• 12/12/2014

    Funcionário de usina se passa por fotógrafo e ao lado de fazendeiros entra em retomada Kaiowá e Guarani antes de ataque

    Imagens de um grupo Kaiowá e Guarani realizadas na área retomada do Tekoha Tey’Juçu, no município de Caarapó (MS), foram feitas não por um fotógrafo, como noticiou o portal Alô Caarapó (leia aqui), mas por um funcionário da usina sucroalcooleira Nova América. Baltazar Fabiano, autor das fotos, é “operador de motoniveladora” na empresa, de acordo com um perfil mantido pelo trabalhador numa rede social.   

    Fabiano, conforme versão divulgada pelo portal na internet e comentada por ele no mesmo espaço, teria ido à retomada dos indígenas como fotógrafo, acompanhado por quatro fazendeiros, quando supostamente o grupo foi atacado pelos Kaiowá e Guarani – então fotografados repetidas vezes. Horas depois da passagem do grupo pelo local, o acampamento indígena foi agredido a tiros por fazendeiros, arrendatários e capangas empoleirados numa frota de caminhonetes.

    A Nova América utiliza terras sobrepostas ao território tradicional reivindicado pelos indígenas, que segue em estudo pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Por conta da ação depredatória da empresa no local e com o objetivo de preservar o que resta de vegetação, enquanto a demarcação aguarda publicação, os Kaiowá e Guarani retomaram a área na madrugada do último domingo, 7.

    Coincidência ou não, as imagens feitas pelo funcionário da usina circularam depois do primeiro ataque à comunidade, ocorrido no final da manhã e início da tarde da última segunda-feira, 8, conforme é possível constatar no horário em que elas foram divulgadas pelo portal. As imagens aumentam o tom de criminalização contra os Kaiowá e Guarani, que vão de vítimas a carrascos. Na terça, 9, outro ataque: dessa vez marcado previamente por um fazendeiro, que até o horário anunciou durante ameaças a lideranças do Tey’Juçu.

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  • 12/12/2014

    Professores indígenas de Alagoas divulgam carta de repúdio à PEC 215

    Professores e professoras indígenas do estado de Alagoas, reunidos no Encontro de Formação Continuada nos dias 9, 10 e 11 de dezembro em Maceió, elaboraram carta de repúdio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, pontuando sobre a falta de respeito aos povos.

    Leia o documento na íntegra: 


    Carta do Encontro de Formação Continuada de Professores Indígenas do Estado de Alagoas

    Nós, professores, professoras e lideranças indígenas dos povos: Xukuru-Kariri, Kariri-Xokó, Wassu-Cocal, Jiripankó, Karapotó, Tigui-Botó, Katokinn, Koiupanká e Pankararu, apoiadores de nossa causa como os professores universitários da UFAL, CESMAC, UNEAL, UFPE e representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), reunidos no Encontro de Formação de Professores Indígenas, promovido pela Secretaria de Estado de Educação, nos dias 9, 10 e 11 de dezembro de 2014, em Maceió, Alagoas. Com o objetivo de refletir, discutir e apreender novos conteúdos e interfaces com a Educação, bem como refletir debater e compreender a Lei 11.645/2008 e Resolução do Conselho Estadual de Educação Nº82/2010 sob sua relevância para o ensino da História e Cultura dos Povos Indígenas nas escolas, uma vez que é essa legislação que garante a inserção da História e Cultura Indígena no Currículo Escolar e é a base referencial para iniciar a formação docente em perspectiva inter-étnica e dialógica.

    Na oportunidade, por meio do Fórum Estadual Permanente de Educação Escolar Indígena, em plenária da noite do dia 10 de dezembro de 2014, decidimos expressar um posicionamento político em relação à Proposta de Ementa Constitucional (PEC) 215/00 em tramitação na Câmara dos Deputados, a qual viola e altera os Arts. 61, 231 da Constituição Federal de 1988. Considerando o sentido dessa alteração um retrocesso e desrespeito a todos os processos históricos de luta destes povos originários e retira o direito e acesso aos seus Territórios Tradicionais, já garantidos na Constituição Federal de 1988, além de se configurar uma ação inconstitucional.

    Nós, Professores e professoras indígenas, reconhecendo nosso papel como transformadores do conhecimento e como instrumentos para o fortalecimento da luta em nossas comunidades, repudiamos essa tipologia de Legislação, a qual fere a lei maior e desrespeita todos os processos históricos e nega a existência dos povos originários, de forma a violentar e retirar possibilidades de lutas e processos legítimos de reconhecimento e regularização dos territórios tradicionais.

    Exigimos o imediato arquivamento da PEC 215/00

    NÃO À PEC 215!

    NÃO À VIOLAÇÃO DE NOSSOS DIREITOS!

    SIM AO RESPEITO AOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS!

    Maceió, AL. 11 de Dezembro de 2014.

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  • 12/12/2014

    Estados e empresas transnacionais condenados por violação de direitos dos povos e da natureza

    O Tribunal Internacional pelos Direitos da Natureza julgou 12 casos internacionais e nacionais. Alberto Acosta, presidente do Tribunal e ex-presidente da Assembleia do Equador, resolveu admitir, expandir e resolver os 12 casos, em todos eles, se condenou a vulneração dos direitos dos povos e da natureza, apresentados nos dias 5 e 6 de dezembro em Lima, Peru, e se determinou ampliar as evidências e, inclusive, a formação de sessões especiais e comissões internacionais. O evento foi realizado no marco da Conferência das Partes sobre a Mudança Climática das Nações Unidas (COP20), que também ocorre na capital peruana.

    As sentenças foram ditadas tendo como marco legal os Direitos da Natureza e a Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra. "Os direitos da natureza precisam ter uma validade universal”, assevera o Tribunal.

    Este condenou o caso da empresa Chevron-Texaco no Equador pelo uso de "tecnologia inadequada e danos irreversíveis”. Insta a que a corporação proceda a reparação integral da zona, e acusa o Estado como responsável por ter permitido sua exploração. No caso peruano de Conga, aceitou o caso e determinou a nomeação uma comissão especial internacional que visite a zona para que recolha mais informação. Para a contaminação das quatro bacias amazônicas (lote 192), estabelece a criação de uma sessão especial no Peru para que o caso seja julgado; essa mesma sentença foi ditada para o caso de Bagua. Todos os casos peruanos, após o voto computado dos juízes e juízas, foram aceitos como ameaças de violação aos direitos da natureza.

    A respeito da mudança climática, o Tribunal decidiu que se recolha mais evidência para uma audiência em Paris, em 2015, para que coincida com a próxima conferência, a COP21. Também considera necessário expressar às Nações Unidas sua preocupação com um cenário que contempla o uso de energias de alto risco. Foi ainda condenado o Governo de Queensland, Austrália, por vulnerar os direitos da natureza do Grande Arrecife de Corais.

    A exploração petrolífera no Yasuní também foi condenada, e se respaldou a iniciativa popular promovida pelo coletivo Yasunidos. Ademais condena a perseguição que sofre este grupo. Outro caso condenados foi o projeto minerador na Cordilheira de Condor. O Tribunal determinou suspender a exploração mineradora, compensar as pessoas afetadas; e instou o Estado a que investigue e puna os culpados pela morte de José Tendentza. Em comemoração a este lutador social, o Tribunal celebrado em Lima levará seu nome.

    ‘Baguazo’

    No domingo, 07, o Tribunal abriu uma audiência cobre o caso de Bagua, pelo qual, cinco anos mais tarde, 52 líderes indígenas estão sendo processados pela justiça. Ismael Vega, antropólogo do Centro Amazônico de Antropologia e Ampliação Prática (CAAAP) qualificou o ‘Baguazo’ como "caso emblemático”, pois, segundo o especialista, esse caso poderá voltar a se repetir se não forem modificadas as atuais políticas e condições. "Bagua visibiliza o desencontro entre a população indígena e o Estado. Essa falta de diálogo continua vigente”, sentencia Vega.

    Miguel Jugo, da Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos, fez menção ao contexto que motivou os protestos. A "Lei da Selva” se refere à aplicação de 10 decretos legislativos e leis no marco do Tratado de Livre Comércio (TLC) entre Peru e Estados Unidos, que tratam sobre a vida dos povos indígenas. À raiz disso, em 2008, começaram os protestos de povos indígenas amazônicos, os quais foram confrontados pelas forças governamentais. Jugo denunciou as irregularidades que rodeiam o processo judicial contra os indígenas, "o julgamento é contrario ao Convenio 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e a etapa de instrução foi realizada sem tradutores”. Jugo acrescentou que "não existem provas que comprometam os 52 processados”.

    ‘Fracking’

    "Não se pode fazer fratura hidráulica de maneira segura. Nunca deveria ter sido inventada essa técnica. É uma das formas mais destrutivas do meio ambiente que jamais se viu”, afirmou contundente Shannon Biggs, diretora da Movement Rights. A especialista estadunidense afirma que, nesse país, existem 800.000 poços ativos de gás e petróleo, e são produzidos cerca de 300 mil barris por dia de gás natural. Biggs alerta para a contaminação da água, devido aos químicos que se empregam, como consequência do uso dessa técnica. Também alerta que o fracking causa terremotos em zonas que nunca tinham experimentado esse tipo de fenômeno. Cassey Camp, indígena estadunidense de Oklahoma, lamenta: "morremos pelo uso do fracking. A população adoece de câncer, minha irmã também morreu. A água está contaminada, não podemos pescar. Estamos em perigo de extinção”.

    Da Bolívia, também foram denunciados os planos de desenvolver em grande escala a fratura hidráulica sobre seus solos. Nos últimos anos, se incrementou a produção e exportação de gás natural; durante os anos 2000-2012 se incrementou em 382,6%. No entanto, exportam 82,4% de sua produção. A exportação desse hidrocarboneto também gera mais de 6 bilhões de dólares ao ano, como informou o especialista Martín Vilela, da Plataforma Reação Climática.

    A Bolívia tem 8,23 trilhões de metros cúbicos de gás, e a YPFB planeja investir 40,7 bilhões de dólares entre 2013 e 2015. Vilela explicou que, em 2013m essa corporação firmou um convênio para realizar fracking na zona do Chaco, uma área escassa de água. Ao ser colocada em andamento, a extração de 48 trilhões de metros cúbicos de gás de xisto consumirá entre 112 e 335 bilhões de litros de água.

    Falsas soluções para a mudança climática e a REDD

    O Tribunal escutou dois casos relacionados, um sobre mudança climática e suas falsas soluções e outro sobre os mecanismos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação das Florestas (REDD+). Dentro do caso da mudança climática, se denunciaram técnicas como a geo-engenharia, que busca manipular o clima sem mudar as condições que provocam a mudança climática.

    No Brasil, a existência desse mecanismo está muito presente. O apu Ninawá denuncia aos mesmos: "os REDD apresentam uma proposta mentirosa. Não aceitamos que se comercialize com a natureza porque é a nossa alma e espírito”.

    A exploração petroleira de Yasuní

    Desde 2013, o governo equatoriano permitiu a exploração petroleira no Parque Nacional Yasuní, uma das zonas de maior biodiversidade do mundo, que abriga duas nações indígenas em isolamento voluntário. O fato provocou que um grupo de jovens (Yasunidos) se unisse em protesto e defesa dos direitos à natureza – que estão contemplados na Constituição do Equador. Yasunidos juntou mais de 800 mil assinaturas para submeter à consulta popular a exploração petrolífera em Yasuní; entretanto, o pedido foi rechaçado posto que as instituições eleitorais invalidaram 60% das rubricas de maneira fraudulenta.

    Por todos esses acontecimentos, Yasunidos tem demandado ao governo equatoriano, sob o comando do presidente Rafael Correa, ante à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e estão à espera de que sua denúncia chegue até a Corte IDH.

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  • 12/12/2014

    Uma tragédia que se revela nos territórios

    Por Winnie Overbeek

     

    Ao apresentar essas experiências práticas – uma na Ásia, outra na África e a última na América Latina, a proposta é a de trazer elementos palpáveis e concretos para o debate sobre os mecanismos de economia verde que, muita vezes, fica no plano da abstração ou é inacessível devido à sua linguagem intrincada e aos fundamentos obscuros. E, principalmente, explicitar seus impactos e efeitos sobre os povos indígenas.

    Nesse sentido, questiona-se, por exemplo: Os créditos de carbono, que favorecem empresas poluidoras e agentes do capital financeiro, também são benéficos para as populações indígenas que vivem e dependem das florestas? É justo chamar os projetos-piloto de Redd de projetos “modelo”? Até que ponto as vidas dos povos e comunidades envolvidos com esta política corresponde com a abundante propaganda que projeta a economia verde como a solução para as mudanças climáticas, a destruição ambiental e a pobreza?

    Vejamos o que mostra a realidade:


    Indonésia – Sem direito à terra, sem florestas

    Na ilha e província de Kalimantan, localizada no sudeste asiático, entre 2009 e 2013, foram investidos mais de US$ 30 milhões num projeto de Redd denominado Kalimantan Forest Climate Partnership (KFCP). Resultado de uma parceria entre os governos da Indonésia e da Austrália, o KFCP pretende compensar as altas emissões australianas de carbono, resultado de uma economia muito dependente da mineração e com alto consumo de carvão mineral, através da proteção de uma área de 120 mil hectares, que inclui o território de comunidades indígenas Dayak. Apoiado por ONGs internacionais, como WWF, Wetlands e Care, este projeto foi apresentado ao mundo como um “modelo”. No entanto, em 2013, após quatro anos de intensos protestos locais, nacionais e internacionais contrários ao projeto, ele foi suspenso.

    Quais foram os motivos que levaram um projeto “modelo” a ser suspenso apenas quatro anos após o seu início?

    Na região onde o KFCP foi implementado havia, de fato, um alto índice de desmatamento, causado pela expansão da monocultura em larga escala da palma africana (dendê), pela extração de madeira e pela mineração. As comunidades indígenas que moram dentro da área do projeto Redd haviam solicitado, há bastante tempo, que as autoridades tomassem medidas para acabar com esse desmatamento, realizado por empresas com forte influência política. No entanto, além de não ter focado nas causas do desmatamento, o KFCP causou um profundo descontentamento entre os indígenas ao interferir nos seus modos de vida. Sete comunidades, totalizando 2.600 famílias, foram diretamente afetadas pelo KFCP.

    Apesar da coordenação do projeto ter afirmado, reiteradamente, que teve o consentimento da comunidade para o projeto, a comunidade nega veementemente qualquer ato neste sentido. Ao contrário, ela queixa-se de que o KFCP foi implementado “de cima para baixo” e que a coordenação conseguiu apenas a assinatura dos chefes que representam o governo da Indonésia em cada comunidade – posições que seriam similares às ocupadas, antigamente, pelos chefes da Fundação Nacional do Índio (Funai) nas aldeias no Brasil. Os indígenas contam que foram realizadas reuniões mas apenas para a “socialização em Redd”. No entanto, mesmo depois de várias reuniões, eles disseram que ainda não entendiam o que era Redd.

    De qualquer modo, eles não se negaram a participar do projeto porque receberam promessas de emprego e dinheiro. O emprego, de fato, aconteceu, mas apenas de membros de algumas famílias. Empregados no reflorestamento, eles ganharam cerca de R$ 200 para plantar 500 árvores (por família) – sendo que uma parcela era paga antes e a outra depois do plantio. No entanto, tiveram que, com este pagamento, arcar ainda com os custos envolvidos na atividade, como o do viveiro e do transporte das mudas. Além disso, o projeto definiu os tipos de árvores que deveriam ser plantadas nas suas áreas tradicionais e as sugestões dos indígenas para plantarem árvores mais adaptadas às condições locais foram ignoradas.

    Além da baixa remuneração, os indígenas tinham menos tempo para dedicarem-se às atividades tradicionais de subsistência, como a pesca, a agricultura e a coleta de borracha e de outros produtos da floresta. Para piorar a situação, menos da metade das árvores plantadas sobreviveram. Para os Dayak, essas árvores eram do projeto, não da comunidade.

    Enquanto as árvores do reflorestamento morriam, o desmatamento em áreas próximas continuava, sem parar, destruindo a floresta. E os indígenas perguntaram: “por que em vez de plantar mudas que morriam, o projeto não focava em evitar o desmatamento?” e “este não é justamente o propósito do Redd?”.

    Eles passaram, então, a entender que essa destruição é feita para atender planos empresariais, como a expansão do monocultivo de palma africana que, por ser uma atividade prioritária para o governo, não é coibida por este. A falta de transparência em relação à gestão financeira e a impossibilidade de participarem das decisões relativas ao projeto – e, portanto, às suas próprias vidas – também foram denunciadas pelos Dayak.

    Mas o que talvez seja ainda mais grave é que, com o projeto Redd, as reivindicações da comunidade perante as autoridades ficaram relegadas. A principal delas é o reconhecimento e a demarcação das suas terras tradicionalmente ocupadas. Por conta própria e contando com a ajuda de uma organização indigenista, várias comunidades já fizeram, a mão, mapas que identificam os limites do território das comunidades, evidenciando as áreas das aldeias, das florestas que utilizam, dos rios onde pescam e outras para o plantio.

    Antes da implementação do KFCP, os Dayak estavam esperançosos no sentido de avançarem em sua luta pela terra, já que – em um país que não reconhece os direitos territoriais dos povos tradicionais – a província de Kalimantan tem um governador indígena que, inclusive, criou uma legislação reconhecendo estes direitos. No entanto, desde a implementação do projeto KFCP nada mais avançou em relação à demarcação da terra dos Dayak porque a coordenação do projeto considera que avançar com a questão dos direitos ao território era algo desnecessário.

    Enquanto isso, dentro da terra tradicional indígena, o cultivo do dendê, a exploração da madeira e a mineração continuam expandindo e, obviamente, destruindo a floresta.

    Quênia – Incêndios expulsam o povo de sua terra ancestral

    Com uma população de pouco mais de 30 mil pessoas, o povo indígena Sengwer vive desde tempos imemoriais nas montanhas de Cherangany, no Quênia, em uma das principais áreas de floresta e captação de água do país. Apesar da Constituição Queniana, de 2010, conceder-lhes direitos inalienáveis às suas terras ancestrais, o governo os considera como “refugiados internos” e vem realizando um violento processo de expulsões massivas e deslocamentos forçados.

    Nos últimos anos, organizações sociais quenianas e internacionais denunciam que o Serviço Florestal do Quênia e uma unidade paramilitar da polícia vêm, sistematicamente, expulsando os Sengwer das suas casas, além de queimá-las e destruir seus pertences As violações são tão graves a ponto dessas organizações afirmarem que trata-se de uma situação de genocídio desta minoria étnica de caçadores e coletores. Segundo afirmou uma liderança Sengwer: “o governo do Quênia está forçando-nos no caminho da extinção”.

    Mas o que o Redd tem a ver com toda esta drástica realidade?

    Em 2007 a região onde vivem os Sengwer foi incluída no Projeto de Manejo de Recursos Naturais (NRMP, sigla em inglês). Elaborado com o apoio financeiro do Banco Mundial, ele prevê a implementação do Redd no Quênia. Iniciaram-se, então, ações de pressão sobre os indígenas para que abandonem suas terras, e as tentativas têm ficado cada vez mais violentas.

    Em uma atitude bastante cínica, o Banco Mundial ofereceu ajuda ao governo, colocando-se à disposição para compartilhar seus conhecimentos em relação às “melhores práticas” de assistência às pessoas afetadas para o que eles chamam de “reassentamento involuntário”. É importante ressaltar que o Banco Mundial é um histórico financiador de políticas e práticas extremamente poluentes, como a extração de combustíveis fósseis, além de ser um dos maiores financiadores das políticas de crédito de carbono.

    Em 2013, os Sengwer entraram na justiça e obtiveram uma liminar que assegura o fim das violentas remoções até que a questão dos direitos dos indígenas sobre suas terras seja resolvida. No entanto, o governo queniano ignora esta ordem judicial e continua destruindo as casas das famílias indígenas com o objetivo de expulsá-los de suas terras ancestrais para implementar o projeto de Redd.

    O governo justifica a expulsão dizendo que a única forma de conservar as florestas é expulsar todas as pessoas da área porque, garantem, elas são as responsáveis pela destruição – o que é uma tremenda distorção da realidade. Devido à sua profunda integração com a natureza, os Sengwer sempre preservaram as florestas e todo o ecossistema das montanhas Cherengany. No entanto, agora estão sendo aniquilados em seus territórios imemoriais sob o pretexto da “conservação” devido a um projeto de Redd. O chefe do departamento. de conservação do Serviço Florestal do Quênia, Solomon Mibei, admite: “O mecanismo Redd+ é uma opção futura”. Ele também informou que já começaram a fazer oficinas com as comunidades do entorno da área sobre “finanças de carbono”.

    Peru – Solidariedade às avessas: repressão e falta de alimento

    Há décadas o desmatamento na Amazônia peruana é impulsionado por um extenso número de projetos de extração de petróleo e de minério. Supostamente para combater o desmatamento, atualmente há também dezenas de projetos de Redd. O Project Pur (cuja tradução é Projeto Puro), desenvolvido na região amazônica de San Martin desde 2010 pela organização francesa Alter Eco, é também considerado um “modelo”. Ele foi implementado em uma região habitada por comunidades campesinas, em parte oriundas de outras regiões afetadas por grandes projetos petroleiros e minerários, e também pelos indígenas Shambuyaco e Yurilamas.

    Um estudo de caso da organização Amigos da Terra França (ATF) mostra que essas populações não foram bem informadas e nem consultadas sobre o projeto “Puro”. Um morador afirma: “Eles nunca fizeram um encontro conosco. Às vezes, havia encontros, mas poucas pessoas sabiam. Está errado afirmar que todos nós concordamos com o projeto”.

    O projeto foi concebido pelo empresário francês Tristan Lecomt, que fez sucesso com o comércio “solidário”, inclusive no Peru. Entidades locais que o empresário já conhecia desde a realização deste trabalho “solidário” foram usadas para montar uma organização chamada Fundación Amazonia Viva, com o objetivo de focar na conservação florestal e no reflorestamento. Através dos membros dessa fundação foram solicitadas as concessões para a conservação florestal de uma área total de 300 mil hectares, chamada de Biocorredor Martin Sagrado, onde está implementado o Project Pur. Nem mesmo essas organizações locais entendem o que é Redd. No entanto, seus representantes afirmam que queriam atender ao pedido do empresário.

    Como o documento que descreve o Projeto Puro aponta as práticas agrícolas das comunidades como sendo 70% responsáveis pelo desmatamento na região, a restrição de uso da terra para as comunidades é um dos seus mais severos impactos. Ele também prevê, caso seja necessário, medidas repressivas: “O projeto propõe reforçar relações entre a equipe da Fundação Amazônia Viva, a polícia e os militares para criar um grupo capaz de prevenir mais ocupação da floresta, desmatamento ilegal, o uso do fogo para preparar a terra e a caça (…)”.

    Um dos benefícios apresentados é o reflorestamento, que o projeto afirma desenvolver com o povo Shambuyaco. Os indígenas ganham 1 sol peruano (0,27 euros) por árvore, mas há um desconto de 20% no pagamento para arcar com os custos administrativos e de transporte da cooperativa. Além disso, os direitos sobre o carbono são todos transferidos para o Projeto Puro.

    Houve uma tentativa de implantação de um projeto de Redd também na comunidade Shambuyaco, mas uma liderança comentou que o período proposto, de 40 anos, era tempo demais, além do contrato ter sido escrito em língua estrangeira.

    Soma-se a este contexto o fato de que o projeto não contribui em nada com a regularização do território das comunidades indígenas. Uma representante de uma federação regional afirmou que: “Nós não temos uma documentação que nos dá direito sobre nossas terras, como povos indígenas. É injusto porque sempre cuidamos desta terra, que nos alimenta, que nos oferece caça e plantas medicinais, com as quais podemos nos curar. Não queremos esta área de conservação, queremos nosso direito sobre a terra garantido, primeiro”.

    Este e muitos outros projetos de Redd têm sido certificados com um selo de “qualidade”. Neste caso, a certificação foi feita pelo SCS Global Services, que certificou o projeto conforme os Padrões de Clima, Comunidade e Biodiversidade (CCB). Ao serem questionados sobre os motivos de não visitarem as comunidades mais afetadas pelos projetos, cujo acesso é mais distante e difícil, os representantes dessa certificadora disseram que trabalham por amostra. Porém, curiosamente, a “amostra” selecionada incluiu exatamente as comunidades menos afetadas pelo projeto. Dos custos do Projeto Puro, 96% são gastos com administração e outras despesas de terceiros, como estes da certificação.

     

    Resistência, para mudar a história

    Em cada visita às comunidades afetadas por projetos Redd, a história se repete. Uma história de violações de múltiplos direitos. Primeiro, constata-se a falta de informações e entendimento sobre o projeto, sobre o Redd e suas implicações. Mesmo assim, carentes de políticas públicas e por não terem seus direitos respeitados, as comunidades acabam aceitando o projeto em função das promessas de melhoria de vida. Posteriormente, com o não cumprimento das promessas, a comunidade se frustra. O projeto proíbe as atividades tradicionais, principalmente as agrícolas. Não há avanços nas demandas mais importantes das comunidades, especialmente no reconhecimento dos direitos ao território. E, na maioria dos casos, o desmatamento não pára.

    Felizmente, por outro lado, a revolta com a imposição de projetos de economia verde é crescente. Também aumentam as articulações para mudar essa realidade e fortalecer a resistência local, no sentido de priorizar as verdadeiras soluções para os problemas da humanidade. A criação da rede “Diga Não ao Redd na África” (NRAN) e de outras articulações na América Latina e na Ásia são alguns exemplos desse processo. Nosso desafio é fortalecer essa resistência ao avanço do capital sobre a natureza e contribuir para a recomposição da solidariedade entre as comunidades que o Redd e outros mecanismos esforçam-se para destruir.

     

    Winnie Overbeek é coordenador internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM, sigla em inglês)

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  • 11/12/2014

    Ruralistas dão novo golpe em comissão da PEC 215; votação pode acontecer na semana que vem

    Bancada do agronegócio faz reunião à revelia de presidente de comissão especial, a portas fechadas, com respaldo do presidente da Câmara, Henrique Alves, e passa por cima de regimento da casa. Seguranças usaram de violência para conter manifestantes.

    Os ruralistas deram novo golpe para fazer avançar a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215. Desta vez, apelaram ao presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), e conseguiram realizar, no início da noite de ontem (10/12), uma nova reunião da comissão, a portas fechadas, à revelia e sem a presença de seu presidente, Afonso Florence (PT-BA). A bancada do agronegócio solicitou a realização da reunião diretamente a Alves depois de Florence negar o pedido e marcar um novo encontro da comissão para a próxima terça.

    Por mais de duas horas, deputados do PSOL, PT, PSB, PV e PCdoB conseguiram obstruir a votação do projeto, lançando mão de questões de ordem e outros instrumentos regimentais. Enquanto ainda votavam as atas de reuniões anteriores, o deputado Nelson Marquezzeli (PTB-SP) pediu vistas do relatório da PEC e o vice-presidente da comissão, Nilson Leitão (PSDB-MT), acatou o pedido e encerrou a sessão. O objetivo de Marquezzelli foi evitar novas manobras regimentais dos opositores da PEC, inclusive impedir outros pedidos de vista. Florence não apareceu na comissão sob orientação da liderança do governo na Câmara.

    Uma nova reunião da comissão especial ainda não foi marcada, mas tudo indica que deve acontecer na terça ou quarta da semana que vem, quando os ruralistas tentarão ler e votar o relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). Eles correm contra o tempo: se o documento não for votado até o fim desta legislatura, previsto para o dia 22/12, o projeto será arquivado.

    Além de impor uma série de restrições aos direitos dos povos indígenas previstos na Constituição, o projeto transfere do governo federal para o Congresso a prerrogativa de aprovar a oficialização de Terras Indígenas, Unidades de Conservação e territórios quilombolas. Na prática, se aprovado, vai significar a paralisação definitiva da formalização dessas áreas.

    De acordo com o regimento da Câmara, Leitão não poderia ter aceitado o pedido de vistas antes que o parecer sobre a PEC começasse a ser lido. Para os parlamentares aliados das organizações indígenas, por causa disso a sessão foi ilegal. Hoje, eles deverão questionar formalmente os presidentes da comissão e da Câmara, requerendo a anulação das decisões tomadas na reunião. Não está descartada uma ação judicial para invalidá-la.

    “Essa reunião foi uma farsa, que não tem nenhuma validade e muitas ilegalidades”, denuncia o deputado Padre Ton (PT-RO), presidente da Frente de Defesa dos Direitos Indígenas. Ele lembrou que juristas e representantes de organizações indígenas e indigenistas não foram ouvidos pela comissão especial. O parlamentar criticou a segurança da Câmara por impedir o acesso dos manifestantes. Ele informa que suplentes da comissão votaram questões de ordem durante a reunião, o que também é proibido pelo regimento da Câmara.

    Entradas da Câmara foram cercadas por policiais para impedir entrada de pessoas.

    Portas fechadas e confusão

    A sessão ocorreu em clima tenso. As portas da comissão foram fechadas por determinação de Serraglio e Leitão, enquanto seguranças usaram de violência para conter indígenas e indigenistas contrários à PEC nos corredores da Câmara. Houve confusão, gritaria e empurra-empurra. O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto, foi imobilizado com uma gravata por dois seguranças. Ele foi solto minutos depois.

    Somente um grupo de cinco indígenas e um quilombola foi autorizado a entrar na comissão. Leitão justificou a restrição de acesso em virtude dos incidentes do dia anterior, quando houve início de confusão entre parlamentares e manifestantes contrários à PEC. O incidente aconteceu depois dos ruralistas abrirem uma sessão da comissão, mantendo o painel de presença aberto, enquanto ocorriam votações no plenário da Câmara, o que é proibido pelo regimento, para tentar votar o projeto (saiba mais).

    “Hoje, a situação repetiu-se: a violência, a truculência da polícia legislativa, que obedece a ordens superiores do presidente da Câmara, impedindo nosso acesso para acompanharmos a votação”, criticou Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ela alerta que a bancada do agronegócio está decidida a aprovar a PEC 215 ainda neste ano.

    O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a própria presidente Dilma Rousseff já manifestaram-se publicamente contra a PEC, mas o governo continua ausente das negociações sobre projeto. Ontem, depois que Henrique Alves acatou a questão de ordem dos ruralistas e garantiu a realização da sessão da comissão especial, o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), fez um apelo ao presidente da Câmara para voltar atrás da tribuna do plenário, mas foi ignorado.

    Regulamentação da Constituição

    No início da tarde de ontem, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), cancelou a reunião da comissão mista que analisa o Projeto de Lei (sem nº) que pretende regulamentar o parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição. Ele remarcou a reunião para a tarde da próxima terça (16/12). Sob a justificativa de regulamentar o conceito de “relevante interesse público da União” no processo de demarcação de Terras Indígenas, a proposta pretende legalizar dentro dessas áreas fazendas, estradas, hidrelétricas e linhas de transmissão, entre outros empreendimentos.

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  • 11/12/2014

    Temporada de caça aos direitos indígenas está configurada

    Está em pauta no Congresso Nacional o projeto anti-indígena da PEC 215 e o projeto do Senador Romero Jucá, ambos tentando negar aos povos indígenas o reconhecimento dos seus territórios. Aos defensores do Brasil sem índios, lembramos que apesar dessa sanha, os povos indígenas provam o contrário. Passaram de menos de cem mil na década de 60 para quase um milhão atualmente. Na América Latina são 35 milhões. Estão em Lima na COP 20 denunciando as destruições da natureza, o avanço do capitalismo verde, as violações dos Direitos Humanos.

    Nos idos de 1975, no auge da ditadura militar e do milagre brasileiro, o crítico e escritor Tristão de Athayde, publicou um artigo “indigenismo e antiindigenismo", em que traz elementos de análise extremamente atuais.

    "Como sempre, várias soluções se defrontam, algumas analógicas e outras contraditórias, entre indigenistas e anti-indigenistas. A mais radical destas últimas considera nossos índios como um anacronismo e sua defesa como um romantismo dispendioso e inútil. Seu desaparecimento deverá ser mesmo favorecido ou por bem (integração) ou por mal (extinção), pelas moléstias, pela construção de estradas ou pelas agressões dos próprios mateiros e fazendeiros locais. O progresso, para esses anti-indigenistas, é um rolo compressor irreversível, exigindo a extinção dos mais fracos.”(Jornal do Brasil, 6/03/1975)

    Quantas vezes ouvimos esses discursos trombeteados pelas nossas elites econômicas, políticas e setores militares, acrescidos de outras pérolas mais, de teor racista e fatalista, dentre as quais “os índios atravancam o progresso”, os índios são quistos sociais que devem ser erradicados, os índios na fronteira são uma ameaça à segurança e soberania nacional,  os índios são um ônus para a nação…

    Quantas vezes não foram os povos indígenas ultrajados, ameaçados, violentados e denegridos em sua honra e dignidade, impunemente?

    Nessa semana mundial dos Direitos Humanos, na ocasião da entrega do Relatório da Comissão Nacional da Verdade para a Presidente Dilma, onde pela primeira vez é relatada a morte e desaparecimento de aproximadamente 8 mil indígenas dentro período examinado pela Comissão (1946 a 1988), estão em pauta  no Congresso Nacional  projetos de lei e emenda constitucional, como a PEC 215, que se aprovadas, tornarão as ameaças fatos, e a vida dos povos originários/indígenas estarão sob a batuta  da política indigenista ruralista, do agronegócio e do latifúndio.

    Estratégias do agronegócio

    Neste ano de 2014 o agronegócio avançou em sua política anti-indígena, inovando com a realização de leilão, em Campo Grande-MS, para sustentar a caixinha que banca  as milícias particulares por eles contratadas. A isso se acresce a contratação de expressivo número de profissionais que vai desde antropólogos, historiadores, arqueólogos, advogados, até filósofos. São esses que constroem e garantem as fundamentações das políticas indigenistas ruralistas.

    No Congresso, onde a bancada afirma ter pelo menos 240 membros, esperam acionar o rolo compressor para aprovar várias leis e projetos de emenda constitucional que garantam os interesses do agronegócio. Certamente esperam uma mãozinha do Poder Executivo para tornar tudo mais fácil.

    Não Passarão


    Se por um lado a temporada de caça aos direitos indígenas está configurada, por parte do movimento indígena existe uma esperança de mobilização pela vida e pelos direitos, baseada em suas estratégias de resistência secular, com o apoio dos espíritos guerreiros e seus deuses.

    Contam também com a solidariedade de amigos no Brasil e no mundo e com o apoio das populações tradicionais e dos movimentos sociais que lutam por justiça e aprofundamento da democracia.

     

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  • 11/12/2014

    ICMBio deforma a formação de seus servidores

    A nomeação de 30 novos servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para a base de Itaituba (Pará) é algo a se comemorar, afinal, trata-se de uma das porções mais ameaçadas de todo o bioma amazônico. No vale do Tapajós, hoje, estão os maiores índices de desmatamento e degradação florestal da Amazônia, além de a área estar na mira da obsessão barrageira do governo Dilma, no marco de um polêmico projeto de complexo hidrelétrico, que prevê cinco barramentos, além de outros aproveitamentos hidrelétricos de menor porte, espalhados pela bacia. A região é alvo, ainda, de outras grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como a hidrovia Teles Pires-Tapajós, concebida para transformar o rio Tapajós em um corredor de escoamento da soja plantada no norte de Mato Grosso.

    Os novos servidores serão gestores de um mosaico de unidades de conservação (UCs) de mais de 9 milhões de hectares, o equivalente a três vezes o tamanho da Bélgica. A área seria maior, não fosse a autoritária redução de várias das UCs por meio da Medida Provisória nº 558/2012 para "liberar" áreas a serem inundadas pelos lagos das hidrelétricas. Na ocasião, os antecessores dos gestores que chegam agora publicaram uma contundente carta aberta em repúdio ao ato do governo federal. Porém, ao que parece, o próprio ICMBio encarrega-se agora de formar seus servidores de modo a inibir quaisquer críticas, ainda que essas venham no sentido de defender as UC em que são lotados e que são, portanto, obrigados a proteger.

    Entre 10 e 12 de dezembro, em Itaituba, os novos servidores concursados participam de uma oficina, cujos dois primeiros objetivos são:

    Ampliar a compreensão da equipe sobre cada UC, a região e o território do Tapajós; e
    Possibilitar que a equipe conheça o histórico de gestão das UC a partir de Itaituba e compreenda o momento atual, onde se propõe a Gestão Integrada.

    Considerando-se os objetivos mencionados, imagina-se que entre os convidados para falar da região, do território do Tapajós, dos problemas enfrentados pelas UCs e pelos povos e comunidades tradicionais que ali vivem figurariam representações dos índios Munduruku e de beiradeiros do Tapajós. Afinal, são quem, de longe, melhor conhece o que os novos gestores deverão enfrentar. Imaginamos que estariam professores e pesquisadores que estudam as dinâmicas e tensões agrárias e ambientais da região. Imaginamos que estariam convidados, também, procuradores da República, que, à frente do Ministério Público Federal (MPF), empreendem uma árdua luta em defesa dos direitos socioambientais.

    Entretanto, a programação da oficina vai na direção oposta evidenciando, pelo tipo de formação que o órgão oferece, o que espera dos seus servidores. Os temas a serem abordados, com os respectivos palestrantes convidados, são:

    • Licenciamento ambiental – Hilário Rocha/Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo de Itaituba (Semmat);
    • Hidrovia e Terminal Portuário – Marco Domaneschi/Bunge;
    • Desenvolvimento regional – Consórcio Tapajós; e
    • Concessões em Florestas Nacionais (Flonas) – Serviço Florestal Brasileiro (Serviço Florestal Brasileiro).
    Criado em junho de 2013, o Consórcio Tapajós consiste em uma articulação das prefeituras de seis municípios situados na área de influência dos projetos de barramento do rio: Aveiro, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso, Rurópolis e Trairão. Durante solenidade em que se selou o pacto, o prefeito de Rurópolis assim definiu os objetivos da entidade: “Fomos esquecidos durante muitos anos, mas esta região será a menina dos olhos do Brasil, pelo seu potencial para a geração de energia e pela localização estratégica para o escoamento da produção de grãos”.

    Por essa afirmação, vê-se o sentido de “desenvolvimento regional” que norteia o Consórcio Tapajós, e a coerência entre uma apresentação da entidade e a de um representante de uma empresa privada (Bunge) para ”formar” servidores públicos.


    Porto da Bunge às margens do rio Tapajós, em Itaituba-PA. Há projetos para que a região torne-se um grande corredor de escoamento de soja.

    Há escalação, ainda, de representantes do SFB, que terá a incumbência de falar sobre a concessão de florestas públicas da região para empresas madeireiras. Levando em consideração essa região, em particular, assunto não falta. Atualmente, dois processos de concessão no oeste paraense são questionados judicialmente pelo Ministério Público Federal (MPF), sob suspeita de desrespeitarem territórios tradicionalmente ocupados, e um terceiro caso já anunciou a pretensão de leiloar terras que podem estar sobrepostas a uma terra indígena ainda não demarcada.

    Tudo isso, acontece sob a batuta da The Nature Conservancy (TNC), uma ONG especializada em conferir “fachadas verdes” a seus endinheirados parceiros, como a Monsanto e a Dow Chemical.

    Em suma, a formação dos servidores contemplará a apresentação de diversos segmentos econômicos proeminentes, com interesse em recursos da região, mas não terá contraponto algum oriundo das diversas comunidades tradicionais e povos indígenas que habitam a região, e cujo modo de vida – bem como sua resistência ao avanço de interesses econômicos predatórios, muitas vezes – contribuíram para a sociobiodiversidade que justificaria a existência, mesmo, de um mosaico de unidades de conservação ambiental.

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  • 11/12/2014

    Livro sobre genocídio Waimiri-Atroari é lançado e respalda trabalho da CNV do Amazonas

    A editora Curt Nimuendajú acaba de lançar mais uma obra que já nasce clássica para a historicidade Ameríndia e chega aos leitores cumprindo dois papeis: o primeiro de passar a limpo a história recente dos povos indígenas; o segundo de denunciar um dos mais atrozes massacres promovidos pela ditadura militar (1964-1985): o assassinato de 2 mil Waimiri-Atroari, entre 1972 e 1977, para fins da abertura da BR-174, ligação entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR).

    No escopo dos trabalhos do Comitê Estadual de Direito à Verdade, à Memória e à Justiça do Amazonas, A Ditadura Militar e o Genocídio do Povo Waimiri-Atroari: por que kamña matou kiña é fruto da pesquisa que fundamentou o 1º Relatório deste comitê. Tal como em As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, o livro relata em detalhes, com base em farta documentação e literatura indigenista, como os militares massacraram aldeias inteiras utilizando bombas químicas, com o mesmo potencial devastador do napalm utilizado pelo Exército estadunidense no Vietnã, metralhadoras e ataques aéreos impiedosos.

    O livro, portanto, cumpre um outro papel: de não deixar cai no esquecimento o genocídio contra os Waimiri-Atroari no contexto de estabelecimento da Comissão Nacional da Verdade (CNV), pela Lei 12528, de 2011, que pretende investigar crimes cometidos contra os direitos humanos, entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, e, conforme declarou recentemente seu presidente, Pedro Dallari, pedir a punição de mais de 100 militares responsáveis por atentados, assassinatos, torturas, desaparecimentos e toda sorte de arbítrio fundamentado em poderes estabelecidos por golpes contra a democracia.

    Então, por que kamña matou kiña A pergunta era comumente ouvida pelos indigenistas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Egydio e Doroti Schwade, durante o processo de alfabetização dos Waimiri-Atroari em sua língua materna, sobreviventes do massacre. Narrações, desenhos e histórias terríveis, de assassinatos, correrias, desaparecimentos e mortes, com aviões jogando bombas sobre as aldeia, descrevendo como o genocídio ocorreu, chegavam ao casal indigenista que passou a investigar o que havia ocorrido e a registrar tudo aquilo que os Waimiri lhes relatavam.

    A obra é, antes de tudo, um apanhado articulado das histórias dos próprios Waimiri. “Civilizado matou com bomba”, escreveu Panaxi ao lado de um dos desenhos reveladores do massacre. O waimiri ainda identificou pelo nome os assassinados: Sere, Podanî, Mani, Priwixi, Akamamî, Txire, Tarpiya. Assim, numa série impressionante, outros e mais outros Waimiri desenharam e escreveram nomes de mortos, compondo uma Guernica amazônica – referência ao quadro de Pablo Picasso que retrata o povo da cidade que concede nome à obra massacrado pelas tropas de Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola.

    Todos estes relatos colhidos por Egydio e Doroti durante o processo de alfabetização dos Waimiri estão no livro e, portanto, no relatório da comissão. O livro demonstra como tal massacre ocorreu de forma planejada, como política de Estado, comandada por generais. Nas palavras do jornalista e ex-editor do jornal Porantim, onde os primeiros relatos deste genocídio foram publicados, José Ribamar Bessa Freire, que assina o prefácio do livro, trata-se da cartilha de Rondon no trato com os povos indígenas, mas pervertida e ao contrário: “Matar ainda que não seja preciso; morrer nunca”. Empresas de jagunços subordinadas ao Comando Militar da Amazônia, especializados em “limpar a floresta”, faziam também o trabalho sujo, mas tudo com o consentimento dos militares.

    No lugar das aldeias devastadas, mineradoras, usinas hidrelétricas, estradas. A Mineração Taboca, por exemplo, que se instalou sobre aldeias Waimiri destroçadas pelo fogo militar entre 1979 e 1988, negou e abafou que, mesmo passado alguns anos do genocídio, outros indígenas ainda estivessem circulando pelo local. Fato é que em 1985 estes indígenas, então desconhecidos, apareceram no canteiro de obras da hidrelétrica do Pitinga. Poucos dias depois o motorista de uma carreta os avistou: seis homens e duas mulheres. Depois disso nunca mais foram vistos. Todavia, a razão é aparente e comprovada no livro: a Sacopã, empresa de jagunços comandada por dois ex-oficiais do Exército e um então da ativa, assassinou estes indígenas – que seguiram desconhecidos, mas não esquecidos.

    A obra desvela a arqueologia da violência de um grupo indígena massacrado que na redemocratização foi cercado pelo governo brasileiro. Em 2013, durante audiência com integrantes do povo Munduruku, executivos da Eletrobrás, numa vã tentativa de convencer os indígenas do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, afirmaram que a ação junto aos Waimiri por conta da usina de Balbina, construída ainda na ditadura, só trouxe benefícios para eles. A essa tentativa de esconder o passado sangrento, a família Schwade foi obrigada a se retirar da comunidade, por ordem do então presidente da Funai, Romero Jucá, político de Roraima subserviente e beneficiário das vilanias e devastações causadas por empresas de mineração.

    O conteúdo resvala na linguagem etnográfica e etnológica, instrumentos da antropologia, para trazer aos leitores um retrato mais próximo o possível da visão dos próprio Waimiri do massacre. Ao contrário do que é mais comum de se ouvir país afora, os povos indígenas foram vítimas diretas da ditadura militar e contam tantos mortos quanto os desaparecidos ou assassinados políticos nas guerrilhas urbanas e rurais. Aos Waimiri se juntam ainda outros povos vítimas do autoritarismo. Lideranças indígenas e suas assembleias dispersas, proibidas. Os reformatórios Krenak e Guarani, onde havia tortura e morte de indígenas. A obra contribui para que o Brasil de hoje repare esses crimes garantindo a terra tradicional e o pleno direito de vida a estes povos.  

      

     

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  • 11/12/2014

    A lógica perversa

    Por Amyra El Khalili

              Para entender como e por que o capitalismo verde avança sobre os territórios indígenas e das populações tradicionais é necessário reconhecer os paradoxos da água. Ou seja, a água é vida e morte, liberdade e escravidão, esperança e opressão, guerra e paz. A água é um bem imensurável, insubstituível e indispensável à vida em nosso planeta, considerada pelo Artigo 225 da Constituição Federal, bem difuso, de uso comum do povo.

             Nesse sentido, a recente descoberta do que pode ser o maior aquífero de água doce do mundo na região amazônica, o Alter do Chão, que se estende sob os estados do Amazonas, Amapá e Pará, exige atenção e cuidado por parte da sociedade brasileira[i].

             O aquífero Alter do Chão, que chega a 86 mil quilômetros cúbicos, possui quase o dobro da capacidade hídrica do Aquífero Guarani, com 45 mil quilômetros cúbicos. Sendo assim, ele atrai, inevitavelmente, a cobiça dos países do hemisfério Norte, que já não têm mais água para o consumo, e pode tornar-se a causa de enfrentamentos geopolíticos. Processo similar acontece no Oriente Médio, com disputas sangrentas pelo petróleo e gás natural.

             O controle sobre esta riqueza hídrica depende exclusivamente do controle territorial. As águas são transfronteiriças e avançam sobre os limites entre municípios, estados e países. O recorde histórico da cheia do Rio Madeira neste ano de 2014, que inundou cidades na Bolívia, além das trágicas inundações nos estados de Rondônia e no Acre, é um bom exemplo desta característica das águas.

             De modo geral, a água está sendo contaminada com a mineração e com o despejo de efluentes, agrotóxicos e químicos, e poderá ser poluída também com a eminência da exploração de gás de xisto, onde a técnica usada para fraturar a rocha pode contaminar as águas subterrâneas.

    Terra à venda

             Segundo estimativas de um relatório do projeto Land Matrix, que reúne organizações internacionais focadas na questão agrária, mais de 83,2 milhões de hectares de terra em países em desenvolvimento foram vendidos em grandes transações internacionais desde 2000. Os países economicamente mais vulneráveis da África e da Ásia perderam extensas fatias de terras em transações internacionais nos últimos 10 anos, sendo que a África é o principal alvo das aquisições, seguida da Ásia e da América Latina. Estas compras são estimuladas pelo aumento nos preços das commodities agrícolas e pela escassez de água em alguns dos países compradores, que o fazem para a exploração da agricultura, mineração, madeira e do turismo[ii].
     
            Outros países são alvos desta ofensiva fundiária, como a Indonésia, Filipinas, Malásia, Congo, Etiópia, Sudão e o Brasil, que teve mais de 3,8 milhões de hectares vendidos para estrangeiros somente nos últimos 12 anos. É importante salientar que, até aqui, estamos falando de terras que podem ser adquiridas, em tese, através da compra. Porém, as terras indígenas e de populações tradicionais são terras da União e, não podem ser negociadas e nem alienadas, pois estão protegidas por leis nacionais e internacionais.
     
            Acontece que são justamente estas as terras que estão preservadas e conservadas ambientalmente e são as mais ricas em biodiversidade, água, minério e energia (bens comuns). E, portanto, são nessas áreas que ocorre o avanço desenfreado do capitalismo verde que nada mais é que o velho e desgastado modelo colonialista, extrativista e expansionista neoliberal com uma roupagem atualizada, que visa a apropriação dos bens comuns. Esses bens são definidos como “recursos naturais”, assim como os trabalhadores são considerados pelo sistema como “recursos humanos”. Tudo neste modelo “verde” é usado ilimitadamente e no curto prazo.
     
            Essa concepção utilitarista do “capitalismo verde” já é confrontada com outros modelos de vida, como o Bem Viver, dos povos das florestas, a economia socioambiental, a economia solidária e a agroecologia, dentre outras que estão florescendo.

            Para a implementação deste modelo com purpurina verde, algumas leis estão sendo aprovadas com o claro propósito de beneficiar o mercado financeiro. Paralelamente, outras leis são desmanteladas para institucionalizar e legitimar a ocupação de estrangeiros, empresários e banqueiros em territórios latino-americanos e caribenhos, como é o caso dos direitos fundamentais dos povos indígenas, do Código Florestal e dos direitos trabalhistas.

    Confundir para se apropriar     
     

             Desse modo, contratos unilaterais e perversos são assinados por atores com forças políticas totalmente desiguais, em que confunde-se, propositadamente, “financiar” com “financeirizar”.

             Aqui cabe uma elucidativa exemplificação: financiar é, por exemplo, permitir que uma costureira compre uma máquina de costura e consiga pagá-la com o fruto de seu trabalho, tornando-se independente de um empregador para que venha a ser empreendedora.

             Já, financeirizar é fazer com que a costureira endivide-se para comprar uma máquina de costura e jamais consiga pagá-la, até que o credor possa tomar a máquina da costureira por inadimplência (não cumprimento do acordo mercantil)

             A financeirização faz com que uma parte do acordo, a descapitalizada, fique endividada e tenha que entregar o que ainda possui, como as terras indígenas. E, assim, são desenhados perversos contratos financeiros e mercantis com a finalidade de vincular as terras ricas em bens comuns para que essas garantias fiquem alienadas e à disposição da parte mais forte: a capitalizada.

             Nestes termos, as populações indígenas e os povos das florestas deixam de poder usar o que lhes mantém vivos e o que preservam há séculos para as presentes e futuras gerações, as florestas e as águas, para que terceiros possam utilizá-los, além de que estes passam também a controlar seus territórios.

             É esta a lógica perversa do capitalismo verde, sustentado pelo argumento de que as florestas “em pé” somente serão viáveis se tiverem valor econômico. O que é uma falácia, pois valor econômico as florestas “em pé” e as águas sempre tiveram. O que não tinham, até então, era valor financeiro, já que não há preço que pague o valor econômico das florestas, dos bens comuns e dos “serviços” que a natureza nos proporciona gratuitamente.

             O capitalismo somente avança nas fronteiras que consegue quantificar. Porém, jamais conseguirá se apropriar do que a sociedade puder qualificar.

    Amyra El Khalili é economista, autora do e-book Commodities Ambientais em Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a América Latina e o Caribe. Acesse gratuitamente em www.amyra.lachatre.org.br

    (1) Aquífero na Amazônia pode ser o maior do mundo, dizem geólogos. 19 de abril de 2010. Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/04/aquifero-na-amazonia-pode-ser-o-maior-do-mundo-dizem-geologos.html

    (2) Revista Exame. Plantando no vizinho. 10 países que estão comprando terras estrangeiras aos montes.. 24 de maio de 2012. Disponível em:http://exame.abril.com.br/economia/mundo/noticias/10-paises-que-estao-comprando-terras-estrangeiras-aos-montes

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  • 11/12/2014

    Nota pública sobre a prisão do Kaingang Ireni Franco

    No dia 09 de dezembro de 2014, pela parte da manhã, na cidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, a Polícia Federal prendeu a liderança Kaingang Ireni Franco. Segundo informações do cacique da Terra Indígena Passo Grande do Forquilha, a ação da polícia foi truculenta e em forma de emboscada, não permitindo o acompanhamento de advogado e sem poder informar a família. A liderança havia sido chamada a participar de audiência na Polícia Federal da referida cidade, onde ocorreu a prisão.

    Ireni Franco vinha respondendo processo judicial há alguns anos devido à liderança que exerce na comunidade. Acusado e condenado no ano de 2012, recorreu e a Justiça manteve a decisão.

    O que chama a atenção é que a prisão acontece num contexto de criminalização de lideranças indígenas, onde vários Kaingang que lutam pela demarcação de seu território estão sendo perseguidos e presos. Na avaliação das lideranças, a ação da polícia tem o objetivo de amedrontar as comunidades e intimidar as lideranças indígenas que lutam pela defesa de seus direitos.

    CIMI Sul, dezembro de 2014.

     

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