• 03/08/2015

    No RS, liderança Kaingang sofre atentado e é baleada na coluna

    Na noite desse sábado (1º), na retomada da Terra Indígena (TI) Re Kuju (Campo do Meio, município de Gentil/Rio Grande do Sul), por volta das 19 horas, o vice-cacique Kaingang Isaías da Rosa Kaigõ e a liderança Deivid C. Kaigo sofreram um atentado a tiros, disparados por dois homens ainda não identificados. O vice-cacique e a liderança trafegavam de carro, do entroncamento da BR-285 em direção à comunidade Campo do Meio, quando foram emboscados e o carro alvejado por diversos tiros. Isaías da Rosa Kaigõ foi atingido na região da coluna e Deivid não foi atingido. A comunidade Kaingang prestou os primeiros socorros e encaminhou o vice-cacique ao hospital, em Passo Fundo/RS.

    As lideranças da comunidade Kaingang Re Kuju comunicaram imediatamente às polícias o violento atentado, porém não ocorreu nenhuma diligência, tampouco as polícias compareceram ao local do atentado para o levantamento dos fatos, apuração dos responsáveis pelos disparos e investigação dos motivos. As lideranças Kaingang estão formalizando denúncia junto ao Ministério Público Federal de Passo Fundo, exigindo a identificação e criminalização dos autores, que estavam em uma caminhonete.

    Os atentados com arma de fogo já ocorreram em outras oportunidades contra a comunidade Kaingang da TI Re Kuju. O primeiro, em dezembro de 2012, quando a casa do cacique Daniel Carvalho e de outras famílias Kaingang, na comunidade Campo do Meio, foram alvejadas por diversos disparos, inclusive de pesado calibre. Noutra oportunidade, em 2013, o próprio vice-cacique Isaías da Rosa Kaigõ sofreu um atentado, quando também teve seu carro alvejado por diversos disparos. Conforme relatos das lideranças Kaingang, os atentados foram imediatamente comunicados às polícias, contudo estas compareceram somente após alguns dias dos fatos. As investigações desses atentados permanecem inconclusas, sem a identificação de nenhum suspeito das autorias dos disparos, tampouco demandantes dos atentados.

    As lideranças indígenas têm manifestado preocupação e indignação aos constantes atos de violência que são vítimas as comunidades indígenas no Rio Grande do Sul. Os atentados sofridos atingiram e vitimaram diferentes comunidades indígenas, Kaingang e Guarani no Rio Grande do Sul, através de atentados a tiros, assassinato de indígenas, ameaças de morte, agressão física, discriminação e preconceito social (tanto de forma direta, como no uso de redes sociais virtuais, mídia eletrônica e por meios de comunicação tradicional – rádio, TV e jornal). Também preocupa o silêncio de alguns meios de comunicação, ao não noticiarem os constantes atentados sofridos pelos indígenas, óbvia evidência da parcialidade destes meios de comunicação. Causa estranheza às lideranças indígenas, a rápida criminalização, ação coerciva e prisão de lideranças e membros da comunidade indígena, mesmo que em situação de suspeita ou sem provas dos fatos, quando de atos imputados a autoria a estes. Porém, quando as comunidades e lideranças indígenas são vitimadas ou sofrem atentados a integridade física ou social, tais fatos não são apurados, e os autores e mentores dos fatos não são identificados e criminalizados.

    O Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) exigem a pronta investigação, criminalização e punição dos autores e mentores dos atentados à integridade física e disseminação do preconceito e discriminação social cometidos contra as comunidades indígenas no Rio Grande do Sul. O Comin e o Cimi reiteram a urgência no atendimento dos governos (federal e estadual) aos direitos territoriais tradicionais indígenas, através dos processos de demarcação das terras indígenas, que se encontram paralisados em decorrência de interesses alheios ao direito ancestral, reconhecido pela constituição federal e acordos internacionais que o Brasil firmou. O adiamento no reconhecimento deste direito é identificado como uma das motivações para a elevação da violência contra povos e comunidades indígenas no Brasil, bem como para a promoção de campanhas difamatórias e preconceituosas contra as comunidades indígenas.

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  • 31/07/2015

    Em ato de racismo, indígenas são expulsos de ônibus de viagem

    Indígenas do povo Kayapó, que vivem em Tucumã, no interior do Pará, foram alvo de um episódio de racismo e preconceito no início desta semana. Desde o último dia 17,  eles estavam em Goiás participando do 15º Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros e voltariam para a sua aldeia no último domingo (26), mas tiveram que adiar a viagem por conta da discriminação.

     

    Com as passagens compradas, 18 indígenas embarcariam em Brasília, em um ônibus que faria o trecho até Palmas (TO), o ideal para que chegassem a Tucumã. Do total, 14 deles se instalaram na parte superior do ônibus e outros quatro ficaram na parte de baixo. De acordo com Isaac Kayapó, líder do povo, uma mulher que estava em uma poltrona da parte inferior do veículo se incomodou com a presença deles. “Nós que pagamos! Ou vocês descem ou eu chamo a polícia”, teria dito a passageira.

     

    Isaac conta que, apesar da indignação pelo preconceito que estavam sofrendo, os índios optaram por não dar importância à discussão e, acuados, os quatro desceram do ônibus e foram largados no meio da rodovia. “Ela disse um monte de coisa horríveis, mas não queríamos brigar”, disse.

     

    O motorista interveio e perguntou se as partes queriam que ele chamasse a polícia. Mesmo com os indígenas cedendo ao preconceito da passageira, no entanto, o condutor simplesmente deu a partida e seguiu viagem sem prestar qualquer tipo de assistência.

     

    Os quatro indígenas expulsos foram acolhidos por uma van da organização do Encontro e voltaram em um ônibus no dia seguinte, com novas passagens compradas. A coordenação do  evento estuda agora acionar o Ministério Público e entrar com um processo contra a passageira e a empresa de ônibus por discriminação.

     

    “É um preconceito que se vincula a um desconhecimento sobre esses indígenas e se vincula também a um momento que estamos vivendo de muito radicalismo dentro da sociedade e essas pessoas às vezes saem do armário. Elas não falavam, e hoje elas acham que podem falar e exercitar seu racismo cotidianamente”, observou Tiago Garcia, assessor da secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que é uma das organizadoras do Encontro. “Ela cometeu um crime e merece ser punida por isso”, completou.

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  • 31/07/2015

    Cacique Aruã Pataxó é criminalizado por defender direitos indígenas na Bahia

    O cacique da aldeia Pataxó Coroa Vermelha, Aruã Pataxó, que é também vereador pelo município de Santa Cruz Cabrália, na Bahia, e presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat), foi criminalizado pela Justiça Federal e Ministério Público Federal em Eunápolis, por ter participado de um protesto em julho de 2008, quando mais de 200 indígenas ocuparam, pacificamente, a sede do Instituto Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN) em Porto Seguro.

    Aruã foi surpreendido com a notícia da condenação apenas um ano depois da sentença. Ele foi acusado de ‘invasão de prédio público e cárcere privado’, punido com um ano e quatro meses de reclusão em regime aberto, revertidos em serviços comunitários e pagamento de multa. A ocupação do prédio foi coletiva, mas o juiz, na sentença, responsabilizou apenas o cacique. Na decisão, apesar de reconhecer a legitimidade da manifestação política dos indígenas, o magistrado ressalta que “não se podem tolerar reivindicações baseadas na violência, ameaça e perturbação da ordem pública sob pena de que tais atos acabem por se tornar exemplo que anime toda a comunidade da aldeira de Coroa Vermelha a usar deste estrategema para alcançar seus fins, que são lícitos”.

    O processo transitou em julgado no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) em julho de 2014. Aruã, no entanto, não teve nenhuma oportunidade de recorrer da decisão. O cacique, em nota pública divulgada nessa quinta-feira (30), acusa as Procuradorias da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Advocacia-Geral da União (AGU) de “falta de competência, responsabilidade e compromisso”, porque, “além de não apresentarem testemunhas de defesa, não deram a devida importância de recorrer da sentença em instâncias judiciárias superiores”.

    Aruã, agora com a assessoria de um advogado, espera reverter a decisão de alguma maneira e enviou ofício à Procuradoria da Funai em Brasília. “É uma injustiça isso. Nosso protesto foi legítimo”, diz o cacique, explicando que a motivação foi a morosidade do Iphan em analisar um projeto de construção de 200 pontos comerciais (ocas tradicionais), a reforma do museu indígena e a construção de píer na Terra Indígena Coroa Vermelha, sendo que o projeto de construção das ocas era previsto no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 24/8/2005 entre Ministério Público Federal, Iphan, Funai, Governo do Estado da Bahia, Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), Prefeitura Municipal de Santa Cruz Cabrália e a Comunidade Indígena Pataxó de Coroa Vermelha. “Depois de esperar três anos, a decisão da comunidade em ocupar o prédio é soberana enquanto decisão coletiva de um povo na luta por seus direitos sociais, e está sobreposta à vontade e/ou decisão individual da pessoa do seu representante, fato que pode ser facilmente identificado e confirmado por testemunhas indígenas e não indígenas”, diz Aruã. “causou-me grande estranheza a posição do representante do MPF de Eunápolis em denunciar-me à Justiça Federal, sendo que o próprio MPF é propositor do TAC firmado entre os demais órgãos públicos e a comunidade para a implantação do conjunto de obras e ações que restaram pendentes desde o ano 2000”, ressalta.

    O cacique explica que os fatos compõem a estratégia de criminalização de lideranças indígenas, “ação corriqueira da Justiça Federal e Estadual no Sul da Bahia, tal como aconteceu com os caciques Tupinambá Babau e Valdelice e com a liderança Pataxó Joel Braz”. O propósito, segundo Aruã, é “calar e intimidar as comunidades indígenas na luta por seus direitos, na educação, saúde, projetos sociais e principalmente na demarcação das Terras Indígenas”.

    Leia a nota pública divulgada pelo cacique na íntegra:

     Crime coletivo ou luta pela garantia dos direitos humanos?

    Eu, Gerdion Santos do Nascimento – Cacique Aruã, na qualidade de homem público, Cacique da Aldeia Pataxó Coroa Vermelha, presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat), vereador no município de Santa Cruz Cabrália e representante político dos Povos Indígenas da Bahia nas eleições de 2014, na candidatura de deputado estadual.

    Pela presente nota pública, venho informar e esclarecer a todos os amigos e simpatizantes da causa indígena na Bahia e no Brasil, que na data de 28/7/2015, fui criminalizado na subseção judiciária da Justiça Federal de Eunápolis/BA, pelo juiz Dr. Alex Schramm de Rocha, denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal de Eunápolis/BA, procurador federal, Dr. Fernando Zelada, condenado em sentença de ação penal de 1 ano e 4 meses de reclusão, em regime aberto, revertido em serviços comunitários e pagamento de multa, por invasão de prédio público e cárcere privado.

    O motivo foi à ocupação da sede do IPHAN em Porto Seguro, realizado de forma coletiva por mais 200 índios da Comunidade Indígena Pataxó da Aldeia Coroa Vermelha em 1/7/2008. O juiz na sentença deixou claro, responsabilizou-me “unilateralmente por ser o cacique da aldeia, pego como exemplo, a fim de coibir que a comunidade indígena da aldeia Pataxó Coroa Vermelha, use esse estratagema da força para alcançar os seus fins que são lícitos”. Enquanto a minha participação efetiva foi de mediador entre a comunidade indígena e as autoridades de governo na resolução do problema ora instalado.

    O protesto foi motivado pela morosidade e irresponsabilidade do IPHAN na análise técnica do projeto de construção de 200 pontos comerciais (ocas tradicionais), reforma do museu indígena e construção do píer na Terra Indígena Coroa Vermelha, no município de Santa Cruz Cabrália, no Extremo Sul da Bahia.  O primeiro objeto sendo este parte integrante de Termo de Ajustamento e Conduta (TAC), assinado em 24/8/2005, pelo Ministério Público Federal, IPHAN, Funai, Governo do Estado da Bahia/CONDER, Prefeitura Municipal de Santa Cruz Cabrália e Comunidade Indígena Pataxó de Coroa Vermelha. Após 3 (três) anos de espera, várias cobranças por documentos e reuniões, a situação ficou insustentável, indignados membros da comunidade indígena resolveram protestar ocupando o prédio do IPHAN, no qual foi realizado de forma pacífica e de maneira ordeira, sem agressão aos funcionários e sem dano ao patrimônio, apenas buscar uma solução urgente para resolver o problema e cobrar das autoridades governamentais o cumprimento do TAC.

    A justiça, principalmente o “Ministério Público Federal de Eunápolis/BA”, que tem a sua atribuição a fiscalização e garantia de direitos, sobretudo, no fato em questão, sendo o propositor do Termo de Ajustamento e Conduta (TAC), não cumpriu com seu papel institucional de garantir a efetividade do acordo, porém fez o processo inverso na criminalização de liderança por uma atitude da comunidade na cobrança dos seus direitos.

    Essa é uma ação corriqueira da Justiça Federal e Estadual no Sul da Bahia, na criminalização de lideranças indígenas, no único propósito de calar e intimidar as comunidades indígenas, na luta por seus direitos, na educação, saúde, projetos sociais e principalmente na demarcação das Terras Indígenas. Citamos como exemplos: a liderança Pataxó Joel Braz e os caciques Tupinambá Babau e Valdelice, os quais foram gradualmente criminalizados e presos, no processo de demarcação e regularização fundiária, na luta coletiva do Território Tradicional dos seus ancestrais.

    Essa ação penal, além de ser injusta e arbitrária, por condenar e responsabilizar um indivíduo por atitude da coletividade, caso se perdure terá efeitos desastrosos na organização social e política das comunidades indígenas do Extremo Sul da Bahia, pois transitou em julgado no TRF1 em julho de 2014, por falta de competência, responsabilidade e compromisso da Procuradoria Especializada da Funai/AGU, que além de não apresentar testemunhas de defesa, não deu a devida importância de recorrer da sentença em instâncias judiciárias superiores.

    Esta liderança indígena, só foi comunicada extra-oficialmente da sentença criminal em 20 de julho de 2015, pela Câmara de Vereadores de Santa Cruz Cabrália/BA, onde exerce cargo político, na função de vereador e vice-presidente da Câmara, eleito nas eleições de 2012. O Tribunal Regional Federal de Primeira Região, Subseção Judiciária de Eunápolis/BA, comunicou a Câmara de Vereadores da sentença, a fim das devidas providências na cassação de mandato.

    A Lei Orgânica Municipal diz que o vereador que for condenado em ação penal transitado em julgado perderá o mandato, cabendo a Câmara de Vereadores pronunciar-se e opinar sobre a matéria em questão. Porém, como a Câmara de Vereadores de Santa Cruz Cabrália está em recesso parlamentar de 1/7 a 1/8/2015, após a volta dos trabalhos, será aberto Procedimento Disciplinar para cassação ou não de mandato. Porém o fato supostamente ocorrido foi em 1/7/2008, a eleição de vereador ocorreu em 7/10/2012, então não se configura quebra de decoro parlamentar, pelo fato ter sucedido há mais de 4 anos antes do exercício do mandato, cabendo aos vereadores o entendimento sobre a matéria.

    Este mandato de vereador, alcançado a duras penas, luta e determinação das comunidades indígenas do município de Santa Cruz Cabrália, tem sido um importante instrumento de luta dos Povos Indígenas do Extremo Sul e todo estado da Bahia, na articulação das ações e políticas públicas de governos voltadas aos povos e indígenas tradicionais.  Por tanto, se faz necessária a manutenção deste mandato de vereador, a fim de continuar o fortalecimento da luta indígena e munícipes em geral, principalmente na luta pela demarcação e regularização fundiária das Terras Indígenas, assim como a legítima representação indígena nos espaços de poder.

    Sendo assim, chamamos atenção de todas as autoridades constituídas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, população de Santa Cruz Cabrália, baiana e brasileira, Povos e Comunidades Indígenas, sobre a ação e ataque sistêmico de criminalização de lideranças indígenas na Bahia, a partir do ano 2000, na luta por seus direitos constitucionais. Calar-se é aceitar a proliferação de atos que poderão alcançar muitos outros importantes líderes das Nações Indígenas do Brasil. Estamos fazendo a nossa parte neste caso, acionando as instâncias judiciárias e tribunais competentes para reverter esta incoerência da Justiça.


    Atenciosamente,

    Gerdion Santos do Nascimento – Cacique Aruã

    Cacique da Aldeia Pataxó Coroa Vermelha

    Presidente da FINPAT

    (Foto: Indígenas Pataxó protestam em Brasília | Laila Menezes – Cimi)

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  • 31/07/2015

    Juiz Kaiut determina mais um despejo contra Guarani e Kaiowá: dessa vez, a Retomada das Mães

    Uma ordem de reintegração de posse poderá ser cumprida a qualquer momento contra a Retomada das Mães, tekoha – lugar onde se é – Itaguá, no município de Caarapó, Mato Grosso do Sul. O despejo, expedido pela Justiça Federal de Dourados, será contra 50 famílias Guarani e Kaiowá que vivem em 30 hectares de um território reivindicado como tradicional, na divisa com a Terra Indígena Pindoroky, já delimitada e também sob ordem de reintegração.  

    O despejo de Itaguá foi determinado pelo juiz Fábio Kaiut Nunes, o mesmo que decidiu por outras três reintegrações, com prazo de execução em andamento: Apika’i, Tey Juçu e Pindoroky. Na mira de Kaiut estão cerca de 200 famílias Guarani e Kaiowá que podem voltar a sobreviver, do dia para a noite, às margens de rodovias no cone sul do MS: entre as cercas das fazendas que transformam em propriedades privadas territórios tradicionais e o asfalto, paisagem de miséria e morte para os Guarani e Kaiowá.

    Sobre a situação de Itaguá, a Fundação Nacional do Índio (Funai) entrou com recurso contra o despejo no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em São Paulo, e aguarda decisão. Nesta quinta-feira, 30, um oficial de justiça esteve na Retomada das Mães para constatar quantos são os Guarani e Kaiowá que estão na área a ser reintegrada ao suposto proprietário. No tekoha, a resistência já começou com rezas e rituais.  

    Conforme informações da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que atua na região, os indígenas são enfáticos: não sairão do tekoha, encravado entre plantações de cana. Com a paralisação do procedimento demarcatório de Pindoroky, os Guarani e Kaiowá não ocupam a totalidade do território. A superpopulação então provoca um quadro societário de confinamento e como não há espaço suficiente para o plantio, passam fome.

    A solução, portanto, foi ocupar áreas tradicionais que na verdade compõem um único território, na região: o Tey Kue. A Retomada das Mães, parte desse mosaico caleidoscópico, é assim chamada porque a ocupação foi organizada e executada majoritariamente por mulheres; mães e avós cansadas da situação de miséria e violência. Há cerca de um ano, no início de agosto de 2014, fizeram a retomada e ergueram um acampamento de lona. Resistiram a tudo: ameaças, pistoleiros, fome. Prometem agora resistir à reintegração.

    Uma cruz para Denílson  

    Em fevereiro de 2013, o corpo de Denílson Barbosa, Guarani e Kaiowá de 15 anos, foi encontrado sem vida depois que o jovem, o cunhado e o irmão de 11 anos foram atacados pelo fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves, de 61 anos, com propriedade incidente no tekoha Pindoroky. Denílson levou um tiro à queima roupa, sem nenhuma chance de defesa, e mesmo sem apresentar o menor perigo contra a integridade física de seu assassino. No local em que o corpo do jovem foi encontrado, está enfincada uma cruz.

    Na época, uma Guarani e Kaiowá declarou que as mulheres estavam cansadas de enterrar os próprios filhos – mortos por tiro, fome, suicídio. A cruz para Denílson tornou-se um símbolo para os indígenas. A retomada não tardou. Em busca da Terra Sem Males, enfrentaram pistoleiros e ameaças, pouco mais de um ano depois da morte de Denílson, e agora afirmam que enfrentarão a tentativa da Justiça de despejá-las, junto com suas famílias, de uma terra reduzida e devastada, mas Guarani e Kaiowá.

  • 30/07/2015

    A invisibilidade indígena em Amambai

    “A gente não quer só comida A gente quer comida, diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída para qualquer parte” (Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto)

    A música “Comida”, dos Titãs, banda de Rock dos anos 90, hoje mais pop, sempre me inspirou como um hino ao desejo. A ação do humano, como ser pensante, é a busca da satisfação de seus desejos e suas necessidades, de todas, das mais básicas, como alimentação, trabalho, segurança… às mais difusas, como lazer, arte, experimentação… Isso sempre me pareceu intrínseco ao ser humano, visto que, a maioria das pessoas, nunca está satisfeita com o que tem, buscando ir sempre além, na conquista de bens, de valores e de espaços de participação.

    A cidade de Amambai sempre foi um espaço de pouca opção para a juventude, que como ser humano, quer mais do que tem sempre. A cidade é linda, não pelos pontos turísticos, afinal são praticamente inexistentes, mas sim pela sua gente. É uma cidade sui generis, singular, no tocante a sua população. Somos uma mescla de povos. Aqui existem os sulistas, oriundos e descendentes dos gaúchos, catarinenses e paranaenses. Temos os paraguaios e seus descendentes. Temos nordestinos, mineiros, paulistas… Afinal aqui foi um dos “eldorados” dos anos passados, onde pessoas de vários cantos buscavam oportunidades de riqueza, fama e sucesso. Mas aqui já tinha gente. Aqui viviam, e vivem, os Guarani e Kaiowá, povo indígena com história, cultura, valores e forma de vida e produção dos saberes e fazeres.

    Segundo dados oficiais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e da Fundação Nacional do Índio (Funai), Amambai possui uma das maiores populações indígenas do estado do Mato Grosso do Sul, com aproximadamente 9 mil seres humanos, vivendo em três aldeias no município (Amambai, Limão Verde e Jaraguari), perfazendo um porcentual de 25% da população do município, que, como todo ser pensante, quer ir além de onde está.

    Quando ando na cidade, vendo os serviços públicos e privados, parece que não existem indígenas em Amambai. Eles não aparecem. Eles não são notados. No comércio, maior fonte de emprego por aqui, não vi nenhum trabalhador indígena. Se existe, não são nas lojas e mercados que eu já estive nesse meu ano e meio de volta à cidade. Nos espaços públicos só os vejo nos trabalhos braçais, e são poucos.

    Só como exemplo, a câmara municipal tem 13 vereadores. Tem vereador de diversos segmentos: fazendeiro, empresário, advogado, ex-prefeito, professor, enfermeiro, radialista… mas não tem nenhum Guarani e Kaiowá. Sendo eles 25% da população não seria meio óbvio que fossem também 25% da representatividade, pelo menos 3 vereadores deveriam ser indígenas. Mas também não existem mulheres entre os vereadores. Coisas da representatividade parcial e viciada que temos no atual sistema político. Muitos dos nobres edis falam em nome dos povos indígenas, ou pelo menos tentam passar essa impressão, mas até quando seremos nós, os não-índios, a falar em nome deles?

    Em tempo de acirramento das retomadas de terras pelas comunidades indígenas da região, Amambai e entornos, me incomoda o silêncio dos representantes do povo, do parlamento. Parece que não existem indígenas em Amambai. Os que defendem a classe dos fazendeiros, dos latifundiários, têm se manifestado. Os outros não. Ou não existem outros representantes na câmara? Será que são todos fazendeiros e eu me enganei na minha primeira análise? Pode ser, eu não estava aqui na última eleição, não sei quem pagou cada candidatura, afinal como dizia minha vó “quem paga a banda, escolhe a música”.

    No dia a dia da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), em Amambai, temos diversos Guarani e Kaiowá. Pelo menos lá eles e elas existem. Aparecem. São protagonistas de um processo de reafirmação cultural e valorativa. Confesso que tenho muito orgulho dos meus acadêmicos.

    Como bem disse o líder negro estadunidense, Martin Luther King, “o que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons”. Até quando seguirão caladas as pessoas de bem? Até quando as igrejas fingirão que a questão do conflito agrário não existe em Amambai e região? Até quando o preconceito contra os indígenas será visto como natural e aceitável? Até quanto parecerá que não existem indígenas em Amambai?

    Precisamos, urgentemente, colocar a temática na roda de debate das pessoas de bem. Não na ótica da assistência, não como passivos dos processos sociais, mas sim entendendo-os como protagonistas de sua história, como seres pensantes, que tem desejo e necessidade de ir além de onde estão.

    Esse tema deve ser refletido desnudado das paixões utópicas. Sem mitificar. Sem pré-conceitos, sem preconceitos. Partindo da visão que somos todos cidadãos amambaiense, com os mesmos direitos e as mesmas obrigações em relação ao município.

    Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?

    Eu tenho fome e sede de direitos, de igualdade, de oportunidades. Não para mim apenas, mas para todas as pessoas. Enquanto houver um humano, um ser pensante, sem direito, igualdade e oportunidade, eu não terei os meus realizados. Afinal, quero muito além de pasto e água. Quero e desejo vida de qualidade para todos e todas. Que fique claro, não sou antropólogo, não estudo a temática indígena. Sou apenas mais um ser pensante… E sigo pensando!

    Foto: Terra Indígena Amambai / Arquivo Cimi

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  • 30/07/2015

    Por expulsão de madeireiros, indígenas Ka’apor bloqueiam BR-316 no Maranhão

    Cerca de 100 indígenas do povo Ka’apor bloqueiam, desde as 5 horas desta quinta-feira (30), os dois sentidos da rodovia BR-316, entre os municípios de Nova Olinda e Zé Doca, noroeste do Maranhão. Os indígenas protestam contra a exploração ilegal de madeira na Terra Indígena (TI) Alto Turiaçu e a morosidade nas investigações acerca do assassinato de Eusébio, liderança morta em abril a mando de madeireiros. “A polícia não dá nenhuma resposta, parece estar resguardando os suspeitos. Não intimou nenhum madeireiro a depor”, diz uma liderança.

    Os Ka’apor têm sido perseguidos e ameaçados cotidianamente devido às ações de vigilância e proteção territorial que promovem na TI contra a ação de madeireiros. No dia 16 de julho, uma das principais lideranças na defesa do território foi alvo de um atentado a tiros. O Estado não ofereceu nenhum tipo de proteção aos indígenas, que temem por suas vidas. “Tentamos proteger nossa terra, mas sabemos que é muito fácil pra eles nos matarem, assim como fizeram com o Eusébio, porque nada acontece. Eles seguem impunes nas suas atividades ilegais, nos ameaçando e transportando caminhões e caminhões de madeira de dentro da nossa terra”, diz uma liderança do Conselho de Gestão Ka’apor, instância administrativa organizada pelos indígenas que monitora a educação, saúde e proteção territorial.

    Para desocupar a rodovia, os indígenas exigem a presença do secretário de Segurança do estado, Jefferson Miler Portela, de um delegado da Polícia Civil e de um representante da Fundação Nacional do Índio (Funai) de Brasília. As lideranças reivindicam ainda a instalação de postos de vigilância no território – decisão judicial de janeiro de 2014 que não foi cumprida pela Funai, Polícia Federal e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Os órgãos foram condenados pela Justiça Federal a implantar postos de fiscalização nas TIs Alto Turiaçu, Awá Guajá e Caru.

    Os indígenas também pedem ações na saúde e educação, como a contratação de professores, melhoras nas estruturas dos postos e escolas e a contratação de duas Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, para atuação nas aldeias. Os indígenas revelam que a coordenação regional da Funai é omissa e não atende as necessidades básicas nas aldeias. “Embora reconheça nosso trabalho, a Funai alega que a nossa luta não pode se resumir a pedir recursos. Se for assim, de onde conseguiremos apoio para continuar a resistência contra os madeireiros?”, queixa-se um indígena.

    Os Ka’apor organizaram o protesto depois de realizarem um encontro nessa terça (28) e quarta-feira (29) no município de Presidente Médici, onde debateram estratégias para a proteção da TI. “Vamos dar continuidade ao nosso plano de trabalho para o etnomapeamento e gestão do território”, revela um membro do Conselho de Gestão. “O encontro foi um momento de compreender a realidade indígena no Brasil, especialmente a situação dos povos Guarani-Kaiowá, Munduruku, Tupinambá e Terena”, explica a liderança. Durante o encontro, o grupo leu uma carta em que o povo Munduruku demonstra solidariedade aos indígenas Ka’apor e Guarani-Kaiowá e daí surgiu a ideia de realizar intercâmbio entre os povos. “Planejamos fazer encontros com nossos parentes indígenas, para compartilhar as experiências e estarmos juntos em atividades futuras”, diz o indígena.

    *Na primeira foto, a liderança Eusébio Ka’apor durante protesto pela proteção do território. Eusébio foi assassinado em abril e suspeitos não foram intimados. Clique aqui para saber mais.

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  • 30/07/2015

    Nota do Cimi Amazônia Ocidental sobre a morte da liderança Txate Ashaninka

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Amazônia Ocidental vem, por meio desta nota pública, externar seu profundo pesar pelo falecimento do lider indígena Txate Ashaninka (foto), do povo Ashaninka, aldeia Kokaçu, Terra Indígena Ashaninka e Isolados do Envira, Alto Rio Envira, município de Feijó.

    Txate era respeitadíssimo como líder e como pajé, ativo na defesa dos isolados do Envira. Seu falecimento se deu em decorrência de uma gravíssima hepatite que o mantinha internado no hospital do Juruá, cidade de Cruzeiro do Sul, há mais de um mês, onde faleceu na madrugada desta quinta-feira, 30 de julho.

    Sabendo da gravidade de seu estado de saúde, Txate solicitou à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que fosse transferido para sua aldeia. Desejava passar seus últimos momentos junto de seu povo, de sua família, em sua terra. Seu pedido, entretanto, não foi atendido e, lamentavelmente, seu corpo deverá ser sepultado na cidade de Cruzeiro do Sul, contrariando a tradicionalidade e o desejo do povo Ashaninka e de familiares.

    Compartilhamos com os Ashaninka do Envira nossos sentimentos de dor por tamanha perda e esperamos que os espíritos sigam conspirando a favor do povo Ashaninka do Envira, e que a  luta de Txate continue nas gerações atuais e futuras!

    Rio Branco, 30 de julho de 2015

    Rosenilda Nunes Padilha – Coordenadora Regional, Cimi Regional Amazônia Ocidental

     

  • 30/07/2015

    Movimento de mulheres indígenas da BA realiza encontro para discutir terra, violência e gênero

    Num clima de muita energia e participação coletiva, o movimento das Mulheres Indígenas do Sul da Bahia (Comisulba) realizou mais uma atividade, no último dia 25 de julho. Desta vez a mobilização ocorreu na aldeia Mãe, da Terra Indígena Caramuru Catarina-Paraguaçu, do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe. A ação política e de formação das mulheres foi forte como um Toré em ritual: mais de 150 indígenas se fizeram presentes para debates e troca de vivências.

    A alegria tomou conta do encontro, que foi recheado pela mística de abertura, brincadeiras, músicas, depoimentos, testemunhos e trocas de experiências para o fortalecimento das lutas das mulheres, na percepção de que não estão só nesta árdua caminhada. Se somaram ao grupo, no apoio e participação, a Teia de Agroecologia, Fundação Nacional do Índio (Funai), prefeitura de Itajú do Colônia, Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem-Terra (MST), Paróquia da Piedade, de Itabuna, Grupos de Mulheres Pataxó Hã-Hã-Hãe do Caramuru e Água Vermelha (Pau Brasil), mulheres Tupinambá da Serra do Padeiro, pessoas da comunidade local, estudantes e pesquisadores de universidades do Rio de janeiro e de Salvador; sobre a coordenação da educadora popular Alda Maria Oliveira, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rizia Muniz, Claudinha, Zezé e Rafaela.

    Vale lembrar que houve incontáveis contribuições da comunidade local e de amigos da cidade. Este encontro aconteceu com o objetivo de reanimar as mulheres da comunidade local a partir das experiências dos grupos parceiros presentes, no sentido de fortalecer as mesmas, saindo do isolamento.

    Relatos de vida e luta

    Nós não tínhamos liberdade, éramos mandados pelo chefe de posto, aprendíamos o tempo todo a trabalhar, a ser escravo, não íamos para a escola, éramos discriminados, não tinha direito a dizer que era índio, diziam na rua ‘olha os bichos’, que não falávamos português direito, que andava descalço, comia carne crua”, relatou Maura Titia Pataxó Hã-Hã-Hãe, uma das sobreviventes do povo Baenã.

    No emocionante relato de vida, Dona Maura, como é chamada, trouxe ensinamentos a todas as participantes, dentre crianças, jovens e adultas. Trouxe a lembrança de vários das lutadoras e lutadores que junto com ela fizeram a história da aldeia e da defesa dos direitos indígenas, contra a tirania de fazendeiros e do Estado, e dos ensinamentos dos velhos que contribuíram para que ela se tornasse uma liderança. Dona Maura analisa que as mulheres são líderes também dentro da aldeia, por elas mesmas, sustentando a família em casa, cozinhando e cuidando dos filhos.

    Dona Maura é uma das sobreviventes do povo Baenã, que foi dizimado na região, e por conta de seu marido ser Pataxó Hã-Hã-Hãe, sobreviveu. O registro de nascimento da indígena foi queimado pelos chefes de posto, por isso não sabe ao certo a data de nascimento. “Hoje temos nossas terras, vamos brigar por elas, vamos aprender com os velhos, vamos ouvir e buscar nossos direitos”, disse.

    Na sequência, Dona Maria da Glória de Jesus, da aldeia Tupinambá na Serra do Padeiro, colocou que as retomadas de territórios indígenas são garantidas pelas mulheres. “As mães têm que ensinar a cultura, incentivar os filhos a ficar na aldeia, a não tirar o colar e o maracá, a não ser empregado. Vamos sentar com Dona Maura e ouvir as histórias e dar valor a essa terra em que se derramou tanto sangue”, enfatizou.

    A cacique Ilza Pataxó Hã-Hã-Hãe complementou relatando os desafios em ser uma liderança mulher, da própria comunidade questionar a capacidade de liderança e das jornadas que se acumulam, dentro e fora de casa, na luta, e assim como as falas anteriores, também indicou a necessidade de valorizar o saber ancestral: “Os anciãos são as nossas faculdades”.

    Violência contra a mulher

    Na parte da tarde, o debate foi sobre a violência contra as mulheres e as desigualdades de gênero, partindo de uma canção entoada por todas: Do tronco da vida, mesmo ferida, nasce uma flor rindo da dor”.

    Nos debates, as mulheres puderam perceber como se inserem num processo histórico da sociedade que reproduz a desigualdade dentro de casa, com todas as tarefas domésticas sobre as costas, sejam jovens ou adultas. As mães, dentro de casa, acabam criando os meninos de uma forma e as meninas de outra, se colocando a serviço dos maridos e dos filhos homens, com baixa autoestima, sofrendo difamações dos companheiros e até mesmo violência verbal ou física. Esse debate é importante tanto para homens quanto para mulheres justamente para que o ciclo seja quebrado para uma sociedade com equidade e justiça, dentro e fora das aldeias.

    Durante o encontro, houve também um debate, na parte da manhã, sobre a saúde da mulher, com a apresentação dos sintomas e prevenção do HPV, câncer de mama e de útero, assessorado pela equipe médica local da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). O Toré encerrou o encontro das mulheres dos vários povos presentes.

     

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  • 29/07/2015

    Dom Erwin Kräutler: “O caos estava programado de antemão”

    138 índios assassinados (sem contar as tentativas de homicídio), 135 suicídios, 785 crianças indígenas mortas, 118 casos de morosidade na regularização de terras e 84 invasões possessórias. Isso apenas em 2014, segundo o relatório Violência contra os povos indígenas do Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

    Presidente do CIMI, Dom Erwin Kräutler é bispo do Xingu há 50 anos e um dos maiores opositores da construção da usina de Belo Monte, e por isso conta com autoridade e experiência para explicar o grau de intolerância da sociedade em relação aos indígenas, que sofrem incessantes ataques aos seus direitos desde a chegada do homem branco ao dito “Novo Mundo”. Para ele, essa problemática está engendrada em nossa cultura: “grande parte do material didático das escolas deve ser revisado. A verdadeira história do Brasil precisa ser contada não do ponto de vista dos que ‘descobriram’, mas do ponto de vista das vítimas que são, em primeiro lugar, os povos indígenas”.

    O religioso austríaco naturalizado brasileiro foi consultado pelo Papa Francisco para a formulação de sua Encíclica “Laudato Si” e critica o processo de desenvolvimento brasileiro na mesma linha que o Papa alerta para as consequências do capitalismo desenfreado: “optar por um crescimento que deteriora cada vez mais o meio ambiente é cortar o galho em que estamos sentados”. E chama atenção para a demarcação de áreas indígenas como “uma forma de salvaguardar parte da Amazônia contra a fúria do agronegócio, das empresas mineradoras e hidrelétricas”.

    A seguir, em entrevista exclusiva para o Greenpeace Brasil, Dom Erwin Kräutler fala sobre a violência, a mortalidade, o preconceito e a indiferença que ainda permeiam as relações com as comunidades indígenas.

     

    O Relatório do Cimi sobre Violência Contra os Povos Indígenas, lançado semana passada, registrou uma escalada na taxa de violações contra esses povos, com crescimento de 42% no número de assassinatos. No texto de abertura do relatório, o senhor pede misericórdia aos indígenas que “encontram-se hoje feridos entre o Chuí e o Oiapoque”. A que você atribui este aumento?

    Há vários motivos para a escalação da violência. O primeiro está ligado à não-demarcação das áreas indígenas. O governo é refém do agronegócio e a bancada ruralista é contra demarcações previstas na constituição. A PEC 215 quer tirar do Executivo a prerrogativa de demarcar áreas indígenas e fazer depender qualquer demarcação de uma votação no Congresso. Isso equivale a dizer que não haverá mais demarcação, porque a bancada ruralista, cujo número de assentos no Congresso aumentou, não vai votar a favor de área indígena. Percebe-se, em segundo lugar, um ressurgimento de antipatia e aversão aos indígenas. Mesmo que eles estejam amparados pela Constituição em seus direitos a “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e o direito originário às terras que tradicionalmente ocupam” (Art. 231), continua arraigada no coração de muitas pessoas a ideia de que índio “não é gente”, é “bicho do mato”, é “bugre”, é “caboclo”, é inferior, pária, segregado. Não se admite que os indígenas tenham direito às suas terras ancestrais já que não as exploram para o mercado e a exportação. Numa sociedade orientada pelos ditames neoliberais de investir e lucrar, os indígenas são considerados obstáculos para o desenvolvimento. Lula declarou isso em 2006, em um banquete oferecido pelo então governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, quando o então presidente identificou índios, quilombolas, ambientalistas e até o Ministério Público como “entraves” para o progresso.

    Entre os dados do relatório, talvez o mais impressionante seja a taxa de mortalidade de crianças entre 0 e 5 anos, que é de 785 mortes em 2014. Em Altamira, município atingido pelas obras da hidrelétrica de Belo Monte, a taxa de mortalidade na infância chegou a 141 a cada mil crianças, número dez vezes maior que a taxa nacional. O que causa estas mortes no Brasil? E em Altamira, Belo Monte contribui com esse quadro?

    Há várias causas para este descalabro que envergonha o país, mas vejo um relacionamento entre a mortalidade de crianças e os grandes projetos governamentais que parecem ser algo sacrossanto, decidido nos altos escalões do governo sem levar em conta quem vive na área. A decisão e as deliberações sobre a execução do projeto são tomadas em lugar “asséptico”, como se o povo não existisse e muito menos o meio-ambiente, que é a casa em que esse povo vive. A decisão é indiscutível e irrefutável, pois o projeto é considerado de “interesse nacional”. Uma vez decidido o projeto, encaminha-se o EIA-RIMA. De acordo com a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), o primeiro item analisado em impactos ambientais é “a saúde, a segurança e o bem-estar da população“. Mas este ponto é o mais negligenciado, haja vista a situação caótica de Altamira. Já contando com o afluxo de milhares de pessoas, em vez de providenciar uma infraestrutura hospitalar e de assistência médica, deu-se luz verde à construção, relegando as condicionantes exigidas pelo Ibama ou pela Funai a segundo plano. No caso de crianças indígenas, a realidade é mais vergonhosa. Em muitas aldeias, faltam medicamentos elementares. Com todos os avanços de tratamento de saúde no mundo, aqui morre criança acometida por diarreia e vômito e outras causas facilmente tratáveis. Quem não se revolta com um orçamento muito aquém do necessário para a saúde e bem-estar precários da maioria dos brasileiros? Quem não fica indignado quando percebe o abismo entre os que tem condições de se tratar nos melhores hospitais e o povo madrugando em fila para marcar consulta ou aguardando atendimento, deitado no chão de um corredor de posto de saúde ou hospital superlotados?

    Além da violência física, o preconceito e a indiferença são marcantes na sociedade brasileira. Muitas pessoas se manifestam contra os indígenas em nossas redes sociais, culpando-os pelos danos florestais, dizendo que não pagam impostos, trancam estradas, obstruem o desenvolvimento etc. Muitas vezes, o que reforça esse preconceito é o acesso de índios a serviços básicos como telefonia e internet. Até quando vestem calças e camisetas viram alvo de crítica, como se deixassem de ser índios. Por que o senhor acha que existe tanta hostilidade em relação aos indígenas e como romper com isso?

    Grande parte da sociedade brasileira ainda não entranhou os parâmetros da Constituição de 1988, que consagra os direitos dos povos indígenas. Continuam em voga padrões ultrapassados de constituições anteriores que defendiam a tese da “incorporação dos silvícolas à comunhão nacional”. É isso que os anti-indígenas de norte a sul querem: aplicar os parâmetros das antigas constituições. O índio tem que se tornar brasileiro “comum“, tem que abdicar à sua identidade de pertencer a esse ou aquele povo. A atitude de muitos anti-indígenas não deixa de ser esquizofrênica: por um lado, índio tem que deixar de ser índio, tem que sair da aldeia, tem que largar sua maneira de ser, seus cocares e pinturas corporais para ser um brasileiro igual a todos. Mas, por outro lado, se o índio veste calça jeans e camiseta estampada, usa telefone celular e fala bem português, aí os defensores de brasilidade idêntica para todos começam a gritar que ele não é mais índio. Preconceito gera intolerância e hostilidade. É puro racismo! E racismo é crime. O preconceito começa cedo. Grande parte do material didático de nossas escolas tem que ser revisado. A verdadeira história do Brasil precisa ser contada não do ponto de vista dos conquistadores, dos que “descobriram” e dominaram a Terra de Santa Cruz, mas do ponto de vista das vítimas que são, em primeiro lugar, os povos indígenas e depois os negros trazidos como escravos. “O Brasil não tem ideia da riqueza humana e cultural que se perde ao insistir em uma política que não se cansa de tentar transformar índios em pobres, ‘integrados’ às levas de marginalizados que ocupam as periferias das grandes cidades” escreveram Maria Rita Kehl e Daniel Pierri no Dia do Índio, em 2015, na Folha de S. Paulo.

    A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, prevê a consulta e a participação dos povos tradicionais na produção de leis e políticas que interferem em suas vidas. Qual a importância desse mecanismo na defesa dos direitos indígenas? A Convenção tem sido respeitada nos casos de grandes obras de infraestrutura, como as hidrelétricas planejadas para a Amazônia, a exemplo de Belo Monte e Tapajós, próxima tragédia em iminência na região?

    No caso de Belo Monte, não houve consulta nem participação dos indígenas. Houve um faz-de-conta de consulta. Representantes do governo foram a diversas aldeias para explanar aos índios o que iria acontecer, querendo convencê-los de que a hidrelétrica só traria vantagens. A fim de dobrar os índios, apresentaram mapas e deitaram falação em forma de monólogos muitas vezes incompreensíveis. Os índios não tiveram oportunidade de expor seu ponto de vista. Em diversos casos, a barreira linguística impediu desde o início uma oitiva de verdade. O pessoal enviado a determinada aldeia não falou o idioma indígena e não se deu ao luxo de deixar acompanhar-se por intérpretes fidedignos. Realidade é que nenhum dos povos atingidos teve oportunidade de se manifestar. A iniciativa nada mais foi do que camuflar de “oitiva” uma mera explanação sobre a planejada hidrelétrica. O desembargador Souza Prudente alertou, em agosto de 2012, que a consulta teria que ser prévia e não podia ser “póstuma”, mas na realidade a consulta nem sequer foi póstuma. Do ponto de vista da legislação vigente, ela é ilegal pois fere os parâmetros da Constituição da República Federativa do Brasil e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Uma notícia alvissareira neste contexto pode ser a decisão tomada pela Justiça Federal de Itaituba e pelo Ministério Público Federal que proibiram o licenciamento da Usina São Luiz do Tapajós enquanto não for realizada “a consulta prévia, livre e informada sobre o assunto“. Antes de qualquer licenciamento, tanto os povos indígenas como os ribeirinhos terão que ser ouvidos. O Ministério Público Federal solicitou ainda à Justiça que determine levantamentos mais amplos sobre os impactos ambientais na região. Faço votos de que nenhuma instância superior venha agora derrubar esta sentença, alegando “interesse nacional“.

    Entre diversos ataques do Congresso aos direitos indígenas, em junho foi reinstalada uma Comissão Especial para analisar e aprovar o PL 1610, que trata sobre mineração em territórios indígenas. Segundo o deputado Índio da Costa, presidente dessa Comissão, os índios não perderiam nenhum direito, apenas teriam mais um: o de escolher se aceitariam ou não a mineração em suas terras. Se aprovada a lei, com base no histórico brasileiro neste tipo de processo de consulta, o senhor acha possível que povos contrários impeçam a mineração em suas terras?

    A mineração em terras indígenas é uma verdadeira espada de dois gumes. Se os índios não “cederem”, parece-me fácil prevalecer a tese das mineradoras que a pesquisa e lavra de minerais nobres como ouro, diamante e nióbio (usado em usinas nucleares) são de “interesse nacional” e de fundamental importância para o país. O lobby das mineradoras no Congresso Nacional é grande, e é difícil acreditar que algum povo indígena levará vantagem contra as mineradoras. Se os indígenas concordarem com a pesquisa e lavra de minérios em suas terras, é um tiro no próprio pé, pois assinala o fim de sua existência como povo. Serão vítimas do que chamo de “auricídio”: o ouro ou outro minério mata suas relações comunitárias e os fará sucumbir a um consumismo letal. A presença de não-indígenas fará estímulos não-indígenas se sobreporem a seus costumes e tradições. Nenhum povo indígena sai ileso da mineração em seu território. Não esqueçamos também o risco de contaminação dos rios e do meio-ambiente em que a mineração implica. A extração de ouro industrial exige a retirada de toneladas de terra e rocha. Para cada tonelada, um grama de ouro será retirado. O problema é que o processo vai expor o arsênio contido na rocha, que, em caso de vazamento para o rio, pode ter consequências mortais para as comunidades indígenas que vivem das águas do Xingu. Para o mesmo um grama de ouro, são liberados até sete quilos de arsênio, “que é altamente tóxico“. Essaadvertência divulgada no site do MPF/PA dispensa qualquer comentário.

    Alguns criticam a encíclica do Papa Francisco, que teve o auxílio do senhor em sua formulação, por conter um discurso anticapitalista, uma vez que ele nos convida a rever alguns hábitos da nossa cultura, como o consumismo exagerado. Muitos opõem conservação ambiental com o crescimento do país, como se fosse possível apenas uma coisa ou outra. A seu ver, essa dicotomia é real? 

    Ao ler as raras críticas à Encíclica “Laudato Si” do Papa Francisco, logo me dei conta de que seus autores ou não leram o documento ou o leram superficialmente ou o leram movidos por preconceitos. Dou como exemplo o recado dado ao Papa pelo candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Jeff Bush. Sem o acanhamento, sentencia que o papa teria feito melhor se deixasse “assuntos de ciência aos cientistas”. Com o comentário, revela que não entendeu nada, pois a encíclica não tem a pretensão de ser um tratado científico. Na realidade, alguns políticos conservadores e empresários consideram o Papa “liberal demais”, por sua abertura a questões sociais e sua crítica a um capitalismo selvagem, gerador de miséria e exclusão social. A encíclica não se restringe aos católicos, pois a questão do meio-ambiente ultrapassa qualquer fronteira confessional. Trata da sobrevivência da humanidade. É absurdo colocar o crescimento do país em oposição aos cuidados que o meio-ambiente exige. Optar por um crescimento que deteriora o meio-ambiente é cortar o galho em que estamos sentados. O Papa lança “um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós“ (LS 14). Lamenta que “a terra, nossa casa, parece se transformar num imenso depósito de lixo“ (LS 21). Insiste que “a humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de vida, de produção e de consumo, para combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam“ (LS 23). E dá seu recado em vista da Conferência Mundial do Clima em Paris dizendo: “A submissão da política à tecnologia e à finança se demonstra na falência das cúpulas mundiais sobre o meio ambiente. Há demasiados interesses particulares e, com muita facilidade, o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não ver afetados os seus projetos“ (LS 54). Quem de nós que nos engajamos na Amazônia e lutamos contra a exploração inescrupulosa desse macro-bioma e em defesa dos povos que habitam esta terra não se sente apoiado quando lê as palavras do Papa? “É louvável a tarefa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos mecanismos de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não-delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país, sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais“ (LS 38). Quanto aos povos indígenas o Papa Francisco enfatiza: “É indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura“ (LS 146).

    Para finalizar, é sabido por meio de diversos estudos que as terras indígenas são uma das formas mais efetivas de prevenção do desmatamento, que é um dos grandes responsáveis pelas emissões de gases efeito estufa na atmosfera. No entanto, o ano de 2014 foi marcado pela morosidade do Poder Executivo em assinar e homologar terras indígenas já demarcadas e sem nenhum impedimento legal. O senhor acredita que um dos caminhos para o Brasil se firmar líder no combate às mudanças climáticas seria ampliar o número de territórios indígenas?

    A demarcação das terras, além de ser um direito constitucional dos povos indígenas e a garantia de sua sobrevivência física e cultural, contribui também para salvar pelo menos parte da Amazônia. A história recente da região Alto Xingu da Prelazia do Xingu, no Pará, ilustra a tese de que a demarcação de áreas indígenas tem imensa importância para o conjunto da Amazônia. São Félix do Xingu emancipou-se de Altamira em 29 de dezembro de 1961. Estive pela primeira vez nesse município em 1967. Sobrevoando naquele tempo a região, só se via selva e água e as minúsculas clareiras da sede do município e das aldeias indígenas do povo Kayapó. Jamais esqueço o impacto deste mundo de todas as nuances e tonalidades de verde do qual emergiram os ipês em flor, lilás ou dourados. Em menos de meio século, quase nada restou da paisagem deslumbrante. O paraíso foi arrasado, a biodiversidade em grande parte destruída e a terra desnudada. Hoje, sobrevoando a região, pode-se ver onde terminam as áreas indígenas demarcadas e começa a melancólica vastidão das áreas desmatadas. O que sobrou de vegetação originária são apenas as áreas indígenas demarcadas. Esses dados demonstram por si que a demarcação de áreas indígenas junto aos parques nacionais – que representam pouco mais de um milhão de quilômetros quadrados ou 26% da Amazônia Brasileira – é uma forma de salvaguardar parte da Amazônia contra a fúria do agronegócio, das empresas mineradoras e hidrelétricas. A demarcação das áreas indígenas prevista na Constituição e um recomendável aumento de número de parques nacionais granjearia ao Brasil o respeito da comunidade internacional pois mostraria ao mundo a determinação em fazer sua parte para “mitigar a mudança climática” já que a “perda das florestas tropicais piora a situação” (LS 24).

  • 28/07/2015

    Amazônia: agir com sabedoria é agir a favor da terra

    Cada gesto que fazemos em direção à mãe-terra desencadeia um processo de conseqüências boas ou más sobre a vida no Planeta. Quando este gesto ou investimento é correto desencadeia um processo de conseqüências a favor da vida, alcançando o objetivo da ação e outros no seu caminho.

    Em uma estrada com declive a água das chuvas prejudica não apenas a estrada, mas causa erosão e assoreamento em todo o seu caminho rumo ao mar. O que se faz costumeiramente, à frente o poder público, é levar essas águas o mais depressa possível para dentro do igarapé, rio ou mar, acumulando um problema atrás do outro. A água abre sulcos cada vez mais profundos nas laterais da estrada, causa frequentes avalanches, transporta toneladas de terra que vão assorear igarapés e rios, prejudicando a flora e a fauna aquáticas… Ou seja, se desencadeia um processo de destruição que futuramente exigirá fortunas para ser reparado.

    Acolhendo esta água no sítio ao lado resolvemos o problema dos usuários da estrada: a erosão. Economizamos o dinheiro para a manutenção da estrada. No sítio a água canalizada irriga as plantas. E, abrindo buracos ao longo do canal, de espaço em espaço e enchendo-os com matéria orgânica resultante de poda ou lixo orgânico, estes formarão “ilhas de fertilidade”, onde poderão ser cultivados frutos, hortaliças ou plantas medicinais.  Os canais ainda absorverão e filtrarão parte da água que abastecerá o lençol freático… Assim a simples canalização da água para dentro de um sítio pode desencadear ações a favor da vida e do planeta.

    Semelhantemente, repetimos, a cada hora do dia que passa ações de consequências positivas ou negativas. A existência de sauveiros ou formigueiros de saúvas tem a sua finalidade positiva. São amaciadores e adubadores da terra árida e mediante os canais que criam no solo abastecem as águas os lençóis freáticos. Mantidos sob controle mediante água e serragem, protegem-se as flores e fruteiras e mantém-se a terra adubada e úmida… Combatidos com veneno desencadeamos processo inverso, de malefícios para a vida na terra. Destruímos a finalidade de sua existência, envenenamos a terra e os alimentos que ela produz. E os processos nefastos se prolongam ao infinito. O governo ainda não avaliou e talvez nunca vá avaliar os prejuízos que causou à Amazônia, ao mundo e continua causando com a entrega do chapadão dos Parecis e do estado de Tocantins ao agronegócio, que destruiu milhões de sauveiros que regulavam as águas rumo ao rio Amazonas e ao mar.

    Visite-se Santarém, considerada uma das concentrações humanas mais antigas das Américas. Vejam o que a Prefeitura e a população vêm fazendo com a “terra preta”, a melhor terra de toda a região amazônica. O que gerações e gerações de humanos acumularam com sua sabedoria para o cultivo da terra está sendo diariamente “enxotado” às toneladas, como lixo, para o Rio Tapajós, para o rio Amazonas, para o mar… para ser substituída por asfalto e cimento.

    Agronegócio, grandes hidrelétricas, asfalto, exploração de minérios para venda como comodities, desencadeiam processos de destruição da natureza, de saberes acumulados durante milênios e incalculáveis fontes de pesquisa.

    Todas as metrópoles são arsenais ou fábricas de burrice porque se estruturam todas sobre processos iníquos. É asfalto e cimento cobrindo a mãe-terra. São arranha-céus que exigem milhões de toneladas de seixo ou brita que vão aniquilando o alimento e os refúgios da fauna dos rios ou desmontam com potentes dinamites milhões de toneladas de rochas, abalando a estrutura do solo e do subsolo…

    A exploração da floresta para transformar sua madeira em mercadoria não é sustentável, pois também desencadeia processos nefastos para a humanidade. O madeireiro não reconhece e não vê valor nos cipós e na variedade imensa de plantas valiosas não-madeireiras, nem os animais silvestres e nem o abrigo das águas.

    O sustento e o incentivo cego às fábricas de carros e de plásticos descontrola a humanidade com relação ao destino do lixo inorgânico…

    O “cidadão” se transforma em um “urbanagem”, em “urbanoide”. Viciado por milhares de leis escritas acaba estruturando sobre elas toda a sua “sabedoria” e ”ciência”. A ciência congênita, ou consciência, fica em segundo plano ou até totalmente esquecida, tornando o cidadão um “paraplégico” entregue aos “cuidados” de um Estado cego, sempre descontrolado pelas forças ou interesses que o comandam. Assim em meio a toda esta crematística, como Aristóteles denomina este tipo de “economia” que vem sendo praticada pelos Estados, é salutar pensar na transformação do sistema político e social vigente e não apenas em paliativos.

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