• 24/04/2015

    Justiça Federal manda retirar indígenas de terreno da Prefeitura de Manaus

    Famílias indígenas de 12 etnias que ocupam há quatro anos um terreno do Município de Manaus no bairro Tarumã, na Zona Oeste da cidade, podem ser retiradas do local a qualquer momento por determinação do juiz Ricardo Salles, da 3ª Vara da Justiça Federal.

    A decisão judicial, que saiu no dia 5 de fevereiro de 2015, atendeu um pedido do Ministério Público Estadual em favor da Prefeitura de Manaus. Em sua ação, o promotor Agnelo Balbi afirmou que o terreno é uma área verde pertencente ao Município.

    No último sábado (18), a reportagem da Amazônia Real esteve na ocupação denominada Comunidade Nações Indígenas.  Na área vivem cerca de 1.300 pessoas de 300 famílias indígenas. Os indígenas afirmam que o terreno foi ocupado em 2011, quando os primeiros moradores chegaram ao local na madrugada do dia 19 de abril. Segundo eles, a maior parte da área verde já estava devastada.

    Os indígenas dizem que ocupam a área pertencente a Prefeitura de Manaus porque não têm onde morar na cidade. Muitos deles deixaram suas terras demarcadas no interior do Amazonas para viver na capital para ter acesso às escolas, atendimento médico e trabalho.

    A Comunidade Nações Indígenas foi criada com três ruas de terra batida. As moradias são precárias, algumas com parede de lona e pedaços de compensado. Outras estão sendo reformadas com obras de alvenaria e de madeira. Não há escola nem posto médico. Todos os quintais possuem vegetação com pés de árvores nativas da Amazônia.

    Os indígenas afirmam já foram notificados sobre a decisão judicial de reintegração de posse. Eles estão apreensivos e assustados. Um grupo de moradores está acampado desde a semana passada em frente da sede da Prefeitura de Manaus para tentar uma audiência com o prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM).

    A ameaça de desocupação causou a suspensão das obras de cobertura com palha da nova maloca. Atualmente, a maloca, que serviria para sediar reuniões e demais atividades da comunidade, está com o teto pela metade.

    “Estou muito triste e sem vontade de comer desde que soube que não temos mais direito de ficar aqui. Batalhamos muito por este espaço. Quando aqui chegamos era um lugar muito feio, não tinha nada de área verde, mas só pedaço de pau velho e morto, capinzal e muita formiga. Parecia uma ‘cacaia’ (troncos de árvores velhos, na língua nheengatu) Agora, o local tem todo tipo de planta”, disse Rosa Gonçalves da Silva, 65 anos, da etnia Mura.

    Rosa saiu há cinco anos da aldeia Escondido, da Terra Indígena Cunhã Sapucaia, no município de Borba (a 150 quilômetros de Manaus), em busca de melhores condições de vida.

    O cacique da comunidade Nações Indígenas, Pedro dos Santos, 65, da etnia Mura, afirmou que muitos “se desesperaram e choraram” quando souberam da notícia da reintegração de posse da área. “Ficamos sem saber para onde seremos jogados. Estamos assim até hoje. Querem nos tirar daqui e nos levar para onde? Não queremos um local grande. Basta esse pedaço”, afirmou o cacique, que prefere ser chamado de Pedro Mura.

    Há previsão de corte de energia na comunidade para ocorrer ainda nesta semana, também por ordem judicial. Além de deixar todos no escuro, o corte dificultará o acesso ao único poço artesiano que os indígenas construíram, pois o local não tem fornecimento de água da concessionária Manaus Ambiental.

    “Soubemos que nesta quarta-feira a Amazonas Energia vem aqui cortar as ligações. Falam que a gente rouba energia, mas já fizemos vários pedidos de regularização e nunca fomos atendidos”, disse Pedro Mura, que divide a “chefia” da comunidade com José Augusto Miranha.

    Prefeitura suspendeu pedido reintegração, mas MPE manteve ação

    Em uma audiência realizada antes da decisão judicial do dia 5 de fevereiro, a prefeitura de Manaus requereu “suspensão do andamento do feito”, ou seja, declinou do pedido de reintegração de posse, mas este posicionamento não foi o mesmo do promotor Agnelo Balbi, que manteve o pedido inicial e seguiu com sua ação.

    O local faz parte de um loteamento privado chamado Paraíso Tropical e atende os termos do artigo 22 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, que obriga uma propriedade reservar uma área verde de posse do poder público.

    O procurador-geral do Município, Marcos Cavalcanti, disse à Amazônia Real que a Prefeitura de Manaus suspendeu o pedido de reintegração para atender uma solicitação dos defensores públicos dos indígenas e assim evitar que ocorresse uma “desocupação traumática”. Cavalcanti afirmou que a Prefeitura esperava que os indígenas saíssem voluntariamente e não fosse necessária a reintegração de posse com aparato policial.

    “A gente teve boa vontade. Ninguém queria nada traumático. Mas o MPE continuou com a ação e o juiz atendeu”, disse Cavalcante.

    Indagado pela reportagem se a área verde delimitada pela Prefeitura de Manaus pode excluir as famílias indígenas, ele disse que isto “não tem previsão legal”. “A lei diz que área verde não pode ter outra destinação. Por isso, não podemos abrir mão”, disse Cavalcanti.

    A reportagem insistiu e perguntou se a Prefeitura está disposta a encontrar outra solução. Ele disse apenas que “ainda há campo para entendimento e estabelecer um prazo para os indígenas saírem voluntariamente”.

    O advogado Abdala Sahdo, que está defendendo voluntariamente índios da comunidade Nações Indígenas, disse que está articulando uma audiência com o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto. O advogado afirmou que uma opção para solucionar a questão da ocupação do terreno do município é uma negociação para criar um projeto de lei tornando a área para moradias dos indígenas.

    Outra proposta, segundo Abdalla Sahdo, é ingressar com um processo denominado “incidente de falsidade” na Justiça para questionar os títulos do loteamento. O advogado disse que os seis títulos de terras existentes são de áreas sobrepostas e a validade dos documentos pode ser questionada.

    A Amazônia Real não conseguiu contato com o promotor Agnelo Balbi. Ele não atendeu as ligações para seu celular e não respondeu às perguntas enviadas por email à assessoria de imprensa do MPE.

    O defensor público estadual Carlos Alberto de Almeida disse que houve audiência para tentar chegar a um entendimento, mas isto não aconteceu.  Em seguida, ele e o defensor público da União Edilson Santana entraram com um agravo de instrumento no TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), mas não foram atendidos.

    “Como não conseguimos derrubar, tentamos argumentar com o MPE a suspensão do processo. As respostas foram negativas. Houve uma reunião dos indígenas com o MPE, com o promotor Agnelo Balbi, mas eles também não conseguiram mudar a situação. O que vamos fazer agora é conversar com a própria Prefeitura e os órgãos responsáveis pela área verde para chegar a outro entendimento”, disse Almeida.

    O Ministério Público Federal do Amazonas informou em nota que participou de audiência realizada com representantes de todas as partes envolvidas, perante a Justiça Federal, na qual foi encaminhada a realização de levantamento social para identificar e contextualizar a situação de cada família que vive na área, antes de qualquer medida no sentido de executar a decisão de reintegração.

    O MPF solicitou, ainda, que qualquer medida de reintegração de posse coletiva observe as diretrizes do Manual da Ouvidoria Agrária Nacional para execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse coletiva.

    Nesta segunda-feira (20), o MPF requereu a remessa do processo para manifestação. Para o órgão, qualquer decisão a ser tomada no caso deve se basear no levantamento social a respeito da situação das famílias ocupantes da área, de forma a garantir o direito constitucional à moradia digna.

    A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas planeja, agora, como se dará a retirada das famílias. No início deste mês, o órgão foi intimado pela Justiça Federal. O planejamento é feito pelo Gabinete de Gestão Integrada (GGI), colegiado de órgãos das esferas Municipal, Estadual e Federal.

    A assessoria de imprensa da SSP-AM informou que o planejamento para desocupação foi iniciado em reuniões organizadas primeiramente com as lideranças indígenas. Também foi realizada uma reunião com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas). Ainda não há data para a reintegração, segundo a assessoria.

    Indígenas receberam visitas de candidatos nas eleições

    A decisão judicial surpreendeu a todos na comunidade. Ninguém imaginava que a ameaça de retirada poderia ocorrer depois de tanto tempo no local.

    Aparentemente estabelecidos, os indígenas chegaram a ser alvos de interesse de candidatos nas eleições municipais de 2012, e nas estaduais, em 2014, com promessas de políticas públicas para a comunidade.

    “Em 2012, a Goreth Garcia, mulher do prefeito Arthur Neto, veio aqui. Ela falou na nossa maloca e disse que o marido dela tinha sangue de índio. Que se eleito, o Arthur transformaria aqui numa comunidade modelo. Votamos nele e fizemos campanha pra ele. Até hoje estamos esperando. Em 2014, veio o irmão do governador José Melo, Evandro Melo, também pedir voto”, contou Pedro Mura. A visita, inclusive, foi noticiada por alguns sites e blogs de Manaus, como é o caso deste blog.

    Pedro Mura, agora, busca apoio na própria Prefeitura e, sobretudo, na intervenção de Arthur Neto. Os indígenas vão tentar uma audiência com o prefeito. “Creio que, se ele for um homem de palavra, se ele tem mesmo sangue de índio, não vai deixar a gente sair daqui”, disse. O cacique afirmou ainda que não existe intenção dos moradores de saírem voluntariamente, conforme quer a Prefeitura.

    Goreth Garcia é secretária de Assistência Social e Direitos Humanos do Municipio de Manaus. A reportagem a procurou para falar por meio de sua assessoria de imprensa, mas não conseguiu localizá-la até o término desta matéria.

    Ligações de energia são irregulares

    Os indígenas admitiram que as ligações de energia são clandestinas, mas afirmaram que desde 2013 pelo menos três tentativas de regularização foram enviadas à concessionária Amazonas Energia.

    Segundo Pedro Mura, a concessionária nunca respondeu as solicitações. Um dos últimos pedidos de regularização, assinados pela coordenação da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Manaus, foi enviado em forma de ofício no dia 12 de setembro de 2014, ao diretor-presidente da Amazonas Energia, Radyr Góes de Oliveira. A Amazônia Real teve acesso ao documento.

    “Nunca tivemos respostas. Nunca disseram nem que sim, nem que não. Quando essa resposta veio, foi pra incriminar, nos chamando de ladrão de energia”, disse o cacique.

    Em resposta aos questionamentos da Amazônia Real, a assessoria de imprensa da Amazonas Energia disse o seguinte: “Todo o espaço em que se encontram os invasores a ligação de energia elétrica foi efetuada de forma clandestina. Ou seja, à revelia da concessionária. O governo do Estado, através do Secretário de Segurança Pública, foi intimado para fornecer efetivo policial para apoiar a Amazonas Energia a efetuar a suspensão do consumo de energia irregular”.

    A assessoria afirmou, porém, que somente o Secretário Estadual de Segurança poderá informar sobre a data do corte de energia.

    Após a visita à comunidade, a Amazônia Real procurou novamente a assessoria de imprensa da Amazonas Energia para esta responder sobre os pedidos de regularização de fornecimento de energia feitos pelos indígenas. A assessoria ainda não respondeu.

    Área tem condições precárias e árvores plantadas pelos índios 

    Os moradores da comunidade Nações Indígenas pertencem às etnias Mura, Piratapuia, Munduruku, Macuxi, Miranha, Cocama, Tukano, Cambeba, Baré, Arara, Tikuna e Sareté-Mawé

    A comunidade sofre com um ambiente insalubre, com ruas improvisadas, alagadiças e acúmulo de barros, sobretudo no período chuvoso. A maioria das casas possui apenas um ou dois cômodos. Os moradores têm como ganha-pão o rendimento de vendas de artesanato, de comidas e de produtos em feira. Outros tiram seu sustento de aposentadoria. A área é composta por três ruas, todas com nomes indígenas (Ximaniaçu, Yawaretê e Andirá).

    Pedro Mura diz que os mais jovens têm dificuldade de encontrar emprego porque não possuem comprovante de residência. O outro motivo é a discriminação que sofrem por serem indígenas.  A comunidade tem aproximadamente 100 crianças que estudam o ensino fundamental em uma escola municipal localizada no bairro Tarumã.

    Exceto pelas condições precárias, o bairro tem, ironicamente, muito “verde”, com árvores crescendo em quase todos os quintais. É que uma das primeiras medidas dos moradores ao ocuparem o local foi plantar árvores nativas. Em quase todos os quintais há pés de frutos como ingá, cupuaçú, pupunha, açaí, bacaba, bem como mangueiras, bananeiras, limoeiros e coqueiros.

    Uma dessas casas é a do indígena da etnia Munduruku, Ângelo de Araújo Silva, 55 anos, cuja frente da moradia tem um pé de ingá e outro de cupuaçu. Ângelo vive na comunidade com a mulher e três filhos. Ele veio da aldeia Rio Canumã, na Terra Indígena Kwatá-Laranjal, e vive de venda de artesanato no Centro de Manaus. “Vim para cá porque é melhor para vender artesanato. Aqui me sinto melhor. Mas estou preocupado. Se sairmos, para onde vamos?”, indagou.

    O pavor de sair do local também tem razões financeiras. Muitos moradores fizeram empréstimo para melhorar as condições de suas casas. A artesã Ângela Maria da Silva, 55, disse que aplicou o primeiro dinheiro da aposentadoria nas reformas da residência. Depois, fez um empréstimo de cinco mil para concluir a obra (que ainda está em andamento). Ela chora ao falar da possibilidade de sair.

    “Me sinto muito prejudicada. Sou só eu e meus quatro filhos. Aqui é um sonho para mim. Esta casa. Se jogarem nós daqui, para onde vamos? Para beira da rua?”, disse.

    Nas conversas sobre os motivos que levaram a se deslocar de suas comunidades para a cidade, os indígenas relataram que saíram em busca, principalmente, de atendimento de saúde e educação para os filhos, serviços que eles não encontram nas aldeias. Um exemplo é o próprio cacique Pedro Mura, que saiu de sua aldeia em Borba, para acompanhar a esposa em Manaus.

    “Ela veio doente para se tratar. Acabamos ficando. Se tivermos que voltar para aldeia, temos que pedir autorização dos que estão lá. Eles podem querer ou não a gente de volta. E os outros, como ficam?”, disse.

    O pesquisador Glademir Sales dos Santos, do grupo de pesquisa Nova Cartografia Social da Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e que esteve na comunidade, diz que a ameaça de retirada dos moradores das Nações Indígenas não é apenas uma agressão moral, mas uma agressão contra a vida deles. Santos diz que o fato de morarem na cidade não tira dos indígenas o direito a uma moradia digna e à cidadania.

    “No fundo, eles estão lutando por uma coisa que, historicamente sempre foi um problema, que é a moradia. Se o interesse do Estado ou Município ou o ato de governar fosse diretamente ligado às necessidades básicas das pessoas, acho que esse problema não estaria acontecendo. A questão indígena merece ser levada em consideração nas políticas públicas”, disse.

    Santos também afirmou que os indígenas, assim como qualquer outra pessoa, têm direito de sair de suas aldeias e de ir e vir. “Não basta só ter um lugar para morar, mas a liberdade de sair e ir para outro lugar”, afirma.

    Litígio e títulos sobrepostos

    A área em questão do Loteamento Paraíso Tribunal é pleiteada tanto pela Prefeitura quanto pelo espólio de um homem de cidadania chinesa chamado Melvyn Lowe que, segundo consta no despacho do juiz Ricardo Salles, mesmo intimado, não compareceu em duas audiências que tinham o objetivo de viabilização do cumprimento da decisão de reintegração de posse. A Justiça Federal decidiu então intimar o espólio (herdeiros) de Melvyn Lowe para saber se ainda há interesse na ação ajuizada.

    Segundo o defensor público Carlos Alberto de Almeida, o parecer da Secretaria de Estado de Política Fundiária informou que um estudo da situação fundiário no Loteamento Paraíso Tropical apontou sobreposição de títulos (veja documento).

    Na sua decisão, o juiz Ricardo Salles diz que não discutiu a propriedade da área, mas sim a posse de um imóvel público. Ele afirmou que a reintegração de posse e a desocupação da área verde são necessárias para impedir ou minimizar a degradação do meio-ambiente.

    Ricardo Salles desconsiderou a tentativa da Funai de realizar um estudo antropológico dos moradores pois, conforme o juiz, a área foi “ocupada irregularmente por grupos de pessoas, inclusive por indivíduos que afirmam ser indígenas; não se tratando de área tradicionalmente ocupada por indígenas” (o destaque em negrito foi feito pelo próprio juiz).

    O juiz também determinou investigação para apurar a “eventual participação de servidores públicos federais que possam estar instigando, induzindo ou se beneficiando da prática de invasões e dos delitos dela decorrentes, e ainda daqueles que tenham auxiliado a emissão fraudulenta de Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (Rani) a indivíduos flagrantemente não-indígenas, com isso possibilitado que estes obtenham de forma ilícita benefícios destinados exclusivamente aos silvícolas”.

    O pesquisador Glademir Sales dos Santos criticou a argumentação do juiz Ricardo Salles em seu posicionamento sobre a identidade étnica dos indígenas que vivem na cidade. Para ele, esta visão apenas estigmatiza e criminaliza os indígenas.

    “A argumentação do juiz demonstra uma incapacidade de conhecer os povos indígenas. Isso é uma reprodução da distância que o Direito tem em relação à realidade dos indígenas. Da não capacidade de perceber que a cultura e a identidade estão em constante construção. É um Direito ligado apenas ao passado”, disse.

    Estudos feitos pelo projeto Nova Cartografia Social da Amazônia estima que em Manaus vivem indígenas de cerca de 20 etnias. Segundo o Censo de 2010 do IBGE, quatro mil pessoas em Manaus se auto-identificaram como indígenas. Já a Funai informou em 2014 para a Amazônia Real que existem 25 mil indígenas vivendo na capital amazonense. A maior população na cidade é da etnia Sateré-Mawé, com 1.500 pessoas.

     

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  • 23/04/2015

    Lideranças Tupinambá ocupam Núcleo de Educação no sul da Bahia

    Cerca de 40 Lideranças Tupinambá, de Olivença, ocuparam hoje o Núcleo Regional de Educação 05, em Itabuna, para cobrar a imediata regularização do transporte escolar que vem se enrolando há um bom tempo e com isto os alunos não conseguem se deslocar para seus locais de estudo. De acordo com a cacique Jamapoty Tupinambá, uma nova reunião ficou marcada para amanhã, mas desta vez na aldeia Igalha, no Distrito de Olivença – Ilhéus Bahia , com representantes do Núcleo de Educação, lideranças indígenas, representantes do colégio e demais pessoas da comunidade. “Estivemos ontem aqui no Núcleo para uma conversa amigável com a Diretora, mas ficou só na promessa, hoje voltamos com um numero maior de lideranças para uma pressão e cobranças das nossas reivindicações. Agora vamos aguardar a reunião de amanhã, não havendo uma solução concreta até segunda feira (27/05), teremos que ter uma atitude mais dura e definitiva”, afirmou o cacique José Sinval.

    Para a cacique Jamapoty, será dada essa nova oportunidade para que juntos possam chegar a uma solução. Porém, ela adianta que as lideranças exigem que o problema esteja resolvido até segunda-feira. Do contrário, irão todos voltar até o Núcleo de Educação para tomar as providências que julgarem necessário. “Já foi muita conversa, estamos cheios de promessas não cumpridas”, explicou.

    Ainda na reunião de hoje, a explicação dada pela secretaria é que estão com problemas com as empresas que prestam o serviço. Elas participam do processo de licitação e quando ganham querem questionar o contrato. Mas, uma nova empresa demonstrou interesse e com base nisso que o grupo pretende encaminhar alguma solução na reunião de amanhã.

    Na pauta das reivindicações, além do transporte escolar, o grupo também reivindica respostas para a contratação de funcionários para um melhor atendimento as necessidades dos prédios escolares; o aumento dos recursos para garantir o transporte dos alunos de forma segura e dentro das demandas que as comunidades exigem. O valor por crianças que é pago hoje é bem abaixo do valor de outras contratações do mesmo porte ou até menores que os das comunidades indígenas;

    Outra comissão de lideranças Tupinambá protocolou um documento com as reivindicações da comunidadeem Salvador, na Secretaria de Educação. “A situação da Educação indígena em nossas comunidades precisar melhorar de forma significativa e os nossos direitos devem ser respeitados e garantidos, não abrimos mãos deles”, afirmou a cacique.

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  • 23/04/2015

    Direitos territoriais e acesso à Justiça serão debatidos em etapa regional da Relaju

    A Rede Latino-Americana de Antropologia Jurídica (Relaju) terá nos próximos dias 27 e 28 de abril uma etapa regional realizada em Pernambuco, na cidade histórica de Olinda. Fase preparatória para o 9º encontro internacional da Rede, que acontece em Pirenópolis (GO), entre setembro e outubro deste ano, o tema a ser debatido em Pernambuco será: “Direitos Territoriais, Autonomia e Acesso à Justiça”.  

    O encontro é dirigido a estudantes e profissionais das áreas de Antropologia, Direito, Ciências Sociais, movimentos sociais e demais pessoas interessadas na discussão teórico-metodológica relativa ao tema em programação. Os interessados podem se inscrever pelo e-mail: relajupe@gmail.com. A intenção é espraiar as discussões latino-americanas, no âmbito da Relaju, fundada em 1997, entre estudantes, pesquisadores, professores, ativistas, além de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.  

    “A Relaju, em linhas gerais, se propõe a contribuir com o diálogo entre os sistemas de Justiça próprios dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais com o sistema de Justiça estatal”, explica um dos organizadores do evento, o integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e professor de bioética da Faculdade de Medicina da UFPE, Saulo Feitosa.

    Conforme os organizadores, as reflexões sobre a América Latina, chamada por alguns povos indígenas de Abya Yala, e os processos constitucionais das últimas duas décadas, denominado de Novo Constitucionalismo Latino-Americano, implicam na necessidade de pensar sobre a efetividade dos direitos reconhecidos e de outros modos de vida que se opõem ao poder hegemônico e neoliberal, e até mesmo dos estados nacionais que invadiram o continente.

    A Antropologia Jurídica, considerando seu caráter interdisciplinar, busca entender esse novo constitucionalismo caracterizado pelo reconhecimento de direitos das diversidades étnicas e culturais, do pluralismo jurídico, político e econômico, além dos direitos da pachamama (palavra do povo Aymara que significa ‘mãe terra’).

    O último encontro internacional da Relaju aconteceu em Sucre, na Bolívia, em 2012.

    Organizadores e apoiadores

    A etapa regional é organizada pela Rede Latino-Americana de Antropologia Jurídica (Relaju), Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade de Pernambuco (UPE), Faculdade de Olinda (FOCCA), Faculdade dos Guararapes e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

    Serviço:

    Evento: Etapa regional de Pernambuco da Rede Latino-Americana de Antropologia Jurídica (Relaju);

    Quando: Dias 27 e 28 de abril, nos períodos da manhã e da tarde;

    Local: Faculdade de Olinda (FOCCA), na Rua do Bonfim, 47, bairro do Carmo, Sítio Histórico de Olinda;

    Inscrições: relajupe@gmail.com

    Outras informações e solicitação de entrevistas: Assessoria de Imprensa (Cimi), Renato Santana (81) 9671-9626 ou (61) 9979-6912.

      

     

    Programação  

    Dia 27 –

    Manhã: Credenciamento

    Tarde:

    14 horas – Abertura

    Apresentação da Relaju por Saulo Feitosa (Cimi-UFPE) e Vânia Fialho (UPE-UFPE).

    15 horas – Conferência: “Novo Constitucionalismo na América Latina”

    Apresentação de Rosane Lacerda, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG).

    17 horas – Lançamento de livros

    Dia 28 –

    Manhã:

    Das 9 às 11 horas – Mesa 1: “Direitos Territoriais e Acesso à Justiça”

    Apresentação: Caroline Leal (Cimi), Ciane Neves (FOCCA) e Saulo Feitosa (UFPE).

    Tarde:

    Das 14 às 16 horas – Mesa 2: “Pluralismo Jurídico, Direitos Humanos e Justiça de Transição”

    Apresentação: Manoel Moraes (UniNassau), Sandro Lôbo (FOCCA) e Mônica Gusmão (FG).

    17 horas – Encerramento.  

     

     

     

  • 23/04/2015

    Tímida resposta do governo federal não agrada povos e organizações indígenas

    A “resposta positiva” esperada pelos dirigentes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib e seus aliados, após reunião no Palácio do Planalto com o ministro Miguel Rossetto, em 16 de abril, último dia do Acampamento Terra Livre – que reuniu na esplanada dos ministérios mais de 1,5 mil lideranças indígenas do país inteiro, resumiu-se ao anúncio pelo governo federal da homologação de três terras indígenas na região norte do Brasil: TI Arara, habitada por povos Arara e Juruna, no município de Senador José Porfírio, no Pará; TI Mapari, habitada pelo povo Kaixana, nos municípios de Fonte Boa, Japurá e Tonantins, no Amazonas; e TI Setemã, habitada pelo povo Mura, nos municípios de Borba e Novo Aripuanã, no Amazonas.

    As medidas certamente constituem um ato de justiça para com os povos favorecidos, depois de 26 anos da Constituição Federal, que determinou demarcar todas as terras indígenas num prazo de 5 anos. No entanto, pela localização dessas áreas, o ato prova a perene submissão do governo Dilma aos interesses do latifúndio e do agronegócio, entre outros poderes econômicos, que tomaram conta de espaços de decisão nos distintos âmbitos do Estado e nas regiões Sul, Centro-Oeste e Nordeste do país.

    Plausível seria se, além das áreas agora homologadas, o governo federal assegurasse a demarcação e homologação de terras indígenas localizadas nessas outras regiões, inclusive na Amazônia, onde estão hoje instaladas situações de conflito, violência e criminalização de lideranças indígenas, a mando dos donos ou representantes das madeireiras, dos grandes empreendimentos, do latifúndio e do agronegócio e, por vezes, de agentes do Poder Público.

    A Apib lamenta mais uma vez esta tímida e lacônica resposta, que não consegue esconder a decisão política de paralisar as demarcações das terras indígenas, em nome de um suposto “ajuste” de direitos, que só favorece aos donos do capital e inimigos históricos dos povos indígenas.

    A Apib convoca, por fim, os povos e organizações indígenas a resistirem na defesa de seus territórios, custe o que custar, pelo bem-viver das suas atuais e futuras gerações.

    Brasília – DF, 21 de abril de 2015.

     Mobilização Nacional Indígena

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

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  • 22/04/2015

    Morre a liderança indígena Eva Kaxixó

    É com pesar que informamos a morte de Eva Maria da Cruz Kaxixó. Eva faleceu nesta quarta-feira, 22, às 6 horas, na cidade de Pompeu, noroeste de Minas Gerais.

    Eva tinha 73 anos, mãe de Jerry Kaxixó, ambos renovadores da luta do povo Kaxixó pelo reconhecimento étnico e territorial na década de 1990. Portanto, liderança importante na luta do Povo Kaxixó, que se junta a outras lideranças do povo no reino de paz: Zezinho Kaxixó, Djalma Kaxixó, Pedro Kaxixó, Marreco Kaxixó.

    O povo Kaxixó luta há 22 anos pelo reconhecimento e demarcação do território tradicional na região noroeste de Minas Gerais, municípios de Martinho Campos e Pompeu. Em 2013, teve o relatório de identificação territorial aprovado e publicado, num total de 5.500 mil hectares. O território reivindicado somava mais de 12 mil hectares. A situação atual é de total paralisação do processo. O argumento da Funai é de que houve três contestações e uma decisão judicial favorável a paralisação do processo de demarcação, fato que até o momento não foi devidamente comprovado.

    A morte de Eva Kaxixó coloca mais responsabilidade sobre as lideranças atuais na continuidade da luta, em especial na demarcação do território; luta sonhada e liderada por ela e todos que já se foram para o reino de paz. O Conselho Indigenista Missionário se solidariza com a família de Eva Kaxixó. Que o Deus da Vida os conforte nesse momento e continue os fortalecendo na luta pelos direitos.

    Muita Paz.

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  • 22/04/2015

    “O lampejo indigenista na Constituição está a ponto de perder o brilho”, diz Dom Erwin Kräutler na Assembleia da CNBB

    Dom Erwin Kräutler, bispo do Xingu (PA) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), se pronunciou sobre a questão indígena na manhã desta quarta-feira, 22, durante a 53ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Aparecida do Norte (SP). “Tomo mais uma vez a liberdade de descrever o avanço da dura e conflitiva realidade dos povos indígenas no Brasil. Faço-o no intuito de não apenas relatar atos e omissões, dados e números, mas sim de tocar o coração dos pastores e de todos os homens e mulheres da nossa Igreja”, disse Dom Erwin na abertura de sua intervenção dias depois do Acampamento Terra Livre (ATL) 2015, parte das ações permanentes da Mobilização Nacional Indígena.

    Diante de uma conjuntura adversa aos povos indígenas, com ataques partindo dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, lembrando das últimas decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que anula demarcações e autoriza reintegrações de posse em terras tradicionais homologadas, Dom Erwin fez uma fala contundente, olhando para o presente. “Não relato fatos do passado, mas acontecimentos que ocorrem nestes dias. Tento mostrar o calvário de 305 povos indígenas tratados como estrangeiros em seu próprio país e acusados até de usurpadores de suas terras tradicionais ou então de invasores de propriedades produtivas”, denunciou o bispo.

     

    Para o bispo a Constituição Federal está sob ataque. Não apenas os indígenas, todavia, correm o risco de perder direitos fundamentais; o país fica cada vez mais desidratado de democracia. “Não é possível que a vitória que indígenas e nós todos celebramos com a promulgação da Constituição de 1988 tenha sido apenas um furtivo relâmpago em meio às trevas que continuariam ao longo dos anos subsequentes e agora estão ficando cada vez mais espessas a ponto de o lampejo indigenista na Constituição perder de uma vez o seu brilho”, atacou Dom Erwin.

     

    “O atual governo, ao favorecer abertamente os ruralistas, mostra-se intransigente para com os povos indígenas e quilombolas. Não aceita diálogo com líderes indígenas e rejeita qualquer questionamento ou crítica aos seus planos e projetos desenvolvimentistas. Essa postura arrogante estimula a perseguição e as violências contra os povos indígenas”, disse Dom Erwin.

     

    Leia o pronunciamento na íntegra:

     

     

    INTRODUÇÃO

     

    “prontos a dar razão da esperança” 1 Pd 3,15

     

    Tomo mais uma vez a liberdade de descrever o avanço da dura e conflitiva realidade dos povos indígenas no Brasil. Faço-o no intuito de não apenas relatar atos e omissões, dados e números, mas sim de tocar o coração dos pastores e de todos os homens e mulheres da nossa Igreja. Volto a repetir o que o Dr. Rubens Ricupero falou na aula que deu a essa Assembleia Geral sobre a atual conjuntura político-social: “A sociedade brasileira será julgada pela maneira como trata os mais fracos e frágeis”. Importa conhecer de perto esses “fracos” e “frágeis” e mais ainda as causas e os motivos de sua vulnerabilidade. São sempre pessoas de carne e osso. E entre elas sobressaem os indígenas, os verdadeiramente autóctones deste país maravilhoso. Já milhares de anos atrás seus antecedentes longínquos habitavam esse continente[1]. Muitos têm sobrenomes que identificam o povo a que pertencem. São mulheres e homens, crianças, jovens, adultos, idosos, feitos à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27) a quem são negados os direitos fundamentais à vida, às suas terras ancestrais e de serem diferentes em seus costumes e tradições, culturas e línguas.


    Ouço e interpreto o apelo de nosso Papa Francisco na Bula que proclama o Jubileu Extraordinário da Misericórdia “Misericordiae Vultus” também no contexto dos povos indígenas: “Abramos os nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de ajuda. As nossas mãos apertem as suas mãos e estreitemo-los a nós para que sintam o calor da nossa presença, da amizade e da fraternidade. Que o seu grito se torne o nosso e, juntos, possamos romper a barreira de indiferença que frequentemente reina soberana para esconder a hipocrisia e o egoísmo” (MV 15).


    BRASIL, PÁTRIA DOS POVOS INDÍGENAS?

    Não relato fatos do passado, mas acontecimentos que ocorrem nestes dias. Tento mostrar o calvário de 305 povos indígenas tratados como estrangeiros em seu próprio país e acusados até de usurpadores de suas terras tradicionais ou então de invasores de propriedades produtivas[2].

     

    Apesar dos duros golpes que sofreram e continuam sofrendo, a esperança de que um dia o sonho da Terra sem Males se torne realidade, não desvanece. É o sonho de um mundo justo, fraterno e solidário, onde todos podem viver em harmonia com a criação de Deus e seus semelhantes. A busca da realização deste sonho não deixa de ser parte intrínseca do Objetivo da CNBB, pelo menos a partir de sua 17ª Assembleia em 1979[3] que se inspirou na III Conferência Geral do Episcopado Latino-americano em Puebla.

     

    O descaso e até o escárnio do governo brasileiro com os direitos constitucionais dos povos indígenas é assustador: “O Brasil não tem ideia da riqueza humana e cultural que se perde ao insistir em uma política que não se cansa de tentar transformar índios em pobres, ‘integrados’ às levas de marginalizados que ocupam as periferias das grandes cidades” escreveram Maria Rita Kehl e Daniel Pierri por ocasião do Dia do Índio, 19 de abril, na Folha de São Paulo[4]. Apesar de nossa Constituição Federal reconhecer o direito às terras que povos indígenas ocupam, o governo não as demarca, ou, quando as demarca, não as homologa. O Artigo 231 da Constituição Federal de 1988 determina: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens“. A terra, para estes povos, não se reduz à mera mercadoria ou a um bem a ser explorado até a exaustão. É a “mãe gentil” cantada e decantada em nosso Hino Nacional. É seu espaço vital, o chão de seus ritos e mitos, o território de suas lutas históricas pela sobrevivência.

     

    Em alguns estados há constantes investidas contra as terras demarcadas ou a serem demarcadas. De ano em ano crescem as violências contra comunidades e lideranças indígenas, especialmente aquelas que vivem às margens de rodovias ou estão encurraladas em reservas reduzidíssimas. O setor ruralista não se cansa em articular, em todo o país, ações de intimidação e de coerção dos povos indígenas e dos quilombolas.

     

    A SUBSERVIÊNCIA DO GOVERNO AO AGRONEGÓCIO

     

    Nas relações do governo com seus “aliados”, salta à vista a perigosa subserviência aos ruralistas que vêm revelando sempre mais sua face depredadora dos recursos da natureza, como a destruição de florestas e de matas ciliares, e a poluição de mananciais de água. Em muitos casos se valem ainda da exploração da mão de obra humana, submetendo trabalhadores a condições análogas à escravidão. É bom lembrar que muitos dos que se autodenominam hoje de “proprietários” adquiriram suas posses através da força bruta, expulsando famílias e povos, ameaçando e assassinando lideranças ou então adquirindo terras a preços irrisórios e promovendo a grilagem ou recebendo, a preço simbólico, terras do poder público.

     

    O atual governo ao favorecer abertamente os ruralistas mostra-se intransigente para com os povos indígenas e quilombolas. Não aceita diálogo com líderes indígenas e rejeita qualquer questionamento ou crítica aos seus planos e projetos desenvolvimentistas. Essa postura arrogante estimula a perseguição e as violências contra os povos indígenas.

     

    Os preceitos constitucionais, as normas e os tratados internacionais, especialmente no que se refere à consulta prévia, livre e informada das populações indígenas e quilombolas são desrespeitados em nome de projetos proclamados como de “interesse nacional” ou “interesse comum” que na realidade não geram o bem “comum” e sim o bem de alguns setores do mercado e da economia como empreiteiras, mineradoras, usineiros e empresas de energia hidráulica e do agronegócio.

     

    Nos dois últimos anos assistimos a um verdadeiro “levante” contra os povos indígenas e quilombolas e seus direitos fundamentais à vida e à terra. As investidas se deram no âmbito político junto aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mas também na mídia através da veiculação de notícias que provocam inquietação social[5].

     

    OS POVOS INDÍGENAS E OS TRÊS PODERES DA REPÚBLICA

     

    No Poder Legislativo, alastram-se Projetos de Lei e Propostas de Emenda Constitucional no intuito de abolir direitos de indígenas e quilombolas e de romper com qualquer perspectiva de demarcação de terras. E não é só isso. A bancada ruralista chega até a propor a revisão das terras já demarcadas e homologadas pela Presidência da República. São propostas tramitando no Congresso que sorrateiramente tentam corromper todo o espírito da Constituição Federal de 1988. A mais aviltante das Propostas de Emenda Constitucional é sem dúvida a PEC 215/2000 que pretende transferir para o Legislativo a atribuição constitucional do Poder Executivo de demarcar terras indígenas, quilombolas e definir áreas ambientais. A aprovação desta PEC seria o mesmo como ancorar na Constituição Federal a sentença de morte destes povos, pois os interesses do agronegócio jamais irão deixar a majoritária bancada ruralista votar em favor da demarcação de uma área indígena. Outro retrocesso está embutido no Projeto de Lei Complementar (PLP) 227/2012 que visa modificar o Parágrafo 6º do Art. 231 da Constituição Federal e tem por finalidade definir áreas economicamente interessantes como de relevante interesse público e por isso interditá-las para indígenas, quilombolas ou qualquer outra minoria a fim de torná-las disponíveis ao agronegócio, às mineradoras, madeireiras e outras empresas.

     

    No apagar das luzes da legislatura 2011 – 2014, a Comissão Especial da PEC 215/2000 foi extinta. No entanto, logo nos primeiros dias da atual legislatura, os mesmos parlamentares ruralistas entraram com requerimento e a Proposta de Emenda Constitucional foi desarquivada e constituída uma nova Comissão Especial.

     

    Junto ao Poder Judiciário proliferam ações contra as demarcações de terras. Em muitas decisões se percebe que juízes, desembargadores e ministros procuram as brechas na legislação para fundamentar decisões contrárias aos direitos indígenas e impor a paralisação de demarcações[6].

     

    A política do Poder Executivo é refém do agronegócio e por isso francamente anti-indígena. Não foi mero acaso que a bancada ruralista no Congresso Nacional exigiu que todas as demarcações de terras fossem paralisadas[7]. A coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, Dra. Deborah Duprat, caracterizou com um olhar clínico toda essa situação: “Avalio que estamos vivendo um dos piores momentos pós-Constituição de 1988 no que diz respeito a direitos territoriais indígenas. Isso porque, pela primeira vez, os Três Poderes, por ação ou omissão, passam a percepção de que há excesso nas demarcações de terras indígenas e de que é preciso adotar providências no sentido de assegurar direitos de propriedade de terceiros”[8].

     

    A SITUAÇÃO DA FUNAI

     

    Existe dentro do próprio governo uma severa campanha contra a Funai. Há dois anos está sob o comando de presidentes interinos. Desde que, em junho de 2013, a antropóloga Marta Azevedo pediu demissão, a presidente Dilma oficialmente não nomeou ninguém para o cargo.  Nos 48 anos de sua existência, a Funai teve 33 presidentes – média de 1 ano e 4 meses de mandato para cada um[9].

     

    O esvaziamento da Funai está relacionado aos acordos firmados com os setores da economia contrários aos direitos dos povos indígenas. O primeiro mandato da presidente Dilma terminou com o menor índice de demarcações da história dos governos desde a redemocratização.[10] O desinteresse do governo federal pelo órgão e pela questão indígena fica ainda mais evidente com a redução do quadro de funcionários permanentes.[11] Há, além disso, uma severa restrição orçamentária para o órgão indigenista.[12]

     

    Quanto aos processos de demarcação, 13 processos se encontram

    engavetados no Ministério da Justiça, aguardando a assinatura de

    portarias declaratórias. Outros 18 processos de demarcação estão na mesa da presidente Dilma, à espera da assinatura do decreto de

    homologação.

     

    É inegável que o sucateamento do órgão responsável pela condução

    da política indigenista, além das pressões para que as demarcações não ocorram, obedece a acordos políticos e ao projeto "desenvolvimentista" ligado exclusivamente ao extrativismo dos bens da natureza, à exploração da terra pelo agronegócio e à construção de grandes obras, como as hidrelétricas que geralmente afetam populações indígenas.

     

    O pacto do governo federal com os ruralistas criou raízes e se alastrou pelo país. Governos estaduais, como de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, promoveram junto à opinião pública, uma espécie de linchamento da Funai e de seus servidores, caracterizando-os como manipuladores, fraudadores, parciais, fomentadores e promotores de conflitos entre “índios e produtores”. Entidades indigenistas e lideranças indígenas foram igualmente caluniadas pelos representantes dos governos estaduais e os defensores do agronegócio.

     

    O resultado da aliança federativa com o ruralismo só não obteve êxito pleno em função dos protestos e mobilizações dos povos indígenas e seus aliados.[13]

     

    CONCLUSÃO

     

    Nunca me esqueço do momento em que na 27ª Assembleia Geral da CNBB (5 a 14 de abril de 1989) anunciei aos bispos reunidos em Itaici com incontido júbilo: “Pela primeira vez em sua história, o Brasil tem agora uma constituição que garante aos índios o direito à sua identidade étnico-cultural. O texto constitucional suprimiu o objetivo de “incorporar os silvícolas à comunhão nacional”, presente nas constituições anteriores, reconhecendo-se aos índios a cidadania, o direito à organização social própria, costumes, línguas, crenças e tradições, e fixando-se o prazo de cinco anos para concluir a demarcação das terras que tradicionalmente ocupam (…). É inesquecível a presença de quase 200 índios no Congresso quando, em 1º de junho de 1988, o plenário aprovou a redação do capítulo específico sobre os seus direitos“[14].

     

    Não é possível que a vitória que indígenas e nós todos celebramos com a promulgação da Constituição de 1988 tenha sido apenas um furtivo relâmpago em meio às trevas que continuariam ao longo dos anos subsequentes e agora estão ficando cada vez mais espessas a ponto de o lampejo indigenista na Constituição perder de uma vez o seu brilho. Em vez de os parâmetros constitucionais serem concretizados no dia-a-dia das aldeias, constatamos as omissões dos sucessivos Governos, as sempre novas tentativas do Legislativo de alterar o enunciado da Carta Magna do País e a escandalosa morosidade ou então a conivência e cumplicidade do Judiciário com setores anti-indígenas.

     

    O comunicado que fiz nas Assembleias Gerais da CNBB ao longo de quatro mandatos de presidente do Cimi (1983 – 1991 e 2007 – 2015) ficou lamentavelmente muitas vezes recheado de más notícias, denúncias e clamores dos povos indígenas.

     

    Hoje é a última vez que, como presidente do Cimi, me dirijo aos bispos do Brasil porque no próximo setembro termina o meu derradeiro mandato. Agradeço de coração as notas da CNBB ao longo de todos estes mais de trinta anos em favor dos direitos e da dignidade dos povos indígenas. Obrigado por tantos apertos de mão e abraços que recebi em solidariedade para com essa causa. O apoio direto, o compromisso com o Evangelho da Vida e a intransigente postura profética da CNBB foram e continuam a ser “Boa Notícia” para os povos indígenas. A Igreja do Brasil nunca os abandonou nem os deixou sozinhos.

     

    Recebam, assim, meu cordial e mais sincero “Deus lhes pague”. Obrigado por todos os sinais de justiça e colegialidade que foram “razão da esperança” dos povos indígenas. Agora os seguranças que há nove anos me vigiam dia e noite no Xingu podem relaxar. Nossa vigilância, porém, para o bem comum e em defesa da causa dos povos indígenas continua. Não foi e nunca será em vão: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” “Quem nos separará do amor de Cristo?” (Rom 8,31.35).

     

    Aparecida, 22 de abril de 2015

     

    Erwin Kräutler

    Bispo do Xingu

    Presidente do Cimi

     

     



    [1] A idade cientificamente provada das pinturas rupestres na Caverna da Pedra Pintada em Monte Alegre, Pará, mostrando mulheres e crianças saindo para colher castanha-do-pará e homens no meio da mata úmida caçando anta, derruba definitivamente a tese da ocupação do continente americano há somente 12.000 anos. Esses „paleoíndios“ viviam na Amazônia já há muito mais tempo.

    [2] A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Kátia Abreu (PMDB-TO) chega à tese absurda de em entrevista publicada no dia 05 de janeiro de 2015 no Jornal Folha de São Paulo afirmar que  “os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção”. Uma afirmação tão descabida e desconectada da realidade do nosso país só pode ser fruto de uma total ignorância da história do Brasil. Não são os povos indígenas que saíram ou saem das florestas. São os agentes do latifúndio, do ruralismo, do agronegócio que invadem e derrubam as florestas, expulsam e assassinam as populações que nela vivem.

    [3] Comunicado Mensal da CNBB, nº 324 (setembro de 1979) p. 855 ss.

    [4] Folha de São Paulo, Tendências/Debates, Opinião, 19 de abril de 2015.

    [5] Em Mato Grosso do Sul, comunidades indígenas e suas organizações tiveram de ingressar em juízo para impedir um leilão para arrecadar fundos para contratação de “seguranças armados”.

     

    [6] A 2ª. Turma do STF anulou recentemente portarias declaratórias de três terras indígenas, inclusive da Terra Indígena Limão Verde já registrada em nome da União e de posse consolidada e pacífica do povo Terena no Mato Grosso do Sul.  Se for confirmado pelo Supremo,  essa decisão reabrirá conflitos que já haviam sido superados pelos procedimentos de demarcação. 

    [7] O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, determinou aos técnicos do órgão indigenista que áreas indígenas já declaradas como tais através de portarias assinadas por ele mesmo fossem revistas, como é o caso da terra indígena Mato Preto, no Rio Grande do Sul.

    [8] Conselho Indigenista Missionário – Cimi, Jornal Porantim, Janeiro/Fevereiro 2015.

    [9] Nos dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a FUNAI teve dez presidentes. No governo Luiz Inácio Lula da Silva foram três.

    [10] A presidente Dilma homologou, em quatro anos, 11 terras, um total de 2 milhões de hectares, a mais baixa desde os governos pós-ditadura militar. Em metade do tempo, Itamar Franco homologou 16 áreas e 5,4 milhões de hectares.

    [11] O número de funcionários caiu de 2.396 em 2010 para 2.238 em 2014. O grupo dedicado à delimitação e demarcação de terras foi reduzido de 21 para 16 funcionários fixos. O número de antropólogos na equipe baseada em Brasília baixou de seis para dois.

    [12] Em 2013, a verba da FUNAI chegou a R$ 174 milhões. Em 2014, segundo o órgão, foram R$ 154 milhões.Categories No Brasil

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  • 21/04/2015

    Awá contatada segue à beira da morte enquanto Funai e Sesai decidem quem, como e onde deve atendê-la

    O estado de saúde de Jakarewỹj (foto, sentada na rede), indígena contatada pelos Awá no final do ano passado, é grave e espera, urgentemente, por providências concretas para que sua vida seja preservada. Ela se encontra na aldeia Tiracambu, na Terra Indígena Caru, no Maranhão, bastante doente. Jakarewỹj foi levada para a aldeia Awá, junto com seu filho e outra mulher, no final de dezembro.

    Os três foram avistados por outros Awá, que caçavam na cabeceira do igarapé Presídio. O grupo avisou os demais Awá na aldeia e voltou com duas dezenas de outros Awá dispostos a estabelecerem o contato. O fato ocorreu no dia 27 de dezembrode 2014, na aldeia Awá.

    Leia mais: Ameaçados, Awá Guajá isolados aceitam contato no Maranhão


    Os três indígenas são Amakaria (mulher, na foto com o papagaio na mão direita), Jakarewỹj (mulher) e Irahoa (homem), filho de Jakarewỹj. Os Awá contam que, entre as décadas de 1980 e 1990, Amakaria se recusou a permanecer com o povo após o contato feito pela Fundação Nacional do Índio (Funai), e em uma noite ela voltou para a floresta acompanhada de outros indígenas. Lá eles permaneceram até o final do ano passado.

    Funai e Sesai não se entendem 

    Desde o último dia 9 de março, por ocasião de uma oficina de capacitação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), a equipe do DSEI-MA diagnosticou que Jakarewỹj está com uma grave pneumonia. A Survival International divulgou fotos e reportagem alertando a urgência e gravidade do estado de saúde de Jakarewỹj. 

    Grave e criminoso é constatar que desde o dia 9, Sesai e a Funai estão em conflito, o que pode levar Jakarewỹj a pagar com a vida enquanto segue definhando perante todos os seus parentes. Um órgão joga para o outro a responsabilidades no atendimento à saúde desses indígenas em situação de contato inicial.

    Demonstrando o quanto o Estado não está preparado para atender estes povos, os órgãos dividem opinião entre cuidar na aldeia ou transferi-los para a cidade, onde as condições de infeções seriam maiores. No caso da Funai, virou rotina a preocupação de seus gestores concentrada no próprio temperamento em detrimento daquilo que é mais fundamental aos povos indígenas. A Funai e a Sesai possuem responsabilidades diretas sobre a saúde indígena, portanto é preciso resolver a questão de forma objetiva.

    Os dois órgãos assumiram publicamente o desentendimento, pelo qual Jakarewỹj não pode esperar e nem pagar com a vida. Informações levantadas por nossos missionários em área dão conta de que a Sesai pretende fazer a remoção da indígena para a cidade de Santa Inês, mas a Funai é contra.

    História repetida

    O Cimi denuncia o que ocorre e ao mesmo tempo chama a atenção para evitar que aconteça com Karawaỹj o que já aconteceu como outros Awá. Um exemplo foi a morte de Ajrua, por leishmaniose, uma doença tratável. Até o momento ninguém foi responsabilizado.

    Será que uma pneumonia não tem mesmo condições de ser tratada na aldeia Awá, em pleno século XXI, pela Sesai? E a falta de recursos para garantir à Jakarewỹj condições adequadas de restabelecimento da saúde enquanto viveu na floresta?

    De acordo com o médico sanitarista Istivan Ivarga, especialista em saúde indígena, “uma pneumonia tem condições de ser tratada na aldeia e caso esteja em estado mais avançado, a Sesai possui condições também para realizar o tratamento em área”.

    O Cimi já notificou o procurador da República no Maranhão. O caso de Jakarewỹj nos remete, mais uma vez, a duas reflexões necessárias: o governo brasileiro se mostra despreparado para atender e assegurar, quando necessário, o contato com indígenas em situação de isolamento voluntário. Se a Sesai não consegue tratar de um caso como o de Jakarewỹj, o que dirá o Instituo Nacional de Saúde Indígena (INSI), que o governo federal pretende criar com recursos públicos da ordem de R$ 1 bilhão, mas administrados pela iniciativa privada.

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  • 20/04/2015

    Dom Erwin Kräutler denuncia campanha anti-indígena do Estado brasileiro

    A luta de dom Erwin Kräutler (foto) para defender os povos indígenas é uma constante na sua vida como missionário na prelazia do Xingu durante 50 anos, os últimos 35 como bispo. Presidente do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) durante 16 anos, sua voz profética ressoou em todos os rincões deste imenso país chamado Brasil e daí foi lançada para todo o mundo.

     

     

     

     

    A reportagem é de Luis Miguel Modino e publicada por Religión Digital, 17-04-2015. A tradução é de André Langer.

    As consequências desse compromisso profético e de sua paixão pelas causas amazônicas são as constantes ameaças de morte que sofre há vários anos e que já levaram à morte alguns de seus colaboradores mais diretos, sendo a mais conhecida delas a Irmã Dorothy Stang, assassinada em fevereiro de 2005.

    O compromisso e conhecimento de dom Kräutler no que se refere aos povos indígenas e à preservação da Amazônia é tão grande que ele é um dos peritos consultados pelo Papa Francisco para a elaboração da sua próxima encíclica sobre a ecologia.

    Uma vez mais, na entrevista coletiva do segundo dia da 53ª Assembleia Geral da CNBB, o bispo de Xingu denunciou a situação de sofrimento pela qual a região amazônica e seus habitantes estão passando, chegando a afirmar a existência de uma campanha anti-indígena por parte do Estado brasileiro, que nos últimos anos praticamente não demarcou nenhuma terra indígena.

    Em sua trajetória como presidente do CIMI recordou as mudanças que ocorreram ao longo dos últimos 30 anos na relação entre os povos indígenas e o Estado brasileiro, fazendo memória da situação de aliança na defesa dos direitos dos povos indígenas nos anos 1980, o que colocou o Brasil em primeiro lugar no que diz respeito à defesa da causa indígena e que foi concretizado em uma constituição que defende os direitos dos povos indígenas e em uma disposição que promulgava a demarcação das terras indígenas em um período de cinco anos.

    Mas hoje a realidade é totalmente diferente, fruto do surgimento do que denomina de forças organizadas anti-indigenas, que estão lutando contra os enunciados da Constituição, que querem mudar a partir da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que defende que a demarcação de terras indígenas deve ser aprovada pelo poder legislativo, representado cada vez mais por defensores dos interesses dos fazendeiros, inimigos declarados dos povos indígenas e financiadores das campanhas políticas dos deputados e senadores que fazem leis em benefício de seus mecenas.

    Tudo isso, na opinião de dom Kräutler, coloca em xeque a Constituição brasileira e a reputação do país em termos de defesa dos povos indígenas dentro do concerto internacional. De fato, a não demarcação dos territórios indígenas deixa abertas as portas para qualquer tipo de invasão e não vai acabar com a violência sofrida pelos povos indígenas brasileiros por parte daqueles que pretendem expulsá-los de suas terras ancestrais, fazendo com que não tenham mais como sobreviver.

    O bispo denuncia que a Amazônia está sendo mais cobiçada do que nunca, por conta dos recursos minerais, madeireiros, agrícolas e energéticos, em função do que é chamada de “interesse nacional”, embora dom Erwin Kräutler defenda que esse interesse é, na verdade, de poucos em detrimento dos povos que ali vivem. Denuncia que os projetos que dizem respeito à Amazônia são decididos em Brasília, tornando-se essas decisões inconstitucionais, pois a Carta Magna assinala que os povos indígenas devem ser consultados sobre os projetos que interferem em suas áreas territoriais.

    Por último, assinala que é obrigação da Igreja colocar o dedo na ferida e defender os direitos humanos e a dignidade da multidão de desalojados em consequência da construção do megaprojeto de Belo Monte, na cidade de Altamira, que vai transformar a vida de boa parte da população do interior do Pará e que desde o início encontrou uma forte oposição dos movimentos sociais e da própria Igreja católica.

     

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  • 20/04/2015

    Contra propostas anti-indígenas, lideranças Guarani-Kaiowá continuam em Brasília

    Depois da semana de lutas na 11ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), uma delegação com 10 indígenas Guarani-Kaiowá de vários Tekohas do Mato Grosso do Sul continua em Brasília para reivindicações junto aos Três Poderes. Lideranças de Kurusu Amba, Laranjeira Ñanderu, Guaiviry, Pindoroky, Tey’i Juçu e Santiago Kue reuniram-se na tarde de hoje (20) com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, para cobrar a visita dos membros da Comissão aos acampamentos indígenas e aldeias de MS, além de visitarem gabinetes de parlamentares do estado.

    Nesta semana, os Guarani visitarão o Supremo Tribunal Federal (STF) e ainda aguardam confirmação de um encontro com o presidente interino da Fundação Nacional do Índio (Funai), Flávio Chiarelli.

    Eliseu Lopes, liderança Guarani-Kaiowá, membro do Grande Conselho Aty Guasu e do Conselho Continental da Nação Guarani, reforçou a importância da delegação estar em Brasília, diante do cenário de supressão dos direitos indígenas no país. “Continuamos pedindo, incansavelmente, para que as autoridades cumpram a Constituição e não violem nossos direitos. Queremos que publiquem os estudos, as Portarias Declaratórias, que demarquem finalmente as nossas terras”.

    O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul firmou em 2007 um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Funai, pelo qual a Fundação se comprometeu a demarcar as terras indígenas no estado até junho de 2009. O TAC foi executado judicialmente em janeiro deste ano, mas até o momento as medidas ainda não foram cumpridas.

    Os indígenas devem marcar presença ao longo da semana nos gabinetes e nas sessões no Supremo, onde três decisões, em 2014, anularam o reconhecimento de terras tradicionalmente ocupadas pelos povos Terena e Guarani-Kaiowá, em MS, e Canela Apanyekrá, no Maranhão (Saiba mais). “Por acaso não somos humanos, pra eles ignorarem nossa existência?”, disse Eliseu, sobre o fato das comunidades indígenas não terem sido ouvidas no processo que anulou a demarcação de seus territórios. “Temos esse direito, e como povo temos memória e nossa história pra contar”, finalizou.

    Foto: Anastácio Peralta, liderança do povo Guarani-Kaiowá, na chegada ao local do ATL (Fábio Nascimento/MNI)

     

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  • 20/04/2015

    Acampamento Terra Livre contra Alzheimer jurídico dos Três Poderes e bancadas

    As delegações dos povos indígenas, que acamparam três longos dias debaixo de forte chuva e sol quente na Esplanada dos Ministérios de Brasília, arrumaram suas mochilas, desmontaram lonas e barracas. Desde a saída de suas aldeias discretamente monitorados pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), retomaram a estrada e estão voltando para suas terras que valentemente defenderam. Há alguns anos, o Acampamento Terra Livre (ATL) faz parte da Mobilização Nacional Indígena com ações concomitantes espalhadas por todo o Brasil.


    Antes de vir para Brasília, as lideranças convocadas pelas suas organizações regionais e pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), percorreram as regiões e conversaram com seus povos sobre o significado do ATL. Já preparando futuros militantes da causa indígena, trouxeram muitos jovens que pela primeira vez estiveram em Brasília. Ao lado desse foco pedagógico, o que significou, politicamente, a mobilização de 1,5 mil lideranças indígenas no ATL contra a mobilização de três bancadas do Congresso e de três Poderes constitucionais durante 365 dias ao longo do ano?


    O leitor, politicamente instruído sobre os Três Poderes, pode perguntar: “Mas, quem são essas Três Bancadas”? São as bancadas BBB, da Bíblia, do Boi e da Bala, as bancadas do fundamentalismo, do agronegócio e da liberalização da compra e do porte de armas (PL 3722/2012). Para fazer passar seus respectivos projetos pelas votações, essas bancadas fazem alianças transversais com outros setores, como aconteceu na votação da Redução da Maioridade Penal (PEC 171/93) e na preparação do Projeto de Lei (PL 4330) que pretende regulamentar a Terceirização do Trabalho.


    Face às três bancadas e aos Três Poderes, os povos indígenas vivem politicamente encurralados em uma situação de guerra civil silenciada pela mídia e sustentada pela classe dominante, pela força bruta de assassinatos no campo e pela repressão “legal” que está instruindo processos que criminalizam as lideranças indígenas e as colocam nas cadeias. A coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR), Deborah Duprat, fez uma leitura correta do panorama político que vivemos hoje: “Avalio que estamos vivendo um dos piores momentos pós-Constituição de 1988 no que diz respeito a direitos territoriais indígenas. Isso porque, pela primeira vez, os três Poderes, por ação ou omissão, passam a percepção de que há excesso nas demarcações de terras indígenas e de que é preciso adotar providências no sentido de assegurar direitos de propriedade de terceiros” (Porantim, Jan/Fev 2015, p. 4).


    Os discursos das lideranças indígenas, suas faixas de protesto e documentos protocolados durante o Acampamento Terra Livre (ATL 2015) mostravam os conflitos estruturalmente conectados à hostilidade dos Três Poderes, escondidos atrás de siglas misteriosas como PEC 215 (referente ao Poder Legislativo), Portaria 303 (referente ao Poder Executivo), anulação de “Portaria Declaratória” e “Marco Temporal” (ambos de iniciativa do Poder Judiciário).


    A PEC 215 é a Proposta de Emenda Constitucional que transfere do Poder Executivo para o Legislativo, portanto, do Governo Federal para o Congresso, a atribuição de oficializar Terras Indígenas em detrimento dos artigos 231 e 232 da Constituição que regulamenta as demarcações de terras indígenas. Por que esta fúria dos índios contra a PEC 215? No Congresso hospedam-se os interesses regionais de prefeitos, grandes proprietários de terra e do agronegócio, das mineradoras e das madeireiras que, com suas contribuições, subvencionam as campanhas eleitorais de vereadores, deputados e senadores, e procuram impedir a demarcação das terras indígenas.


    Sabiamente, a Constituição de 1988 resistiu contra as tentativas de regionalizar a questão indígena, contando com a ação política mais distante da cooptação regional e, portanto, mais isenta do Governo Federal face às reais necessidades dos povos indígenas. Infelizmente, nesse “olhar mais distante” do Poder Executivo está embutido um fator subjetivo e partidário deste ou daquele governante. A presidente Dilma, que já nos seus discursos de posse do segundo mandato não mencionou os povos indígenas com uma só palavra, está descumprindo a sua promessa de ser presidente de todos os brasileiros. Embora a PEC 215 represente uma iniciativa do Poder Legislativo, o trato político que foi dado à questão pelo Poder Executivo foi o da “batata quente” em detrimento da Constituição Federal.


    Para o segundo dia do ATL foi previsto uma vigília noite a dentro diante do Supremo Tribunal Federal (STF), fortemente cercado por policiais. Mesmo sob chuvas torrenciais, as lideranças cantaram e dançaram num ritual com a força que teria feito os muros de Jericó caírem.


    Quais foram as reivindicações ao STF? A 2ª Turma do Supremo anulou entre setembro e dezembro de 2014 duas Portarias do Ministério da Justiça e um Decreto Presidencial que reconheceram três terras indígenas legalmente aptas para a demarcação e devolução definitiva aos índios. Os ministros do Supremo achavam o contrário, interpretando que as terras Guyraroká (MS), do povo Guarani Kaiowa, Porquinhos (MA), dos Canela Apanyekrá e Limão Verde (MS), dos Terena, não seriam terras indígenas. A base legal invocada pelo STF foi o chamado “Marco Temporal”.


    O “Marco Temporal” é um expediente jurídico introduzido por ocasião da demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol de Roraima, juridicamente concluída em 2013. Esse “Marco Temporal” foi assumido no decorrer dos debates anteriores entre os Ministros do STF no julgamento da Petição 3388/RR, de 2009. Segundo o então ministro Ayres Britto vale somente para a TI Raposa Serra do Sol, e diz o seguinte: terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas que eles habitavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Brasileira, devendo, ainda, haver efetiva relação dos índios com a terra.


    “O marco temporal de ocupação” não causou maiores problemas enquanto era respeitada a intenção original do julgador de não lhe atribuir “efeito vinculante” às demais terras indígenas e enquanto vigorou o entendimento sobre “o marco da tradicionalidade da ocupação”. De acordo com a decisão do STF, “a tradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios”.


    Esse acordo legal foi rompido pelas decisões da 2ª Turma do STF ao tratar o “Marco Temporal” como precedente jurídico para outras situações e dando um caráter altamente restritivo ao “renitente esbulho” dos povos indígenas. A Advocacia Geral da União (AGU), braço jurídico do Poder Executivo da Presidência, que por meio da Portaria 303/2012 estabeleceu a vinculação das já mencionadas “Condicionantes” a todas as terras indígenas do Brasil, sincronizou os equívocos jurídicos entre STF e AGU.


    A invocação do “Marco Temporal” como precedente e a classificação restritiva do “esbulho” não considera suficientemente que os povos indígenas viveram até a promulgação da Constituinte de 1988 em regime de Tutela, que não lhes permitiu reivindicar seus direitos territoriais ou travar disputas judiciais, nem voltar às suas terras, das quais foram expulsos pelas diferentes ondas de colonização. Na questão da demarcação das terras indígenas, o governo Dilma está entrando em águas turvas da amnésia histórica, mostrando sintomas de um Alzheimer jurídico avançado que trata situações de fato como situações de jure.

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