• 11/12/2014

    ICMBio deforma a formação de seus servidores

    A nomeação de 30 novos servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para a base de Itaituba (Pará) é algo a se comemorar, afinal, trata-se de uma das porções mais ameaçadas de todo o bioma amazônico. No vale do Tapajós, hoje, estão os maiores índices de desmatamento e degradação florestal da Amazônia, além de a área estar na mira da obsessão barrageira do governo Dilma, no marco de um polêmico projeto de complexo hidrelétrico, que prevê cinco barramentos, além de outros aproveitamentos hidrelétricos de menor porte, espalhados pela bacia. A região é alvo, ainda, de outras grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como a hidrovia Teles Pires-Tapajós, concebida para transformar o rio Tapajós em um corredor de escoamento da soja plantada no norte de Mato Grosso.

    Os novos servidores serão gestores de um mosaico de unidades de conservação (UCs) de mais de 9 milhões de hectares, o equivalente a três vezes o tamanho da Bélgica. A área seria maior, não fosse a autoritária redução de várias das UCs por meio da Medida Provisória nº 558/2012 para "liberar" áreas a serem inundadas pelos lagos das hidrelétricas. Na ocasião, os antecessores dos gestores que chegam agora publicaram uma contundente carta aberta em repúdio ao ato do governo federal. Porém, ao que parece, o próprio ICMBio encarrega-se agora de formar seus servidores de modo a inibir quaisquer críticas, ainda que essas venham no sentido de defender as UC em que são lotados e que são, portanto, obrigados a proteger.

    Entre 10 e 12 de dezembro, em Itaituba, os novos servidores concursados participam de uma oficina, cujos dois primeiros objetivos são:

    Ampliar a compreensão da equipe sobre cada UC, a região e o território do Tapajós; e
    Possibilitar que a equipe conheça o histórico de gestão das UC a partir de Itaituba e compreenda o momento atual, onde se propõe a Gestão Integrada.

    Considerando-se os objetivos mencionados, imagina-se que entre os convidados para falar da região, do território do Tapajós, dos problemas enfrentados pelas UCs e pelos povos e comunidades tradicionais que ali vivem figurariam representações dos índios Munduruku e de beiradeiros do Tapajós. Afinal, são quem, de longe, melhor conhece o que os novos gestores deverão enfrentar. Imaginamos que estariam professores e pesquisadores que estudam as dinâmicas e tensões agrárias e ambientais da região. Imaginamos que estariam convidados, também, procuradores da República, que, à frente do Ministério Público Federal (MPF), empreendem uma árdua luta em defesa dos direitos socioambientais.

    Entretanto, a programação da oficina vai na direção oposta evidenciando, pelo tipo de formação que o órgão oferece, o que espera dos seus servidores. Os temas a serem abordados, com os respectivos palestrantes convidados, são:

    • Licenciamento ambiental – Hilário Rocha/Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo de Itaituba (Semmat);
    • Hidrovia e Terminal Portuário – Marco Domaneschi/Bunge;
    • Desenvolvimento regional – Consórcio Tapajós; e
    • Concessões em Florestas Nacionais (Flonas) – Serviço Florestal Brasileiro (Serviço Florestal Brasileiro).
    Criado em junho de 2013, o Consórcio Tapajós consiste em uma articulação das prefeituras de seis municípios situados na área de influência dos projetos de barramento do rio: Aveiro, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso, Rurópolis e Trairão. Durante solenidade em que se selou o pacto, o prefeito de Rurópolis assim definiu os objetivos da entidade: “Fomos esquecidos durante muitos anos, mas esta região será a menina dos olhos do Brasil, pelo seu potencial para a geração de energia e pela localização estratégica para o escoamento da produção de grãos”.

    Por essa afirmação, vê-se o sentido de “desenvolvimento regional” que norteia o Consórcio Tapajós, e a coerência entre uma apresentação da entidade e a de um representante de uma empresa privada (Bunge) para ”formar” servidores públicos.


    Porto da Bunge às margens do rio Tapajós, em Itaituba-PA. Há projetos para que a região torne-se um grande corredor de escoamento de soja.

    Há escalação, ainda, de representantes do SFB, que terá a incumbência de falar sobre a concessão de florestas públicas da região para empresas madeireiras. Levando em consideração essa região, em particular, assunto não falta. Atualmente, dois processos de concessão no oeste paraense são questionados judicialmente pelo Ministério Público Federal (MPF), sob suspeita de desrespeitarem territórios tradicionalmente ocupados, e um terceiro caso já anunciou a pretensão de leiloar terras que podem estar sobrepostas a uma terra indígena ainda não demarcada.

    Tudo isso, acontece sob a batuta da The Nature Conservancy (TNC), uma ONG especializada em conferir “fachadas verdes” a seus endinheirados parceiros, como a Monsanto e a Dow Chemical.

    Em suma, a formação dos servidores contemplará a apresentação de diversos segmentos econômicos proeminentes, com interesse em recursos da região, mas não terá contraponto algum oriundo das diversas comunidades tradicionais e povos indígenas que habitam a região, e cujo modo de vida – bem como sua resistência ao avanço de interesses econômicos predatórios, muitas vezes – contribuíram para a sociobiodiversidade que justificaria a existência, mesmo, de um mosaico de unidades de conservação ambiental.

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  • 11/12/2014

    Livro sobre genocídio Waimiri-Atroari é lançado e respalda trabalho da CNV do Amazonas

    A editora Curt Nimuendajú acaba de lançar mais uma obra que já nasce clássica para a historicidade Ameríndia e chega aos leitores cumprindo dois papeis: o primeiro de passar a limpo a história recente dos povos indígenas; o segundo de denunciar um dos mais atrozes massacres promovidos pela ditadura militar (1964-1985): o assassinato de 2 mil Waimiri-Atroari, entre 1972 e 1977, para fins da abertura da BR-174, ligação entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR).

    No escopo dos trabalhos do Comitê Estadual de Direito à Verdade, à Memória e à Justiça do Amazonas, A Ditadura Militar e o Genocídio do Povo Waimiri-Atroari: por que kamña matou kiña é fruto da pesquisa que fundamentou o 1º Relatório deste comitê. Tal como em As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, o livro relata em detalhes, com base em farta documentação e literatura indigenista, como os militares massacraram aldeias inteiras utilizando bombas químicas, com o mesmo potencial devastador do napalm utilizado pelo Exército estadunidense no Vietnã, metralhadoras e ataques aéreos impiedosos.

    O livro, portanto, cumpre um outro papel: de não deixar cai no esquecimento o genocídio contra os Waimiri-Atroari no contexto de estabelecimento da Comissão Nacional da Verdade (CNV), pela Lei 12528, de 2011, que pretende investigar crimes cometidos contra os direitos humanos, entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, e, conforme declarou recentemente seu presidente, Pedro Dallari, pedir a punição de mais de 100 militares responsáveis por atentados, assassinatos, torturas, desaparecimentos e toda sorte de arbítrio fundamentado em poderes estabelecidos por golpes contra a democracia.

    Então, por que kamña matou kiña A pergunta era comumente ouvida pelos indigenistas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Egydio e Doroti Schwade, durante o processo de alfabetização dos Waimiri-Atroari em sua língua materna, sobreviventes do massacre. Narrações, desenhos e histórias terríveis, de assassinatos, correrias, desaparecimentos e mortes, com aviões jogando bombas sobre as aldeia, descrevendo como o genocídio ocorreu, chegavam ao casal indigenista que passou a investigar o que havia ocorrido e a registrar tudo aquilo que os Waimiri lhes relatavam.

    A obra é, antes de tudo, um apanhado articulado das histórias dos próprios Waimiri. “Civilizado matou com bomba”, escreveu Panaxi ao lado de um dos desenhos reveladores do massacre. O waimiri ainda identificou pelo nome os assassinados: Sere, Podanî, Mani, Priwixi, Akamamî, Txire, Tarpiya. Assim, numa série impressionante, outros e mais outros Waimiri desenharam e escreveram nomes de mortos, compondo uma Guernica amazônica – referência ao quadro de Pablo Picasso que retrata o povo da cidade que concede nome à obra massacrado pelas tropas de Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola.

    Todos estes relatos colhidos por Egydio e Doroti durante o processo de alfabetização dos Waimiri estão no livro e, portanto, no relatório da comissão. O livro demonstra como tal massacre ocorreu de forma planejada, como política de Estado, comandada por generais. Nas palavras do jornalista e ex-editor do jornal Porantim, onde os primeiros relatos deste genocídio foram publicados, José Ribamar Bessa Freire, que assina o prefácio do livro, trata-se da cartilha de Rondon no trato com os povos indígenas, mas pervertida e ao contrário: “Matar ainda que não seja preciso; morrer nunca”. Empresas de jagunços subordinadas ao Comando Militar da Amazônia, especializados em “limpar a floresta”, faziam também o trabalho sujo, mas tudo com o consentimento dos militares.

    No lugar das aldeias devastadas, mineradoras, usinas hidrelétricas, estradas. A Mineração Taboca, por exemplo, que se instalou sobre aldeias Waimiri destroçadas pelo fogo militar entre 1979 e 1988, negou e abafou que, mesmo passado alguns anos do genocídio, outros indígenas ainda estivessem circulando pelo local. Fato é que em 1985 estes indígenas, então desconhecidos, apareceram no canteiro de obras da hidrelétrica do Pitinga. Poucos dias depois o motorista de uma carreta os avistou: seis homens e duas mulheres. Depois disso nunca mais foram vistos. Todavia, a razão é aparente e comprovada no livro: a Sacopã, empresa de jagunços comandada por dois ex-oficiais do Exército e um então da ativa, assassinou estes indígenas – que seguiram desconhecidos, mas não esquecidos.

    A obra desvela a arqueologia da violência de um grupo indígena massacrado que na redemocratização foi cercado pelo governo brasileiro. Em 2013, durante audiência com integrantes do povo Munduruku, executivos da Eletrobrás, numa vã tentativa de convencer os indígenas do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, afirmaram que a ação junto aos Waimiri por conta da usina de Balbina, construída ainda na ditadura, só trouxe benefícios para eles. A essa tentativa de esconder o passado sangrento, a família Schwade foi obrigada a se retirar da comunidade, por ordem do então presidente da Funai, Romero Jucá, político de Roraima subserviente e beneficiário das vilanias e devastações causadas por empresas de mineração.

    O conteúdo resvala na linguagem etnográfica e etnológica, instrumentos da antropologia, para trazer aos leitores um retrato mais próximo o possível da visão dos próprio Waimiri do massacre. Ao contrário do que é mais comum de se ouvir país afora, os povos indígenas foram vítimas diretas da ditadura militar e contam tantos mortos quanto os desaparecidos ou assassinados políticos nas guerrilhas urbanas e rurais. Aos Waimiri se juntam ainda outros povos vítimas do autoritarismo. Lideranças indígenas e suas assembleias dispersas, proibidas. Os reformatórios Krenak e Guarani, onde havia tortura e morte de indígenas. A obra contribui para que o Brasil de hoje repare esses crimes garantindo a terra tradicional e o pleno direito de vida a estes povos.  

      

     

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  • 11/12/2014

    A lógica perversa

    Por Amyra El Khalili

              Para entender como e por que o capitalismo verde avança sobre os territórios indígenas e das populações tradicionais é necessário reconhecer os paradoxos da água. Ou seja, a água é vida e morte, liberdade e escravidão, esperança e opressão, guerra e paz. A água é um bem imensurável, insubstituível e indispensável à vida em nosso planeta, considerada pelo Artigo 225 da Constituição Federal, bem difuso, de uso comum do povo.

             Nesse sentido, a recente descoberta do que pode ser o maior aquífero de água doce do mundo na região amazônica, o Alter do Chão, que se estende sob os estados do Amazonas, Amapá e Pará, exige atenção e cuidado por parte da sociedade brasileira[i].

             O aquífero Alter do Chão, que chega a 86 mil quilômetros cúbicos, possui quase o dobro da capacidade hídrica do Aquífero Guarani, com 45 mil quilômetros cúbicos. Sendo assim, ele atrai, inevitavelmente, a cobiça dos países do hemisfério Norte, que já não têm mais água para o consumo, e pode tornar-se a causa de enfrentamentos geopolíticos. Processo similar acontece no Oriente Médio, com disputas sangrentas pelo petróleo e gás natural.

             O controle sobre esta riqueza hídrica depende exclusivamente do controle territorial. As águas são transfronteiriças e avançam sobre os limites entre municípios, estados e países. O recorde histórico da cheia do Rio Madeira neste ano de 2014, que inundou cidades na Bolívia, além das trágicas inundações nos estados de Rondônia e no Acre, é um bom exemplo desta característica das águas.

             De modo geral, a água está sendo contaminada com a mineração e com o despejo de efluentes, agrotóxicos e químicos, e poderá ser poluída também com a eminência da exploração de gás de xisto, onde a técnica usada para fraturar a rocha pode contaminar as águas subterrâneas.

    Terra à venda

             Segundo estimativas de um relatório do projeto Land Matrix, que reúne organizações internacionais focadas na questão agrária, mais de 83,2 milhões de hectares de terra em países em desenvolvimento foram vendidos em grandes transações internacionais desde 2000. Os países economicamente mais vulneráveis da África e da Ásia perderam extensas fatias de terras em transações internacionais nos últimos 10 anos, sendo que a África é o principal alvo das aquisições, seguida da Ásia e da América Latina. Estas compras são estimuladas pelo aumento nos preços das commodities agrícolas e pela escassez de água em alguns dos países compradores, que o fazem para a exploração da agricultura, mineração, madeira e do turismo[ii].
     
            Outros países são alvos desta ofensiva fundiária, como a Indonésia, Filipinas, Malásia, Congo, Etiópia, Sudão e o Brasil, que teve mais de 3,8 milhões de hectares vendidos para estrangeiros somente nos últimos 12 anos. É importante salientar que, até aqui, estamos falando de terras que podem ser adquiridas, em tese, através da compra. Porém, as terras indígenas e de populações tradicionais são terras da União e, não podem ser negociadas e nem alienadas, pois estão protegidas por leis nacionais e internacionais.
     
            Acontece que são justamente estas as terras que estão preservadas e conservadas ambientalmente e são as mais ricas em biodiversidade, água, minério e energia (bens comuns). E, portanto, são nessas áreas que ocorre o avanço desenfreado do capitalismo verde que nada mais é que o velho e desgastado modelo colonialista, extrativista e expansionista neoliberal com uma roupagem atualizada, que visa a apropriação dos bens comuns. Esses bens são definidos como “recursos naturais”, assim como os trabalhadores são considerados pelo sistema como “recursos humanos”. Tudo neste modelo “verde” é usado ilimitadamente e no curto prazo.
     
            Essa concepção utilitarista do “capitalismo verde” já é confrontada com outros modelos de vida, como o Bem Viver, dos povos das florestas, a economia socioambiental, a economia solidária e a agroecologia, dentre outras que estão florescendo.

            Para a implementação deste modelo com purpurina verde, algumas leis estão sendo aprovadas com o claro propósito de beneficiar o mercado financeiro. Paralelamente, outras leis são desmanteladas para institucionalizar e legitimar a ocupação de estrangeiros, empresários e banqueiros em territórios latino-americanos e caribenhos, como é o caso dos direitos fundamentais dos povos indígenas, do Código Florestal e dos direitos trabalhistas.

    Confundir para se apropriar     
     

             Desse modo, contratos unilaterais e perversos são assinados por atores com forças políticas totalmente desiguais, em que confunde-se, propositadamente, “financiar” com “financeirizar”.

             Aqui cabe uma elucidativa exemplificação: financiar é, por exemplo, permitir que uma costureira compre uma máquina de costura e consiga pagá-la com o fruto de seu trabalho, tornando-se independente de um empregador para que venha a ser empreendedora.

             Já, financeirizar é fazer com que a costureira endivide-se para comprar uma máquina de costura e jamais consiga pagá-la, até que o credor possa tomar a máquina da costureira por inadimplência (não cumprimento do acordo mercantil)

             A financeirização faz com que uma parte do acordo, a descapitalizada, fique endividada e tenha que entregar o que ainda possui, como as terras indígenas. E, assim, são desenhados perversos contratos financeiros e mercantis com a finalidade de vincular as terras ricas em bens comuns para que essas garantias fiquem alienadas e à disposição da parte mais forte: a capitalizada.

             Nestes termos, as populações indígenas e os povos das florestas deixam de poder usar o que lhes mantém vivos e o que preservam há séculos para as presentes e futuras gerações, as florestas e as águas, para que terceiros possam utilizá-los, além de que estes passam também a controlar seus territórios.

             É esta a lógica perversa do capitalismo verde, sustentado pelo argumento de que as florestas “em pé” somente serão viáveis se tiverem valor econômico. O que é uma falácia, pois valor econômico as florestas “em pé” e as águas sempre tiveram. O que não tinham, até então, era valor financeiro, já que não há preço que pague o valor econômico das florestas, dos bens comuns e dos “serviços” que a natureza nos proporciona gratuitamente.

             O capitalismo somente avança nas fronteiras que consegue quantificar. Porém, jamais conseguirá se apropriar do que a sociedade puder qualificar.

    Amyra El Khalili é economista, autora do e-book Commodities Ambientais em Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a América Latina e o Caribe. Acesse gratuitamente em www.amyra.lachatre.org.br

    (1) Aquífero na Amazônia pode ser o maior do mundo, dizem geólogos. 19 de abril de 2010. Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/04/aquifero-na-amazonia-pode-ser-o-maior-do-mundo-dizem-geologos.html

    (2) Revista Exame. Plantando no vizinho. 10 países que estão comprando terras estrangeiras aos montes.. 24 de maio de 2012. Disponível em:http://exame.abril.com.br/economia/mundo/noticias/10-paises-que-estao-comprando-terras-estrangeiras-aos-montes

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  • 11/12/2014

    Nota pública sobre a prisão do Kaingang Ireni Franco

    No dia 09 de dezembro de 2014, pela parte da manhã, na cidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, a Polícia Federal prendeu a liderança Kaingang Ireni Franco. Segundo informações do cacique da Terra Indígena Passo Grande do Forquilha, a ação da polícia foi truculenta e em forma de emboscada, não permitindo o acompanhamento de advogado e sem poder informar a família. A liderança havia sido chamada a participar de audiência na Polícia Federal da referida cidade, onde ocorreu a prisão.

    Ireni Franco vinha respondendo processo judicial há alguns anos devido à liderança que exerce na comunidade. Acusado e condenado no ano de 2012, recorreu e a Justiça manteve a decisão.

    O que chama a atenção é que a prisão acontece num contexto de criminalização de lideranças indígenas, onde vários Kaingang que lutam pela demarcação de seu território estão sendo perseguidos e presos. Na avaliação das lideranças, a ação da polícia tem o objetivo de amedrontar as comunidades e intimidar as lideranças indígenas que lutam pela defesa de seus direitos.

    CIMI Sul, dezembro de 2014.

     

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  • 10/12/2014

    Povos da floresta e territórios: serviços ou direitos?

    Por Cristiane Faustino e Fabrina Furtado

             Faltando um ano para ser concluída a elaboração do acordo global sobre clima, cujo prazo é dezembro de 2015, a Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CQNUMC), de Lima, é um momento chave de negociações. O acordo em discussão criará um regime internacional sobre o clima, determinando obrigações para os países-membro (as Partes) da CQNUMC, e entrará em vigor em janeiro de 2020. Neste debate alguns setores são priorizados, entre eles, o tema das florestas ou a redução do desmatamento e degradação florestal, considerado um “setor” onde as emissões de gás carbônico (CO2), que contribuem para a mudança do clima, podem ser reduzidas de forma mais rápida, mais barata e com benefícios para todos os envolvidos.

    Isso significa, na prática, decisões sobre o mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd), mais especificamente sobre o seu financiamento, o papel dos mercados e se haverá compensação por Redd. Fortalecer os mecanismos de Redd já é praticamente consenso, mas os países precisam decidir se os créditos gerados pela redução do desmatamento e da degradação serão financiados pelo mercado de carbono ou por outros instrumentos de mercado, e se o investimento de um país em tal iniciativa significará que o mesmo possa usá-lo para diminuir/compensar suas obrigações de redução de emissões.

    Pelos mecanismos de compensação e pelo mercado de carbono, um país ou estado não precisaria efetivamente diminuir suas emissões, mas poderia “comprar” essa redução (pelo menos no papel), neste caso por não-desmatamento, de outro país, ou seja, comprar o direito de poluir. Para quem não acompanha os pontos e vírgulas das negociações, isso tudo pode parecer complexo e, às vezes, quase abstrato, mas como não existem florestas sem gente e essas gentes não vivem sem as florestas, esta é uma questão que afetará, e já afeta, a vida das populações tradicionais e indígenas.

    Neste debate, vale tomar como emblema o caso brasileiro do Acre, que é considerado referência nas negociações sobre clima. Atualmente, a chamada economia verde no estado é vista nos meios oficiais como uma experiência que harmoniza crescimento econômico e conservação ambiental, e é onde existe o programa jurisdicional de Redd considerado o mais avançado do mundo. O Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais (Sisa), lei estadual acreana aprovada em 2010, é definido como “um conjunto de princípios, diretrizes, instituições e instrumentos capazes de proporcionar uma adequada estrutura para o desenvolvimento de um inovador setor econômico do Século XXI: a valorização econômica da preservação do meio ambiente por meio do incentivo a serviços ecossistêmicos”. Os “serviços e produtos ecossistêmicos” citados são: o sequestro, a conservação, manutenção e o aumento de estoque e a diminuição do fluxo do carbono; a conservação da beleza cênica natural; a conservação da sociobiodiversidade; a conservação das águas e dos serviços hídricos; a regulação do clima; a valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico; e a conservação e o melhoramento do solo. Nesse sentido, estão sendo desenvolvidos cinco programas relacionados: Carbono Florestal (ISA Carbono); Sociobiodiversidade; Recursos Hídricos; Regulação do Clima; e Valorização Cultural e Tradicional. O Programa ISA Carbono foi o primeiro a ser desenhado e implementado e busca alcançar a meta voluntária do governo do Acre de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal[1].

             Para avançar com o Sisa, o governo do Acre já recebeu financiamento do Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do banco alemão de desenvolvimento KfW, da, também alemã, agência de cooperação internacional GIZ, da organização conservacionista WWF-Brasil e da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em sua sigla em inglês). Para o futuro, o governo do Acre pretende garantir recursos do mercado de carbono e de outros serviços ambientais, voluntários e oficiais.

    Ainda nesse terreno, em novembro de 2010, os governos do Acre, da Califórnia (Estados Unidos) e de Chiapas (México) assinaram um memorando de entendimento para discutir as bases de um acordo de comércio de créditos oriundos de Redd. Porém, as organizações da sociedade civil dos Estados Unidos lutam contra modificações no marco jurídico da Califórnia que permitam a lógica do mercado de carbono e da compensação[2]. Para o estado do Acre, serão estratégicas as definições da CQNUMC sobre a oficialização da relação entre Redd e mercado.

             Além de ser necessário realizar uma análise mais aprofundada em termos dos efeitos e impactos do Sisa sobre as demais políticas de Estado e sobre a própria sociedade como um todo, falta, avaliam inclusive alguns dos seus apoiadores, um debate mais amplo e qualificado. O governo estadual afirma que a consulta e participação para a elaboração e implementação do Sisa foram, e continuam sendo, amplas, mas algumas organizações locais, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), argumentam que as mesmas não contemplam a diversidade de perspectivas e pensamentos críticos no estado.

             Outras preocupações estão relacionadas à incidência da lei sobre os territórios federais, como as terras indígenas, as reservas e as florestas públicas, podendo haver sobreposição de poderes, o que colocaria em xeque a constitucionalidade da mesma; ao receio de que o Sisa elimine a cultura extrativista, caso as comunidades sejam proibidas de realizar atividades tradicionais de subsistência, como a extração de látex das seringueiras e as queimadas para roçados; e à privatização do meio ambiente, definido como bem de uso do povo (público) pelo art. 225 da Constituição Federal, quando  instala-se a compra e venda dos chamados serviços ambientais.

                “Querem a gente acuado”

    Enquanto o Sisa é institucionalizado, projetos privados de Redd já começam a gerar conflitos nos territórios, como o projeto Purus e os projetos Russas e Valparaíso, todos em vias de registro no Sisa. No caso do Purus, localizado no interior do município de Manoel Urbano, as preocupações estão relacionadas à falta de entendimento sobre o projeto por parte da comunidade; à divisão da comunidade e ao acirramento de conflitos; à impossibilidade de realizar uma série de atividades importantes para a subsistência, sob pena de criminalização; ao fato de que o incremento na renda será mínimo, se efetivamente ocorrer, para quem participa voluntariamente do projeto; e à constatação de que as ações sociais propostas são, na verdade, de responsabilidade do Estado e direitos constitucionais da população, que não podem estar associados e muito menos condicionados à execução do projeto. Receosa com as perdas e insegura quanto às oportunidades e melhorias prometidas pelos proponentes, a comunidade tenta agora sair do projeto e garantir a regularização da terra. Como expressou um seringueiro impactado pelo projeto “Eles querem que nós fique aqui dentro, acuados, num canto, sem poder fazer nada pra, daqui uns dias, a gente não ter nenhum roçado para plantar nossa roça”.

             No caso dos projetos Russas e Valparaíso, localizados no município de Cruzeiro do Sul, os comunitários estão preocupados com a falta de informação sobre o significado do projeto; as restrições sobre o uso da terra e da floresta; o futuro; as promessas de regularização fundiária em troca da aprovação do projeto; a ameaça de expulsão, no caso do não acordo; a individualização do processo de regularização (mediante contratos individuais de titulação da terra); e a falta de apropriação da comunidade em relação aos termos dos contratos com proprietários de terras e empresas estrangeiras.

             Segundo informações do governo do estado, esses projetos não serão registrados no Sisa enquanto o proprietário (e não o próprio Estado) não regularizar a situação. Entretanto, os projetos continuam em andamento. No caso do Purus, por exemplo, em junho de 2013, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) declarou seu apoio ao Projeto Purus, como instrumento para “neutralizar” a emissão de carbono durante a Copa do Mundo. De acordo com a Fifa, os projetos (Purus e mais dois) “passaram por um rigoroso processo de licitação e cumprem os padrões definidos pela International Carbon Reduction and Offsetting Alliance (Icroa), tendo sido realizada a seleção final por um painel independente de ONGs ambientais” (FIFA, 2014).

    Do ponto de vista socioambiental é preciso considerar, de antemão, as enormes contradições existentes entre a destruição ambiental/desigualdade social e as soluções de mercado, tendo em vista que a degradação ambiental e os problemas sociais dela decorrentes estão vinculados à própria lógica mercantil de acumulação, em detrimento da preservação do meio ambiente e da garantia dos direitos dos povos. Nessa lógica de “economia verde”, a natureza é percebida como um estoque de carbono e de outros “serviços” e os sujeitos de direitos são reduzidos a fornecedores ou compradores de serviço.

    Além disso, transfere-se a “culpa” da degradação ambiental para os sujeitos comunitários, cujas práticas são de baixo impacto ambiental. Ao impor, de forma simplista e descolada da realidade e das necessidades comunitárias, a ideia absoluta de “floresta em pé”, desvaloriza-se e coloca-se em risco os diferentes modos de ocupação e uso feitos pelas comunidades tradicionais e pelos povos indígenas. Ao optar por desenvolver políticas dessa natureza, o governo faz uma escolha direcionada e expõe a população aos riscos que advêm desta opção, num contexto de enormes desigualdades entre os sujeitos envolvidos: comunidades, por um lado, e fazendeiros e empresas, por outro.

             Ao mesmo tempo, os principais agentes da degradação ambiental, como os fazendeiros e as empresas, recebem incentivos financeiros e compensação, como se estivessem prestando um serviço para a sociedade, que deve pagar pelo mesmo. Desse ponto de vista, os efeitos da economia verde expressam-se no processamento das injustiças e desigualdades históricas que, além de situar as comunidades em lugar desprivilegiado na relação, parte do pressuposto de sua culpabilização e legitima a penalização de sua existência. 

              De fato, no caso dos projetos de Redd no Acre, o processo ocorre em um contexto de muitas desigualdades, aprofundadas pela falta de informação e formação adequadas das comunidades sobre questões fundamentais que afetam as suas vidas. Isso favorece a atuação das empresas e a imposição dos projetos nas comunidades. Além disso, frente à insegurança da posse, as comunidades locais ficam fragilizadas e passíveis de serem coagidas a aceitar as propostas externas como redenção de suas necessidades em detrimento de sua autonomia.

             A situação imposta a essas comunidades é o de duas perversas opções: 1 – perda da floresta e dos seus territórios e ausência de políticas públicas; 2 – projetos de Redd. A regularização territorial e as políticas de direitos aparecem como moeda de troca para as comunidades aceitarem os projetos. Por outro lado, a responsabilidade da regularização da situação de posseiros, direito da população e dever do Estado, é “transferida” para o “proprietário” da terra/do projeto, diretamente e em posição privilegiada, interessado na sua exploração mercadológica. Agravante dessa situação é a ausência de metodologias de trabalho que possibilitem uma apropriação qualificada por parte das comunidades da linguagem e das informações “técnicas” apresentadas pelos proponentes e executores dos projetos.

    Consolidação das injustiças

    Nessas ponderações, importa considerar que num contexto de desigualdades sociais e ambientais, que marcam não só o estado do Acre, mas o Brasil e outros países do Sul global, o caminho do mercado para enfrentar os fatores das mudanças climáticas mostra-se como uma solução problemática, uma vez que não enfrenta as injustiças e a degradação socioambientais, mas consolida-se por meio delas, ao passo em que pode comprometer direitos conquistados e agravar violações crônicas, como a concentração fundiária e a negação dos direitos políticos, culturais, econômicos e ambientais das populações.

    Em seus territórios históricos, os povos da floresta não podem ser excluídos dos processos de decisão sobre seus próprios futuros ou serem considerados obstáculos ao desenvolvimento e progresso. No que se refere ao tema das mudanças climáticas e ao significado das florestas é absolutamente legítimo e necessário que às comunidades e aos povos que com elas convivem, seja garantido o direito de pensar, opinar e decidir. Entretanto, a compreensão plena das comunidades sobre a situação exige uma participação ativa na própria concepção da política, garantindo o direito de rejeitar processos que provoquem perdas, danos e aumento das vulnerabilidades. Também exige que o acesso às informações, aos recursos e às instituições nacionais e internacionais sejam garantidos mediante processos democráticos e não ocorram como fatores de favorecimentos, privilégios e reprodução de desigualdades.

    Aos chefes de Estados da COP cabe desprenderem-se de uma lógica que situa as soluções dos problemas socioambientais e do clima sempre integradas ao atual sistema de produção e consumo hegemônico. Pois talvez seja necessário fazer justamente o contrário, ou seja, a sociedade ocidental se “abrir” para aprender com os povos e as populações tradicionais, especialmente sobre como viver de um modo mais respeitoso e harmônico com todas as formas de vida. No mais, a diversidade sociocultural e a garantia dos direitos dos povos é, de antemão, a melhor e mais sustentável forma de conter e enfrentar não só as mudanças climáticas, mas toda a crise civilizatória que coloca em risco a própria existência humana no planeta.

     

    Cristiane Faustino e Fabrina Furtado foram, respectivamente, relatora e assessora da Relatoria de Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca Brasil, entre maio de 2012 e maio de 2014.

     



    [1]    BRASIL. Governo do Acre. Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais. Rio Branco, 2010

    [2]    WWF. O Sistema de Incentivos por Serviços Ambientais do Estado do Acre. Lições para políticas, programas e estratégias de Redd jurisdicional. WWF: Brasília, 2013. Disponível em: http://www.wwf.org.br/?uNewsID=35382

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  • 10/12/2014

    Povos do MA bloqueiam BR 316 contra PEC 215, que pode ser votada ainda hoje na Câmara

    Contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, que – depois de manobra de deputados ruralistas – pode ser votada ainda hoje, às 18h na Câmara dos Deputados, cerca de 150 indígenas do povo Awá Guajá e Guajajara, no Maranhão, interditam desde a manhã dessa terça-feira (9) a rodovia BR-316, que corta a Terra Indígena Pindaré, perto do município de Bom Jardim.

    Além da PEC 215, o grupo protesta contra o Projeto de Lei Complementar (s/n) do senador Romero Jucá que pretende regulamentar o Artigo 231 da Constituição Federal. Os ruralistas interessados na aprovação das propostas pressionam para que sejam votadas ainda este ano, pois em 2015 teriam que ser criadas novas Comissões para análise das matérias, que restringem drasticamente os direitos de povos indígenas sobre suas terras.  Leia mais aqui

    “Estamos bloqueando a BR desde ontem para que desistam dessas propostas”, diz Flauberth Guajajara. “Essa PEC 215 não faz sentido. Já temos a Funai para tratar da demarcação de terras, ela só precisa ser fortalecida. Se deixarmos nas mãos do Congresso a demarcação, aí é que não teremos nossos territórios”.

    As propostas seriam votadas nessa terça e quarta-feira (10) e foram adiadas para o dia 16, próxima terça-feira, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado. Entretanto, uma manobra de deputados ruralistas fez com que a votação da PEC 215 entrasse na pauta da Câmara ainda hoje, às 18h, onde será analisada por Comissão Especial. Flauberth Guajajara ressalta que os povos indígenas estarão mobilizados contra as proposições ruralistas. “Vamos continuar protestando contra esses ataques aos nossos direitos. Os povos do Brasil estão unidos e toda a população brasileira está convida a dizer não aos ruralistas que querem acabar com os povos indígenas”.  

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  • 10/12/2014

    CARTA DO XIV ENCONTRO NACIONAL DA 6ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

    FLORIANÓPOLIS – SANTA CATARINA/SC

    Nós, Procuradoras e Procuradores da República abaixo assinados, reunidos no XIV Encontro Nacional da 6ª CCR, promovido nos dias 03, 04 e 05 de dezembro de 2014, em Florianópolis, Santa Catarina, com o objetivo de discutir e estabelecer uma atuação coordenada, sem descuidar das peculiaridades dos povos e das demandas de cada local, para o enfrentamento de problemas comuns no tocante aos direitos dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais

    EXPRESSAMOS nossa preocupação com a aplicação das condicionantes criadas pelo Supremo Tribunal Federal para o caso Raposa Serra do Sol (Pet 3.388);

    ENFATIZAMOS o caráter constitucional da posse de terras indígenas e de povos e comunidades tradicionais;

    RESSALTAMOS que a compreensão da ocupação tradicional dessas terras não se deve limitar aos parâmetros da sociedade envolvente baseados em meios tradicionais de prova, como a documental;

    CONSIDERAMOS imprescindível levar em conta a forma como as diversas etnias desenvolvem seus modos de vida, bem como a história que o grupo possui com o seu território, sobretudo as estratégias de sobrevivência física e cultural para permanecer vinculado a ele mesmo após a ocorrência de esbulho;

    DESTACAMOS que, nos processos judiciais, deve-se buscar a adequada valoração das formas de organização, das tradições orais e da análise antropológica como meios de prova;

    FRISAMOS que a trajetória de muitos grupos étnicos se deu à custa de esbulho, violências e desestruturação, fatores que devem ser considerados na análise de processos judiciais que examinam ocupações tradicionais de terras indígenas;

    REPUDIAMOS a visão essencialista e estigmatizante dos modos de vida dos povos indígenas, como a adotada na sentença que declarou inexistente a Terra Indígena Maró, em Santarém/PA, negou validade jurídica ao autorreconhecimento e à prova antropológica realizada pela FUNAI, bem como estabeleceu a identidade da comunidade como ribeirinha e não indígena (processo n° 2010.39.02.000249-0 e processo n° 2091-80.2010.4.01.3902);

    RECHAÇAMOS a indevida paralisação dos processos administrativos de regularização de terras indígenas e de terras de comunidades e povos quilombolas e tradicionais, levada a efeito pelo governo federal, e exortamos à sua retomada, conferindo-lhes razoável duração, especialmente nas áreas mais conflituosas;

    ENTENDEMOS que a constituição de mesas de diálogo não justifica a paralisação de processos administrativos de regularização dessas terras;

    CONSTATAMOS a necessidade de que a atuação de Procuradores da República na temática da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão seja pautada por um diálogo livre e permanente com os povos indígenas e comunidades tradicionais, bem

    como pela interação com outras áreas do conhecimento, como a antropologia, devendo os cursos de ingresso e vitaliciamento observar as especificidades desta matéria;

    REITERAMOS o compromisso de defesa da saúde indígena e entendemos que a criação do Instituto de Saúde Indígena (instituído sob a natureza de serviço social autônomo – ente do terceiro setor) não está de acordo com a Constituição Federal, uma vez que representa a privatização da prestação desse serviço público, violando o caráter complementar da participação de instituições privadas na saúde;

    ENFATIZAMOS a importância da aproximação entre o Ministério Público Federal e os órgãos de controle social da saúde indígena, especialmente por meio do acompanhamento dos Planos Distritais de Saúde Indígena e da garantia do respeito às deliberações dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena;

    REFORÇAMOS a necessidade de que a Administração Pública garanta liberdade plena na atuação dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena, bem como dos Conselhos Locais de Saúde Indígena, com disponibilização adequada de recursos para o exercício de suas atribuições.

    ALMIR TEUBL SANCHES

    ANSELMO HENRIQUE CORDEIRO LOPES

    BRUNA PFAFFENZELLER

    CARLOS EDUARDO RADDATZ CRUZ

    CARMEM ELISA HESSEL

    CAROLINA AUGUSTA DA ROCHA ROSADO

    CINTHIA GABRIELA BORGES

    CRISTINA NASCIMENTO DE MELO

    DANIEL LUIS DALBERTO

    DEBORAH DUPRAT

    EDMUNDO ANTÔNIO DIAS

    ELIANA PERES TORELLY DE CARVALHO

    EMERSON KALIF SIQUEIRA

    FABIANA KEYLLA SCHNEIDER

    FELIPE ALMEIDA BOGADO LEITE

    FELIPE AUGUSTO DE BARROS C. PINTO

    FERNANDA ALVES DE OLIVEIRA

    FERNANDO MERLOTO SOAVE

    GUSTAVO KENNER ALCÂNTARA

    JOÃO AKIRA OMOTO

    JORGE IRAJÁ LOURO SODRÉ

    JÚLIO JOSÉ ARAÚJO JÚNIOR

    LÍVIA NASCIMENTO TINÔCO

    LUCAS HORTA DE ALMEIDA

    LUCIANO MARIZ MAIA

    MARCELO FREIRE LAGE

    MÁRCIO BARRA LIMA

    MARCO ANTONIO GHANNAGE BARBOSA

    MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

    MARIA BEATRIZ RIBEIRO GONÇALVES

    MARIA ELIANE MENEZES DE FARIAS

    MARIA LUIZA GRABNER

    MAURO CICHOWSKI DOS SANTOS

    NATÁLIA LOURENÇO SOARES

    PAULA CRISTINE BELLOTTI

    PEDRO MELO POUCHAIN RIBEIRO

    REGINALDO PEREIRA TRINDADE

    RICARDO GRALHA MASSIA

    THAÍS SANTI

    WALQUÍRIA IMAMURA PICOLLI

    WILSON ROCHA ASSIS

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  • 10/12/2014

    MPF acompanha tensão entre colonos e índios Tembé no nordeste do Pará

    O Ministério Público Federal (MPF) acompanha de perto a tensão entre índios Tembé e colonos no nordeste do Pará, município de Garrafão do Norte, onde cinco pessoas ficaram feridas em um confronto no último dia 1. O conflito é objeto de duas ações do MPF na Justiça Federal que ordenam a retirada de todos os invasores (de boa-fé e de má-fé) da terra indígena. Mas até agora o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não cumpriu o dever de reassentar os agricultores.

    A invasão da Terra Indígena Alto Rio Guamá por colonos e agricultores é um problema antigo, quase sempre ligado ao interesse de grandes fazendeiros e madeireiros. No caso da Vila Livramento, onde ocorreu o tiroteio dessa semana, os colonos foram atraídos pelo fazendeiro Mejer Kabacznic, que invadiu a área dos índios em 1976 e conseguiu abrir uma estrada, por onde outros invasores entraram. O fazendeiro já morreu, mas os herdeiros brigaram pela posse da terra contra o MPF na Justiça até recentemente e perderam.

    Duas sentenças da Justiça Federal em Paragominas obrigam a retirada de todos os invasores da região da fazenda de Mejer, também chamada Irmãos Coragem, incluindo os moradores da Vila Livramento. No dia 24 de novembro passado, para que a sentença fosse cumprida, o MPF enviou recomendação ao Incra pedindo o reassentamento urgente dos colonos. Uma semana depois, o conflito estourou.

    Além da ação judicial que pediu a desintrusão (retirada de invasores) da terra indígena, o MPF, avisado do conflito no dia 1 de dezembro, também acionou a Polícia Federal e a Polícia Militar para se dirigirem ao local do conflito. São considerados invasores de boa-fé aqueles que são beneficiários da reforma agrária e deveriam ser assentados pelo poder público. De má-fé, grandes fazendeiros, grileiros e latifundiários que invadem terras públicas, áreas quilombolas e indígenas. Os primeiros têm direito a indenizações e reassentamento, enquanto os segundos, se for o caso, têm direito apenas à indenização por benfeitorias.

    No próximo dia 12, uma reunião vai ser feita na sede da Polícia Federal em Belém, para tratar da retirada dos invasores, com a presença do MPF, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Incra.

    Histórico – A Terra Indígena Alto Rio Guamá, com pouco mais de 279 mil hectares é uma das mais antigas da Amazônia e teve o território reconhecido em 1945 pelo então governador do Pará, Magalhães Barata. Em 1988, durante o processo de demarcação federal, o ministro da reforma agrária à época, Jader Barbalho, dividiu a terra dos Tembé, Timbira e Ka’apor em duas partes, criando vilas agrícolas no meio do território indígena e criando o terreno para as invasões em vários pontos.

    Em 1993, a divisão feita por Barbalho é anulada e a TI Alto Rio Guamá tem a demarcação definitiva homologada pelo governo federal, em toda sua extensão. Mesmo assim, até 2014, as consequências dos erros governamentais provocam situações de conflito como a do último dia 1 de dezembro.

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  • 09/12/2014

    Depois de ataque previamente anunciado ocorrer, Polícia Federal chega à comunidade Kaiowá e Guarani

    O Tekoha – lugar onde se é – Tey’Juçu, dos Kaiowá e Guarani, altura do município de Caarapó (MS), foi mais uma vez atacado na tarde desta terça-feira, 9, por homens armados em caminhonetes. A ofensiva, todavia, não apanhou a comunidade de surpresa. Pela manhã, um sujeito identificado pelos indígenas como proprietário da Fazenda Burana os informou por telefone que seriam atacados entre 14 e 15 horas. A ameaça teria sido a reação do latifundiário diante da negativa das lideranças Kaiowá e Guarani em aceitar uma quantia não especificada de dinheiro para que saíssem da área.

    Leia mais: Fazendeiro liga para Kaiowá e marca horário para segundo ataque à comunidade em menos de 24 horas; jovem indígena segue desaparecida


    Após o ataque, a Polícia Federal chegou ao Tey’Juçu. De acordo com os indígenas ouvidos pelo Cimi, o bando armado não atacou ninguém da comunidade, mas destruiu tudo o que viu pela frente. O acampamento Kaiowá e Guarani foi posto abaixo. Diferente do que ocorreu nesta segunda, 8, perto do final da tarde, quando grupo armado – os indícios apontam que seja o mesmo desta terça – invadiu o tekoha empoleirado em caminhonetes e a tiros tentou expulsar a comunidade do lugar.

    Para ter acesso ao local onde se encontra a sede da fazenda é preciso passar por uma estradinha de terra que cruza com o acampamento eguido pelos Kaiowá e Guarani no tekoha – destruído pelos pistoleiros. Nesta posição estão os indígenas. A estratégia deles foi montar uma barreira na estrada. Cerca de 200 metros à frente deles, sob árvores frondosas, o bando ligado aos latifundiários fica se protegendo do sol, à espreita. Quem esteve por lá na tarde desta terça-feira, conforme apurou a reportagem, pode ver cerca de 35 caminhonetes paradas e os pistoleiros aninhados no sopé da árvore.  

    “Entramos na área por um outro caminho, desviando de Caarapó. De fato o clima está muito tenso. São perto de 35 caminhonetes e homens armados sob árvores. A Funai estava lá, portanto não pode dizer que nada estava acontecendo”, afirma fonte que não identificamos por razões de segurança. Ainda de acordo com a fonte, nas árvores dentro do círculo preto (fotos ao lado) estavam os capangas armados.

    Inversão  

    Por intermédio de portais sul-mato-grossenses na internet, latifundiários plantadores de soja, e que se dizem proprietários de fazendas incidentes no território tradicional, se anteciparam na manhã desta terça, invertendo os fatos: os indígenas é que teriam atacado o grupo deles quando para lá se dirigiram para ver o que estava acontecendo. Um deles declarou ter sofrido emboscada no último domingo, dia em que os Kaiowá e Guarani retomaram área do tekoha. Por fim, reclamaram que foram até a Força Nacional pedir apoio, mas os agentes afirmaram que só Brasília poderia autorizá-los a atuar.  

    “Um absurdo completo. Como pode uma comunidade pequena, com muitas mulheres e crianças, atacar um bando com mais de trinta caminhonetes, fortemente armado¿ Quando que nosso povo foi pego fazendo emboscada, indo pra matar fazendeiro¿ Quem é assassinado é a gente, quem passa fome é a gente, quem vive nas beiras das estradas é a gente, os filhos que morrem de fome são os nossos”, defende Otoniel Guarani Kaiowá.  

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  • 09/12/2014

    “Pra quê projetos que destroem a vida?”, questiona Henrique Suruí

    Em setembro de 2013, fotos do povo Paiter-Suruí foram amplamente veiculadas na imprensa e nas redes sociais tanto no Brasil como no exterior. Tratava-se da divulgação do contrato que os indígenas assinaram com a maior empresa brasileira de cosméticos, a Natura, em que esta comprava as primeiras 120 toneladas de créditos de carbono “sequestrados” da Terra Indígena Sete de Setembro, no período de 2009 a 2012. A empresa foi a primeira do mundo a adquirir créditos de carbono indígena, emitidos por duas certificadoras internacionais.

    Apesar de toda a euforia com que este contrato foi propagandeado, o cacique da aldeia Sete de Setembro, Henrique Iabaday Suruí, 50 anos, pai de nove filhos, um ano após a assinatura desse contrato, afirma que, atualmente, “100% da comunidade é contra este projeto”. Segundo ele, os Suruí não entenderam muito bem do que se tratava o projeto e foram iludidos com falsas promessas de melhoria de vida. Nesta entrevista exclusiva ao Porantim, Henrique conta que desde 2007, quando teve início o “Plano de Gestão de 50 anos do Povo Paiter-Suruí”, a vida da comunidade mudou radicalmente, sendo impedida de caçar, pescar, fazer roça e produzir artesanato. Sem autonomia em seu próprio território, houve muita divisão no povo Suruí, que “tá sem vida”. Ele anuncia que a comunidade quer a supressão do projeto, centralizado em uma pessoa só, pra voltar a viver como antes e “Voltar a ser guerreiro”.


    Entrevista concedida à Patrícia Bonilha, da Assessoria de Comunicação do Cimi

     

    Porantim – Fale um pouco sobre a realidade do povo Paiter-Suruí hoje.

    Henrique Suruí – Atualmente, somos cerca de 1.800 pessoas vivendo em 25 aldeias. Cada aldeia tem um cacique. A Terra Indígena Sete de Setembro foi homologada no final dos anos de 1970 e tem uma área de 248.000 hectares, que fica metade no estado de Rondônia e metade no Mato Grosso. Cerca de 30% do povo Suruí só fala a língua Tupi, sendo que muitos que entendem o português, falam muito mal esta língua.

     

    Porantim – Em relação ao projeto de Carbono Florestal Suruí, quantas aldeias participaram desse projeto?

    Henrique Suruí – Quando começaram a discussão sobre o projeto de carbono, em 2007, vinte aldeias começaram a participar, as outras cinco ficaram fora. Eu alertei muito algumas lideranças que o projeto não seria bom futuramente para o povo Suruí.

     

    Porantim – Como foi o processo de construção do projeto? A comunidade participou? Houve uma ampla consulta?

    Henrique Suruí – Quem começou o projeto não foram nem as ONGs [Organizações Não Governamentais], nem a Natura, que entrou agora, quando negociou recursos e comprou um pouco de sequestro. Quem trouxe o projeto para dentro foi o Almir Suruí, com o apoio da [organização] Kanindé. Tem outras organizações envolvidas, mas não lembro muito porque eu nunca participei das discussões porque sempre fui contrário. Quando começaram a discutir o projeto de carbono, ele dizia que nós termos projeto de carbono significa melhoria de qualidade de vida para o povo: “Suruí vai virar empresário, vai ter mercado, loja, posto de gasolina”. Disseram que teria mercado dentro da terra indígena. Cada um teria dinheiro na conta, individualmente. E o povo Suruí quer melhoria de qualidade, e aceitaram a proposta. Eu dizia que projeto não era bom pro povo Suruí.

     

    Porantim – Por que você dizia isso?

    Henrique Suruí – Porque quando começaram, eu procurei muito saber como seria esse recurso passado para o povo Suruí. Diziam que seria doado e, um dia, descobri através de meus amigos e entidades de apoio que nós, um dia, ia perder a terra porque o recurso passado ia pagar o direito de viver em nossa terra e ia tirar o nosso direito. As organizações começaram a fazer reuniões com a comunidade e faziam muita promessa, ofereciam muita coisa e agradavam demais. Diziam que recursos seriam passados pra conta de cada um e que ia melhorar a vida de cada pessoa. Isso iludiu muito a vida do meu povo.

     

    Porantim – Você acha que os indígenas conseguiram entender, de fato, o que significa participar de um projeto como esses?

    Henrique Suruí – Primeiro, não entendiam não. O pensamento era mais focado no dinheiro. Não pensavam o que ia trazer futuramente e o que podia prejudicar o povo Suruí. A promessa era muito bonita. Até hoje a maioria do povo Suruí não entende ainda o que é isso, Redd [Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação]. Poucas lideranças entendem.

     

    Porantim – E a comunidade foi consultada?

    Henrique Suruí – Eles nunca perguntaram se querem participar, se o povo Suruí quer participar. Chegaram a dizer pro Suruí: “temos este projeto e vocês têm que aceitar este projeto”. Nunca perguntou se era bom ou não pros Suruí. Diziam: “este projeto é bom e pode melhorar a vida dos Suruí”. Falavam só isso.

     

    Porantim – E quem assinou o projeto?

    Henrique Suruí – Todas as seis associações da base assinaram. Elas foram criadas para receber os recursos do projeto.

     

    Porantim – O que mudou, a partir da implantação do projeto?

    Henrique Suruí – Depois do “Plano de Gestão de 50 anos do Povo Paiter-Suruí”, empresas internacionais queriam comprar sequestro de carbono. Esse plano servia só pra dizer que os Suruí autorizaram comprar carbono na sua terra e que os interessados teriam mais facilidade. Esperavam a assinatura de um projeto, mas já impedia a vida tradicional do povo Suruí. Acabaram com as plantações culturais e com o artesanato tradicional, com a pesca, a caça, a liberdade na sua terra. Além disso, nós ficamos na mão da Polícia Federal, que nos ameaçava por qualquer coisa, por fazer derrubada ou caça na nossa terra… quem fizesse, seria condenado por isso. Acabou a liberdade do Suruí na nossa terra. A Polícia Federal agia por pressão dos responsáveis do projeto. Eles que pediam pra PF atuar, pra mostrar pro mundo que os Suruí poderiam cumprir um acordo.

     

    Porantim – Conte mais sobre como era a vida na comunidade antes dessas iniciativas de projeto de carbono.

    Henrique Suruí – Nossa vida era festa tradicional. O povo tinha liberdade e saúde, era sem doença. Hoje, na vida presente, temos doenças, perdemos nossos velhos, temos depressão. Muitos velhos Suruí estão com depressão. Hoje, o povo Suruí não acredita no que aconteceu com eles. Ninguém sabe o que aconteceu com o dinheiro. Estão gastando dinheiro e comprando, com recursos do carbono, lideranças dos [povos] Arara, Zoró, Gavião e Tupari para convencê-los a também fazer projeto de carbono. Suruí, quando foi assinar contrato com Natura, pensou que este recurso tava chegando pra melhorar a vida do povo porque ficou muitos anos esperando este projeto. Ficou deprimido e sem autoridade pra fazer o que fazia antes. Houve uma divisão muito grande entre nós. Então, é muito difícil a nossa vida hoje. Nós não acreditamos em ninguém. O povo não acredita no que aconteceu com nós. Suruí tá assustado. Não tem pra quem falar o que aconteceu com Suruí. O povo tá sem vida. Queremos a supressão do projeto pra voltar a ter a vida que tínhamos antes. Voltar a ser guerreiro.

     

    Porantim – O projeto levou algum benefício para a comunidade?

    Henrique Suruí – Nada, nada, nada. Só prejudicou a vida Suruí. A vida acabou, não tem mais nada. Não tem projeto como tinha antes. Acabou. Antigamente tinha projeto da Funai, da associação nossa pra dentro da comunidade e, agora, não tem mais. Eles que comandam tudo e têm tudo na mão. Não tem conversa com ninguém. Brigam quando perguntam sobre o dinheiro. Todos que estavam ao lado dos responsáveis pelo projeto, saíram. Eles estão sozinhos.

     

    Porantim – Na imprensa foi noticiado que o valor do contrato com a Natura é de R$ 1,2 milhão. Você sabe se este valor está correto?

    Henrique Suruí – É este o valor sim, mas ninguém sabe onde tá este dinheiro. E a comunidade não recebeu nenhum benefício.

     

    Porantim – Como está a situação hoje? Quem concordava com o projeto, mudou de posição?

    Henrique Suruí – Hoje 100% da comunidade é contra este projeto. Ninguém mais quer falar deste projeto nos Suruí. Tudo ficou centralizado em uma pessoa. A Natura só trata com uma pessoa. Nem Natura sabe o que tá acontecendo com o Suruí. Ninguém sabe. Não abrimos a boca ainda. Esta é a primeira vez que falamos sobre a realidade do povo Suruí, pra vocês.

     

    Porantim – O que seriam as operações da Polícia Federal?

    Henrique Suruí – A PF chega, entra na aldeia e checa se os índios estão cumprindo o projeto. Se não tiver, pode ser processado. Fiscaliza dentro da aldeia e a gente recebe muita ameaça dos policiais. Agora acalmou mais. Mas o projeto tá prejudicando o Suruí. Agora, o MPF [Ministério Público Federal] e a PF tão começando a entender que o projeto não é bom pro povo Suruí.

     

    Porantim – Qual o propósito de fazer o diagnóstico socioeconômico e ecológico nas terras indígenas? Quem é responsável por ele?

    Henrique SuruíA ONG Kanindé e outras. Pra fazer outros projetos de Reed em outras terras indígenas, ampliar pro estado todo.

     

    Porantim – Outros povos estão se envolvendo com o mercado de carbono em Rondônia? Qual é a posição do governo?

    Henrique SuruíEstão preparando projetos também. O governo do estado está favorável. O Almir é apoiado pelo Estado.

     

    Porantim – Diante do contexto que você descreve, o que o povo Suruí pretende fazer?

    Henrique Suruí – Primeiro, nós nos reunimos no mês passado. Sabemos que este projeto dividiu o povo e quase acabou com a nossa vida. E entendemos que o povo é pra sempre e tem que vencer, apesar de toda esta situação. Depois, nunca mais pensar em carbono em nossa terra e, principalmente, nenhuma ONG fazer projeto em nome do povo Suruí. Vamos lutar pela nossa saúde, educação, nossa cultura. Vamos fazer. Acreditamos que apesar da situação difícil que vivemos hoje, vamos vencer. Pensar o futuro do povo Suruí. Lutar pelos nossos direitos. Este projeto de promessa que vem de foram não dá futuro pra gente. Vamos voltar a ser Suruí novamente. Hoje é muito difícil dizer que estamos unidos. O projeto trouxe uma divisão muito grande. Não é qualquer liderança que pode organizar o povo Suruí novamente e que pode dizer para voltar a ser Suruí. Povo Suruí desacreditou liderança com projeto enganoso que iludiu a gente. Tá difícil. Lideranças velhas não conseguem acreditar e ficam com depressão. E muitas pessoas que foram responsáveis, que acreditaram no projeto, não querem conversa com ninguém. Não acreditam em mais nada. Nem eu acredito ainda no que aconteceu.

     

    Porantim – Hoje, como você definiria o mercado de carbono?

     Henrique Suruí – Projeto de carbono pra nossa terra é pra tirar a vida do povo Suruí. Vai tirar a sua vida de felicidade, de direito de viver em cima da sua terra. Se você está feliz hoje e vê a destruição na sua vida, é difícil. É uma bomba pra vida de qualquer ser humano. O que tá acontecendo com a gente não é fácil. O que aconteceu com povo Suruí é uma história pro resto da vida e para o mundo… pra que nenhum indígena faça este tipo de projeto em sua terra, porque a terra dá a vida, a floresta dá a vida, pra nós plantar e colher. Faço votos que nenhum outro povo aceite um projeto desses. Pra que querer projetos que destroem a vida?

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