• 26/05/2015

    Um mês após assassinato de indígena no MA, madeireiros não foram intimados e voltam a invadir território Ka’apor

    “O pessoal tá insistindo que tem a ver com madeira e eu insisto que não tem”, declarou o delegado da Polícia Federal Fabrízio Garbi sobre o assassinato da liderança Eusébio Ka’apor, no Maranhão. Após 30 dias da emboscada que vitimou o indígena de 46 anos com um tiro nas costas, a Polícia Federal não abriu inquérito pra investigar o assassinato e as crescentes ameaças contra outras lideranças indígenas, responsáveis pela proibição da atividade madeireira dentro da Terra Indígena (TI) Alto Turiaçu.

    “A PF, mesmo sem ter acesso aos autos, quer confirmar o latrocínio. Isso é um absurdo, todos os documentos e depoimentos são unânimes em afirmar a relação do crime com a exploração madeireira. Acredito que há um esforço para deslegitimar a luta dos Ka’apor contra os madeireiros”, diz Rosimeire Diniz, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Maranhão.

    Uma das lideranças Ka’apor encarregadas do Conselho de Gestão do povo – instância administrativa organizada pelos indígenas que monitora a educação, saúde e proteção territorial – relata que as intimidações e ameaças de morte são constantes e que madeireiros voltaram a desmatar a TI. “Estão invadindo tudo de novo, tão tirando madeira de duas áreas já, lucrando com nossa floresta. Eles viram que a gente tá fraco por causa da morte do Eusébio, com medo de morrer também”.

    O Ministério Público Federal (MPF) no estado havia requisitado a instauração do inquérito e realização de diligências à Polícia Federal no dia 4 de maio, “por entender, a princípio, que se trata de um evento a ser averiguado na esfera federal, ante o histórico de conflitos locais e a possível relação com disputas atinentes aos direitos indígenas”, disse o procurador Galtienio da Cruz Paulino, que realizou oitivas com cinco indígenas nas últimas duas semanas, mas ainda não intimou nenhum dos madeireiros citados nos depoimentos.

    O inquérito tramitou inicialmente na Polícia Civil do município de Zé Doca, mas foi transferido para a capital São Luís depois que os indígenas reiteraram as denúncias sobre corrupção de algumas autoridades locais à Secretaria de Segurança Pública do Maranhão.

    A Fundação Nacional do Índio (Funai), questionada sobre as providências, declarou que enviou após o assassinato o coordenador Regional do órgão no estado  “para realizar o diálogo com a comunidade indígena, colher informações e explicar os procedimentos investigatórios de competência dos órgãos de segurança pública”. Disse ainda que acionou o Departamento de Polícia Federal no Maranhão.

    O delegado Fabrízio Garbi, que atua no combate ao crime organizado na PF, afirmou que nos ofícios recebidos da Funai, onde consta o depoimento de um funcionário do órgão ao delegado José Henrique, da Polícia Civil no município de Zé Doca, “não se constatou nada que tem relação com a comunidade ou com a exploração madeireira. Trata-se de uma tentativa de roubo. O funcionário tomou declarações da testemunha do assassinato no dia 27 e foi ouvido no dia 28 na Policia Civil”.

    “A Funai mandou esse funcionário, que não tem nenhum vínculo com os Ka’apor, lotado em Santa Inês, pra fazer um novo Boletim de Ocorrência colocando a versão do latrocínio. O B.O. já tinha sido feito no dia anterior [27/4] pelo enfermeiro da Sesai, e não falava nada disso”, explica um representante do Conselho de Gestão Ka’apor. A reportagem teve acesso aos dois Boletins, ambos registrados na Delegacia Regional de Zé Doca. O primeiro, assinado por um técnico de saúde da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) no dia 27/4 às 12h15, relata que “dois indivíduos numa motocicleta, aguardavam a vitima passar, então ao avistarem a vítima, o alvejaram com um tiro”. No B.O. registrado pelo funcionário da Funai dois dias após o crime (28/4, às 16h28), surge a versão do latrocínio, com a afirmação de que os dois indivíduos “ao avistarem a vítima anunciaram o assalto”.

    Os indígenas acreditam que há uma confluência entre Funai, Polícia Federal e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para afastar qualquer ligação do crime com a exploração madeireira dentro da Terra Indígena Alto Turiaçu, e que isto se daria devido ao processo que condenou esses órgãos, em janeiro de 2014, à implantação de postos de fiscalização nas TIs Alto Turiaçu, Awá Guajá e Caru. “Como já sofreram essa condenação da Justiça Federal e não cumpriram, é melhor desfocarem o crime dos madeireiros, porque isso afasta a responsabilidade desses órgãos e evita uma nova condenação”, disse o representante do Conselho de Gestão, que pediu para não ser identificado devido às ameaças de morte que vem recebendo.

    Em resposta aos questionamentos da reportagem, a Funai declarou que a denúncia encaminhada pelo órgão à Polícia Federal "explicitou o histórico de conflitos entre indígenas e madeireiros na região, a fim de subsidiar a investigação da possível relação entre o contexto local e o crime ocorrido" e afirmou que "a indicação das características [de latrocínio] por parte de representante da Funai, não isenta os órgãos de segurança pública de analisar o caso e enquadrá-lo à luz da legislação vigente, visto que não compete à Funai tipificar o crime, mas repassar aos órgãos de segurança os elementos e provas para as investigações e inquéritos policiais".

    Para os Ka’apor as evidências são claras: “Se queriam roubar, por que só mataram o Eusébio e não levaram a moto?”, questiona um dos indígenas. “Eles estavam de tocaia esperando a pessoa certa pra matar, porque naquele dia pararam outras três pessoas mais cedo, que também passavam de moto, mas deixaram ir embora”, completa. José Henrique, o delegado da Polícia Civil à frente do inquérito no início das investigações, disse à reportagem, no dia 12 de maio, que depois de ouvir a testemunha do crime e outros indígenas, estava trabalhando com a hipótese de “relação com os madeireiros, conflito que se intensificou há um ano e meio, desde que os indígenas começaram a proteger o território mais ativamente. Sabemos dos ataques aos indígenas, mas a competência dessa investigação é da Polícia Federal, que ainda não veio à região”, explicou.

    Comunidade ameaçada

    Cinco indígenas já foram ouvidos pelo MPF e ao menos três pela Polícia Civil. Todos narram ameaças sofridas em decorrência da proibição da exploração madeireira dentro da TI Alto Turiaçu. Há dois anos os Ka’apor têm fortalecido o processo de autofiscalização e vigilância territorial da TI. Ao menos oito aldeias foram criadas em pontos estratégicos, para evitar a volta dos invasores, e em março deste ano os indígenas conseguiram, por conta própria, o fechamento de todos os ramais utilizados pelos madeireiros.

    No entanto, após a morte de Eusébio, dois ramais foram abertos e duas das oito aldeias de proteção tiveram que ser abandonadas pelos indígenas. “Disseram que se a gente não saísse eles iam chegar atirando e queimando nossas coisas”, conta a liderança de uma dessas  aldeias, localizada nas proximidades do  município de Centro do Guilherme. “Madeireiros estão entrando direto, principalmente em Santa Luzia [do Paruá], Nova Olinda [do Maranhão]… Mataram Eusébio pra gente ficar com medo e desistir de proteger a floresta. A gente fecha um ramal e eles abrem outro… as outras aldeias continuam lá, mas seria preciso muito mais, só que o governo federal não dá estrutura pra gente”, explica um dos indígenas responsáveis pelas operações de fiscalização.

    Em depoimento ao MPF, um dos filhos de Eusébio disse que foi cercado pelo madeireiro M. logo após a morte do pai, quando chegava ao município de Santa Luzia do Paruá. De acordo com seu relato, um  homem mandou que parasse o carro, no qual transportava o corpo de Eusébio de volta pra aldeia, e disse que “quem era pra morrer era o A. e o C. [outros indígenas]”. Ele conta ao MPF que naquele momento poucas pessoas sabiam do assassinato.

    Os Ka’apor estranham o fato de nenhum dos madeireiros citados nos depoimentos terem sido intimados a depor. No dia 3 de maio, acompanhados de um jornalista da Repórter Brasil que produziu reportagem sobre o assassinato, dois indígenas estavam em um restaurante no município de Santa Luzia do Paruá quando o madeireiro M. questionou um deles sobre quem era motorista do carro em que estavam, e tirou fotografias do veículo. Outro madeireiro teria feito o mesmo minutos depois, e chegou a dizer “Avisa pro A. [outro indígena] que da próxima vez ele que vai morrer”. O relato consta no depoimento de uma das lideranças indígenas ao MPF. No documento, o Ka’apor cita outros dois madeireiros, que ameaçaram um terceiro indígena no município de Araguanã, “alertando-o” sobre a contratação de pessoas para matarem lideranças que proíbem a extração de madeira na Terra Indígena.

    “Sempre sofremos violência aqui, porque proibimos que eles lucrassem com a exploração do nosso território. Agora eles estão mais fortes que nunca, armados até os dentes”, relata uma liderança Ka’apor, que ressalta o recrudescimento das ameaças contra os membros do Conselho de Gestão. “De sexta-feira (22) pra cá recebemos recados de emboscadas e tocaias nas entradas das aldeias; um Ka’apor foi perseguido de carro; no sábado, flagramos caminhões carregados com madeira transitando livremente pela BR-316 – em plena luz do dia, o que não víamos há pelo menos dois meses; além das serrarias, que estão funcionando normalmente em Santa Luzia do Paruá, Centro do Guilherme, Maranhãozinho e Governador Nunes Freire”, denuncia.

    O delegado Fabrízio Garbi disse que a Polícia Federal  “investiga continuamente” a extração ilegal de madeira naquela região, e que se for identificada qualquer relação entre o assassinato e o conflito com madeireiros, o inquérito deve ser entregue “no estado em que estiver” à PF, que assumiria as investigações. “Diante de tanta insistência de que o crime teria relação com os madeireiros, pedi uma cópia do inquérito à Polícia Civil. Se for constatada qualquer relação, já podemos começar a investigar”, disse após ser questionado sobre as ameças relatadas pelos indígenas.

    Depois da morte de Eusébio, os Ka’apor não receberam nenhum tipo de proteção do Estado. “Não tem como a gente se defender. Estamos com medo de que aconteça de novo, nossas famílias não querem que a gente saia na cidade. Tenho seis filhos, eles ficam preocupados ‘pai, o pessoal tá procurando você aí, dando recado’… Mas a gente não pode ficar parado, vamos continuar lutando”, diz uma liderança do Conselho de Gestão do povo.

    Fotos:
    1 – Comunidade reunida dias após o assassinato – Ruy Sposati
    2 – Eusébio durante protesto contra exploração madeireira – Arquivo Cimi
    3 – Ka’apor temem outra tragédia, mas dizem que continuarão lutando – Ruy Sposati
    4 – Indígenas flagraram caminhão transportando madeira no sábado (23) na rodovia BR-316

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  • 26/05/2015

    Indígenas do Rio Grande do Sul fecham via em Brasília e garantem audiência com ministro

    Após dois meses tentando marcar uma audiência com os ministros Miguel Rosseto, chefe da secretaria geral da Presidência da República; Patrus Ananias, do Desenvolvimento Agrário; e José Eduardo Cardozo, da Justiça, o grupo de lideranças Kaingang, do Rio Grande do Sul, que chegou esta semana em Brasília, fechou as vias de acesso ao eixo monumental, na altura do Palácio do Planalto. “Ficaremos aqui até marcarem o dia e hora que nos receberão”, afirmou Luiz Salvador, cacique Kaingang.

    Os indígenas formaram um cordão humano fechando as vias e segurando faixas exigiam que a presidente Dilma Rousseff retome as demarcações das terras indígenas. A segurança do Palácio tentou negociar para que eles liberassem o trânsito e aguardassem enquanto se tentava marcar a audiência, argumentando que aquela ação atrapalhava apenas a população. Em resposta, o cacique contestou:

    “Você diz que os índios que estão atrapalhando? Isso é discriminação contra a minha pessoa. A gente não disse que vocês estavam atrapalhando quando chegaram aqui há 500 anos. Vocês tem que atender as nossas demandas, o governo brasileiro deve isso para a população indígena. Quantos mil indígenas o governo brasileiro não matou para tomar as terras? Vocês venderam politicamente as terras do Brasil, não fomos nós que vendemos. A terra é nossa, é isso que vocês têm que entender”.

    Enquanto um grupo de assessores ainda tentava negociar um espaço na agenda do ministro Rosseto, a tentativa para liberação das vias continuou. Insistiam para que os indígenas aguardassem fora das pistas com a justificativa de que estavam tentando conseguir um espaço na agenda do ministro. Luiz Salvador, então, continuou: “Resolve o problema, não precisa nos enrolar, enrolado nós já estamos. Vocês tomaram todo o país para manter esses latifundiários. Vocês não estão atacando na Amazônia Legal, os grandes madeireiros estão tomando conta daquelas terras. A água boa que você toma é por causa dos povos indígenas. Olha a usina que estão construindo, hoje o povo de São Paulo sofre com isso e são os índios que estão fazendo maldade? Atendam as nossas demandas”.

    Como resultado desta manifestação, que parece ser a única via possível para conseguir serem ouvidos, a audiência com o ministro Rosseto ficou agendada para hoje (26), às 15 horas, no próprio Palácio do Planalto. Os ministros Patrus Ananias e Eduardo Cardozo foram convidados, porém não garantiram a presença. O grupo de Kaingang liberou as pistas assim que obteve a confirmação.

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  • 25/05/2015

    Povo Kaingang chega em Brasília para cobrar direitos dos povos indígenas

    Uma delegação de 43 indígenas do povo Kaingang, do Rio Grande do Sul, está em Brasília esta semana (25/5) para uma série de agendas com Executivo, Legislativo e Judiciário. A PEC 215, as últimas decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) e a paralisação das demarcações das Terras Indígenas estão entre as principais reivindicações do grupo.

    Durante a manhã de hoje (25) o grupo se reuniu para debater a atual conjuntura política da situação indígena no Brasil e definir a agenda de compromissos junto aos poderes políticos e instituições. A delegação recebeu uma carta dos povos do Mato Grosso do Sul (MS) que estiveram na capital na semana passada, cumprindo uma agenda de reuniões para tratar dos mesmos assuntos em âmbito nacional.

    A carta apresenta o resultado da visita dos povos do MS e oferece apoio ao povo Kaingang em sua luta, articulando as comunidades dos dois estados em ações que se mostrem necessárias na luta pela garantia dos direitos indígenas. Na carta também consta o posicionamento do ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, em reunião com o grupo, e a carta de repúdio a essa postura que os povos do MS protocolaram no ministério da Justiça (MJ), Presidência da República, Casa Civil e Secretaria Geral da Presidência. (Veja a carta aqui)

    Outro ponto bastante enfatizado na reunião foi a situação da Fundação Nacional do Índio (Funai), que há cerca de dois anos conta apenas com um presidente interino, demonstrando o descaso do Executivo com o órgão. Os indígenas exigem a efetivação do atual interino, Flávio Chiarelli, e não aceitam a indicação de um gestor político.

    Ainda durante a reunião, o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, falou sobre elementos da realidade vivida pelos povos indígenas no Brasil. “Uma conjuntura que ameaça de forma muito dura os direitos e a vida dos povos originários, inclusive dos Kaingang”, esclareceu.

    Sobre a PEC 215, ficou evidenciado entre as lideranças presentes, que ela é um instrumento do Legislativo, por meio do qual os grupos e setores anti-indígenas, ligados especialmente ao agronegócio, com representação de deputados federais do Rio Grande do Sul, atuam contra os direitos indígenas. Esses grupos não se limitam ao Legislativo, mas atuam também em outras instâncias de poder, inclusive junto ao Poder Judiciário.

    Audiências com representantes do Executivo, visita ao Congresso Nacional e ao STF estão presentes na agenda da delegação que pretende, além abordar aspecto da pauta nacional, apresentar e discutir demandas específicas de sua região.

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  • 22/05/2015

    Indígenas do MS fazem vigília contra recentes decisões do STF

    A delegação composta por 53 indígenas dos povos Terena, Guarani-Kaiowá, Guarani-Ñandeva e Kinikinau, do Mato Grosso do Sul (MS), realizou uma vigília na noite de ontem (21), em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), para protestar contra recentes decisões da 2ª Turma que anulam duas portarias declaratórias e um decreto de homologação de três terras indígenas. Compunham a delegação lideranças de duas dessas terras que tiveram seus processos revistos pelo STF: Guyraroká, do povo Guarani-Kaiwoá, e Limão Verde, do povo Terena. Com velas acesas, eles ficaram das 18h às 22h, realizando rituais, danças e rezas no local.

    Além das citadas, a Terra Indígena (TI) de Porquinhos, no Maranhão (MA), do povo Canela-Apãniekra também teve o seu processo demarcatório anulado. Outros processos similares ainda tramitam e aguardam uma decisão do STF. Os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Teori Zavascki, Celso de Mello e Dias Toffoli, que compõem a 2ª Turma, basearam a decisão na tese do marco temporal. Segundo esta interpretação, as terras não seriam indígenas porque os povos não estariam vivendo nelas em 5 de outubro de 1988, quando a Constituição Federal (CF) foi promulgada. No entanto, se eles tivessem sido expulsos de suas terras, o que configura o esbulho, os povos  teriam assegurado o direito a elas.

    Na decisão relativa à TI Limão Verde, o ministro Teori Zavascki, caracteriza o conceito jurídico de esbulho. Segundo ele, para configurar uma situação de esbulho, os indígenas, mesmo tendo sido expulsos, deveriam estar, na data da promulgação da CF, disputando a posse da terra via conflito de fato ou travando disputas judiciais.

    Essas três decisões são extremamente perigosas para os povos indígenas, primeiro, porque retiram direitos constitucionais garantidos dos povos que foram expulsos de suas terras antes dessa data e, segundo e bastante grave, abrem precedente para que inúmeras terras já demarcadas possam ter seus processos revistos,

    Essas decisões também mantêm uma cultura de exclusão dos povos indígenas, ignoram cinco séculos de violações e, principalmente, violências praticadas nos últimos 60 anos contra eles e, por outro lado, beneficiam justamente os setores que mais possuem interesse nessas terras e, por isso, vêm exterminando lideranças nas mais diversas comunidades. “É um ato desumano, querem o extermínio dos povos indígenas”, lamentou uma das lideranças Terena presentes em Brasília esta semana.

    Os processos ainda precisam passar pelo pleno do Supremo para serem validadas, porém, esse resultado já apresenta consequências negativas para os povos indígenas. Vários tribunais estão baseando suas decisões nessa nova postura do STF. Mesmo a decisão precisando passar ainda pelo pleno do STF, ela já está gerando jurisprudência em casos de processos que envolvem o uso da terra. Em Santa Catarina, por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 4ª região, com base nessas decisões, anulou uma portaria declaratória do ministro da Justiça referente à Terra Indígena Araçaí, do povo Guarani.

    No caso da Terra Indígena Guyraroká, um dos seus moradores, o seu Tito Villalva, conta que participou de todo o processo demarcatório. Nascido em 1920 naquelas terras, ele cresceu, se criou e casou ali. De acordo com ele, Wilson Galvão foi o primeiro fazendeiro que comprou a terra, antes ali era tudo aldeia. Em 1998, seu Tito e mais 234 pessoas retomaram a região.

    Seu Tito acompanha de perto todo o processo de demarcação de Guyraroká, desde os primeiros estudos até hoje. Ele conta que muita gente da região foi entrevistada, garantindo que a comunidade indígena sempre viveu ali. O processo correu até a fase da publicação da Portaria Declaratória pelo Ministério da Justiça, ficou faltando a homologação e desintrusão. “Quando será demarcada nossa terra?”, é o que questiona seu Tito. Ninguém na comunidade sabe explicar porque a terra ainda não foi demarcada, já que estava tudo certo e garantido com o processo.

    Uma das lideranças do povo Terena, de Limão Verde, Odir Cardoso, explicou que a visita a Brasília é para defender as terras do Mato Grosso de Sul de uma forma geral. Porém, a vigília no STF é uma maneira de chamar a atenção para o que está acontecendo no Judiciário. “É surpreendente o que vem acontecendo na 2ª Turma com essas decisões. É um desrespeito o parecer em favor do fazendeiro em cima de uma terra já homologada”, desabafou.

    Odir considera que essas decisões são como declarar o genocídio não só do povo em Limão Verde, mas em todas as áreas demarcadas no Brasil. “Essas decisões abrem portas para que isso aconteça”, ressaltou. “Estão declarando guerra, terá derramamento de sangue. Com todas essas atitudes (as decisões do Supremo, a tentativa de emplacar a PEC 215, a paralisação das demarcações de terra pelo Executivo e o abandono da Fundação Nacional do Índio – Funai), caminhamos para a extinção do povo Terena e de todos os povos indígenas”, lamentou a liderança Terena.

    Os 53 indígenas optaram por protestar contra o STF por entenderem que essas decisões, hoje, configuram o maior risco para os povos indígenas do Brasil. De acordo com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, as portarias declaratórias não estão sendo assinadas “para a própria proteção dos índios”, uma vez que existe a possibilidade das partes envolvidas entrarem com recurso para derrubar a decisão do ministro. Devido a essa postura contraditória , as demarcações estão paradas, inclusive os 12 processos que estão em sua mesa e não têm nenhum impedimento administrativo ou judicial.

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  • 22/05/2015

    Indígenas Krenyê e Gamela denunciam descaso da Funai e Dsei no Maranhão

    Nessa segunda-feira (18), lideranças indígenas dos povos Gamela e Krenyê, além de agentes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), estiveram no Ministério Público Federal do Maranhão, requerendo adoção, em caráter de urgência, de medidas que garantam os direitos destes povos.

    De acordo com os indígenas, a Fundação Nacional do Índio (Funai), não vem cumprindo os acordos estabelecidos, a exemplo da decisão judicial expedida em 2013 pelo Juiz Federal José Carlos Madeira, que obriga a Funai a comprar uma terra para o povo Krenyê, construir um poço artesiano e fornecer cestas básicas. Posteriormente, o Juiz também impôs à Funai “Constituir um Grupo Técnico para destinação de meios necessários para assistência de alimentação, água potável, saúde e moradia ao grupo, para que possam aguardar com segurança a conclusão dos trabalhos de demarcação”. Até o momento, foi criado o GT, o relatório circunstanciado foi produzido, entregue à Funai em Brasília, mas não foi publicado. Poucas cestas foram entregues, estas quando chegam, duram em média 15 dias e depois o povo se vira como pode e, a situação do fornecimento de água não foi regularizada. Os indígenas têm que dar um jeito de comprar.

    Em audiência realizada na 5ª Vara de Seção Judiciária do Maranhão, em abril de 2014, a Funai alegou que era complicado  construir o poço por não ser competência dela e pelo fato da Chácara Krenyê não ser terra indígena. O Juiz deliberou que: “Fica reconhecida a Chácara Krenyê até a instalação da Reserva Indígena Krenyê, como área legalmente indígena de sorte a merecer integral proteção por parte da Funai e dos demais órgãos de proteção aos índios.” Mas, segundo os indígenas, o que tem acontecido, é que eles estão abandonados à própria sorte, vivendo em situações precárias, sem condições mínimas de sobrevivência. Denunciam ainda que o Coordenador Regional da Funai ,de nome Daniel Cunha, sequer os atende.“Ele nunca atende se a gente telefona, e se vamos pessoalmente pra conversar, nunca encontramos ele, ele já conhece os nossos números, para atender só se a gente ligar de um número diferente”. Diz revoltado o Krenyê Raimundo Nonato.

    Apesar disso, os órgãos competentes continuam descumprindo a decisão judicial e não atendem os Krenyê. Diante da inércia da Funai, o próprio povo arriscou sua vida para procurar a terra e por pouco não foi enganado.  Na audiência ocorrida no dia 29 de agosto de 2014, a Funai se comprometeu em publicar um Edital para compra de terra dos Krenyê, o que não foi feito até o momento. Os indígenas estiveram em Brasília, por ocasião do Acampamento Terra Livre, ocorrido em abril deste ano e ouviram do Coordenador do Departamento de Proteção Territorial (DPT) da Funai que não há recurso garantido no orçamento para a referida compra. Os indígenas alegam que funcionários do órgão diziam a eles que era mais rápido comprar a terra, do que lutar pelo território tradicional. Depois de tanto esperar, entendem que estão sendo enganados.

    A situação do abastecimento de água para o povo nunca foi regularizada e nem o poço artesiano foi construído. Contudo, no parecer técnico da Advocacia Geral da União (AGU), do dia 6/8/2014, em resposta à AGU, o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Maranhão respondeu que o abastecimento de água havia sido regularizado. Nesse mesmo parecer a Funai informou dispor de R$ 20 mil e se comprometeu em passar este recurso para o Dsei, que tinha a obrigação legal de construir o poço. No entanto, os indígenas não têm informação se esse repasse aconteceu de fato, o que sabem é que o poço artesiano nunca foi construído. “Se não fosse o Cimi e a Pastoral Indigenista de Grajaú, não sei o que seria de nós, estamos morrendo de fome e sede, vivemos em apenas 1 hectare de terra, não dá para tirar o sustento do chão. O que plantamos e colhemos é muito pouco, precisamos de mais espaço.” Lamenta Genecy Timbira.

    Outra luta travada pelos Krenyê é para conseguir uma vaga no Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi). Vaga essa, que é um direito enquanto povo específico, garantido pela Constituição Federal e pela Legislação da Política de Saúde Indígena. Mas, até agora, este direito também lhes foi negado. O Dsei/MA é de responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), o controle social se dá por meio do Condisi, que garante, ao menos no papel, a participação dos indígenas na elaboração da política de saúde indígena no âmbito do Dsei. Mas o que ocorre na prática é que a relação dos indígenas com esses gestores é muito tensa, permeada por problemas na gestão e aplicação dos recursos.

    O povo Indígena Krenyê, originário da Pedra Salgado, hoje município de Vitorino Freire, mora na Chácara Krenyê, Aldeia São Francisco, localizada a 6 km do município maranhense de Barra do Corda, em 1 hectare de terra, comprado com recursos próprios. Durante muitos anos, viviam perambulando pela periferia da cidade, sem nenhuma assistência dos órgãos públicos responsáveis em dar atendimento aos indígenas, sendo vítimas de todo tipo de preconceito e discriminação.

    Na reunião dessa segunda–feira (19) com o procurador Alexandre Soares, ficou definido que ele vai enfatizar a necessidade de marcar audiência com o juiz Carlos Madeira para reforçar a cobrança aos órgãos que têm a obrigação legal de prestar assistência aos povos indígenas e não o fazem.

    Povo Gamela

    Problemas semelhantes enfrentam o povo Gamela no município de Viana, Maranhão, que há séculos sofre um processo de negação pelo Estado brasileiro, o que permitiu a invasão e grilagem de seu território. Segundo lideranças do povo Gamela, por volta de 1968 foi efetuada uma fraude cartorial que transferiu a terra como herança a particulares, possibilitando a venda de parcelas do território com registros cartoriais fraudulentos.

    Durante décadas, eles resistem contra a apropriação privada do seu território e contra a negação da identidade étnica por parte do Estado brasileiro. Para enfrentar o extermínio, foi preciso silenciar por muitos anos, mas em 2013, o povo insurgiu-se na luta pelo reconhecimento de sua identidade étnica e em 2 de agosto de 2014, realizou a Assembleia de Autodeclaração. A Ata dessa Assembleia foi protocolada junto à Funai em Brasília e na coordenação Regional em Imperatriz. Mas, até agora, o órgão não se manifestou quanto ao registro do povo Gamela no Cadastro de Povos Indígenas do Brasil.

    Em audiência realizada em 2014 com a Coordenação Técnica local da Funai em São Luís, a coordenadora prometeu que até o final do ano faria uma visita técnica ao território. A visita foi agendada para os dias 26 a 30 de dezembro. O Povo estranhou a data, mas concordou. No dia 25, Natal, a visita foi cancelada. Naquela ocasião e em outros momentos, a Funai alega que não dispõe de carro para o deslocamento da equipe de técnicos. Enquanto isso, os indígenas são privados da assistência específica e diferenciada de órgãos como Sesai, Secretaria de Estado de Educação do Maranhão (Seduc) e Previdência Social, como determina a Constituição Federal. O mais grave é que enquanto as comunidades esperam a boa vontade da Funai, o povo Gamela tem seu território invadido, os babaçuais e guarimanzais são destruídos, os caminhos são interrompidos com cercas elétricas por grileiros e as suas lideranças são ameaçadas.

    “Como se não bastasse a privação dos nossos direitos, a Prefeitura resolveu construir um lixão dentro do território e pretende construir um matadouro. Tudo isso porque a Funai, que deveria nos proteger, não resolve nosso problema, usando sempre a desculpa esfarrapada que não tem carro para vir até nós”, denuncia Cal Gamela.

    É vergonhoso como o Estado brasileiro vem tratando os povos indígenas, em especial este povo. Primeiro, pela negação da existência e resistência do povo. Segundo, pela ausência de resposta a uma exigência legítima. “Esse processo de violência sofrido pelo povo Gamela é o mesmo processo que sofrem todos os povos tradicionais, em especial no Maranhão, com constantes ameaças de morte, conflitos fundiários e a impunidade reinante”. Analisa Sandra Araújo, assessora jurídica e agente da Comissão Pastoral da Terra.

    Diante da grave situação e do descaso por parte da Funai, o próprio Povo, o Cimi e a CPT estão cobrando do MPF, em caráter de urgência as seguintes medidas:

    *Notificação da Funai para a realização imediata do registro do povo Gamela no Cadastro dos Povos Indígenas do Brasil;

    *Criação do Grupo de Trabalho para identificação e delimitação do Território Gamela;

    * Notificação dos demais órgãos públicos responsáveis pela efetivação das políticas públicas específicas e diferenciadas;

    *Notificação dos órgãos fundiários, estadual (Instituto de Colonização e Terras do Maranhão – Iterma), e federal (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra) de processo de identificação e delimitação do território do povo Gamela;

    *Agendamento de audiência do povo Gamela com Funai, Sesai/Dsei/Condisi e Seduc/MA na procuradoria.

    Para o Conselho Indigenista Missionário, essa negação dos direitos aos povos Krenyê e Gamela é absurda e tendenciosa, uma vez que nem a decisão judicial é cumprida. E se nada for feito, a situação pode perder o controle. “Existe uma má vontade dos órgãos competentes em atender os povos indígenas, sobretudo na questão territorial. Por outro lado, atendem sem medida os ruralistas e fazem vista grossa para os invasores de terra indígena. Se a Funai e o Dsei não tomarem uma atitude de imediato, os indígenas prometem tomar outras providências, pois estão cansados de tanta conversa e já estão perdendo a paciência” Conclui Gilderlan Rodrigues, do Cimi.

    Foto: Rosimeire Diniz/Cimi MA

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  • 22/05/2015

    Justiça revoga compra de área para comunidade Guarani-Kaiowá de Apyka’i

    O juiz federal substituto Fábio Kaiut Nunes, da 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados, revogou liminar concedida pela juíza da mesma vara, Raquel Domingues do Amaral, que determinava à União a compra de 30 hectares de terra com fundamento no artigo 26 da Lei nº 6001/73 para a comunidade indígena Curral do Arame (Tekoha Apika’y), às margens da BR-463 em Dourados (MS).

    Sem a proteção inicialmente conferida, volta a valer uma ordem de reintegração de posse contra o grupo, que ocupa atualmente pequena área de mata dentro do território reivindicado pela comunidade, na Fazenda Serrana. A decisão também considerou extinto o processo ajuizado pelo Ministério Público Federal em Dourados, que pedia a compra da área enquanto não for finalizada a demarcação da Terra Indígena Apika’y pela Funai, atualmente em curso.

    A decisão cita a impossibilidade do “Judiciário dar ordem à Presidência da República para que desaproprie a área em questão. Logo, reputo que a imposição de obrigação, tal como requerida pelo Ministério Público Federal, é impossível. Sendo o objeto impossível (apesar de sua raridade no ordenamento jurídico brasileiro), tem-se aqui um caso de carência de ação, causa de extinção do processo sem julgamento do mérito”. Com isso, após o trânsito em julgado da ação (decisão definitiva do próprio juiz), o processo deverá ser arquivado. O MPF estuda recurso contra a decisão.

    A decisão liminar revogada, de 18/12/2014, determinou a compra dos 30 hectares de terra “para que seus membros (da comunidade indígena) possam viver em segurança e com dignidade. Trata-se, antes de tudo, de uma questão humanitária”. Para o julgador anterior, o objeto da ação proposta pelo Ministério Público Federal são as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, a que eles têm “direito originário” (anterior à demarcação).

     

    Em recurso contra ação do MPF, governo federal alegou que indígenas estão em área com "acesso a água potável"

    Permanece válida outra decisão judicial, que determinou ao Departamento Nacional de Trânsito (DNIT) a instalação de redutores de velocidade, sinalizadores de asfalto e placas de sinalização próximo ao acampamento indígena Curral do Arame.

    Em 4 anos, 8 índios morreram atropelados na rodovia, 5 deles da mesma família, sendo 3 em um período de apenas um ano. Para a Justiça, a não adoção de medidas preventivas põe em risco a segurança, a integridade física e a vida dos índios, o que representa afronta à dignidade da pessoa humana. Com a atual decisão, os indígenas voltam a residir às margens desta mesma rodovia.

    Outro pedido desta mesma ação ainda não foi julgado, a indenização de R$ 1,4 milhão em danos materiais e morais coletivos, pela omissão da Administração Pública em evitar novos acidentes.

    Curral do Arame: miséria cercada de cana por todos ao lados

    A comunidade indígena de Curral do Arame é uma das mais miseráveis de Mato Grosso do Sul. Os guarani-kaiowá vivem em barracos improvisados, sem instalações sanitárias e acesso a energia elétrica, cozinham em fogões improvisados o pouco alimento que conseguem, e utilizam água imprópria para o consumo humano, que coletam em um riacho da região, contaminado por agrotóxicos de lavouras do entorno. Esta situação de vulnerabilidade já dura 12 anos. Oito membros da comunidade já foram vítimas de atropelamentos.

    A área de terra reivindicada pelos indígenas de Curral do Arame está abrangida pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 12 de novembro de 2007 pelo MPF e a Funai, para a demarcação das terras de ocupação tradicional indígena na região centro-sul de Mato Grosso do Sul.

    Para o MPF, mesmo passando por dificuldade e enfrentando violência, “os indígenas insistem motivados pela profunda ligação material e espiritual com a terra de seus antepassados. A resistência desta pequena comunidade, ao longo desses anos, por si só, já comprova esta ligação”.

    Segundo estudo antropológico da Funai, os índios da comunidade foram expulsos de suas terras tradicionais para a expansão da agricultura e da pecuária. Parte desta população foi recrutada para trabalhar em fazendas da região como mão de obra barata até que se tornaram “incompatíveis” com a produção.

    Os índios resistiram em deixar suas terras, ocupando áreas de reserva legal de propriedades rurais, mas foram obrigados a fugir após a morte do patriarca da família, Hilário Cário de Souza, em 1999, atropelado por funcionário da fazenda que ocupava.

    Desde então, os guarani passaram a viver na fina faixa de domínio da rodovia, em barracos improvisados, em frente à terra que reivindicam como tradicional. Além das precárias condições estruturais, o acampamento indígena Curral do Arame já foi queimado duas vezes, a última em grande incêndio ocorrido na região em 2013.

    Clique aqui para saber mais sobre Curral do Arame.

    Referência processual na Justiça Federal de Dourados:

    Ação de compra de área: 0001297-68.2014.403.6002

    Ação de indenização por atropelamentos: 0001291-61.2014.4.03.6002

    Fotos: MPF/MS

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  • 21/05/2015

    Em audiência com ministro da Justiça, indígenas de MS repudiam “mesas de diálogo” propostas por Cardozo

    A delegação de 53 lideranças indígenas do Mato Grosso do Sul tiveram nessa quarta-feira (20) um encontro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Esperavam respostas concretas com relação à assinatura das 12 portarias declaratórias que estão sob sua mesa.  Queriam também saber o porquê da paralisação total dos procedimentos de regularização das terras indígenas. Além disso, queriam saber quais são as iniciativas para dar segurança às comunidades e suas lideranças, que estão sendo diariamente ameaçados de morte. Grassa na região total impunidade em que matadores de índios viram heróis. Pediram também que o atual presidente interino da Fundação Nacional do Índio (Funai) seja efetivado no cargo.

    O ministro Cardozo, escutado atrás das falaciosas “mesas de diálogo”, repetiu em exaustão que o clima não está bom, e que não vê nenhuma ação viável a não ser essas mesas, que os índios qualificam como enganação: “ Para nós a vida é um sonho rápido que fica em algum lugar entre a fome e a bala do fazendeiro. Até quando, senhor ministro? Quando na história deste país tivemos uma “conjuntura” favorável a nós? Tudo que temos são nosso direitos, e exigimos seu cumprimento”, insistiram as lideranças em documento entregue ao Ministério da Justiça na manhã desta quinta-feira (21).

    Mensalão do diálogo

    As aludidas mesas de diálogo são, pelos povos indígenas, comparados às mesadas dos invasores, ou a um mensalão de lucros fáceis e abundantes, com a exploração das terras e recursos naturais das terras indígenas há décadas. “Os latifundiários e os poderosos, senhor ministro, não querem diálogo, mas a nossa morte. Basta lembrar os inúmeros massacres e extermínio de nossos povos, caracterizando um genocídio e holocausto dos povos nativos e originários deste continente e do nosso país”.

    Estarrecidos e indignados, os povos indígenas do Mato Grosso do Sul afirmam na carta: “Ao descumprir com suas obrigações e com as atribuições do órgão que representa, negando-se a dar continuidade aos procedimentos demarcatórios, o senhor não nos deixa outra escolha se não partirmos para a retomada de nossos territórios, questão que tentamos impedir deixando nossas famílias e nossos afazeres e vindo até Brasília buscar o diálogo com o senhor”.

    Retornaremos

    Em tom indignado, a liderança do Ypoy desabafou dizendo ao ministro que talvez não volte, pois poderá ter sido assassinado, mas virão outros lutadores, até que a terra seja demarcada. Na carta ao ministro reiteram: “Até lá saibam que não aceitaremos as mesas de diálogo, não seremos enganados de novo. Desta nossa reunião não ficamos com nada se não a certeza de que para nós não existe a possibilidade no momento de termos respeitados nossos direitos previstos na Constituição Federal de 1988. Infelizmente é isso que temos para levar a nosso povo em nosso retorno”.

    Ao final das duas horas de exposição da dramática situação dos povos, aldeias e acampamentos indígenas no estado, campeão de violência contra os povos indígenas, e da irredutibilidade do ministro da Justiça de fazer avançar os processos de demarcação das terras e outras providências, o encontro terminou em mais uma frustração: “É uma pena que sintamos que em nome das “mesas de diálogo” a possibilidade de diálogo com o Executivo está acabando, senhor ministro, e como dissemos para o senhor, a inércia nas demarcações só nos deixam uma escolha, retomar nossas terras por meio da única força que temos. Se isso acontecer morreremos.”

    Na carta protocolada nesta manhã no Ministério da Justiça, os índios manifestam sua revolta, mas acreditam nas forças de seus guerreiros e ancestrais, para continuarem a luta até a vitória final.

    Veja a carta na íntegra

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  • 21/05/2015

    Descaso do governo pela vida de indígenas demonstra sua política genocida

    O total descaso do governo brasileiro, pela vida de inúmeros indígenas, que circulam pelas aldeias, acampamentos e cidades, demonstra a monstruosidade de uma política genocida, que beneficia somente a grupos econômicos. Em Rondônia, no Noroeste do Mato Grosso e no Sul do Amazonas, a situação não é diferente. A força da soja e do boi tem mais valor que a vida de um ser humano.

    A postura do governo brasileiro, da bancada ruralista, evangélica e de grupos econômicos que especulam os territórios indígenas, usa como estratégia a paralisação das demarcações de terras indígenas no Brasil, tendo um reflexo direto no acirramento dos conflitos nas aldeias em todo o país e na violência cometida contra estes povos.

    Em Rondônia, os procedimentos demarcatórios dos povos Purubora, Kujubim, Miguelenos, Wajoro e Cassupá (sem nenhuma providência) e outros atravancados na Justiça, como é o caso do território Karitiana e Kaxarari e a conclusão da demarcação do Território Rio Negro Ocaia – que necessita ser desintrusado – estão totalmente paralisados, ocasionando um clima constante de conflitos e de ameaças físicas.

    Os povos indígenas na luta contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, que não só transfere a demarcação para o Congresso Nacional, mais inviabiliza qualquer demarcação de suas terras no Brasil, seja para indígenas, como para quilombolas. Os povos indígenas não podem ser excluídos de decidir sobre seu próprio futuro, de viver na terra onde seus antepassados viveram. Estes não podem ser considerados empecilhos ao desenvolvimento capitalista, que nada mais vê a sua frente, o lucro com a extensão do agronegócio, rodovia, hidrovias e outros empreendimentos.

    No município de Seringueiras e Porto Velho, no distrito de Extrema/RO, e nos municípios do Sul do Amazonas, os conflitos se acirram, devido à inoperância do Estado Brasileiro em assegurar que os artigos 231 e 232 da Constituição Federal sejam cumpridos, que é a garantia aos direitos territoriais e acesso às políticas publicas de forma especifica e diferenciada.

    Através de informações distorcidas por algumas pessoas, fomentam um mal estar entre povos indígenas e a comunidade em geral. Em lugares onde a convivência era pacifica, começa uma ostensiva contra os povos indígenas, provocando a criminalização de lideranças e povos inteiros. Algumas lideranças do povo Puruborá/RO, Kaxarari/RO, Karitiana/RO e os povos do sul do Amazonas vêm sendo ameaçadas em sua integridade física, com as constantes ameaças de morte, que ocorrem de forma velada e outras vezes de forma direta, intimidando os povos a transitarem livremente, como reza o artigo 5º da Constituição Federal.

    O Programa Terra Legal vem ocasionando sérios conflitos, colocando os indígenas numa situação crítica, com as permanentes ameaças que vêm de grupos econômicos e políticos da região, como manifesta a liderança Francisca Kaxarari na audiência ocorrida em Extrema, onde expressou que os “causadores do problema são os responsáveis pelo Programa Terra Legal. Eu fui ameaçada, meu irmão e meu esposo também foram”.

    A liderança Hosana Puruborá, que anos atrás, para garantir sua integridade física, teve que sair de sua comunidade por um período de três meses por conta das ameaças que vinha sofrendo, nos últimos dias vem sendo ameaçada de morte por parte de moradores do município de Seringueiras.

    A paralisação das demarcações de terras indígenas e a morosidade do estado Brasileiro em fazer valer os artigos 231 e 232 da Constituição Federal, vêm provocando uma onda de violência contra os povos indígenas em todo o território brasileiro. O avanço de especuladores sobre os territórios indígenas e os permanentes ciclos colonizatórios no estado de Rondônia fazem com que os povos indígenas vivam situações de conflitos, criminalização e o aumento da violência contra lideranças e comunidades, que se sentem ameaçadas de transitar livremente nas cidades.

    A inoperância da Fundação Nacional do Índio (Funai) em constituir Grupos de trabalhos, deixam estes territórios a mercê da exploração ilegal de madeireiros, grileiros, fazendeiros e grandes grupos econômicos.

    A ameaça física que pesa sobre a vida destas lideranças foi denunciada ao Ministério Publico Federal, para que haja uma intervenção na garantia dos direitos e da integridade física de lideranças e povos indígenas, garantidos na Constituição Federal e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

     

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  • 20/05/2015

    “Exigimos do Poder Executivo respeito ao órgão indigenista”

    “Declare-se interino o presidente da Funai e se preciso for,  o mesmo se repita  nas várias instâncias do órgão… Assim estaremos acorrentando um incômodo órgão, cuja missão contraditória, é defender os índios  desde que não atrapalhem os interesses maiores que se encastelaram no Estado brasileiro…”. Um pesadelo. Uma realidade. O começo do fim?

    Num olhar de soslaio para mais de meio século de Funai, certamente poderíamos escrever alguns livros retratando uma trajetória marcada por mil e uma peripécias, nessa sua nobre missão de defender os povos indígenas e seus direitos, garantindo a proteção de suas vidas, sua cultura, seus territórios e bens materiais e imateriais.

    Poderíamos começar pelo primeiro dia da Fundação Nacional do Índio. Antes só existiam os escombros do carcomido Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que havia se transformado no maior antro de corrupção e violência da história desse país. A nascente Funai herdou de seu antecessor em torno de 700 funcionários. Destes, no dizer do procurador Jader de Figueiredo, que presidiu a comissão de sindicância do SPI em 1967, talvez uns 10 não estariam incluídos na lista de irregularidades em sua atuação. Naquele primeiro dia, as intenções eram louváveis. Se constituiu um conselho que seria o responsável pela atuação do órgão. As mãos estariam limpas. Mas o jogo de interesses antiindígenas não mudou e não permitiu com que ações efetivamente de proteção aos direitos dos povos indígenas fossem colocadas em prática pelo então governo da ditadura militar. Restou então ao coordenador do Conselho, o jornalista Queiroz Campos, transformar-se no primeiro presidente da Funai.

    Mais de meio século depois, outros 35 presidentes do órgão iriam capitanear o sucateamento da instituição, até transformá-la num esquálido ente com a missão permanente de ser e não ser a executora de deploráveis políticas antiindígenas, ou a falta das mesmas. Na melhor das hipóteses, tímidos bocejos de defesa dos direitos indígenas.

    Nos caminhos e descaminhos do órgão indigenista do governo passaram generais, capitães e coronéis, bem como padrinhos e apadrinhados políticos como Romero Jucá.

    Nesse breve história, teve de tudo. Presidente da Funai que foi derrubado pelos índios antes mesmo de assumir, outro teve apenas um dia de presidência. Juruna e os Xavantes tiveram uma incidência marcante sobre a direção do órgão. Os militares impuseram seu bastão e suas armas a serviço do controle dos índios, seus territórios e saque dos recursos naturais. Apadrinhados políticos houve vários. Alguns chegaram a afirmar que para ser presidente da Funai não precisava entender de índios, mas somente de administração. Teve os arautos de novas políticas indigenistas, que morreram na praia com toda sua boa vontade. Entidades indigenistas tentaram dar novos rumos ao órgão, em vão! Alguns arautos de boa vontade chegaram a fazer exigências, nobres e urgentes, para assumir a presidência do órgão.

    A última estratégia deste festival de incongruências está sendo o da eterna interinidade, sinalizando que os direitos indígenas também sejam interinos. Mas essa cilada não passará incólume. A delegação dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, cobrou do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rosseto, uma resposta urgente sobre a efetivação do atual interino na presidência do órgão. “Exigimos do Poder Executivo respeito ao órgão indigenista, a Funai, consolidando o hoje presidente interino, pois é um cargo que demanda habilidade técnica e não política”. Porém, deixaram claro que é preciso mudar a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas, e não simplesmente a efetivação de alguém na presidência da Funai.

    Apesar de não terem nenhuma ilusão de que isso irá mudar substancialmente as políticas efetivas do órgão, acreditam que assim poderá ter um pouco de oxigênio na defesa dos direitos dos povos indígenas na atualidade.

    Pelo fim da Funai

    Ruralistas, membros da Comissão Especial da PEC 215, um tanto constrangidos com a presença de indígenas do Mato Grosso do Sul, não contiveram sua sanha contra esses povos  apontando sua artilharia pesada e fúria contra a Funai. “Se é para acabar com a Funai assino embaixo. Ela está com seu prazo de validade vencido”.  E perguntavam com malícia e ironia: “Onde a Funai quer chegar? Dizem que os índios já ocupam 12% do território brasileiro e a Funai com as terras indígenas desse tamanho quer chegar a 22%?” E passaram a desfilar números enganosos e inverídicos numa clara intenção de reforçar seus pelotões antiindígenas.

    Não é novidade o pedido de extinção da Funai, que a rigor é um desejo de extinção dos índios. Isso aconteceu diversas vezes nas últimas décadas. Diversas comissões parlamentares de inquérito foram criadas ou propostas: CPI do Índio ou CPI da Funai, CPI contra o Cimi, CPI da Amazônia. Todas com objetivo claro de impedir que os direitos constitucionais dos povos indígenas fossem respeitados.

    Em vários momentos, diante das acusações e arroubos conta os direitos indígenas, a plateia manifestou sua repulsa e indignação gritando: “Nos respeitem… Não falem mentiras… Chega de enganação”.

    A sessão pela demarcação das terras indígenas, solicitada e coordenada pela deputada Janete Capiberibe, teve a grande maioria das intervenções favoráveis aos indígenas e seus direitos. Vale destacar a exposição de Marcelo Zelic que pontuou a ação desastrosa das políticas do Estado brasileiro com relação dos povos indígenas, conclamando para uma efetiva reparação aos povos nativos, o mínimo a ser feito para começar uma pagar a dívida histórica.

    Além da urgente demarcação das terras indígenas, foi também pedido o “fim da interinidade falaciosa” que tem sido imposta aos últimos presidentes da Funai.

    A maratona contra a PEC 215 e todas as iniciativas dos Três Poderes visando tirar ou limitar os direitos indígenas, continuam. Muita reza e o fim da paciência e da impunidade: “Reforçamos que não aceitaremos estes ataques, denunciamos que as ações neste sentido são inconstitucionais e criminosas. Aqui estamos, resistiremos e dizemos que se o Governo e Estado Brasileiro seguir com estes desmontes não nos restará alternativa se não retomarmos nossos territórios e buscar a justiça que nos cabe com as nossas próprias mãos. Nós, povos do Mato Grosso do Sul, estamos unidos neste sentido com todos os povos do Brasil para parar estes projetos de morte ou morrer pela vida de nosso povo” (Moção dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul l à sociedade e Estado brasileira).

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  • 20/05/2015

    Ouro da terra Yanomami era vendido em empresa da Avenida Paulista

    É na Avenida Paulista, o centro financeiro do país em São Paulo, o destino final do ouro extraído ilegalmente e contrabandeado por uma organização criminosa que devastou rios, florestas e provocou doenças e mortes aos índios da Terra Indígena Yanomami, no estado de Roraima.

    No endereço, segundo investigação da Polícia Federal, funciona uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), que é uma das sete instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central para operar no mercado da venda do ouro em lingotes (barras) para clientes no país e no exterior.

    Acima de qualquer suspeita nos negócios, a DTVM da Avenida Paulista virou o principal alvo da Operação Warari Koxi da Polícia Federal, que conforme a Amazônia Real publicou, desarticulou a cadeia da extração de minérios dentro da reserva indígena no dia 8 de maio.

    Participavam da organização, segundo as investigações, mais de 600 garimpeiros, 30 empresas, que tinham permissão de lavra de garimpo em outros estados, 26 comerciantes locais de venda de ouro de Boa Vista (RR), cinco servidores públicos, inclusive da Fundação Nacional do Índio (Funai). Há indícios do suposto envolvimento de indígenas yanomami no esquema.

    A organização criminosa movimentou com a venda do ouro do garimpo ilegal, financiado pela DTVM investigada, R$ 1 bilhão entre os anos de 2013 a 2014, diz a Polícia Federal.

    Em entrevista exclusiva à agência Amazônia Real, o chefe da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado, delegado Alan Robson Alexandrino Ramos, disse que não divulgará o nome da DTVM investigada em razão do segredo decretado no inquérito policial pela Justiça Federal de Roraima. Mas, adiantou que na sede da empresa em São Paulo foram aprendidos documentos que comprovam como a organização criminosa agia na reserva indígena, e cerca de 3 quilos de ouro em barras de 250 gramas.

    “O destinatário final, aquela que recebia o lucro de tudo isso, é a instituição financeira, uma DTVM da Avenida Paulista. O ouro (do território yanomami) chegava em São Paulo e entrava no mercado lícito, no mercado formal, através de fraude de documentos que apontavam a origem de garimpos devidamente autorizados em outros locais, que não o de Roraima, onde não existe garimpo autorizado. Então eles faziam essas fraudes justificando a origem do ouro com as notas fiscais”, afirmou o delegado Alan Robson, como é mais conhecido na PF.

    Os compradores do ouro vendido pela DVTM, que são pessoas físicas e jurídicas, também são alvo da investigação. “A princípio, quem está comprando o ouro da DTVM não sabe da origem ilegal, mas estamos investigando também. Apreendemos documentos na empresa nesse sentido”, afirmou o delegado Alan Robson.

    O caminho do ouro percorria cinco estados

    A distância entre as cidades de São Paulo e Boa Vista (RR) é de 3.140 km em linha reta. Da capital de Roraima, segundo a Polícia Federal, a financiadora DTVM da Avenida Paulista despachava centenas de garimpeiros para trabalhar em balsas no leito do rio Uraricoera, a região que se encontra o garimpo na Terra Indígena Yanomami.

    O rio Uraricoera tem cerca de 870 quilômetros de extensão da nascente na Serra de Pacaraima, na divisa das águas amazônicas com o rio Orinoco, na Venezuela, até a confluência com o rio Tacutu, formando o rio Branco, que margeia o município de Boa Vista.

    O garimpo ilegal financiado pela DTVM, segundo a Polícia Federal, funcionava em um raio de 280 quilômetros no extremo norte da reserva dos índios yanomami, na área que abrange as aldeias Homoxi e Paapi-ú, próximas da fronteira com a Venezuela.

    Conforme a investigação, de Boa Vista os pilotos de aeronaves, financiados pela DTVM da Avenida Paulista, despachavam os garimpeiros para dentro da reserva indígena e, no retorno transportavam ouro, pedras preciosas, como diamantes, além de minérios como tantalita. As 26 lojas de venda de ouro e joalherias da cidade cuidavam do envio da produção do garimpo ilegal para as empresas atravessadoras.

    A investigação da Polícia Federal diz que da capital roraimense, o ouro seguia com os pilotos de aviões para Manaus (AM), Itaituba e Santarém (PA) e Porto Velho (RO). Nestas cidades estão as mais de 30 empresas que têm permissão de lavra em garimpos pelo governo federal.

    Nestas empresas, o ouro retirado da reserva era transformado em lingotes, que são barras de 250 gramas do minério padronizadas para comercialização no mercado financeiro. Com as notas fiscais atestando a origem legal, o ouro seguia ao destino final que é na DTVM da Avenida Paulista.

    Para a sede da DTVM paulista, foi encaminhada por mês uma média 160 kg de ouro (o equivalente a R$ 17 milhões). Quando o esquema se consolidou em 2013, o envio de ouro chegou a duas toneladas por ano, segundo a PF.

    Os acusados responderão por crimes de sonegação fiscal, associação criminosa, extração de recursos naturais de forma ilegal, uso indiscriminado de mercúrio, usurpação de patrimônio da União, receptação de bens provenientes de crime, corrupção passiva, violação de sigilo funcional, contrabando, lavagem de dinheiro, e operar instituição financeira sem a devida autorização do Banco Central. As penalidades previstas podem resultar em 54 anos de prisão.

    Garimpo ilegal financiado pela DTVM era estruturado

    À Amazônia Real, a chefe da Delegacia de Segurança Institucional da Polícia Federal de Roraima, delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro, responsável pelo inquérito policial, disse que na primeira semana da Operação Warari Koxi 100 garimpeiros foram retirados da Terra Indígena Yanomami. Segundo ela, os agentes federais que atuam na ação apreenderam 30 balsas e destruíram 20 acampamentos, cada um podia abrigar cerca de 30 garimpeiros, mais de 600 pessoas.

    Denisse Ribeiro disse que os garimpeiros retirados dos acampamentos e encontrados em balsa em pleno rio Uraricoera foram conduzidos de forma coercitiva para prestar depoimentos, mas depois foram liberados em Boa Vista. “Nosso objetivo não é prendê-los, é entender o modo de operação da cadeia do ouro”, disse.

    A delegada não disse que foi apreendido ouro com os garimpeiros, mas afirmou que os agentes encontraram dentro da Terra Indígena Yanomami “um garimpo ilegal muito bem estruturado”.

    “Por causa da presença do garimpo há desmatamentos na região do rio Uraricoera e uso de mercúrio. Os danos à fauna como a caça são indiscriminados, um desfalque na floresta. Estamos coletando informações também do suposto envolvimento de indígenas yanomami na cadeia do ouro”, afirmou a delegada Denisse Ribeiro.

    Para o chefe da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado, delegado Alan Robson Alexandrino Ramos, a Operação Warari Koxi, que é por tempo indeterminado, foi um ataque certeiro aos crimes dentro da reserva yanomami com a conivência de servidores públicos.

    Dois funcionários da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami Ye´kuana da Funai são acusados de receber propina para facilitar o esquema ilícito do ouro como fornecer informações de possíveis ações da Polícia Federal na reserva. A reportagem apurou que os sigilos telefônicos e bancários dos acusados foram quebrados pela Justiça para a coleta de provas contra os acusados.

    “A gente avalia a operação como um grande sucesso, principalmente, em razão do ataque aos servidores públicos (envolvidos), que são pessoas que deveriam estar protegendo os índios, protegendo o patrimônio, a cultura, mas estavam atuando diretamente na criminalidade. E, em razão de chegarmos até a instituição financeira (DTVM) destinatária do ouro ilícito, a maior instituição já descoberta”, disse.

    A Operação Warari Koxi tem parceria do Ministério Público Federal de Roraima e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Segundo o MPF, foram cumpridos 313 mandados judiciais, sendo 98 em Roraima, e o restante pelos estados do Amazonas, Rondônia Pará e São Paulo. “A investigação segue em curso para desarticular a indústria do ouro ilegal no Estado de Roraima”, disse nota do MPF.

    A Terra Indígena Yanomami está situada entre os estados de Roraima e Amazonas com mais de 9,6 milhões de hectares. A população indígena é de 21.249 pessoas, segundo dados atualizados do Ministério da Saúde em 2013.

    Oficialmente, o garimpo na reserva indígena foi fechado no início dos anos 90, quando mais de 40 mil homens invadiram a reserva atrás de ouro e cassiterita. Na ocasião, houve o registro de muitas mortes de indígenas por epidemias e violência. Mesmo fechado, as incursões de garimpeiros nunca terminaram.

    Por causa das denúncias de extração ilegal de ouro, doenças e danos ambientais na reserva, o líder Davi Kopenawa Yanomami, que vive na região do rio Demini, foi ameaçado de morte em 2014. Davi ainda não comentou a operação da PF.

    Em entrevista à Amazônia Real, o diretor da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e filho de Davi, Dário Yanomami disse que a operação pegou “os peixes grandes e graúdos”, mas não quis comentar o suposto envolvimento de João Batista Catalano, o servidor público que foi afastado por determinação da Justiça Federal do cargo de coordenador da Frente de Proteção Yanomami e Ye’kuana da Funai.

    Servidor da Funai diz que virou alvo por que combatia garimpos

    Em entrevista concedida à Amazônia Real, o servidor público João Batista Catalano disse que foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de corrupção passiva, extração de recursos naturais de forma ilegal por suspeitas de ser proprietário de balsas dentro da Terra Indígena Yanomami e participação na evasão de divisas, que é a operação de cambio que envia dinheiro para o exterior.

    “Esses crimes eu venho combatendo há mais de três anos e fiz uma operação que causou um prejuízo de R$ 10 milhões aos garimpeiros. Então essa denúncia contra mim parte dos garimpeiros, que falam num único coro que eu pegava muito ouro, pelas contas deles algo em torno uns R$ 5 milhões. Eu não tenho esse patrimônio. Meu patrimônio é condizente com o meu salário, não tenho nem R$ 200 mil de patrimônio, olha que sou servidor há 12 anos. Tenho uma casa, um curso preparatório e uma chácara, então não condiz com a denúncia”, disse João Catalano.

    O coordenador afastado da Frente de Proteção Yanomami e Ye’kuana da Funai estava no cargo havia cinco anos. Ele estava sendo cotado para assumir o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y), do Ministério da Saúde, que tem um orçamento de 112 milhões.

    Catalano disse que vê relação das denúncias com uma tentativa de impedir seu trabalho de proteção da reserva depois que realizou na área uma operação em 2014, quando foi destruída uma draga, que custa mais de R$ 1 milhão, de uma mineradora que tem relação com um empresário paulista e políticos de Roraima.

    Eu sou ameaçado para barrar o meu trabalho. Minha verba foi cortada na Funai, então diminuí o número de operações, mas fiz questão de manter as ações no rio Uraricoera, aí começaram os boatos de que eu pegava propina. Estão me acusando que sou corrupto, mas não tenho patrimônio, o que eu tenho é dívida”, disse Catalano.

    No dia em que a operação começou (7), o servidor da Funai foi preso em flagrante por porte ilegal de arma de fogo. Foi solto após pagar uma fiança. Ele disse que usava uma “posse de arma” para se proteger das ameaças e por não ter recebido proteção da polícia.

    “Acho que a Polícia Federal está fazendo um trabalho certo, mas me incomodou muito só divulgar o meu nome. São mais de 300 mandados coercitivos, mas cadê as empresas e os donos das empresas. Só o meu nome foi arrastado para lama. Sou o criminoso que fui preso com uma posse de arma. Minha família está ameaçada e nunca me deram proteção”, reagiu o servidor pública da Funai.

    João Batista Catalano também negou denúncias de que tem relação com um concunhado da sua esposa, que seria operador de garimpos na terra dos Yanomami. “Infelizmente aqui em Boa Vista, 70% da população ou foi, ou é ou vai ser garimpeiro. Esse concunhado é um pedreiro e tivemos contato quando ele construiu minha casa. Quando comecei a intensificar as operações na reserva, rompemos as relações. Houve denúncias que esse concunhado cobrava propina em meu nome”, afirmou Catalano.

    A reportagem procurou o delegado Alan Robson para ele falar sobre o suposto envolvimento de João Batista Catalano. Ele disse que a investigação é muito clara em relação às provas colhidas sobre a “intensa participação desse servidor no recebimento de propina para facilitar o esquema ilícito do ouro”.

    “Para a Polícia Federal não há dúvidas. Mas, claro, ele vai responder um processo na Justiça. Tem o direito a defesa e ao contraditório. Mas, para a PF a investigação não demonstra dúvida, tanto que representamos e a Justiça Federal se convenceu e determinou o afastamento cautelar de da Frente até o fim das investigações”, disse o delegado Alan Robson.

    A Amazônia Real procurou também a Funai (Fundação Nacional do Índio) para comentar as denúncias contra João Catalano. A fundação disse por meio de nota que está acompanhando a Operação Warari Koxi, deflagrada pela Polícia Federal, e que aguardará os resultados das investigações.

    A reportagem ouviu o presidente do Sindicato da Indústria Extrativista Mineral e dos Garimpeiros do Estado de Roraima, Crisnel Francisco Ramalho sobre a retirada dos garimpeiros. Ele disse que a exploração ilegal de minérios na Terra Indígena Yanomami “é resultado da incompetência dos políticos de Roraima que não conseguiram regulamentar a mineração no Estado”.

     “Antes era o garimpo que sustentava a economia. Hoje só tem dinheiro em Roraima quem é dono de supermercados, drogarias e lojas de venda de veículos por que o dinheiro que circula é funcionalismo público. O povão está sem dinheiro e os políticos não conseguem regulamentar o projeto de mineração”.

    Sob protestos de organizações em defesa dos direitos indígenas e da proteção da Amazônia, tramita na Câmara dos Deputados o novo Código da Mineração, um projeto de substituição do decreto-lei 227, de 1967, que regula a atividade. Há ainda o Projeto de Lei (PL) 37/2011 que determina que o governo deve licitar as áreas de mineração.

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