• 28/08/2015

    Ruralista do MS mente e divulga fotos de incêndio em fazenda como ataque de indígenas

    O fazendeiro e ex-deputado federal Pedro Pedrossian Filho postou nesta quinta-feira, 27, em seu próprio perfil de uma rede social, fotos de um celeiro e de maquinários carbonizados afirmando que as imagens retratavam destruição feita por indígenas depois de invasão a uma propriedade. Em matéria publicada pelo portal paraguaio ‘Itapuá en Noticias’, as fotos utilizadas por Pedrossian eram – na verdade – de um incêndio ocorrido no último dia 24 e causado por curto-circuito em uma fazenda de Capitán Meza I, distrito paraguaio – leia aqui.      

    Em texto que acompanha a postagem das fotos, Pedrossian, além de tentar manipular a opinião pública, incita publicamente fazendeiros a ações violentas e clandestinas ao Estado contra os indígenas. “Não basta invadir, tem que destruir! Eu não quero comentar mais sobre isso pq todos já sabem a minha opinião e a partir da minha decisão é que nenhum índio vagabundo quis roubar minha propriedade. Agora se a decisão de vocês é esperar pelo Estado inexistente, o resultado é o previsto… O nosso país se chama Brasil (sic)”, escreveu o ex-parlamentar.

    Até às 20h40 desta sexta-feira, 28, as fotos e o texto tinham 1.516 compartilhamentos e 70 comentários de cunho racista e de incitação ao assassinato e violências diversas contra os indígenas. As declarações, até às 20h40, permaneciam no perfil de Pedrossian Filho. Vítimas da mentira do ruralista, dezenas de comentários alimentaram e expressaram ódio com o uso de termos preconceituosos: “Tiro, bomba e porrada nesses vagabundos”, “tem que contratar um “Funcionário” para eliminar esses índios inútil (sic)”, “bala neles”, "tem que chegar o pau na bugrada", "devemos defender (fazendas) com unhas, dentes e armas se for necessário".   

    Integrantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) foram alvos de ameaças de espancamento e xingamentos da turba virtual: “Os verdadeiros inimigos são o pessoal do Cimi e da Funai esses sim que merecem uma tunda de pau bem dada, mas pensa numa tunda bem dada (sic)”.

    A postagem de Pedrossian com a farsa do ataque dos indígenas foi associada, tanto por cidadãos sul-mato-grossenses quanto pela imprensa, às retomadas Guarani e Kaiowá de Ñanderu Marangatu, em Antônio João, e, em outras leituras, ao povo Terena da Terra Indígena Cachoeirinha, de Miranda, onde Pedrossian possui uma fazenda incidente no território Terena – conforme denúncias veiculadas pela imprensa, os indígenas foram expulsos a tiros de grosso calibre, no ano passado. Os municípios de Miranda e Antônio João estão separados por 290 quilômetros e tampouco estão próximos da fazenda paraguaia vitimada pelo curto-circuito.

    O episódio se soma a outros, ocorridos durante essa semana, envolvendo mentiras, boatos e calúnias perpetradas pelos ruralistas do Mato Grosso do Sul contra os povos indígenas. De acordo com servidores da Funai, tais informações inverídicas e incitações ao ódio contra os indígenas representam uma estratégia lamentável e perigosa de colocar a sociedade contra os Guarani e Kaiowá. Um dos resultados já é sentido: os fazendeiros mantêm a estrada de acesso do tekoha – lugar onde se é – Ñanderu Marangatu ao município de Antônio João bloqueada, causando escassez de alimentos aos indígenas e cerceando o direito de ir e vir da comunidade.

    Leia mais: Sindicato Rural de Antônio João espalha boatos e incita violência contra indígenas de Ñanderu Marangatu

    Read More
  • 28/08/2015

    Sindicato rural de Antônio João espalha boatos e incita violência contra indígenas de Ñanderu Marangatu

    Em nada as retomadas Guarani e Kaiowá de áreas tradicionais, localizadas dentro dos limites da Terra Indígena Ñanderu Marangatu, perturbaria a rotina dos moradores de Antônio João (MS) não fosse uma série de boatos e calúnias distribuídos através da imprensa e das redes sociais pelo Sindicato Rural do município, entidade classista dos fazendeiros com propriedades incidentes no território indígena. A população chegou a ser informada de que os Guarani e Kaiowá poderiam atear fogo à cidade, boato sem registros históricos de um dia ter sido cometido pelos indígenas.

    Conforme informações apuradas junto aos Guarani e Kaiowá e servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), as ações de retomadas estão restritas aos marcos de demarcação dos 9.300 hectares homologados pela Presidência da República, cujo decreto está suspenso há uma década e que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). “Não queremos fazer mal nenhum às pessoas da cidade. Apenas retomar nosso tekoha – lugar onde se é. Estamos agindo dentro da terra que é nossa”, afirma uma liderança indígena – não identificada por razões de segurança.

    Leia mais: Com homologação suspensa há dez anos, Guarani e Kaiowá retomam cinco áreas em Ñanderu Marangatu

    Tais boatos serviram para gerar uma onda de revolta e medo entre moradores e fazendeiros, que interditam o principal acesso ao município durante essa semana. Em nota pública, a presidente do Sindicato Rural, Roseli Maria Ruiz, afirmou que indígenas circulavam pela cidade com galões contendo gasolina, referindo-se ao boato de que colocariam fogo em toda a cidade. O absurdo das calúnias foi tamanho que o bispo de Dourados, Dom Redovino Rizzardo, respondeu em nota a ruralista. Com os boatos difundidos, um indígena acabou espancado ao ir abastecer a moto num posto.

    A Funai confirma a agressão e seus servidores alertam que tais boatos podem provocar violências mais graves contra os indígenas. “A boataria tem gerado pânico. Os indígenas abastecem suas motos e levam gasolina a outras, como forma de economia. Nada além disso. Frisamos que as ações de retomada estão restritas à demarcação e não atentam contra a vida de ninguém tampouco a ordem pública”, ressalta um servidor. Todavia, mentiras espraiam-se para além dos boatos e provocam confusão.

    De acordo com parte da imprensa sul-mato-grossense, os Guarani e Kaiowá teriam expulsados 40 famílias de uma vila chamada Campestre. Conforme o relatório de demarcação, a vila está dentro dos marcos de Ñanderu Marangatu. Indígenas, Funai e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirmam que cerca de 10% dos moradores da ‘vila’ não são indígenas e nenhuma dessas famílias foi despejada da localidade pelas ações de retomada.

    Na análise de indígenas e indigenistas, os fazendeiros pretendem criar um ambiente social contrário aos Guarani e Kaiowá para lançar contra o povo a ira da população de Antônio João, usando-a como massa de manobra e argumento para o Sindicato Rural usar junto às autoridades públicas. A reportagem apurou, junto a fontes que preferiram não se identificar, que os ruralistas temem entrar com ações de reintegração de posse por conta da grande população de Ñanderu Marangatu. O despejo seria algo impensável. Por outro lado, a ação das forças policiais ainda não conseguiu pacificar a situação, conforme os indígenas, por falta de orientação do Ministério da Justiça e de uma solução definitiva do governo federal para se efetivar a homologação, envolvendo o pagamento das benfeitorias.

    “Passaram (Força Nacional) por lá, mas rápido. Dizem que não podem agir sem ministro da Justiça (José Eduardo Cardozo) orientar”, protesta uma liderança da Aty Guasu, principal organização política dos Guarani e Kaiowá. Os indígenas não confiam no Departamento de Operações de Fronteira (DOF), polícia do governo sul-mato-grossense, denunciando ataques, intimidações e ameaças do órgão de repressão estadual. “DOF chega sempre com fazendeiro junto. Fazendeiro sempre diz que DOF está ali para apoiá-los”, destaca liderança Guarani e Kaiowá. Vídeo divulgado pelos fazendeiros demonstra não ser mentira – assista aqui.   

    A Funai informou aos indígenas que alguns fazendeiros começaram a procurar o órgão indigenista para a retirada de animais e pertences das áreas retomadas, demonstrando vontade de buscar uma saída pacífica e nos termos da lei vigente. “Não queremos nada deles. Podem levar tudo. Chamam a gente de bandidos, mas não somos não: daqui queremos apenas a terra que está comprovada ser nossa. Podem até desmontar as casas para ficar com os tijolos”, enfatiza uma liderança indígena.

    Não há notícias, até o momento, de movimentação do processo no STF que motivou a suspensão dos efeitos do decreto de homologação de Ñanderu Marangatu, há uma década. Na ocasião, em setembro de 2005, o então ministro Nelson Jobim decidiu que o ato presidencial seria suspenso até que ação movida por fazendeiros contra a homologação fosse julgada pela Corte Suprema. O processo hoje tem como relator o ministro Gilmar Mendes.   

     

     

    Read More
  • 27/08/2015

    Quilombolas retomam território no Maranhão

    Quilombolas das comunidades Cruzeiro e Triângulo, no Maranhão, retomaram seu território tradicional nessa quarta-feira (26), com o apoio do povo indígena Gamela. Leia a nota do Movimento das Comunidades Quilombolas do Maranhão:
    NOTA PÚBLICA DO TERRITÓRIO QUILOMBOLA CRUZEIRO E TRIÂNGULO E DO MOVIMENTO DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO MARANHÃO – MOQUIBOM


    Nas primeiras horas da manhã do dia 26 de agosto de 2015, os quilombolas das comunidades Cruzeiro e Triângulo retomaram seu território tradicional com o apoio do Povo Indígena Gamela. Esse território foi sendo grilado por fazendeiros desde os anos 80. Em 2009 e 2010 sofreram quatro despejos com ordem judicial a pedido do latifundiário Manoel de Jesus Gomes, que em 2011 foi acusado pelo ministério público de ser um dos mandantes do assassinato da liderança quilombola, Flaviano Pinto Neto do quilombo Charco, município de São Vicente de Férrer.

    Esta situação de violência fez com que O Ministério Público Federal (MPF) movesse Ação Civil Pública contra o INCRA, para obrigar aquela instituição, a concluir a titulação do Território Quilombola Cruzeiro e Triângulo. Apesar de ter decisão favorável à ação movida pelo MPF, até o momento não foi concluído o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação- RTID, peça fundamental no processo de titulação de um território quilombola. Em função desse descumprimento de uma decisão judicial, para a efetivação de mandado constitucional, as comunidades quilombolas sofrem todo tipo de ameaça que coloca em risco a vida das lideranças, a soberania alimentar e o direito à existência da atual e das futuras gerações.

    Aos companheiros, aos irmãos quilombolas e de outras comunidades tradicionais, lançamos o convite: venham, juntem-se a nós, nessa luta em defesa do nosso modo de viver!

    Aos governos, ao Estado Brasileiro, aos grileiros e usurpadores de terras neste país afirmamos: Estamos e sempre estaremos em luta até que toda terra que hoje está presa, seja libertada e seus verdadeiros donos, dela tomem posse novamente.

    Diga ao povo que avance!
    Avançaremos!

    Read More
  • 27/08/2015

    Conselheiro da Reserva Biológica do Gurupi, no Maranhão, é assassinado

    Raimundo Santos Rodrigues, conselheiro do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) na Reserva Biológica (Rebio) do Gurupi, no Maranhão, foi assassinado na tarde dessa terça-feira (25), na cidade de Bom Jardim, a 275 km de São Luís, próximo onde morava. A Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Maranhão (Fetaema) divulgou uma nota pública nessa quarta (26) exigindo investigações do governo do Maranhão, Poder Judiciário e o Ministério Público Estadual (leia abaixo).

    No momento da emboscada, Raimundo estava acompanhado da esposa, Maria da Conceição, que foi atingida por tiros e levada ao Hospital Municipal de Imperatriz, a 412 km de distância de Bom Jardim.

    Ele era conselheiro desde 2012. “Os madeireiros odiavam ele, porque ele os denunciava. Ele era bastante atuante na região, defendia a comunidade, participava do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bom Jardim”, disse um companheiro de trabalho, que prefere não ser identificado, ao G1.

    O corpo do conselheiro está em Buriticupu, a 200 km de Bom Jardim, e ainda não foi liberado. Raimundo deixa seis filhos.

    Com 271.197,51 de hectares, a Rebio do Gurupi é uma das unidades de conservação administradas pelo ICMBio na região da Amazônia Legal, com coordenação regional vinculada ao CR4 (Belém, PA).

    Histórico

    A Comunidade Brejinho das Onças está localizada na Reserva Biológica do Gurupi, no município de Bom Jardim, onde mais de 100 famílias vivem da agricultura de subsistência, criação de pequenos animais, caça e pesca, com observância para a preservação ambiental pelo Instituto Chico Mendes. As famílias ocupam a área há mais de 50 anos e, por Decreto Federal, são parte integrante da reserva Biológica do Gurupi.

    Desde 2014, conforme informações do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a comunidade é perseguida por um latifundiário de Imperatriz, ligado a grupo político da região. Além disso, os moradores e moradoras da comunidade têm sofrido ameaças de pistoleiros.

    Nesse mesmo ano, o latifundiário, utilizando-se de fraude cartorial, ingressou na Justiça Estadual com pedido de reintegração de posse. O juízo de primeiro grau decidiu de forma favorável ao latifundiário. Diogo Cabral, advogado da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadores na Agricultura do Maranhão (Fetaema) e da CPT, interpôs recurso no Tribunal de Justiça do Maranhão, contra a concessão da liminar. O Tribunal acatou o pedido e determinou a permanência das famílias na Comunidade Brejinho das Onças.


    NOTA PÚBLICA DA FETAEMA: REPUDIAMOS A MORTE DA LIDERANÇA CAMPONESA RAIMUNDO SANTOS RODRIGUES


    A Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Maranhão se solidariza com a família do trabalhador rural e presidente da associação de lavradores RAIMUNDO SANTOS RODRIGUES, liderança camponesa assassinada no dia 25.08.2015, em decorrência de conflito agrário localizado na comunidade Brejinho do Onça, município de Bom Jardim-MA. Além do assassinato, sua esposa, MARIA DA CONCEIÇÃO CHAVES LIMA, delegada sindical, também foi baleada, mas sobreviveu aos disparos de arma de fogo.

    O conflito perdura há mais de 5 anos, na região da Reserva Biológica do Gurupi, oeste do Maranhão, e madeireiros e criadores de gado bovino, além de devastarem o que restou da Amazônia maranhense, tentam expulsar, por meio de força bruta e ações judiciais, as famílias da localidade Brejinho do Onça. Ressaltamos que em 2014, o Poder Judiciário do Maranhão determinou a expulsão das famílias da localidade, despejo que foi revertido por meio de recurso judicial.

    Conclamamos que as autoridades constituídas, especialmente o Governo do Maranhão, o Poder Judiciário e o Ministério Público Estadual garantam as investigações do crime e a prisão do culpados.


    São Luís, 26 de agosto de 2015
    FRANCISCO DE JESUS SILVA
    PRESIDENTE DA FETAEMA
    Read More
  • 26/08/2015

    Bispo de Dourados, MS, se pronuncia contra ataques ao Cimi e a CNBB

    Em pronunciamento difundido no dia 22 de agosto, logo após a ocupação de uma fazenda no município de Antônio João por indígenas da região, a fazendeira Luana Ruis Silva acusou o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de estar incentivando as “invasões”, e desafogou seu ressentimento contra a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil afirmando: «Abomino esse braço demoníaco da Igreja Católica que é a CNBB».

    A crítica acerba – uma das muitas levantadas contra a CNBB e o CIMI por quem se sente prejudicado em seus interesses – foi assim explanada pela denunciante: «Ontem, dia 20 de agosto, o Conselho Indigenista Missionário, pregando essa ideologia da subtração, da qual todos os resultados são negativos, atuou junto à comunidade indígena, destituiu os caciques que primavam pelo diálogo e prometeram invadir tudo e nos expulsar de nossas casas. E, realmente, a promessa se consumou nessa madrugada. Invadiram a Fazenda Primavera, amarraram o capataz, o espancaram e, até o momento, não temos notícias de resgate. O Conselho Indigenista Missionário prometeu que está trazendo índios do Paraguai e que vai invadir o Estado».

    Antes de tudo, gostaria de esclarecer que, na quinta-feira, dia 20 de agosto, membros do CIMI participavam de uma reunião comigo em Dourados, numa tentativa de diálogo com alguns produtores rurais de Amambai. Se se achavam em Dourados, não poderiam estar em Antônio João, destituindo caciques e incentivando ocupações… Aliás, quem deu tamanha autoridade ao CIMI para exonerar caciques? Ademais, afirmar que os índios se deixam manipular pelo CIMI em suas iniciativas e decisões é menosprezar a inteligência de suas lideranças, que são as únicas responsáveis pelas “invasões” (assim vistas pelos produtores rurais) ou “retomadas” (como são consideradas pelos indígenas).

    Nos 17 municípios que formam a Diocese de Dourados vivem em torno de 35.000 índios e 70.000 agricultores. Muitos destes últimos são sulistas e gaúchos, como eu. Ou seja, pessoas habituadas a cultivar a terra. Migrantes que aqui chegaram a partir de 1970 e que adquiriram legalmente suas propriedades. E que delas precisam para sobreviver e para construir a riqueza do país.

    Não quero generalizar, mas, a meu ver, quem semeia o ódio de classes entre a população sul-mato-grossense não é o CIMI, mas pessoas que, tendo em mãos o poder político e econômico, envenenam os produtores rurais. Justamente insatisfeitos ante uma situação de conflito que se prolonga indefinidamente e que a todos prejudica: índios e agricultores, já que o Governo Central teima em não tomar providências, parece mais fácil e mais cômodo a essas pessoas transformar o CIMI no “bode expiatório” do momento…

    Ao longo desses quinze anos em que tenho a alegria de residir no Mato Grosso do Sul, foram inúmeras as vezes em que os Bispos do Estado nos manifestamos a respeito. Fizemos nossa uma proposta levantada por agricultores e indígenas, que nos parecia a única viável: a indenização justa das terras identificadas como indígenas pelo Governo Central, a fim de que também os índios – do jeito que seus costumes e sua cultura pedem – tirem seu sustento, assim como fazem os demais agricultores do Estado.

    Calúnias tão pesadas e insustentáveis como as levantadas pela fazendeira de Antônio João devem estar sujeitas a medidas judiciais, que já estão sendo pensadas. Tais calúnias refletem a insatisfação de quantos não aceitam o envolvimento da Igreja na defesa e na promoção dos excluídos e marginalizados, para não perderem seus privilégios. É o que, com outras palavras, afirmava Dom Hélder Câmara: «Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, me acusam de comunista!».

    Dom Redovino Rizzardo, cs

    Bispo diocesano de Dourados

    Read More
  • 26/08/2015

    Com homologação suspensa há dez anos, Guarani e Kaiowá retomam cinco áreas em Ñanderu Marangatu

    Os Guarani e Kaiowá do tekoha – lugar onde se é – Ñanderu Marangatu retomaram desde o último sábado, 22, quase a totalidade de áreas invadidas e localizadas dentro dos limites da terra indígena, já homologada pela Presidência da República, cujos efeitos do decreto estão suspensos pela Justiça desde setembro de 2005. No total, os indígenas ergueram acampamentos em cinco propriedades: Primavera, Pedro, Fronteira, Barra e Soberania. Restam apenas duas fazendas para Ñanderu Marangatu, localizada no município de Antônio João, Mato Grosso do Sul, ser ocupada na íntegra pelos indígenas. Os Guarani e Kaiowá, diante de ataque sofrido e denunciado no início da semana, exigem do governo a presença da Força Nacional na região.  

    Conforme os indígenas, quando a primeira retomada se desenrolou na Fazenda Primavera, durante a madrugada do sábado, parte da comunidade permaneceu na única aldeia que abrigava os Guarani e Kaiowá de Ñanderu Marangatu. Aqueles que não se dirigiram ao acampamento da retomada, sobretudo mulheres e crianças, viram a chegada dos policiais do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) à aldeia e uma sequência de tiros disparados para assustá-los, na análise dos próprios indígenas.

    “Atiraram contra a aldeia e parece que não foi para acertar ninguém, porque se quisessem não daria para errar. Mulheres e crianças, assustadas, correram ou se protegeram”, diz uma liderança Guarani e Kaiowá. Os entrevistados não serão identificados por razões de segurança. Depois do ataque, os indígenas decidiram não recuar; ao contrário, a comunidade decidiu retomar mais quatro fazendas como uma forma de sinalizar que os Guarani e Kaiowá não desistirão de suas terras e “se tivermos que morrer aqui, nós vamos. Estamos cansados de esperar”, ressalta a liderança.

    Servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) estiveram na tarde desta terça-feira, 25, no tekoha Ñanderu. Ouviram as denúncias dos Guarani e Kaiowá. De acordo com os indígenas, representantes da Aty Guasu, principal organização política do povo, solicitarão apoio ao Ministério Público federal (MPF), Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal e Anistia Internacional. “A terra está homologada, mas o governo federal não pagou as indenizações para os ocupantes não indígenas. Outros não queriam sair dizendo que as terras nunca foram dos índios. Então parou na Justiça”, explica uma das lideranças da Aty Guasu.

    O decreto de homologação de Ñanderu Marangatu teve os efeitos suspensos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido dos fazendeiros, há dez anos, em setembro de 2005. A decisão liminar foi do então ministro Nelson Jobim e dizia que os efeitos do ato presidencial permaneceriam suspensos até a ação judicial ser julgada. Hoje o processo encontra-se com o ministro Gilmar Mendes, e segue paralisado. Meses depois da homologação ter sido suspensa, em dezembro, a comunidade foi retirada à força de Ñanderu Marangatu. As cenas do despejo rodaram o mundo e até hoje impressionam pela violência das forças policiais do Estado – assista aqui.

    Egon Heck, missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e que trabalhou por mais de uma década no Mato Grosso do Sul, lembra que Ñanderu Marangatu foi palco de assassinatos contra lideranças Guarani e Kaiowá, caso de Marçal Tupa’i. Para o missionário, as retomadas são “em nome de Hamilton Lopes, que faleceu em 2012, de Marçal de Souza Tupa’i, assassinado em 1983, Dorvalino, assassinado em dezembro de 2005, Dom Quitito, que morreu em abril de 2000, e de todos os heróis guerreiros e inocentes crianças que morreram”.     

    A guerra Guarani e Kaiowá 

    Os Guarani e Kaiowá de Ñanderu Marangatu foram expulsos de seu território na década de 1950. Os colonos chegaram à região, tomaram as terras e obrigavam os indígenas a trabalhar em situação análoga à escravidão. Hoje em dia a situação não é muito diferente – assista aqui. "Esperamos muito já, mais de 17 anos, entre despejos e vida na beira da estrada. Aqui morreu liderança, como Marçal Tupã. Ministro da Justiça (José Eduardo Cardozo), Funai, o governo, né, precisa atuar nisso agora. Sofrimento nosso já anda pelo mundo todo. Governo não vê? Nossa decisão coletiva então é pela autodemarcação”, analisa outra liderança Guarani e Kaiowá.

    De acordo com carta divulgada na ocasião da primeira retomada, “Ñanderu Marangatu acordou para valer”. Uma liderança da retomada explica um pouco mais o desejo do povo: “Vamos lutar pra harmonia, esperança e alegria. Alimentos bons. Governo tem de lutar pela vida das pessoas, mas acha que só alguns podem viver. Branco não sabe governar para todo mundo, mas só para alguns. Precisa aprender que governo bom é aquele que entende e obedece a nossa Mãe (Terra)”, ensina o indígena. 

    “Índio é pai e irmão do branco. O branco não sabe que quando maltrata índio faz mal pra ele mesmo. Quando chegaram aqui com a erva mate, mataram nossos avôs, bisavôs. Agora é com a caneta. É preciso dizer que não estamos invadindo nada, mas voltando para os nossos tekohas”, conclui. Outra liderança da Aty Guasu se mostrou preocupada com a aprovação pela Câmara Federal, na primeira quinzena de agosto, da Lei Antiterror.

    “Fazendeiros já dizem que polícia vai começar a nos enquadrar como terroristas. Preocupante, é um desabafo. Política do branco no Brasil não permite diálogo: enganam a gente, enrolam e chamam para reunião e depois outra reunião. Passa o tempo e aparecem essas leis. Acabou. Branco fala muita mentira, diz que Guarani e Kaiowá é bandido, ladrão de terra, quadrilha, terrorista. Não foi a gente que invadiu a casa do outro e expulsou todo mundo”, desabafa.

    Para os Guarani e Kaiowá, o povo está em guerra. “Mas nossa guerra não é suja. Nossa guerra não é por ódio, por querer roubar ou matar ninguém. É pela terra, pela vida. Pode estar destruída pelo pé do boi, mas ninguém vê o que vemos ali. Nossa guerra é com antepassados, com maracá e reza. Nossa gente é pacífica, olha além, sabe o que precisa fazer. Vamos dar a vida por isso”, disse uma das lideranças.

    O Guarani e Kaiowá finaliza mandando um recado para o governo federal e fazendeiros: “Somos o dono da terra. Sem a gente vocês não vivem não. Aqui não tem mais brincadeira. Não conseguimos mais chorar. Vamos morrer tudo porque a gente é parte da terra. Branco não percebe nada. Usa a terra pra ganhar dinheiro. Branco não mata pela terra, mata pelo dinheiro que ela dá. A gente morre pela terra pela vida que ela nos dá”.

  • 25/08/2015

    Povo Munduruku luta para que Belo Monte não volte a se repetir: a autodemarcação continua!

    A autodemarcação da TI Sawre Muybu, que começou em outubro de 2014, continua avançando a trincheira contra as hidrelétricas planejadas na bacia do Tapajós. Uma forma de exigir reconhecimento não apenas de seu território, como de seus direitos, que nesse momento estão sendo atacados pelo atual Congresso que busca esvaziar os direitos dos povos das florestas, como a PEC 215.

    Desde setembro de 2013 os Munduruku aguardam a Fundação Nacional do Índio (Funai) publicar o Relatório Circunstanciado que reconhece o vínculo histórico que eles têm com essa terra. Para todo o povo Munduruku, Daje Kapap Eipi, é uma terra sagrada que lhes foi dada pelo Deus Karosakaybu, criador dos animais e do rio Tapajós. Para o governo, um entrave na sua política desenvolvimentista de destruição e morte.

    O relatório está parado em Brasília por impedimento de arranjo interno do governo, como já declarou a ex-presidente interina da Funai Maria Augusta Assirati. Se a Funai publicar pode inviabilizar a usina de São Luiz do Tapajós porque o alagamento previsto incide em grande parte da terra indígena Sawre Muybu (território Daje Kapap eipi). Como a remoção de indígenas é proibida pelo artigo 231 da Constituição, o governo não demarca para alegar que a TI nunca foi reconhecida oficialmente.

    A Justiça Federal de Itaituba, a pedido do Ministério Público Federal, está multando a Funai por descumprir a ordem de seguir a demarcação da TI Sawre Muybu. Desde 6 de agosto de 2015 a Funai está intimada a pagar multa de R$ 3 mil por dia por não cumprir a sentença judicial de que a demarcação deve prosseguir. Para a Justiça, a Funai alega que não há disponibilidade orçamentária para demarcações na região amazônica.

    Enquanto o governo finge que Sawre Muybu não existe, é conveniente permitir que grupos madeireiros, palmiteiros e garimpeiros sigam ameaçando os índios e explorando ilegalmente o território sem nenhuma fiscalização. Durante a autodemarcação os Munduruku relatam a destruição que estão encontrando.

    Cansados de esperar, como forma de pressionar a Funai, no encerramento da 1ª Conferência Regional de Política Indigenista, que aconteceu em Santarém entre os dias 15 e 17 de agosto, o Movimento Indígena do Baixo Tapajós com apoio dos Munduruku do médio e Movimento Ipereg Ayu do alto Tapajós, impediram que dois servidores de Brasília e uma representante do Ministério da Justiça que participavam do evento fossem embora. Os três permaneceram no Centro Indígena Maíra, mas por motivos de saúde a representante da Justiça foi liberada.

    Por telefone os indígenas negociaram com João Pedro Gonçalves da Costa, novo presidente da Funai, amazonense, aliado com as políticas do PAC. As exigências para liberar os servidores dependia da publicação dos relatórios da TI Sawre Muybu e da TI Cobra Grande, construída de três povos: Arapiun, Tapajo e Jaraki. Eles também exigiram uma audiência com o atual presidente, para cobrar que a Funai cumpra seu compromisso institucional com os povos indígenas e atue com autonomia pelos interesses originários do órgão público.

    João Pedro garantiu a ida de 25 delegados à Brasília, num prazo de 10 dias, mas não firmou resposta sobre a publicação dos relatórios circunstanciados das terras indígenas alegando estar no cargo há pouco mais de 60 dias e ainda se inteirando das disputas territoriais apresentadas pelos indígenas.

    Podemos compreender esse jogo político como uma forma de extermínio. Com Belo Monte o governo nos mostra até onde é capaz de ir, desrespeitando leis e suspendendo direitos, em nome do lucro da parceria público e privado. Nos prova que é capaz de promover catástrofes irreversíveis aos povos indígenas e ao meio ambiente em nome do “desenvolvimento”.

    Assista ao vídeo da segunda etapa da autodemarcação do território. Por instinto de sobrevivência, a luta continua!


     
    Read More
  • 24/08/2015

    Associação de servidores do Ibama denuncia ‘ataques’ para impedir estudos de licenciamento ambiental

    A Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio de Janeiro (ASIBAMA/RJ) divulgou documento para denunciar ataques sofridos no Licenciamento Ambiental Federal de atividades de petróleo e gás. O órgão aponta tentativas de flexibilização e simplificação do licenciamento, e coloca-se veementemente contra a prática. “é preocupante que não se enfrente o debate sobre a sinergia dos impactos ambientais em áreas de elevada sensibilidade, o problema da precariedade das informações diagnósticas apresentadas nos Estudos Ambientais e a tentativa de minimizar a importância do componente social como fator relevante para a tomada de decisões”, consta no documento. Leia na íntegra:

    LICENCIAMENTO AMBIENTAL FEDERAL: RESISTINDO AOS ATAQUES

    A Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio de Janeiro (ASIBAMA/RJ) vem a público explicitar uma série de fatos negativos pelos quais vem passando o licenciamento ambiental dos empreendimentos marítimos de petróleo e gás natural. Tais fatos, intensificados nos últimos meses, jogam por terra os avanços obtidos pelo setor do IBAMA que realiza esse licenciamento e colocam em risco um trabalho que vem sendo construído há cerca de 13 anos por um grupo de servidores públicos federais comprometidos com a sociedade brasileira, com o desenvolvimento mais justo e com a conservação ambiental.

    O Licenciamento Ambiental busca analisar se há viabilidade socioambiental para a instalação de empreendimentos potencialmente poluidores em uma dada localidade, assegurando que os impactos socioambientais e riscos decorrentes de sua implantação sejam conhecidos, divulgados, debatidos, monitorados, avaliados, evitados, mitigados e compensados. O licenciamento ambiental deve ser considerado como uma conquista de toda a sociedade, pela possibilidade de ruptura com a lógica perversa onde as empresas poluidoras individualizam os lucros e impõem à sociedade os prejuízos.

    No entanto, via de regra, os empreendedores interessados no desenvolvimento de suas atividades poluidoras acusam o Licenciamento Ambiental de ser excessivamente lento, burocrático, complexo, discricionário, dispendioso, um grande entrave ao desenvolvimento. Já as comunidades que serão impactadas pela poluição e degradação decorrentes dos empreendimentos acusam o Licenciamento Ambiental de ser açodado, pouco criterioso e pouco participativo. No discurso hegemônico dos que têm maior entrada nos meios formais de comunicação e influência política, invariavelmente a primeira versão é a mais divulgada e defendida, inclusive, dentro dos órgãos governamentais. Como resultado, não há um novo Ministro do Meio Ambiente, ou um novo Presidente do IBAMA ou Diretor de Licenciamento que não entre no cargo defendendo a batida bravata de “agilizar” o licenciamento.

    No atual cenário de crise econômica, torna-se previsível a intensificação das tentativas de flexibilização da legislação ambiental, dando um novo fôlego aos inflamados discursos contra a “burocracia” do Licenciamento Ambiental. Porém é preocupante a defesa e imposição desta pauta dentro do próprio IBAMA, órgão que deveria defender publicamente os avanços e conquistas socioambientais históricas obtidas por meio das ferramentas de gestão ambiental que visam tornar efetivo o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, princípio matriz contido no caput do art. 225 da Constituição Federal. No entanto, hoje, a agenda da Diretoria de Licenciamento Ambiental do IBAMA prioriza as demandas dos empreendedores em detrimento das demais partes interessadas. Ao mesmo tempo, desqualifica decisões técnicas há muito internalizadas pelas coordenações de Licenciamento.

    ENTENDA O QUE ESTÁ ACONTECENDO NO LICENCIAMENTO DE PETRÓLEO E GÁS

               O Licenciamento Ambiental Federal das atividades marítimas de Exploração e Produção de Petróleo e Gás é conduzido pela Coordenação-Geral de Petróleo e Gás (CGPEG) do IBAMA. Trata-se de um escritório sediado no Rio de Janeiro, com cerca de 80 analistas ambientais concursados, com experiência acumulada em mais de 13 anos na condução, análise e acompanhamento dos processos de Licenciamento de atividades realizadas no ambiente marinho em qualquer ponto do Brasil.

               A CGPEG é subordinada à Diretoria de Licenciamento Ambiental (DILIC), sediada na sede do IBAMA em Brasília/DF. O Diretor da DILIC e o Presidente do IBAMA são indicados pela Ministra do Meio Ambiente. Esta, por sua vez, é indicada diretamente pela Presidência da República. Compete à Presidente do IBAMA assinar toda e qualquer Licença Ambiental expedida, seguindo – ou não – as recomendações apresentadas nos Pareceres Técnicos pelos servidores que trabalham na DILIC, que detêm atribuição legal e funcional para o exercício do Licenciamento.

               As três etapas principais da cadeia de empreendimentos marítimos da indústria petrolífera e que são ambientalmente licenciados pela CGPEG são: (i) Atividade de Pesquisa Sísmica Marítima; (ii) Atividade de Perfuração de Poços Exploratórios; e (iii) Atividade de Produção e Escoamento de Petróleo e Gás Natural. Cada uma destas etapas apresenta características e impactos ambientais específicos e são licenciadas separadamente.

               Após um relativo período de calmaria do setor petrolífero no Brasil, o mercado foi novamente aquecido em 2013, após a 11° Rodada de Licitações de Blocos da ANP, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis. A grande novidade do 11° leilão da ANP foi a oferta de Blocos na Margem Equatorial brasileira (Bacias Sedimentares Potiguar, Ceará, Barreirinhas, Pará-Maranhão e Foz do Amazonas). Tratam-se de áreas consideradas como “nova fronteira exploratória”, destacadas pela elevada sensibilidade ambiental, pelo baixo grau de conhecimento biológico, pela grande vulnerabilidade socioambiental e pela carência de infraestrutura que possa absorver os empreendimentos ligados à cadeia produtiva do petróleo e gás.

               Posteriormente ao leilão da ANP, várias empresas de pesquisa sísmica solicitaram abertura de processo de Licenciamento na CGPEG. Muitos dos empreendimentos pretendidos estavam em sobreposição espaço-temporal. Como exemplo, na Bacia Potiguar foram abertos 8 (oito) pedidos de licenciamento para a mesma área, por empresas diferentes. Foi estabelecida uma verdadeira corrida especulativa pela Licença Ambiental. As empresas de aquisição de dados sísmicos pretendiam usar as licenças obtidas como moeda para alcançar um diferencial competitivo no mercado. Algumas empresas de perfuração de poços (que contratam os serviços sísmicos) chegaram a divulgar que as empresas com Licenciamento Ambiental concluído junto ao IBAMA obteriam prioridades contratuais. A sobreposição de pedidos de licenças nas mesmas áreas impactou o andamento processual na CGPEG, pois não há quantitativo de pessoal para conduzir de forma criteriosa uma enormidade de processos simultâneos, sendo a maior parte destes de caráter especulativo, ou seja, de atividades que nunca chegariam a acontecer.

               Diante deste cenário, a CGPEG convocou uma série de reuniões com as empresas de pesquisa sísmica numa tentativa de gerir as atividades especulativas pleiteadas, buscando um acordo com a indústria para que só fossem mantidos em aberto os processos onde as atividades estavam planejadas de fato, dentro do cronograma real das empresas. O resultado das reuniões foi praticamente inócuo, e a maioria das empresas mantiveram interesse nos processos de licenciamento abertos, mesmo aquelas que não tinham uma clara intenção de operar. Em vista disso, após esgotadas todas as possibilidades de previsão do cenário real de atividades, a CGPEG optou por considerar o pior cenário, incluindo a sinergia de impactos de todas as atividades, com a exigência de serem implementados projetos ambientais robustos para a continuidade dos respectivos licenciamentos. Importante ressaltar que os projetos ambientais foram propostos considerando-se a sobreposição e o adensamento de atividades da cadeia produtiva de petróleo (incluindo as etapas de perfuração e produção). No entanto, sua viabilidade e pertinência também se justificam pelos claros ativos ambientais da região de nova fronteira, mesmo num cenário onde as sobreposições não ocorressem. O que mudaria, neste caso, seria o dimensionamento e o tempo de execução dos projetos ambientais propostos.

               Para viabilizar o compartilhamento dos projetos ambientais por várias empresas de sísmica e, posteriormente, com as de perfuração, tendo fulcro na Portaria MMA 422/2011, a CGPEG, deu início a uma série de reuniões com as empresas e sua instância representativa, o IAGC (Associação Internacional dos Contratantes de Serviços Geofísicos, em tradução livre do inglês). Buscava-se, nestes eventos, o nivelamento das expectativas técnicas sobre os projetos ambientais propostos, bem como o detalhamento dos requisitos conceituais e práticos para sua viabilização, em áreas de complexidade logística crítica.

               As empresas, via IAGC, iniciaram o desenvolvimento conceitual e o planejamento executivo-financeiro para atender as requisições da CGPEG. Os prazos para a emissão das licenças acabaram sendo dilatados, em boa parte devido ao cenário complexo criado pela própria indústria.

               No entanto, no meio desta construção, as empresas entraram em contato direto com a nova diretoria da DILIC em Brasília, movimento já iniciado via Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), por meio de um Acordo de Cooperação Técnica firmado entre o IBAMA e o IBP (este Acordo foi criticado pelos analistas da CGPEG por meio da Nota Informativa CGPEG/DILIC/IBAMA N° 04/15, de 27.2.2015). Aliados às pressões governamentais pela aceleração do Licenciamento Ambiental na Margem Equatorial, foi criada a “Sala de Situação de Sísmica” – com representação do Ministério das Minas e Energia (MME), ANP, CGPEG e DILIC.

               Inicialmente, a equipe técnica da CGPEG entendeu que a Sala de Situação de Sísmica poderia abrir a possibilidade de se criarem marcos regulatórios importantes que impedissem os pedidos especulativos de licença em sobreposição espaço-temporal. No entanto, de forma surpreendente, tal assunto foi apenas tangenciado na primeira reunião da Sala de Situação. Sequencialmente, passou-se a um forte movimento de questionamento dos projetos ambientais propostos pela CGPEG para os licenciamentos de sísmica na Margem Equatorial. O que se criou com a Sala de Situação, de fato, foi um espaço privilegiado para a indústria pautar seus interesses junto ao Diretor de Licenciamento Ambiental, Senhor Thomaz Miazaki de Toledo. Cumpre esclarecer que o diálogo técnico é comum e legal no escopo das ações do Licenciamento. O problema é quando se oportuniza um espaço diferenciado para apenas uma das partes interessadas. Por que não está na Sala de Situação a representação das comunidades que receberão os impactos? Ou as ONGs, Universidades, associações de pescadores e pescadoras, o Ministério Público, os órgãos ambientais estaduais, etc.?

               Fato é que, com a formalização da Sala de Situação de Sísmica, as discussões técnicas em curso entre a CGPEG e o IAGC foram abruptamente interrompidas, com todas as facilidades pleiteadas pelas empresas sendo diretamente avaliadas pela diretoria da DILIC. As empresas foram instruídas, pelo Diretor de Licenciamento Ambiental, a se manifestarem quanto a eventuais divergências a respeito das análises da CGPEG (Ofício 02001.006185/2015-76 DILIC/IBAMA). Com isso, as empresas encaminharam argumentos solicitando a exclusão de parte dos projetos ambientais dos processos de Licenciamento já em curso, em fase avançada de análise.

               Diante da polêmica – as empresas solicitando exclusão dos Projetos Ambientais, a CGPEG mantendo seu posicionamento técnico pela manutenção dos mesmos – a presidência do IBAMA deliberou por reunir seu Conselho Gestor para uma tomada de decisão. O Conselho Gestor do IBAMA é uma instância colegiada que inclui a Presidência, todos os Diretores e a Procuradora-Chefe do órgão, normalmente sendo convocado em situações críticas como a avaliação do indeferimento de Licenças polêmicas, no que ficou definido como “Comissão de Avaliação e Aprovação de Licenças”. Nesta ocasião, foi aberto no dia 2.7.2015 um espaço para as empresas apresentarem seus argumentos contrários à realização dos projetos ambientais solicitados pela CGPEG, e, posteriormente, no dia 3.7.2015, para a CGPEG defender seus argumentos pela manutenção dos mesmos (Atas de Reunião Nºs 02001.000133/2015-96 e 02001.000134/2015-31). Diante da controvérsia estabelecida, o Conselho Gestor não se posicionou imediatamente, até porque nenhum dos representantes, à exceção do Diretor de Licenciamento, possuía conhecimento sobre o Licenciamento Ambiental de atividades marítimas de petróleo e gás, sobretudo, em relação à atividade de pesquisa sísmica.

               A CGPEG manteve o seu posicionamento técnico, defendendo de forma clara, pública e processual a importância dos projetos ambientais de monitoramento e avaliação de impactos, sem os quais não havia possibilidade de sugestão de deferimento das licenças pleiteadas. Neste sentido, no contexto da reunião de defesa dos projetos, a CGPEG emitiu os 2 Pareceres Técnicos (PAR 02022.000312/2015-85 COEXP/IBAMA de 2.7.2015 e PAR. 02022.000378/2015-75 COEXP/IBAMA de 29.7.2015) compilando argumentos para a manutenção dos projetos ambientais propostos.

               Dentre as várias licenças solicitadas para a Margem Equatorial, a primeira em análise pela Sala de Situação de Sísmica é a pleiteada pela empresa PGS, para realização da atividade de pesquisa sísmica marítima na Bacia Sedimentar do Ceará. Em suma, foi solicitada pela PGS a exclusão dos seguintes projetos ambientais: i) Projeto de Monitoramento de Praias; ii) Projeto de Monitoramento de Mamíferos Marinhos por meio de Senso Aéreo; e iii) Projeto de Avaliação da Mortalidade de Larvas de Lagosta em Resposta aos Impactos da Sísmica.

               As argumentações constantes nos Pareceres Técnicos da CGPEG foram alvo de nova discussão em reunião do Conselho Gestor do IBAMA em 31.7.2015 (Ata de Reunião N° 02001.000161/2015-11). Na ocasião, segundo consta em ata, “O Diretor da DILIC informou que circulou cópia do parecer técnico emitido no dia 29/07/2015, contendo o resultado da reunião técnico informativa e novo pronunciamento da equipe técnica a respeito da pertinência dos programas ambientais questionados. A PGS solicita a exclusão de três programas ambientais: i) Programa de Monitoramento de Praias; ii) Programa de Monitoramento Aéreo e iii) Programa de Monitoramento de Lagostas. O Diretor discorreu sobre a análise registrada no parecer sobre cada um dos programas. O Parecer Técnico se preocupou em avaliar melhor a correlação dos programas com os impactos associados à atividade de sísmica. Lembrou que na reunião da Comissão de Avaliação e Aprovação de licenças de 10 de julho ficou evidenciada a falta de discussão sobre a correlação dos programas com a matriz de impactos associada à atividade em análise. O parecer trouxe a relação dos impactos de alta, média e baixa importância que podem ser relacionados aos programas em discussão”. E segue: “O Diretor manifestou que os referidos projetos buscam o aprimoramento dos estudos ambientais. Esses aprimoramentos poderiam, por exemplo, levar à identificação de impactos que o modelo empregado nos Estudos não caracterizou. Há uma intenção em aprofundar a discussão dos impactos associados à atividade e dos prognósticos trazidos pelos estudos ambientais. A presidente e os diretores se manifestaram no sentido de que, na Margem Equatorial, tendo em vista a limitação de informações existentes, um Programa de Monitoramento de Praias de abrangência regional seria relevante na busca do aperfeiçoamento da avaliação dos impactos ambientais” (…) “A Presidente do Ibama defendeu a realização de um programa desta natureza, contudo ressaltou que o formato apresentado no licenciamento ambiental é desproporcional à atividade de sísmica. Desta forma, a Comissão de Avaliação e Aprovação de licenças deliberou por reconhecer a importância da realização de um Programa de Monitoramento de Praias, como medida adicional aos programas ambientais exigidos no âmbito do licenciamento ambiental das atividades de sísmicas. Em razão de se tratar de monitoramento ambiental, mais amplo do que o monitoramento de impactos ou de medidas de mitigação específicas, a Comissão deliberou por excluir a exigência deste programa na licença de sísmica”. “O Diretor de licenciamento ambiental concordou com a proposta, uma vez que o monitoramento proposto pelo Programa deve ser realizado em médio e longo prazos e não durante os poucos meses de desenvolvimento da atividade de sísmica”. “Com relação ao Programa da Lagosta, a Comissão recomendou que a proposta de monitoramento complementar ao licenciamento trate da questão da pesca na Margem Equatorial de forma mais ampla, não se limitando à lagosta. O Diretor da DBFLO informou que irá se atualizar sobre a situação do monitoramento pesqueiro, que no passado era feito pelo Ibama, mas cuja atribuição foi repassada ao Ministério da Pesca e Aquicultura.” “Sobre o Monitoramento Aéreo, em diversas intervenções dos Diretores avaliou-se que o principal objetivo seria a aquisição de informações sobre rota de mamíferos, informação esta ainda pouco conhecida para a Margem Equatorial. As condicionantes da licença já exigem a presença de observadores na embarcação de sísmica para mitigar o impacto da atividade sobre estas espécies. Aqui também se identifica a necessidade de um programa de caráter regional com equipamentos e metodologia adequados às características da região”. “A Presidente do Ibama propôs o seguinte encaminhamento: (i) os três programas são importantes, mas sua abrangência deve ser regional e de longo prazo; (ii) para a sísmica, atividade de curto prazo, a empresa deverá reforçar, dentro do Programa de Comunicação Social, a orientação à comunidade local para direcionar todas as constatações de impactos ao Ibama e à empresa, para avaliação no âmbito do licenciamento ambiental e eventuais providências; (iii) o Ibama irá propor à ANP um A[cordo] de C[ooperação] T[écnica] para buscar formas de implementação de programas de monitoramento da Margem Equatorial complementares ao licenciamento ambiental; e (iv) a DILIC irá minutar a licença, sem a exigência de realização dos três programas questionados”. [todos os grifos são nossos].

               Não bastasse a transferência de uma responsabilidade de avaliação dos impactos ambientais causado pela indústria para a população, por meio de Projetos de Comunicação Social, a saída do Conselho Gestor foi apontar uma solução etérea (Acordo de Cooperação Técnica com a ANP), sem que haja nenhuma garantia que as ações “de monitoramento de longo prazo” sejam viabilizadas para garantirem informações técnicas para os empreendimentos que estão prestes a acontecer.

               Ademais, é incorreta a avaliação de que somente os projetos de longo prazo seriam eficientes para geração de dados úteis para o monitoramento e a avaliação de impactos. Tal assertiva transfigura-se numa resposta útil aos pleitos das empresas, desonerando o poluidor das ações necessárias para a avaliação dos impactos socioambientais aportados com os empreendimentos licenciados.

               Em tempo, em 31.7.2015 foi solicitado pelo Diretor da DILIC por meio do MEM. 02001.011814/2015-80 DILIC/IBAMA que a CGPEG encaminhasse a minuta da licença pleiteada pela PGS, sem que a análise processual e técnica fosse sequer concluída. Destaca-se aqui que essa é a primeira de uma série de Licenças previstas para atividades de pesquisa sísmica na Margem Equatorial brasileira.

               A Licença Ambiental da PGS foi emitida pela presidente do IBAMA em 18.8.2015 (Licença de Pesquisa Sísmica nº103/2015), com os três projetos mencionados cortados. Outro programa previsto – o Plano de Manejo de Aves em Embarcações Sísmicas – também acabou cortado da Licença, sem maiores justificativas.

               Ainda que não haja aparente ilegalidade na atitude da DILIC, nos causa surpresa e apreensão a excessiva abertura para a representação do setor industrial, parte diretamente interessada na facilitação dos processos de Licenciamento, e as crescentes dificuldades impostas para o debate público e aberto com os demais setores sociais. Causa também preocupação a utilização do Conselho Gestor para a definição de retirada ou flexibilização de condicionantes, sem que este tenha acúmulo de conhecimento técnico suficiente no tema.

               O precedente aberto no caso acima relatado poderá incidir em outras tipologias submetidas ao Licenciamento Ambiental, fragilizando de maneira generalizada as medidas de avaliação, controle e monitoramento preconizadas.

               Vale citar que em 14.7.2015 foi realizada uma Reunião Técnica Informativa – RTI (instrumento semelhante à Audiência Pública, prevista na Resolução Conama 350/2004) em Fortaleza, como parte do processo da PGS de Licenciamento Ambiental na Margem Equatorial (Processo 02022.002094/13-54, citado acima). Entretanto, o edital de convocação da RTI foi encaminhado à DILIC para publicação com apenas 15 dias de antecedência para sua realização e os Relatórios Ambientais de Sísmica (RIAS), documento base para informação da população, só começaram a ser distribuídos um dia após a data da convocação. Como resultado, muitos RIAS foram recebidos pelas partes interessadas em datas muito próximas à realização da RTI, ou mesmo após sua realização. Como consequência, a RTI teve baixa representatividade dos principais grupos sociais afetados pela atividade de pesquisa sísmica marítima: as comunidades pesqueiras.

               Contribuindo para piorar ainda mais o cenário, desde 2014 vem ocorrendo um progressivo cerceamento da liberdade de comunicação imposto pela DILIC aos analistas ambientais lotados no Licenciamento Ambiental, o que impacta diretamente na capacidade de gestão e acompanhamento dos projetos ambientais propostos. Qualquer comunicação entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Licenciamento Ambiental do IBAMA tem que ser centralizada nas Diretorias. Tal decisão compromete a celeridade e efetividade de trocas de informações entre as duas autarquias e criam empecilhos ao funcionamento de parcerias históricas construídas entre o IBAMA e o ICMBio, desarticulando ações conjuntas que fortaleciam as demandas por projetos cuja abrangência incluía espécies ameaçadas ou áreas protegidas. Todas as formas de comunicação passaram a ser controladas pela DILIC. Com base na Portaria n° 55/2014, o Diretor de Licenciamento afirma, por meio do MEM 02001.012017/2014-39 DILIC/IBAMA, que "a CGPEG não detém autonomia para emitir comunicações a órgãos federais, sejam diretorias, chefias de centros e unidades de conservação ou coordenações regionais". Digno de nota, a Asibama/RJ solicitou à presidência do IBAMA e à DILIC a revisão dos fluxos documentais entre a DILIC e o ICMBio por meio do Ofício 20/2014, de 30.12.2014. Até o momento não houve nenhuma resposta aos questionamentos dos servidores.

               Em mais um ato de cerceamento dos direitos para o exercício pleno das atribuições funcionais no Licenciamento Ambiental, em 2012, as Portarias de Fiscalização de todos os servidores do IBAMA lotados na DILIC foram autoritariamente revogadas, sem nenhuma comunicação prévia ou justificativa. Desprovidos da Portaria, os analistas ambientais não podem atuar como fiscais, não podem aplicar multas, notificações ou embargos, perdem o poder de polícia. Significa que se um analista ambiental que trabalha no Licenciamento constatar um ilícito ambiental durante suas atividades de rotina, o que é muito frequente, não terá competência formal para aplicar as medidas legais cabíveis. Restringir-se-á a registrar o ilícito e encaminhar para a DILIC que, por sua vez, encaminhará para a Diretoria de Proteção Ambiental do IBAMA (DIPRO), que encaminhará para um servidor com Portaria para analisar a questão e aplicar as sanções cabíveis, de acordo com a Portaria IBAMA N° 27, publicada no Boletim de Serviço de 27.11.2014. Além de gerar excessivos passos burocráticos desnecessários, lentidão para a tomada de decisão e duplicidade de esforços de analistas ambientais da mesma carreira, a medida dificulta o rastreamento das ações de fiscalização no Licenciamento Ambiental e transfere para os Diretores da DILIC e da DIPRO a discricionariedade para decidir o que deve e o que não deve ser fiscalizado. Desde então, a CGPEG encaminhou inúmeros Pareceres constatando ilícitos para a DILIC, sem ter havido qualquer resposta sobre seu encaminhamento ou não para autuação por um agente da DIPRO. Essa situação foi alvo de questionamento por parte da Asibama/RJ (Ofício n° 017/2014 de 22.12.2014) nunca tendo sido recebida qualquer resposta da Presidência do IBAMA ou das Diretorias envolvidas. Em suma, cortam-se os projetos, retiram-se a atribuição de fiscalização, centralizam-se todas as decisões na DILIC, que hoje procede desconsiderando avaliações técnicas de suas coordenações. O resultado é um processo ainda mais lento, burocrático e frágil do ponto de vista da proteção ambiental.

    Não temos dúvidas de que nosso relato exemplifica diversos casos que ocorrem sistematicamente no IBAMA e pode dimensionar também a intensidade dos ataques que estão por vir. Esta não foi e nem será uma exclusividade da CGPEG.

    Dessa forma, é alarmante a perspectiva que seja implementada no âmbito do licenciamento ambiental federal uma prática de exclusão de projetos ambientais propostos pelos técnicos do IBAMA como condicionantes de licença, sem considerar a importância destes como medidas de avaliação e controle dos impactos dos empreendimentos. Também é preocupante que não se enfrente o debate sobre a sinergia dos impactos ambientais em áreas de elevada sensibilidade, o problema da precariedade das informações diagnósticas apresentadas nos Estudos Ambientais e a tentativa de minimizar a importância do componente social como fator relevante para a tomada de decisões.

    O cenário que se desenha aponta para um mecanismo autorregulatório no qual a os empreendedores e suas consultoras subcontratadas para elaboração dos Estudos Ambientais serão responsáveis pela proposição das medidas de avaliação e monitoramento fragilizando a função do IBAMA e seu protagonismo.

    Mas gostaríamos de questionar até onde o poder discricionário de nossos gestores pode se sobrepor às análises técnicas que tem o objetivo, justamente, de subsidiar decisões de gestores que, por terem uma função distinta, não têm a obrigação de dominar amplamente todos os assuntos e sequer tem o tempo necessário para se aprofundar nas questões técnicas referentes a todas as tipologias do licenciamento ambiental federal.

    É premente que as tomadas de decisão que não estejam em consonância com os Pareceres Técnicos das equipes de analistas do IBAMA, sejam justificadas com o mesmo rigor técnico que as equipes elaboram seus argumentos sem a recorrente tentativa de relativizar os impactos socioambientais dos empreendimentos e de manter na invisibilidade as populações e povos tradicionais atingidos.

    Por isso, ressaltamos que somos contra a tentativa de flexibilização e simplificação do licenciamento que busque torná-lo cartorial. Defendemos, sobretudo, a continuidade e evolução de um trabalho sério, construído com diálogo e embasamento técnico, que garantiu legitimidade e segurança jurídica a todas as licenças emitidas para o setor de petróleo e gás na última década e trouxe o reconhecimento do IBAMA como um órgão capaz de cumprir a sua missão institucional na condução dos processos de Licenciamento Ambiental.

    Sabemos que o Licenciamento Ambiental Federal precisa melhorar suas ferramentas para abarcar a participação mais efetiva dos atores historicamente excluídos dos processos decisórios nesse país e isso não se fará com flexibilização que agiliza processos facilitando apenas para os empreendedores. Defendemos um Licenciamento Ambiental criterioso e democrático com a implementação das medidas de controle e mitigação nas condicionantes das licenças, até que outras propostas mais amplas e inovadoras estejam disponíveis para substituição do atual modelo.

    Acreditamos, ainda, que todos devem saber o que se passa dentro do Serviço Público Federal e o papel que os servidores da área ambiental federal vêm cumprindo para defenderem seus posicionamentos técnicos e se manterem independentes de pressões políticas e econômicas.

    Assim, nos resta apenas convocar os servidores lotados nas demais Coordenações de Área e nos Núcleos de Licenciamento Ambiental (NLAs) das Superintendências do IBAMA para se somarem a esta luta e também denunciarem publicamente outros casos que evidenciam este processo consciente de fragilização do Licenciamento Ambiental. Neste mesmo sentido, fazemos um chamado à ASCEMA Nacional e às demais entidades representativas dos servidores para ampliar este debate e organizar um movimento nacional dos servidores que exija a valorização do caráter técnico e público do Licenciamento Ambiental através de mudanças imediatas na prática adotada pela atual gestão.

    ASIBAMA/RJ – 20 de agosto de 2015
    Read More
  • 23/08/2015

    Nhanderu Marangatu: a volta à terra tradicional

    A ansiedade e disposição eram grandes. Os guerreiros, rezadores e famílias estavam esperando, agoniados, os ponteiros juntos apontarem para as estrelas. Esse era o horário que os deuses, através dos nhanderu (líderes religiosos) haviam marcado para o retorno ao território tradicional. Resolutos marcham para a terra sagrada. Com a proteção divina e a certeza de que esse gesto extremo era a única alternativa que lhes restava. Contavam com a solidariedade de amigos e aliados do mundo inteiro.

    O sonho de Marçal e Dorvalino

    Na noite de 25 de novembro de 1983, na aldeia de Campestre, munícipio de Antônio João, Marçal Tupã’i foi covardemente assassinado. Seu sonho era ver a terra de seu povo e de outras aldeias terem seus tekoha (terras tradicionais) demarcadas. Dezenas de crianças e adultos foram mortos por atropelamentos, fome, e toda sorte de violência.

    A Aty Guasu já se manifestou: “Nosso tekoha finalmente acordou e se revestiu mais uma vez do sonho de Marçal. Alimentados por esse sonho, quase 300 indígenas já retornaram a terra, no momento na Fazenda Primavera”. As vozes de Nhanderu Marangatu, que por motivos de segurança não querem ser identificadas denunciam: “As mãos que nos alimentavam e eram amigas enquanto estávamos sem a terra são as mesmas que apertam os gatilhos e ordenam nossa morte quando queremos nossa terra de volta”.

    Em nome de Hamilton Lopes que faleceu em 2012, de Marçal de Souza, assassinado em 1983, Dorvalino, assassinado em dezembro de 2005, de Dom Quitito, que morreu em abril de 2000 e de todos os heróis guerreiros e inocentes crianças que morreram e a todos os que deram sua vida para que o sonho da terra, paz e dignidade se tornassem realidade.

    Dez anos após a homologação da terra e do despejo, dez dias após o encontro com o ministro da Justiça e visita a gabinetes do STF, e uma semana após ruralistas da região afirmarem que não existiam conflitos na região.

    “Pisaram em cima de nós

    Mas ainda temos raiz,

    Vamos brotar, crescer

    E dar frutos”

    (Hamilton Lopes, 15 de dezembro de 2005).

    Por volta das 9 horas chega um contingente policial para expulsar os índios de seu tekoha. Algumas dezenas de indígenas e aliados haviam feito uma vigília a noite toda.  Haviam se concentrado ao lado da rodovia, na aldeia de Campestre. Várias viaturas foram chegando e trancando a rodovia. Fortemente armados, com cachorros e um helicóptero sobrevoando o local. Os rasantes de um helicóptero amedrontaram, principalmente as crianças, que em pratos, escondiam seus rostos a cada investida da aeronave.

    Veja vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=C03AynhXECY

    Os policiais foram ao encontro dos indígenas. As lideranças tentaram demovê-los do despejo. Uma professora indígena suplicava que não os expulsassem, eles também eram gente e apenas estavam defendendo o que tinham de mais sagrado, sua terra.

    Suas súplicas não foram atendidas: “Estamos aqui cumprindo ordem”.

    Sequer haviam se cumprido as formalidades da expulsão, com a presença do Ministério Público, através do procurador Charles Pessoa, e os fazendeiros e seus capangas foram colocando fogo nos barracos dos indígenas, tendo alguns sido queimados com os documentos e todos os pertences dentro.

    “O que pensam que somos,

    Esses que fazem isso conosco,

    Que somos animais ou traficantes,

    Para virem tirar nós daqui

    Com fortes armas?

    Não precisavam” (Hamilton).

    História da violência e resistência

    Quando a expulsão ocorreu era manhã. A comunidade, atônita, não queria acreditar que tinham sido expulsos de sua terra. Mas o inacreditável aconteceu. Mais de 500 índios foram despejados para a beira da estrada, naquele fatídico dia 15 de dezembro. Começava então um longo caminho de sofrimento, luta e resistência. Dez dias depois, véspera de Natal, um segurança de uma milícia armada, contratada pelos fazendeiros, assassinou, próximo ao acampamento e dentro da terra indígena, a liderança Dorvalino.

    Dois dias depois do despejo uma delegação indígena foi até Brasília para denunciar mais essa violência. Na capital federal era tempo de não trabalhar, tempo de recesso. Porém, conseguiram em alguns gabinetes do Supremo Tribunal Federal a promessa de que na volta aos trabalhos, a ação seria julgada com urgência. No INCRA a comissão recebeu a promessa de que os 50 não indígenas que estavam na localidade Campestre, dentro da terra indígena, seriam reassentados, a partir de janeiro de 2006. Passaram-se dez anos e absolutamente nada aconteceu.

    Em junho de 2005 o presidente Lula havia homologado a demarcação da terra indígena Nhanderu Marangatu, de 9.300 hectares. Em seguida, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, anulou, liminarmente, a homologação. A partir daquele momento a população Kaiowá Guarani desta terra passou por uma década de sofrimentos e mortes, confinados em 126 hectares.

    As comunidades declaram assim: “Hoje depois de esperar mais de 18 anos de posse de tekoha reocupamos definitivamente, aqui reocupamos nossa terra e não vamos mais sair de nossa terra Marangatu. Nós estamos aqui ameaçados de morte, cercado de pistoleiros armados, mas não vamos recuar. Decidimos lutar e morrer pela nossa terra. Informamos a todas as autoridades federais que reocupamos a nossa terra tekoha Nhanderu Marangatu, daqui não saímos nem vivos e nem mortos” (site Aty Guasu, 22 de agosto de 2015).

    Read More
  • 21/08/2015

    Kanela Apãnjekra relatam ao STF massacre sofrido durante ditadura militar

    Grupo com 20 indígenas do povo Kanela Apãnjekra da Terra Indígena (TI) Porquinhos, no Maranhão, protocolou na tarde dessa quinta-feira (20) uma carta nos gabinetes de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo o reconhecimento da demarcação da TI, que teve Portaria Declaratória anulada pela 2ª Turma do Supremo em 2014. Os indígenas também participaram de sessão de julgamento do Plenário.

    A Terra dos Kanela tem cerca de 800 habitantes, e está localizada a 80 km do município de Barra do Corda. Na carta protocolada, o povo conta sua história, permeada de massacres e invasões do território.  “Somos um povo resistente que lutou pra não ser eliminado pelo Estado brasileiro, especialmente durante a ditadura militar no Brasil”, narra o documento. O grupo relatou aos assessores dos ministros a última das chacinas contra os Kanela, praticada por fazendeiros no período da ditadura. “Chegaram na nossa aldeia e deram bebidas para os indígenas, depois amarraram eles e levaram pra beira do rio, onde mataram todos. Até nossas crianças eles cortavam e jogavam no rio, que ficou vermelho do nosso sangue”, descreveu Manoel Apãnjekra.

    O grupo pediu que o Supremo reconsidere a decisão que anulou a Portaria Declaratória de ampliação da TI que, demarcada originalmente em 1979, desconsiderou áreas de fundamental importância para garantir a sobrevivência física e cultural da comunidade. “A decisão do STF impede o acesso dos indígenas às áreas de caça, pesca, plantio e coleta e aos locais sagrados para os Kanela, contrariando o artigo 231 da Constituição Federal de 88, no que se refere ao direito originário indígena", explica Rafael Modesto, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

    Os indígenas acreditam que o Supremo, depois de conhecer a história do povo, possa reverter a decisão. “Queremos viver de acordo com nossa cultura, perpetuar nossa língua e dar a nossa educação tradicional aos nossos filhos e netos”, explica uma liderança. Leia a carta na íntegra aqui.

    Read More
Page 436 of 1205