata-se de uma privatização da saúde indígena. A subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, atacou, em nota que pode ser lida aqui, a criação do INSI. Entre as diversas “inverdades”, ela diz que os concursos não alcançariam os agentes indígenas de saúde (indígenas que são contratados para prestar auxilio de saúde, essa era uma reivindicação do movimento indígena), e que estes deveriam ser realizados com a preocupação de “assegurar a ampla presença indígena nesses cargos, bem como a manutenção das equipes que se encontravam em área há bastante tempo.”

     Para o governo, problema é “concurso” e “licitação”

    Na “consulta” dentro da Igreja em Atalaia, as palavras “concurso” e “licitação” eram as mais repetidas, sempre em tom de crítica a esses dois mecanismos legais de combate a corrupção.  Os representantes do ministério da saúde mostravam-se sempre contrários a realização de concurso público e apontando a lei de licitações como o grande problema pela falta de medicamentos. Eram aplaudidos pelas funcionárias não indígenas presentes, de forma a criar um clima de enfrentamento a quem tivesse uma opinião contrária.

    O secretário executivo do Fórum dos Presidentes de Condisi, Marcos Antonio da Silva Pádua, representava a Sesai. Ao seu lado estava Heródoto Jean de Sales, coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Vale do Javari– DSEI/Sesai e Jorge Marubo, funcionário da Sesai e presidente do Condisi/Vale do Javari, e que nos primeiros dias do encontro havia mostrado preocupações com as mudanças propostas, com tanta pressa, mas no sábado estava articulado em ajudar o governo a aprovar a medida.

    Pádua, nas suas falas, mostrou-se firme com a proposta e duro com as críticas. Com relação à subprocuradora-geral, ele disse: “É lamentável essa senhora querer empurrar goela abaixo um concurso público”; “é pura enganação da sub-procuradora Deborah Duprat. Tenho conhecimento das decisões dessa senhora. Não se enganem, pois que ela quer empurrar um concurso público a toda a força para as populações indígenas. É lamentável.”

    Em um momento ele parou de falar, pegou o telefone celular, passou a checar mensagens e disse que tinha uma novidade para contar: 15 distritos de saúde indígena (os DSEI) teriam sido aprovado o novo instituto, e ele prometia, em tom de vitória, que “os Kayapó vão aprovar amanhã”.

    Era preciso acelerar os tramites, pois para Pádua no dia “7 de outubro o juiz pode canetar uma decisão”: “O juiz disse que ou é instituto ou é concurso publico. Infelizmente no nosso país o que o judiciário decide vamos ter que seguir”

    O representante da Sesai atacou o Cimi e respondeu à crítica de que se trata de uma “privatização”: “o braço executor será instituto. Não será privatização, pois o dinheiro é todo publico”. Segundo ele o instituto iria resolver todos os “entraves”. Não foi mencionado que em algumas regiões os indígenas haviam rejeitado a proposta, como no sul do país (no caso, inclusive denunciando a pressão da Sesai, leia aqui) .

    Em alguns momentos, os representantes da Sesai foram interrompidos pelo funcionário local da Funai, Bruno Pereira, que dizia que os indígenas não estavam entendendo perfeitamente a medida e que precisariam de mais tempo para poderem deliberar sobre a questão. Frisou que a votação não estava na pauta da reunião, mas sim uma apresentação sobre a proposta do novo instituto, e que os indígenas que vieram de suas aldeias não sabiam que ocorreria uma votação para “legitimar” uma decisão tomada em Brasília.

    Pádua respondeu duramente que “se não aprovar vai retroagir”, sob aplausos das funcionárias não indígenas presentes, de forma a criar um clima de disputa de torcida. “O que esta sendo feito aqui é uma consulta. Tem representantes de todos os povos indígenas e de mais de 40 aldeias. É rápido? Eu concordo. Mas está fazendo aqui a consulta”, disse o coordenador do DSEI/Vale do Javari, Heródoto Jean. Ressaltou ainda que isso era uma democracia e novamente foi aplaudido pelos funcionários não indígenas presentes.

    Jorge Marubo, ao lado de Pádua, detalhou a proposta explicando que o instituto seria melhor para os índios do Javari e que se “fosse obedecer as leis de licitação ia ter as mesmas dificuldades”: “Hoje os índios questionam a alimentação. Por que? Porque o fornecedor não entrega. Dai quem é cobrado? O gestor”, justificou.

    Pereira, da Funai, interrompeu novamente dizendo que não havia tempo para discutir a proposta, que o governo estava se portando como um “trator avassalador” e que eles não poderiam forçar uma eleição que não estava em pauta.

    Pádua respondeu para que “fizesse um documento” como as organizações indígenas estavam. Por “documento” ele se referi à serie de manifestações contrárias que tem circulada pelo movimento indígena.

    Por exemplo, a Coiab se manifestou contrária (leia aqui), acusando a “iniciativa governamental que nada tem haver com todo esforço do movimento indígena dos últimos anos em discutir um sub sistema distrital de atenção a saúde indígena com autonomia administrativa e financeira”. Também foram contra a Arpinsul (leia aqui) que apoiou a Apib (leia aqui), a Apoinme (leia aqui), assim como os indígenas da região do rio Purus (leia aqui), os indígenas de Roraima (ver manifesto do CIR aqui), da Bahia (ver manifesto do Mupoiba contra a “privatização da saúde indígena” aqui) e os povos indígenas de Rondônia e Mato Grosso (leia aqui)

    Votar ou não votar não é uma questão

    Jorge Marubo e Pádua aceitaram o repúdio que a proposta tem sofrido pelo movimento indígena e tentaram apressar a votação para que os presentes aceitassem a medida frisando: “O instituto vai funcionar melhor do que com concurso público”, ao que foi aplaudido pelas funcionárias não índias presente, novamente, como uma torcida.

    Era evidente a pressa em votar e em simplificar as informações para que os indígenas reclamassem, mas votassem e aprovassem. A chamada “pressão” denunciada pelo movimento indígena.

    Paulo Barbosa da Silva, presidente da principal organização indígena do Vale do Javari, a Univaja, era contra a votação: “Surgiu agora essa proposta e não temos tempo para discutir. Por isso, o posicionamento do movimento indígena é contra ela. Queremos que seja levado para ser discutido nas aldeias. Temos que respeitar nossos caciques e aqueles que moram nas aldeias. O questionamento é isso. Precisamos de dois meses para sermos consultados. Não temos nem noção de como vai funcionar ou do que ele está falando”, disse.

    Paulo, que vive na aldeia Maronal, relata que faleceu esse ano de 2014 o pajé Armando Marubo, da aldeia Paraná, por tuberculose, segundo ele por falta de medicamento, e que em razão dessa perda espiritual seu povo estaria muito triste.

    “Esse é um jogo politico que vai complicar ainda mais o atendimento de saúde dos índios de todo o Brasil”, criticou o presidente da Univaja. “Não considero isso uma consulta correta. As lideranças aqui não entendem bem o português. Isso surgiu de uma hora para outra. Viemos discutir um plano distrital e nos colocaram para aprovar um instituto sobre o qual não temos conhecimento. Eu queria que essa discussão fosse levada para as aldeias depois de todo mundo estar ciente disso.” Seu medo, além de tudo, é que o governo utilize esse tipo de consulta, por exemplo, para iniciar a exploração de petróleo, feita de forma atropelada, manipulada, sem tradução, e ainda por cima dentro de uma igreja.

    Faltou explicar

    Jorge Marubo admitiu que “faltou explicar, faltou comunicar”, mas que “temos que ter encaminhamento”. “É rápido e ruim, mas é a forma como estamos participando da construção. No mundo do branco isso é normal.”

    O cacique Waki, liderança do povo Matsés, pegou o microfone e falou na sua língua. Como ele é um dos conselheiros do DSEI com direito a voto, ele disse que não iria votar sobre a criação do instituto, nem contra, nem a favor, mas não iria votar pois não havia compreendido do que se tratava.

    Algumas lideranças disseram que queriam votar logo e voltar para suas aldeias, e eram aplaudidas pelas funcionarias não indígenas. Um Matis disse: “Eu não sou a favor do concurso público. Eu apoio o instituto”. Aplausos das funcionários não indígenas que queriam manter seu emprego.

    Chico Preto, liderança Matsés da aldeia Lago Grande, falou em sua língua, expressou revolta e disse que ele está doente há três dias, sem medicamentos. Disse que apesar disso não iria votar.

    Mesmo em meio a confusão sobre para que serviria a votação, ou não, Pádua da Sesai junto de Jorge Marubo separou os presentes na Igreja e colocou em votação a criação do INSI. Pelos conselheiros. As lideranças que não haviam entendido o que era o instituto também aparentemente não entenderam nem o que estava sendo votado.

    Reuniram-se todos nas cadeiras de plásticos a frente da faixa “Ó vinde, Adoremos”, provavelmente uma referência a alguma mensagem da religião evangélica da Igreja, e não com o Instituto Nacional de Saúde Indígena.

    Os representantes públicos levantam-se na mesa como em uma benção. Dividem o grupo entre funcionários e índios lado a lado. Quem é a favor? Todas as funcionárias não indígenas levantam o braço, ao que algumas lideranças indígenas olham e repetem o gesto, inclusive o próprio Chico Preto que dois minutos antes tinha repudiado a iniciativa e dito que não votaria. Quem é contra? Ninguém. Quem se abstem? Pereira, da Funai. O conselheiro e liderança Waki fica mudo e é esquecido da conta.

    Pádua, da Sesai, sorri aliviado, pega o celular e sai da mesa para mandar mensagem de vitória para seus colegas que estão distantes, em outras votações. Perguntei a ele sobre se uma Igreja evangélica é o local adequado para se realizar uma consulta prévia a uma população indígena sobre uma mudança na política pública de saúde organizada pelo governo federal, e ele me respondeu que não havia na cidade outro local adequado para receber 70 pessoas (provável que houvesse menos de 40 ali) e que isso não interferia em nada. Disse também que alguns resumos da proposta de criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena haviam sido “traduzidos” e que portanto as lideranças indígenas ali estavam cientes de tudo, mesmo que dissessem que não estavam.

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  • 03/09/2014

    Nota da Comissão Guarani Yvyrupa sobre a criação do INSI e a saúde indígena

    No dia 4 de agosto, sem o respaldo de qualquer representação nacional do movimento indígena, o Ministério da Saúde em parceria com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão apresentou a proposta de criação de um novo órgão responsável pela saúde indígena no país, o Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI).


    Nós, da Comissão Guarani Yvyrupa, repudiamos essa ação do governo que vai na contramão de tudo aquilo que o movimento indígena vem reivindicando e conquistando ao longo dos anos. A proposta de criação do INSI, uma paraestatal de administração privada e regido pelo direito privado, ao contrário do que vem afirmando o ministro da saúde, ajudaria na precarização da saúde indígena eximindo o poder público de sua responsabilidade.


    Por décadas, nós indígenas de todo o Brasil lutamos pela criação da Secretaria especial de saúde indígena (Sesai), responsável pela criação de uma gestão autônoma e descentralizada da saúde, através dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), levando em conta os problemas específicos e a cultural local de cada região. Contudo, mesmo após essa conquista, o governo seguiu ignorando os problemas de nossa saúde, desconsiderando o que vínhamos propondo para a melhoria da situação, como a realização de concursos públicos para a contratação de médicos especializados na saúde de nossos povos. Quase nada foi investido na saúde de nossas comunidades que sofrem com a falta de médicos e de equipamentos básicos para a realização de tratamentos.


    Agora, apenas quatro anos depois da criação da Sesai, sem ter atendido as reivindicações realizadas nas Conferências Nacionais de Saúde Indígena o governo decreta que o órgão não funciona e busca se eximir de suas responsabilidades perante os povos indígenas promovendo a privatização de sua saúde.


    Hoje, nosso parentes e principalmente nossas crianças morrem cotidianamente em todo o país devido a contaminação dos solos, das águas e das diversas doenças trazidas pelos brancos. Cabe ao governo ouvir as populações indígenas e se responsabilizar por esses males que vem sendo causados a nós desde de que os portugueses invadiram essa terra que hoje se chama Brasil.

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  • 02/09/2014

    RBS mente para defender interesses de especulação

    O jornal da RBS, Diário Catarinense, fortaleceu na última semana uma campanha sistemática que vem realizado há anos contra o povo Guarani que vive no Morros dos Cavalos. Atendendo a interesses de especuladores, que não aceitam a demarcação das terras indígenas no estado, voltou a bater na mesma tecla de que as famílias que vivem no tekoá itaty, são do Paraguai e que foram usadas por ONGs para "criar" uma legalidade para o uso da terra.

    Ora, quem conhece a RBS sabe que essa não é uma empresa confiável. Uma rápida investigada nas fontes usadas para a reportagem já mostra que o tema não é tratado com seriedade. O antropólogo que "acusa" os indígenas sequer é reconhecido por seus pares. O que ele faz, junto com a RBS, é incentivar o ódio e o racismo num espaço que há muito tempo tem sido objeto de batalhas entre os que são os verdadeiros donos, e os que ocuparam os terrenos desde longos anos. Tudo isso por conta do interesse econômicos nas terras.

    Hoje estamos aqui, o povo Guarani, para dialogar com vocês. Nossa gente vive nesse território desde os tempos imemoriais, bem antes da chegada dos portugueses e espanhóis. Durante a invasão fomos assassinados, escravizados e jogados para outros lugares.

    Para nós, não existem as fronteiras, elas foram criadas pelos brancos. Daí essa incompreensão ou maldade da RBS- em dizer que somos estrangeiros. Nós somos Guarani. Essa terra é nossa. Estrangeiro é quem invadiu. Queremos viver em paz.

    A demarcação desse pequeno espaço de terra é o mínimo que o Estado faz para garantir nossos direitos, negados há mais de 500 anos. Somos um povo autônomo, que decidimos nossa vida dentro da nossa cultura. Não somos manipulados por ninguém. Dizer isso é nos desqualificar. Não aceitamos mais isso. Temos amigos e parceiros, como qualquer outro grupo étnico. Mas decidimos nosso caminho. Já conquistamos, com muita luta e vencendo inumeráveis preconceitos, essa terra que é nossa.

    Pedimos agora seu apoio. Não se deixe envolver pela campanha de ódio e racismo da RBS. Não nos veja como invasores. Busque conhecer nossa história e nossos costumes. Respeite nosso jeito de viver como respeitamos o seu.  Morro dos Cavalos é Guarani. A história também mostra. Os que nos agridem querem usar a nossa terra como mercadoria e como meio para ganhar direito. Nossa relação com a terra é sagrada, ela é nosso templo e nossa morada.


     

     

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  • 01/09/2014

    Homenagem de Dom Erwin Kräutler à Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida

    Bem-aventurados os pobres em espírito,

    porque deles é o reino dos céus (Mt 5,3).


    Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida SJ

    Por Erwin Kräutler, Bispo do Xingu e Presidente do Cimi

    Considero um privilégio ter sido convidado para, em nome dos agraciados com a comenda Dom Luciano Mendes de Almeida, proferir um discurso de agradecimento à Faculdade Arquidiocesana de Mariana. Faço-o com alegria em homenagem ao venerável Servo de Deus que fora arcebispo de Mariana, estimado e amado no Brasil e além das fronteiras da nossa Pátria.

    Conheci Dom Luciano muito bem e os encontros que tive com ele marcaram a minha vida. De fato, ele irradiava uma profunda paz que contagiava a todos. Seus conselhos e sugestões partiram de um coração repleto de amor e compreensão. Nunca duvidei de que estava diante de um santo. A canonização é sempre um acontecimento “post mortem”. Geralmente passam-se muitos anos até terminar o processo eclesiástico para uma mulher ou um homem chegar à honra dos altares. No entanto há pessoas que o povo, mormente o povo simples e humilde, já aclama em vida como santas, pois intui que aí há alguém que se consagrou a Deus sem nenhuma restrição ou limite e dedica sua vida aos irmãos e irmãs com um amor fraterno e generoso.

    Para descrever a personalidade de Dom Luciano, penso que a melhor opção é meditar a primeira das Bem-aventuranças do Sermão da Montanha. Este sermão de Jesus relatado por São Mateus começa com uma solenidade excepcional. Não há na Bíblia outra introdução tão solene a uma prédica de Jesus ou de um dos profetas. Cada palavra tem seu peso. No original grego são sete verbos numa única frase: “E Jesus – vendo as multidões – subiu à montanha e – assentando-se – aproximaram-se dele os seus discípulos e – abrindo a sua boca – os ensinava – dizendo“ (Mt 5,1-2):

    Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus (Mt 5,3).

    O bom Deus dotou Dom Luciano com uma rara inteligência, um raciocínio perspicaz, uma memória invejável e uma sabedoria profunda. Inteligência, raciocínio e memória são sempre dons congênitos. A sabedoria de Dom Luciano, porém, foi fruto de sua intensa e ardente experiência de Deus. Realizou em toda a sua vida o que Paulo Apóstolo escreveu aos Filipenses: “Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus: “esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo” (Fil 2,7). Dom Luciano não nasceu pobre, fez opção pela pobreza. Viveu uma vida “franciscana” na simplicidade e modéstia e na radical obediência à vontade de Deus. Vejo hoje os ideais de Dom Luciano concretizados no seu irmão de ordem, o nosso Papa Francisco. Pobre em espírito é quem sabe que recebeu tudo de Deus ou para citar mais uma vez Paulo Apóstolo que declara: “Pela graça de Deus sou o que sou” (1 Cor 15,10). Quem se dá conta de que “tudo é graça” não se vangloria de seus talentos capacidades e competências e muito menos procura Ibope. Esta bem-aventurança, de certo modo, é a síntese de todas as outras. Em uma mensagem aos jovens[1] o papa Francisco se refere ao santo de quem adotou o nome quando foi eleito papa. Podemos aplicar estas palavras perfeitamente ao nosso Dom Luciano: “Francisco viveu a imitação de Cristo pobre e o amor pelos pobres de modo indivisível, como as duas faces duma mesma moeda“.

    Qual foi realmente a identidade de Dom Luciano? Foi pobre diante de Deus a quem amou até os recônditos de sua alma e, ao mesmo tempo, dedicado aos pobres com todas as fibras de seu coração. Sabemos como vivia cercado de mendigos já quando era bispo auxiliar de São Paulo. Existem verdadeiros fioretti sobre o amor que dedicou aos mendigos e moradores de rua. Lembro-me que uma vez o procurei na sede da CNBB. Andei pelo segundo andar onde fica a sala da presidência e perguntei a um assessor onde se encontrava o presidente. Respondeu-me: “Até poucos minutos atrás estava aqui. Não sei para onde foi. Deve estar na portaria atendendo alguns pobres que sempre vêm atrás dele“.

    Sabemos que existem pobres a quem falta o indispensável para viver dignamente. São pessoas que vivem, para usar uma expressão popular, “sem eira nem beira“ ou “não têm onde cair mortos“. Mas existe outro tipo de pobres: são pessoas excluídas da sociedade por causa de sua diversidade cultural, de sua língua, sua religião, de seu modo de viver. É-lhes negada a “identidade“. Um exemplo para esta categoria de seres humanos são os povos indígenas. Esses descendentes dos primeiros habitantes da Terra de Santa Cruz sempre tiveram um lugar privilegiado no coração de Dom Luciano. Sou testemunha disso.

    Há muitas histórias para contar, algumas até pitorescas. Em 1988 foram expulsos os missionários da Missão Catrimani. Dom Luciano, quando soube desta injustiça e injúria causadas a quem dedica sua vida aos índios, alterou imediatamente sua agenda e viajou a Roraima para prestar sua solidariedade aos indígenas e aos missionários. Foi extraordinário o amor que dedicou aos Ianomâmi. Ouso até afirmar que a demarcação da área indígena Ianomâmi em 1992 foi de certa maneira fruto do empenho de Dom Luciano. Várias vezes ele foi a Roraima para todo mundo saber de que lado o presidente da CNBB batalhava. Nas minhas visitas a ele em Brasília sempre achou tempo, em hora muitas vezes já adiantada para receber-me junto com o secretário do Cimi, o já falecido Antônio Brand. Às vezes cochilou de tão cansado que estava, mas mesmo assim assimilava o que nós falávamos a ele. Uma vez fomos recebidos pelo General-de-brigada Rubens Bayma Denys, ministro-chefe do Gabinete Militar: Dom Luciano, Dom Aldo, bispo de Roraima, e eu como presidente do Cimi. Reivindicamos, denunciamos, propomos. Insistimos na defesa dos direitos indígenas às suas terras ancestrais. Dom Luciano estava sentado ao meu lado. De repente percebi que o sono o dominou durante a fala monótona do General. Preocupado que o General podia não gostar, desferi uma leve cotovelada a Dom Luciano. Para minha maior surpresa, abriu os olhos e com a mente mais lúcida reagiu ao que o General acabou de dizer.

    Em 1987 o Cimi empenhou-se junto com os povos indígenas pela inscrição de seus direitos na nova Constituição Federal. Grandes interesses nas áreas tradicionalmente ocupadas pelos índios e ambições inconfessáveis da parte de segmentos anti-indígenas fizeram um dos maiores matutinos do país mover uma sórdida campanha contra o Cimi. O jornal lamentavelmente se prestou a publicar documentos falsificados ou inexistentes[2]. Os inimigos da causa indígena, especialmente os interessados na exploração mineral em áreas indígenas, tentaram assim enfraquecer a presença do Cimi nas articulações da Assembleia Nacional Constituinte e desmoralizar de uma vez este organismo missionário vinculado à CNBB. Pretendiam com isso confundir os constituintes e facilitar a legalização do saque mineral em áreas indígenas.

    Foram dias de aflição e intenso sofrimento. Fui pedir ajuda e conselho ao Dom Luciano, pois senti-me profundamente atingido pelo ódio dos urdidores desta campanha. Lembro-me perfeitamente da resposta, cheia de bondade, que Dom Luciano me deu: “Erwin, há oito bem-aventuranças. Sete você pode viver sozinho. Para a oitava bem-aventurança precisa dos outros, precisa de quem o persegue. Mas mesmo assim, sofrer ‘perseguição por causa da justiça’ (Mt 5,10) não deixa de ser uma bem-aventurança”. Quando em 16 de outubro daquele ano fui vítima de um acidente automobilístico premeditado para tirar-me a vida[3] e passei em seguida seis semanas no Hospital Guadalupe em Belém, me recordei destas palavras do bom Dom Luciano.

    No dia 14 de agosto 1987 Dom Luciano exigiu do jornal que veiculou as matérias ultrajantes o direito de resposta, responsabilizando-o por difamação e injúria por apresentar acusações baseadas em documentos falsos ou inexistentes. No dia 20 de agosto, em debate promovido pela Fundação Pedroso Horta, Dom Luciano Mendes de Almeida desmontou ponto a ponto a grande trama. Esclareceu que o matutino mentiu, distorceu fatos e funcionou como instrumento de empresas mineradoras interessadas no subsolo das terras indígenas. Quem assistiu a esse discurso no Congresso comentava depois que nunca se viu Dom Luciano tão indignado e irritado como naquela hora. Sua já proverbial calma cedeu de repente lugar a uma incisiva e intransigente exigência de reparação das injustiças cometidas contra o Cimi.

    Quero encerrar esta homenagem com outra experiência que jamais esquecerei. Na noite do dia 22 de fevereiro de 1990, a diretoria do Cimi estava reunida com Dom Luciano. Foi seu último compromisso antes de partir de Brasília. No dia seguinte aconteceu aquele terrível acidente que quase ceifou sua vida. Ficou por semanas entre a vida e a morte. Em 15 de março visitei-o no hospital e ao apertar a sua mão ele me confidenciou: “Vivo uma experiência profunda de sofrimento, mas ofereço tudo pela Igreja no Brasil e pelos povos indígenas que amo com carinho!” Naquela hora me veio à mente a figura do “Servo Sofredor“ do Profeta Isaías: “homem do sofrimento, experimentado na dor“ (Is 53,3).

    Dom Luciano terminou sua passagem por este mundo no dia 27 de agosto de 2006. “Morreu com fama de santo, como comprovam as centenas de visitas a seu túmulo, onde as pessoas depositam flores, fotografias e bilhetes, com agradecimentos e pedidos de intercessão“ informou o nosso arcebispo Dom Geraldo Lyrio Rocha quando no passado dia 15 de maio recebeu da Congregação para as Causas dos Santos autorização para iniciar o processo de beatificação do Servo de Deus Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida SJ, ex-arcebispo de Mariana nas Minas Gerais.

    Acredito que sua futura beatificação e canonização fará brilhar uma luz de esperança para os povos autóctones do Brasil. Se em vida Dom Luciano ofereceu seus sofrimentos a Deus em favor dos índígenas, na glória dos céus será definitivamente seu padroeiro e intercessor.

     

    Mariana, Minas Gerais, 27 de agosto de 2014

    Oitavo aniversário de morte do Servo de Deus

    Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida SJ



    [1] Domingo de Ramos, 13 de Abril de 2014, em preparação à XXIX Jornada Mundial da Juventude.

    [2] O jornal “O Estado de São Paulo“ publicou em cinco dias seguidos (9, 11, 12, 13 e 14 de agosto de 1987) com chamada na primeira página, matérias difamantes contra o Cimi.

    [3] Padre Salvatore Deiana, missionário xaveriano, oriundo da Sardenha, Itália, 31 anos de idade.  reitor de nosso Seminário Menor em Altamira viajava ao meu lado e teve morte instantânea.

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  • 01/09/2014

    MPF pede que Editora Abril seja condenada a pagar R$ 1 milhão de indenização por reportagem discriminatória contra minorias étnicas

    O Ministério Público Federal em São Paulo, na área de Tutela Coletiva do Meio Ambiente, Patrimônio Histórico e Populações Tradicionais, ajuizou ação civil pública para que a Editora Abril, responsável pela revista Veja, seja condenada ao pagamento de indenização mínima de R$ 1 milhão por danos morais coletivos. O pedido refere-se à publicação de uma reportagem no semanário em 5 de maio de 2010 com conteúdo discriminatório contra populações indígenas e quilombolas. A matéria jornalística “A farra da antropologia oportunista” baseou-se em informações distorcidas e expressões injuriosas para criticar o processo de demarcação de reservas destinadas a grupos étnicos.

    O texto da Veja procurou caracterizar a criação de novas reservas como fruto do conchavo entre ativistas que sobreviveriam dos sucessos das demarcações, agentes públicos e antropólogos cujo trabalho não teria nenhum rigor científico, mas simplesmente viés ideológico de esquerda. A revista relata ter descoberto “uma verdadeira fauna de espertalhões” e utiliza vários termos depreciativos que incitam o preconceito contra as comunidades indígenas e outras minorias étnicas. Exemplo é a definição de Tupinambás como “os novos canibais”, associando-os a invasões, saques e outras práticas delituosas.

    Com o objetivo de embasar a crítica às demarcações, a reportagem também distorceu as declarações de dois renomados antropólogos que se dedicam ao estudo das questões indígenas. O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Pereira Gomes, e o pesquisador da UFF Eduardo Viveiros de Castro teriam, segundo o texto, emitido opiniões contrárias à criação de novas reservas e aos critérios adotados. Após a publicação, ambos escreveram aos editores da revista, indignados com o fato de que as frases a eles atribuídas eram opostas ao que realmente pensam sobre o tema.

    Para a procuradora Suzana Fairbanks Oliveira Schnitzlein, autora da ação, declarações de cunho racista e que promovem a discriminação contra minorias étnicas não podem ser toleradas a pretexto de liberdade de expressão/imprensa, direito fundamental que não se confunde com “o puro e simples discurso de ódio camuflado de reportagem jornalística”. Caso a Justiça aceite o pedido e condene a Editora Abril, o Ministério Público requer que a indenização seja aplicada em prol dos povos tradicionais no Estado de São Paulo.

    O número da ação para acompanhamento processual é 0015210-17.2014.4.03.6100.

     

     

    Assessoria de Comunicação

    Procuradoria da República em São Paulo

    11-3269-5068 (5368)

    ascom@prsp.mpf.gov.br

    www.twitter.com/mpf_sp

     

     

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  • 01/09/2014

    Justiça quer despejar 170 indígenas Kaingang de área no PR declarada como TI desde 2007

    Famílias Kaingang de uma aldeia da Terra Indígena Boa Vista, próxima ao município de Laranjeiras do Sul, no Paraná, podem ser despejadas da área de dois hectares que ocupam há mais de 18 anos, por conta de uma decisão da Justiça Federal em Guarapuava, que determinou cumprimento de ordem de reintegração de posse contra a comunidade.

    Na aldeia existe um posto de saúde, a Escola Estadual Indígena Kogmu José Olibio, reservatório de água e rede elétrica. “A escola atende 60 alunos, até o 9º ano. Na saúde, tem uma enfermeira da Sesai, dois agentes que visitam as famílias, um técnico de enfermagem, um carro oficial e dois motoristas. É tudo provisório, mas aqui é nossa terra, tem investimento até do governo, não podem mandar a gente embora”, diz Claudio Rufino, vice-cacique da aldeia.

    “A meu ver essa reintegração é ilegal”, ressalta o procurador Federal da Advocacia Geral da União (AGU) em Guarapuava, Carlos Alexandre Andriola. “Os indígenas não podem sair de uma área já declarada pelo Ministério da Justiça como de ocupação tradicional. Essa propriedade é que está dentro da TI Boa Vista”.

    A propriedade em questão tem 140 hectares, dos quais apenas dois ocupados pelos indígenas. A fazenda fica no coração da TI Boa Vista, identificada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) desde  2004 e declarada com 7344 hectares em 2007 como de posse permanente dos indígenas, por meio da Portaria nº 1794, de 29 de outubro, assinada pelo então ministro da Justiça, Tarso Genro.

    No entanto, de acordo com a Funai, o procedimento demarcatório está paralisado desde então e o decreto de homologação não foi expedido pela presidência porque foram interpostas cerca de 24 ações contrárias à demarcação, a maioria já julgada improcedente. O Mandado de Segurança 28.667, por exemplo, impetrado no Supremo Tribunal Federal para anular a demarcação, foi indeferido em 2010 pelo ministro Marco Aurélio Melo. Uma Apelação Cível buscando a nulidade da Portaria Declaratória também foi negada pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

    A Funai deu continuidade ao procedimento e os pequenos proprietários que ocupavam áreas dentro da TI começaram a ser indenizados e reassentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ainda em 2013. “A Funai está pagando indenizações e as benfeitorias para os agricultores de boa fé. Só no ano passado oito famílias foram reassentadas pelo Incra. Na última semana outras duas receberam os pagamentos e novos lotes”, explica  Sebastião Aparecido Fernandes, sertanista da Funai e um dos responsáveis pelas negociações de indenização.

    Os indígenas da aldeia que é objeto da decisão correm o risco de ser despejados nas próximas semanas. “Com 45 anos de Funai nunca tinha visto uma coisa dessas! Conceder uma liminar para despejar os índios de um lugar onde estão vivendo há tanto tempo em uma área que inclusive já foi demarcada por profissional competente! É um absurdo”, completa Sebastião.

    O recurso da Funai foi negado pela Justiça de Guarapuava, mas a decisão de reintegração de posse encontra-se suspensa, aguardando manifestação da parte autora da ação contra os indígenas.

    Histórico

    A ocupação da TI Boa Vista é imemorial para os Kaingang. Foram expulsos de suas terras entre 1950 e 1962, quando, em parceria com o governo Estadual, as Companhias de Colonização e os processos de grilagem – intensificados na gestão do governador Moisés Lupion* (1947-1951), provocaram o fim das aldeias na região.

    “No ano de 1969 foram retirados os últimos indígenas que lá habitavam, mas conseguiram voltar em 1996. Hoje cerca de 170 indígenas vivem naquela aldeia”, conta o procurador Andriola. “A Justiça toda sabe que aqui é do índio, mas muitos usam essa questão política para não entregar de vez nossa terra. Hoje os agricultores dizem que sem a homologação ainda tem como tirar os índios daqui”, preocupa-se o vice-cacique Claudio Rufino. 

    Rufino conta que as ameaças aumentaram depois da ordem de reintegração. “Sábado à noite, quando um índio voltava pra aldeia, três rapazes num carro Monza chegaram perto e disseram ‘Se vocês passarem pela nossa fazenda nós vamos pegar todo mundo na bala’. A gente pede a homologação há sete anos, estamos no que é nosso por direito, mas parece que a Justiça e os órgãos do governo estão esperando a gente morrer pra tomarem providências”.

    *Moisés Lupion é avô de Abelardo Lupion, deputado federal pelo DEM do Paraná por seis mandatos consecutivos e fundador da União Democrática Ruralista, grupo de direita reacionária que luta contra a aprovação, no Congresso Nacional, de projetos de lei a favor da reforma agrária e dos direitos indígenas.

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  • 29/08/2014

    Policiais apreendem armas e drogas em fazenda e proprietário será indiciado por formação de milícia em MS

    Indígenas do povo Terena, da Terra Indígena Buriti, em Mato Grosso do Sul, estão apreensivos depois que uma operação da Polícia Militar encontrou armas e drogas com jagunços da fazenda Água Clara, que fica dentro da TI.

    “Aqui ficamos muito próximos deles, e agora a polícia descobre esse monte de arma… Dá medo, a gente sabe que têm muita raiva do nosso povo e querem nos tirar da nossa terra de um jeito ou de outro”, diz o cacique Ageu Reginaldo, da aldeia Água Azul, que faz divisa com a fazenda Água Clara.

    Na última quarta-feira (27), os policiais do Batalhão de Choque, durante vistoria determinada pela Justiça, apreenderam quatro jagunços contratados pelo proprietário da fazenda. Com eles, os militares descobriram 600 gramas de maconha, três espingardas calibre 32 e um revólver calibre 38. 

    Dois dos funcionários são menores de idade. Um deles, de 14 anos, estava com um revólver calibre 38. Os outros dois foram identificados como Olívio Franco e Idiomar Natalício dos Santos. Eles permanecem presos e serão indiciados por tráfico de drogas, porte ilegal de arma e formação de milícia, acusação que o fazendeiro também deverá responder.

    “Prestamos depoimento na delegacia de Policia Civil de Sidrolândia hoje de manhã porque nessa região também existem outros grupos de pessoas armadas. Sabemos que alguns desses estão na fazenda Urna da Estrela, São Sebastião e na fazenda Vassoura, todas aqui perto. Sempre estão atirando pra provocar terror no nosso povo”, conta o cacique Ageu.

    Os Terena aguardam há mais de um ano uma resolução do processo de compra de todas as propriedades incidentes sobre a TI Buriti. Ainda não há sinalizações de nova negociação entre Governo e fazendeiros para compra dos 15 mil hectares.

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  • 29/08/2014

    Áudio evidencia que CNA elabora parecer da PEC 215

    Por Luana Luizy,

    de Brasília (DF)

    Na última semana uma denúncia escancarou a falta de ética e escrúpulos do latifúndio no Brasil. Uma ligação interceptada pelo Ministério Público Federal do Mato Grosso revelou que o líder ruralista Sebastião Ferreira Prado planejava o pagamento de R$ 30 mil para o advogado ligado à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que seria o responsável pelo relatório da (PEC 215) que trata da demarcação de terras indígenas. “Esse trem custa 30 conto, eu dei 5 conto, o Navo vai dar 5, precisa arrumar 20 conto de hoje pra amanhã, que essa semana vai ficar pronta esse trem”, diz Sebastião Prado na ligação.

    Leia mais: Cimi manifesta perplexidade diante de denúncias envolvendo deputado relator da PEC 215, ruralistas e CNA

    No áudio, Sebastião Prado, líder da Associação de Produtores Rurais de Suiá-Missu (Aprossum), que inclusive está preso, diz que “o cara que é relator, o deputado federal que é o relator da PEC 215, quem tá fazendo pra ele a relatoria é o Rudy, advogado da CNA, que é amigo e companheiro nosso”.

    Confira aqui o áudio:

    O diálogo mostra nitidamente a autoria dos ruralistas na elaboração da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215) e evidencia uma série de ações orquestradas pelos ruralistas em todo o Brasil contra os povos indígenas.

    O Ministério Público Federal e a Polícia Federal deflagraram uma operação para desarticular a atuação do grupo que coordenava e aliciava pessoas para resistirem à desocupação do território indígena Marãwatsédé, em Mato Grosso. “Segundo investigação conduzida pelo Ministério Público Federal e Polícia Federal, a organização criminosa atuava de modo a impedir que a etnia Xavante usufruísse da Terra Indígena Marãiwatsédé, definitivamente delimitada, demarcada e homologada desde 1998”, tal como corrobora nota do MPF-MT.

    Mesmo com o reconhecimento da mais alta instância jurídica do país, ruralistas resistiam em desocupar o território tradicional indígena. A história se repete no Maranhão, onde segue em curso a desintrusão de não-índios em território dos Awá-Guajá, local bastante especulado por madeireiros. Em resposta a estas conquistas, os ruralistas, contra o estado democrático de direito, tentam potencializar ações ilegais.

    Leia mais: MPF e PF deflagram operação contra invasores de terras indígenas

    O MPF revelou a influência dos ruralistas em outros estados de conflito na Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraná e também a possível participação de parlamentares federais no caso. A investigação segue em curso e os documentos relacionados à possível participação de parlamentares federais no caso foram remetidos ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

    Ligação de líder ruralista com Aécio Neves

    O áudio também mostra a ligação do líder ruralista que está preso, Sebastião Prado com o candidato à presidência, Aécio Neves-PSDB. Sebastião Prado seria o coordenador da campanha de Aécio no estado do Mato Grosso. “Tive pessoalmente com ele (Aécio). Eu inclusive vou coordenar a campanha dele lá no Mato Grosso”, afirma Sebastião Prado.

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