11/12/2014

Ruralistas dão novo golpe em comissão da PEC 215; votação pode acontecer na semana que vem

Bancada do agronegócio faz reunião à revelia de presidente de comissão especial, a portas fechadas, com respaldo do presidente da Câmara, Henrique Alves, e passa por cima de regimento da casa. Seguranças usaram de violência para conter manifestantes.

Os ruralistas deram novo golpe para fazer avançar a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215. Desta vez, apelaram ao presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), e conseguiram realizar, no início da noite de ontem (10/12), uma nova reunião da comissão, a portas fechadas, à revelia e sem a presença de seu presidente, Afonso Florence (PT-BA). A bancada do agronegócio solicitou a realização da reunião diretamente a Alves depois de Florence negar o pedido e marcar um novo encontro da comissão para a próxima terça.

Por mais de duas horas, deputados do PSOL, PT, PSB, PV e PCdoB conseguiram obstruir a votação do projeto, lançando mão de questões de ordem e outros instrumentos regimentais. Enquanto ainda votavam as atas de reuniões anteriores, o deputado Nelson Marquezzeli (PTB-SP) pediu vistas do relatório da PEC e o vice-presidente da comissão, Nilson Leitão (PSDB-MT), acatou o pedido e encerrou a sessão. O objetivo de Marquezzelli foi evitar novas manobras regimentais dos opositores da PEC, inclusive impedir outros pedidos de vista. Florence não apareceu na comissão sob orientação da liderança do governo na Câmara.

Uma nova reunião da comissão especial ainda não foi marcada, mas tudo indica que deve acontecer na terça ou quarta da semana que vem, quando os ruralistas tentarão ler e votar o relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). Eles correm contra o tempo: se o documento não for votado até o fim desta legislatura, previsto para o dia 22/12, o projeto será arquivado.

Além de impor uma série de restrições aos direitos dos povos indígenas previstos na Constituição, o projeto transfere do governo federal para o Congresso a prerrogativa de aprovar a oficialização de Terras Indígenas, Unidades de Conservação e territórios quilombolas. Na prática, se aprovado, vai significar a paralisação definitiva da formalização dessas áreas.

De acordo com o regimento da Câmara, Leitão não poderia ter aceitado o pedido de vistas antes que o parecer sobre a PEC começasse a ser lido. Para os parlamentares aliados das organizações indígenas, por causa disso a sessão foi ilegal. Hoje, eles deverão questionar formalmente os presidentes da comissão e da Câmara, requerendo a anulação das decisões tomadas na reunião. Não está descartada uma ação judicial para invalidá-la.

“Essa reunião foi uma farsa, que não tem nenhuma validade e muitas ilegalidades”, denuncia o deputado Padre Ton (PT-RO), presidente da Frente de Defesa dos Direitos Indígenas. Ele lembrou que juristas e representantes de organizações indígenas e indigenistas não foram ouvidos pela comissão especial. O parlamentar criticou a segurança da Câmara por impedir o acesso dos manifestantes. Ele informa que suplentes da comissão votaram questões de ordem durante a reunião, o que também é proibido pelo regimento da Câmara.

Entradas da Câmara foram cercadas por policiais para impedir entrada de pessoas.

Portas fechadas e confusão

A sessão ocorreu em clima tenso. As portas da comissão foram fechadas por determinação de Serraglio e Leitão, enquanto seguranças usaram de violência para conter indígenas e indigenistas contrários à PEC nos corredores da Câmara. Houve confusão, gritaria e empurra-empurra. O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto, foi imobilizado com uma gravata por dois seguranças. Ele foi solto minutos depois.

Somente um grupo de cinco indígenas e um quilombola foi autorizado a entrar na comissão. Leitão justificou a restrição de acesso em virtude dos incidentes do dia anterior, quando houve início de confusão entre parlamentares e manifestantes contrários à PEC. O incidente aconteceu depois dos ruralistas abrirem uma sessão da comissão, mantendo o painel de presença aberto, enquanto ocorriam votações no plenário da Câmara, o que é proibido pelo regimento, para tentar votar o projeto (saiba mais).

“Hoje, a situação repetiu-se: a violência, a truculência da polícia legislativa, que obedece a ordens superiores do presidente da Câmara, impedindo nosso acesso para acompanharmos a votação”, criticou Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ela alerta que a bancada do agronegócio está decidida a aprovar a PEC 215 ainda neste ano.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a própria presidente Dilma Rousseff já manifestaram-se publicamente contra a PEC, mas o governo continua ausente das negociações sobre projeto. Ontem, depois que Henrique Alves acatou a questão de ordem dos ruralistas e garantiu a realização da sessão da comissão especial, o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), fez um apelo ao presidente da Câmara para voltar atrás da tribuna do plenário, mas foi ignorado.

Regulamentação da Constituição

No início da tarde de ontem, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), cancelou a reunião da comissão mista que analisa o Projeto de Lei (sem nº) que pretende regulamentar o parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição. Ele remarcou a reunião para a tarde da próxima terça (16/12). Sob a justificativa de regulamentar o conceito de “relevante interesse público da União” no processo de demarcação de Terras Indígenas, a proposta pretende legalizar dentro dessas áreas fazendas, estradas, hidrelétricas e linhas de transmissão, entre outros empreendimentos.

Fonte: Oswaldo Braga de Souza, ISA
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