• 15/10/2015

    Povo Guarani-Kaiowá repudia os Jogos Mundiais Indígenas

    “Anunciamos que não participaremos deste palco forjado e mentiroso e afirmamos que enquanto esta for a postura do Brasil o único jogo que jogaremos será o de recuperar os nossos territórios e partir para nossas retomadas mesmo que isto custe todas as nossas vidas, já que o país parece assistir calado, da arquibancada, o extermínio dos Guarani e Kaiowá.” 

    Essa decisão do povo Guarani-Kaiowá foi anunciada na primeira quinzena de outubro, quando a primavera de luta e esperança começa a pintar de verde o chão, depositando sobre ele, como gesto de carinho, inúmeras flores e odores que embalam nossas vidas.

    Este posicionamento crítico se soma ao de dezenas de outros povos que têm feito suas reflexões sobre o significado do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, no atual contexto brasileiro.

    Após agradecerem a todos os povos que se solidarizaram em sua luta contra o genocídio, com especial distinção para as posturas lúcidas e corajosas dos povos Krahô e Apinajé (leia notas públicas abaixo), os Guarani-Kaiowá se pronunciaram sobre os Jogos Mundiais Indígenas: “Enquanto nós, Guarani e Kaiowá, enfrentamos um verdadeiro genocídio, marcado por ataques paramilitares, assassinatos, espancamentos, estupros e perseguição de nossas lideranças, o governo brasileiro debocha de tudo isso buscando criar folclore para distorcer a realidade e camuflar a real situação dos povos originários”.     

    Na sua manifestação, fazem a grave denúncia sobre o altíssimo número de mortes de seu povo: “Enquanto o Estado e o governo articulam com o agronegócio, o fim de nosso povo e de nossos direitos constitucionais, fortalecendo uma situação onde a cada dois dias morre uma pessoa Guarani e Kaiowá, a imagem dos povos indígenas é utilizada e vendida para distorcer os fatos e mentir no exterior, ocultando a verdadeira realidade e o sofrimento dos povos indígenas”.

    Fazendo menção à ministra Kátia Abreu, que tem não apenas demonstrado sua simpatia para com os jogos, mas tem feito importantes articulações dentro do governo federal para obter recursos públicos para o evento, eles afirmam:

    “Para celebrar esta grande farsa, quem fará a abertura oficial dos jogos será a ministra Kátia Abreu, rainha da motosserra, símbolo de ataque aos povos indígenas e ao  meio ambiente.

    Isto é um deboche e um insulto à vida. Este é o atestado maior de que para além da falta de vontade política do governo em resolver a situação de nossos povos e de nossas terras, na verdade, existe uma determinação política deste governo para a morte de nossos povos e a distribuição de nossos territórios para os invasores”. O Conselho da Aty Guasu e lideranças Guarani e Kaiowá assinam a moção, que foi aprovada durante a realização da etapa regional da Conferência Nacional de Política Indigenista (CNPI), realizada entre os dias 5 e 7 de outubro, em Dourados, no Mato Grosso do Sul.

    Tendas valiosas

    No dia 4 de outubro, faltando apenas nove dias para o início do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, teve bastante repercussão na mídia a divulgação dos extratos aditivos de contratos relativos à montagem de estruturas (pré-moldadas), com acréscimos de alguns milhões. O processo licitatório custa ao todo R$ 30 milhões (conforme publicou o Conexão Tocantins, em 14 de outubro de 2015: http://conexaoto.com.br/2015/10/14/a-nove-dias-do-evento-prefeitura-aditiva-contratos-de-locacao-de-estrutura-para-os-jmi-em-mais-de-r-2-5-milhoes).

    O que se passa? Como justificar que a prefeitura anuncie a empresa vencedora, antes do término do processo licitatório? Os povos indígenas e todos os brasileiros exigem transparência com o uso de recursos públicos para que se evitem desvios e corrupção.

     

    Leia aqui a Moção de Repúdio do povo Guarani-Kaiowá ao I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas

    Leia aqui o Ofício dos Caciques Krahô

    Leia aqui a Nota Pública Associação União das Aldeias Apinajé-Pempxà

     

    Fotos: Laila Menezes

     

    Read More
  • 15/10/2015

    Relaju condena violência contra indígenas da nação Guarani do Mato Grosso do Sul e oeste do Paraná

    A Rede Latinoamericana de Antropologia Jurídica (Relaju) se pronunciou essa semana, em virtude da realização do IX Congresso da organização, denunciando o massacre sofrido pela nação Guarani e Kaiowá no Brasil, especificamente no Mato Grosso do Sul e no oeste do Paraná.

    Para os integrantes da Relaju, a violência tem como pano de fundo a retração dos direitos territoriais garantidos aos povos indígenas. Isso motivaria a ação paramilitar de fazendeiros que tentam barrar o retorno dos indígenas aos seus espaços tradicionais, ou até mesmo no caso da manutenção deles.

    “Diante da resistência indígena, os Estados utilizam a violência policial e armada de forma ilegal e ilegítima; estabelecem estados de emergência; perseguem e prendem arbitrariamente”, diz trecho da carta.

    Leia na íntegra:

    PRONUNCIAMIENTO DE LA RED LATINOAMERICANA DE ANTROPOLOGÍA JURÍDICA (RELAJU) 2015

    Las y los abajo firmantes, integrantes de la RED LATINOAMERICANA DE ANTROPOLOGÍA JURÍDICA (RELAJU) 2015, conformada por científicos/as sociales, profesionales del derecho, activistas y representantes de organizaciones de pueblos indígenas y afrodescendientes de Argentina, Brasil, Bolivia, Colombia, Costa Rica, Chile, Ecuador, Guatemala, México, Perú, Uruguay, reunidos/as en el IX Congreso “Sociedades Plurales y Estados nacionales: límites y desafíos para la efectividad de los derechos”, en la ciudad de Pirenópolis, del Estado de Goiás, Brasil, del 29 de septiembre al 2 de octubre de 2015, declaramos al concluir el presente encuentro:

    1. Que, como resultado de las acciones e investigaciones que venimos realizando, así como de los testimonios de dirigentes indígenas y afrodescendientes que hemos escuchado en este Congreso, constatamos que, no obstante los derechos conquistados por los pueblos en el marco jurídico (firma de tratados, reformas constitucionales, doctrina y jurisprudencia de la Comisión y Corte Interamericana), vivimos un nuevo ciclo histórico de invasión de los territorios de pueblos indígenas.

    2. Los Estados vienen imponiendo megaproyectos extractivos (mineros, petroleros, forestales), de energía e infraestructura (represas, eólicos, carreteras), monocultivos, siembra de transgénicos, en los territorios de los pueblos indígenas y afrodescenientes, sin consulta ni consentimiento previo, libre e informado. Los Estados autorizan estudios de impacto socio-ambiental que presentan las empresas, ocultando los daños que los proyectos producen a los pueblos y a la Madre Tierra.

    3. Estos megaproyectos contaminan, secan y destruyen las fuentes de agua y alimentación, como el caso de los pueblos del Río Xingú afectados por la construcción de la hidroeléctrica Belo Monte, Brasil; la Comunidad Nativa Tres Islas, en Perú, que no puede comer pescado por la contaminación de sus ríos con mercurio; destruyen lugares sagrados, como en el caso de los proyectos mineros en territorio del pueblo Wirarika, México; producen desplazamientos, como en el caso de las comunidades negras y de los pueblos Embera Dobida, Katío, Chamí y Waunana del Chocó Colombiano; entre otras violaciones de derechos. Los mismos efectos se producen por la minería y tala ilegal de madera.

    4. Observamos que los pueblos indígenas y afrodescendientes se defienden y resisten la imposición de estos megaproyectos por medios directos, como toma y retiro de instalaciones o equipos de las empresas en sus territorios o carreteras; y movilizaciones en plazas y vías públicas; así como por medios políticos (como los Tribunales éticos) y judiciales ante instancias nacionales e internacionales; entre otros.

    5. Ante la resistencia indígena, los Estados utilizan la violencia policial y armada de forma ilegal e ilegítima; establecen estados de emergencia; persiguen y detienen arbitrariamente a dirigentes/as; los lesionan y asesinan. Esto ha ocurrido para la imposición del megaproyecto minero Marlín en San Miguel de Ixtahuacán (Guatemala), contra el pueblo mam; el megaproyecto minero Conga, contra las comunidades y rondas campesinas de Cajamarca (Perú); la presa hidroeléctrica La Parota, en el estado de Guerrero, contra el pueblo nahua; la presa Bicentenario, contra el pueblo guarijío, y el acueducto Independencia, contra el pueblo yaqui, en Sonora (México); así como los proyectos hidroeléctricos en los Río Madeira y Tapajos, en la Amazonía del Brasil, contra pueblos mura y munduruku y comunidades tradicionales; los proyectos forestales, de hidroeléctricas y carreteras en territorio del pueblo mapuche; la imposición de la carretera del Tipnis (Bolivia); proyectos petroleros en el Parque Nacional Yasuní (Ecuador); en territorio del pueblo achuar (Perú) entre muchos otros.

    6. Además de la represión ejercida directamente por los Estados, éstos permiten la acción violenta de actores armados como grupos paramilitares, crimen organizado y las guardias blancas de los hacendados. Un caso particularmente grave es la sucesión de amenazas, ataques y masacres en los territorios de los pueblos guaraní kaiowá y avá guaraní en el sur de Mato Grosso del Sur y Oeste del Paraná, cometida por parte de los latifundistas de monocultivos, para impedir la recuperación del territorio ancestral indígena. Los Estados permiten también el uso de la violencia sexual contra las mujeres indígenas como herramienta de represión y amedrentamiento.

    7. En varios países hay un retroceso administrativo, legal y judicial en materia de protección de territorios indígenas y afrodescendientes (acción de inconstitucionalidad contra la reglamentación de la titulación de territorios quilombolas en Brasil); amenazas de enmienda constitucional para reducir el reconocimiento legal de tierras indígenas y quilombolas (Brasil); uso de acciones judiciales por parte de hacendados y empresas para evitar la demarcación y uso del territorio ancestral de los pueblos (para construir casas, sacar agua, sembrar), como el caso del pueblo Chiquitano ubicado en Porto Esperidião, Estado de Mato Grosso, Brasil, y el caso de la familia Chaupé en Cajamarca, Perú, por parte de la empresa minera Yanacocha. También observamos un incumplimiento de decisiones judiciales y medidas cautelares otorgadas por la CIDH cuando tales protegen a los pueblos.

    8. Constatamos una criminalización del ejercicio de la jurisdicción indígena, en especial cuando las autoridades indígenas se enfrentan contra el crimen organizado (narcotráfico y trata de personas) vinculado a los poderes estatales. Así, en el caso de la Coordinadora Regional de Autoridades Comunitarias (CRAC) en el estado Mexicano de Guerrero, con la detención ilegal y el encarcelamiento de su comandanta Nestora Salgado; o cuando confrontan los intereses de megaproyectos, con la persecución y encarcelamiento de dirigentes indígenas como Ydelso Hernández y Gregorio Santos de las Rondas Campesinas de Cajamarca (Perú) (con más de 100 procesos penales y encarcelados en un penal de máxima seguridad).

    9. Concluimos que los Estados latinoamericanos, en la práctica, no respetan y violan los derechos de los pueblos indígenas y afrodescendientes, contra las obligaciones contraídas por los mismos.

    10. Demandamos la vigencia del Estado social, democrático y plural de derecho, y los derechos humanos de los pueblos indígenas y afrodescendientes; el respeto del derecho al consentimiento y la integridad de los pueblos; la liberación inmediata de los presos indígenas; el cese de la represión y acoso judicial; la investigación y sanción de responsables de la violencia contra los pueblos indígenas, afrodescendientes y comunidades tradicionales.

    Read More
  • 15/10/2015

    Incêndio na Terra Indígena Arariboia (MA) atinge grupo Awá em situação de isolamento voluntário

    O incêndio que já transformou em cinzas mais de 30% de floresta amazônica integrada à Terra Indígena Arariboia (MA), área com 413 mil hectares, chegou aos grupos Awá-Guajá em situação de isolamento voluntário. Indígenas Guajajara integrantes da equipe de 200 brigadistas que combatem uma faixa de 100 km de fogo (foto, Ibama) encontraram vestígios dos Awá, como um tapiri, utensílios (flechas) e rastros, a poucos metros de focos de incêndio, num perímetro composto por cerca de 65 km da linha de fogo, e em áreas já devastadas pelas chamas. Mesmo que escapem do fogo, os Guajajara temem que os Awá isolados tenham dificuldades em se alimentar por conta da morte de animais, árvores frutíferas, colmeias e a inviabilização das fontes de água.  

    Nesse tapiri havia resto de fogo e comida, rastros de indígenas, inclusive de crianças, e uma flecha quebrada no centro do tapiri, como que deixando uma mensagem. Relataram ainda que ontem chegou, na aldeia Tarafa, região do município de Arame, um macaco muito manso e amarrado com uma embira. Os indígenas estão supondo que seja dos Awá”, relata Rosimeire Diniz, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão. Para quem acompanha o incêndio, o combatendo ou cobrando as autoridades medidas mais efetivas, a angustia é maior porque a faixa de fogo aumenta a cada dia.

    Os Guajajara afirmam que os Awá estão encurralados pelos focos de incêndio; que fogem e tentam se proteger. A notícia de Awá mortos, porém, não é confirmada pelos indígenas, pelo Cimi ou órgãos estatais, mas “se não houver uma ação mais efetiva por parte dos governos estadual e federal, a tragédia poderá ficar ainda maior e atingir sim mortalmente os isolados, forçando um contato”, diz a missionária e indigenista. Em Brasília, indígenas realizaram, na semana passada, um protesto no Ministério da Justiça pedindo uma ação mais efetiva do governo no combate ao incêndio.

    “Trata-se de genocídio porque dois povos indígenas, sendo um deles isolado, estão sob o risco de desaparecer caso o incêndio não seja controlado”, analisa Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Para o Ibama, a causa do incêndio é criminosa e uma investigação deverá apurar os responsáveis. A estimativa do órgão é de que 200 quilômetros quadrados de floresta foram queimados. Lideranças indígenas afirmam que madeireiros e grileiros aproveitaram o tempo seco, o vento e a degradação já causada por anos e anos de devastação ambiental para atear fogo em distintas regiões da terra indígena. A ação criminosa seria em represália ao controle dos indígenas contra os invasores do território tradicional.

    No início dessa semana, o incêndio chegou à aldeia Juçaral, na região do município de Amarante. “Os indígenas nos dão relatos desesperados e o cenário é desolador. Uma floresta frondosa e rica, que concede a vida a esses povos, agora é apenas carvão, cinzas e fumaça. São poucos brigadistas para uma faixa imensa de fogo”, afirma Rosimeire.

    Para deixar a situação ainda mais dramática, o Cimi recebeu informações de que nesta quarta-feira, 14, madeireiros atearam fogo também na Terra Indígena Alto Turiaçú, habitada pelo povo Ka’apor. No caso, seria uma represália contra as ações de proteção da terra feita pelos indígenas nos últimos meses, que terminou com o assassinato de uma liderança Ka’apor. A terra indígena é alvo de constantes invasões de madeireiros: segundo o Greenpeace, até 2014, 8% (41 mil hectares) dela foram desmatados. Com isso, de acordo com o Relatório de Violência do Cimi, quatro índios Ka’apor acabaram mortos e outros 15 sofreram atentados nos últimos quatro anos.

     

     

     

    Read More
  • 15/10/2015

    Guarani e Kaiowá – Os condenados desta terra, artigo de Neimar Machado de Sousa

    A lista de violações de direitos dos povos indígenas no estado de Mato Grosso do Sul é tão grave e extensa que pode ser classificada em diversas categorias: insegurança alimentar; remoção dos territórios tradicionais para as reservas indígenas; violência contra a mulher nas áreas de retomada e nas reservas, criadas pelo Governo Brasileiro; contaminação por agrotóxicos; intolerância religiosa; assassinato; trabalho escravo; exploração sexual; crianças fora da escola e sem atendimento médico, isto num contexto demográfico em que 45% dos Guarani e Kaiowá, neste estado, têm menos de 17 anos de idade.

    O estado é uma das 27 unidades federativas do Brasil, localizado na região centro-oeste do Brasil, fronteira com o Paraguai e a Bolívia. Sua área total é de 35 milhões de ha, sendo que o rebanho de 23 milhões de bovinos ocupa 65% de todas as terras. A população Guarani e Kaiowá, removida sistematicamente desde 1915 de seus territórios transformados em fazendas, ocupa, na atualidade, apenas 0,08% das terras, 30 mil hectares.

    Na década de 90, o incremento do cultivo de cana-de-açúcar para produção de etanol e biodiesel aumentou a pressão econômica sobre as terras indígenas e o consequente aumento dos assassinatos e suicídios. Os interesses econômicos nestas terras indígenas podem ser mapeados na Justiça Eleitoral, onde é possível consultar o grande volume de doações para financiamento de campanhas eleitorais de deputados estaduais por parte de empresas frigoríficas e usinas de etanol.

    Em 2013, de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior – SECEX, o montante das exportações do estado atingiu 4,21 bilhões de dólares americanos. Ao mesmo tempo em que os produtos agrícolas passaram a ser negociados no mercado internacional com preços regulados em bolsas de valores, de 2003 a 2015, 585 indígenas cometeram suicídio e 390 foram assassinados. Ainda assim, os casos são pouco conhecidos devido ao silêncio dos meios de comunicação, comprometidos ideológica e financeiramente com os poderes econômicos que possuíram grandes parcelas do poder executivo, legislativo e judiciário.

    A população indígena total do estado é de 71 mil pessoas (SESAI, 2015), aproximadamente 10% da população declaradamente indígena brasileira, sendo que os casos mais graves de violência afetam os Guarani, Kaiowá e Terena, etnias que estão entre cinco mais numerosas do Brasil. Apesar do genocídio de 9/10 da população indígena brasileira ao longo dos cinco séculos de colonização, o país ainda é a nação com a maior diversidade étnica do continente, com 310 povos indígenas (FUNAI, 2015). Não sabemos até quando.

    Nos últimos meses, a situação de violência contra as comunidades indígenas no cone sul de Mato Grosso do Sul – MS, Brasil, tem se deteriorado a tal ponto que uma das áreas, Nhanderu Marangatu, no município de Antônio João, MS, está sob intervenção do Exército para garantir provisoriamente a vida dos Guarani e Kaiowá. Nesta terra indígena foi assassinado, no dia 29.08.15, o líder indígena guarani Simeão Vilhalva, 24 anos. De acordo com a comunidade, o crime, segundo a comunidade em declarações dadas à imprensa, foi resultado da ação de pistoleiros, fortemente armados, contratados por fazendeiros, que possuem títulos em terras identificadas como indígenas pelo Estado brasileiro em 2005, mas cuja homologação foi suspensa em caráter liminar pelo poder judiciário, no caso o STF.

    Considerando a morosidade na identificação e homologação das terras indígenas por parte do governo federal e a suspensão em caráter liminar pela justiça de terras homologadas, muitas comunidades optaram, mesmo correndo risco de vida, em retornar para as antigas aldeias de onde foram removidas a partir do início do século XX. Este processo de retorno e reversão autônoma do confinamento tem sido denominado pelos próprios indígenas de retomada ou ocupação.

    Por outro lado, na cidade de Antônio João, MS, houve incitação da opinião pública pelo sindicato rural, segundo imprensa escrita, com base no boato que os indígenas ateariam fogo na cidade, acirrando ainda mais o preconceito e provocando um verdadeiro clima de guerra. Além disso, políticos da bancada federal chegaram a participar de reuniões no sindicato patronal, ao cabo da qual, acompanharam uma caravana de proprietários rurais até o local das retomadas. Durante este conflito foi assassinada a liderança Simeão Vilhalva.

    Até este momento, uma parte da população indígena do município ainda está impedida pelos moradores de sacar dinheiro nos caixas eletrônicos nos comércios da cidade para compra de alimentação, produzindo uma crise humanitária pela falta de alimentos. As crianças em idade escolar nas fazendas retomadas também foram impedidas de embarcarem no transporte escolar para irem à escola. Um dos últimos desdobramentos desta crise foi noticiado pelo jornal eletrônico Campo Grande News (02.10.2015), dando conta da denúncia ao Ministério Público Estadual contra a Deputada Estadual Mara Caseiro (PT do B) por perseguição a ativistas que organizaram uma campanha de arrecadação de alimentos para índios guarani e kaiowá de área atacada em Antônio João, MS.

    A foto 01 (JACIANA BENITES, 2015), de 19.09.2015, indica a dimensão do conflito, pela quantidade de cartuchos deflagrados em apenas uma noite em uma das áreas, Aldeia Potrero Guasu, município de Paranhos, MS.

    A foto 02 (ELIEL BENITES, 2015), de 06.08.2015, é da ferida no pé de uma criança da Aldeia Pacurity, Dourados, MS. O menino ficou sem atendimento médico por mais de três meses.


    Entre as causas deste quadro, temos a remoção forçada durante décadas dos indígenas realizada pelo próprio Estado, especialmente durante a ditadura militar (1964-1985). As lideranças indígenas que ousam romper o silêncio são ameaçadas de morte e são alvo de ataques paramilitares como, por exemplo, aquele desferido contra a comunidade de Guaiviry, no município de Aral Moreira, responsável pela morte e desaparecimento do cacique Nisio Gomes.

    Em resposta, a Assembleia Legislativa do estado instalou uma Comissão de Investigação (CPI) que acusa as próprias lideranças indígenas e seus apoiadores pela violência crescente, mostrando a opção preferencial do Estado brasileiro na defesa do agronegócio e a produção de commodities agrícolas para o mercado internacional em detrimento dos direitos sociais.

    De acordo com informações do governo (RENAI, 2015), o estado abate todo ano 4,6 milhões de bovinos, 12 mil cabeças por dia. Instalou, nos últimos anos, 28 novas usinas para produção de etanol e biodisesel a partir da cana-de-açúcar, ampliando as 14 já existentes. A produção de soja é de 5 milhões de toneladas/ano, gerando um enorme mercado para os insumos agrícolas de empresas multinacionais. O incremento dos investimentos por empresas e bancos está na origem do aumento da violência contra as populações originárias, especialmente na redução dos territórios tradicionais e exploração do trabalho indígena no corte da cana.

    A omissão do Estado brasileiro em cumprir os direitos indígenas estabelecidos na Constituição Federal em 1988, que previu a homologação e a demarcação das terras indígenas, e o atraso na identificação destas terras permite que a violência se perpetue e se converta em genocídio.

    Neimar Machado de Sousa, Karai Guaiguingue, é membro da Comissão Regional Justiça e Paz e professor na Faculdade Intercultural Indígena – FAIND/UFGD, em Dourados – MS.

    Colaboração de Beatriz Carvalho Diniz, in EcoDebate, 13/10/2015.

  • 10/10/2015

    Porantim 379: Nós queremos #cpidogenocídio

    Com o objetivo de acabar com a impunidade dos recorrentes crimes e das violências cometidas contra os povos indígenas do Mato Grosso do Sul, foi instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Genocídio. Os Conselhos dos povos Terena, Guarani e Kaiowá propõem um embargo internacional aos produtos do agronegócio produzidos em suas terras.

    Read More
  • 10/10/2015

    Encarte pedagógico 8: Um olhar sobre a saúde dos povos indígenas

    Encarte pedagógico, voltado a professores e professoras, que acompanhou a edição 379 do jornal Porantim.

    Read More
  • 09/10/2015

    Etapa baiana da Conferência Nacional dos Povos Indígenas repudia CPI do Cimi

    Os mais de 300 representantes dos povos indígenas da Bahia reunidos no período de 06 a 08 de outubro de 2015, em Salvador, por ocasião da realização da Conferência Nacional de Politica Indigenista – Etapa Regional Bahia, aprovaram uma Moção de repúdio e indignação conta a tentativa de criminalização do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Entidade vinculada a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Tentativa esta de criminalizar e difamar esta importante Entidade realizada pela Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso do Sul.  

    A referida CPI do Cimi foi solicitada e será presidida pela deputada do PT do B, Mara Caseiro e terá como vice-presidente o deputado do PMDB, Marquinhos Trad e como relator da CPI o deputado do PR, Paulo Correa. Juntos, os parlamentares receberam R$ 2.454.542,06 milhões em doações. Desse total, o relator da ‘CPI do Cimi’, deputado Paulo Corrêa, declarou ao TSE o montante de R$ 769.515, 50 – as construtoras UTC, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa financiaram, aproximadamente, 40% da campanha declarada pelo parlamentar ao TSE. O restante partiu de empresas ligadas à cadeia do agronegócio e demais doadores. Vale lembrar que todas estas empresas estão envolvidas no escândalo conhecido como “lava jato.

    Não consta que as doações apuradas junto ao TSE destes parlamentares sejam irregulares ou ilegais. O setor privado, no Brasil, podia financiar campanhas em 2014 – no último dia 17 de setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com as doações privadas. No entanto, o demonstrativo serve para a sociedade averiguar quais interesses econômicos e financeiros estão por trás dos deputados e deputadas que investigarão o Cimi e que insistem em se opor aos direitos territoriais indígenas. Tanto os parlamentares quanto seus doadores possuem interesses diretos ou indiretos nas terras reivindicadas pelos povos indígenas no Mato Grosso do Sul. 

    A CPI é composta ainda pelos deputados Onevan Matos (PSDB), ligado ao ruralismo, e Pedro Kemp (PT), única voz dissonante entre os titulares da Comissão ao grupo liderado por Mara Caseiro. Os suplentes serão os deputados e deputadas Antonieta Amorim (PMDB), João Grandão (PT), Beto Pereira (PDT), Márcio Fernandes (PTdoB) e Ângelo Guerreiro (PSDB).

    Ao mesmo tempo em que repudiamos esta tentativa vil de criminalizar o Cimi, nos solidarizarmos com esta Entidade e todos os seus membros. O Cimi que sempre esteve ao lado dos empobrecidos deste País, em especial os povos indígenas, que ao longo destes anos de existência sempre se colocou do nosso lado, chegando ao ponto de muitos missionários doarem suas vidas em defesa dos nossos povos, a exemplo da Irmã Cleusa Rody, Vicente Canhãs,,  Pe. Rodolfo e tanto outros missionários.

    Assim como na época da consolidação dos nossos direitos na Constituição de 1988, quando o Cimi, nos deu o apoio e nos ajudou a conquistarmos os Artigos 231 e 232, sofreram a mesma perseguição que sofrem agora por parte das mineradoras, políticos e uma intensa campanha de difamação por parte do jornal Estadão e a ameaças da instalação de uma CPI mista de inquérito. Agora neste momento que os nossos direitos sofrem um intenso ataque por parte da bancada ruralista instalada em todas as regiões na defesa do agro e hidro negócio e que temos o Cimi do nosso lado nos apoiando, surge mais uma a tentativa de intimidar e calar a voz de que ousa defender os povos indígenas.

    Neste sentido denunciamos os interesses escusos atrás desta CPI e repudiamos veemente esta vergonhosa CPI contra o Cimi, e exigimos sim, que seja instaurada uma CPI para investigar o intenso processo de genocídio contra os nossos parentes no Mato Grosso do Sul, onde só nos últimos doze anos quase cerca de 600 parentes cometeram suicídios e quase 400 foram assassinados. CONTRA A CPI DO CIMI E SIM PELA CRIAÇÃO DA CPI DO GENOCÍDIO DOS POVOS INDÍGENAS DO MATO GROSSO DO SUL.

    Salvador (BA), 08 de outubro de 2015.

    Read More
  • 09/10/2015

    Carta da Fian em solidariedade aos advogados Rogério Batalha e Luiz Henrique Eloy Terena

    A FIAN Brasil é uma organização de Direitos Humanos que trabalha pela realização do direito à alimentação adequada há cerca de 30 anos, cujo Secretariado Internacional tem sede em Heidelberg, Alemanha e conta com seções e coordenações nacionais em 20 países por todo o mundo, incluindo o Brasil. A FIAN tem status consultivo ante a Organização dos Estados Americanos e das Nações Unidas, incluindo representação permanente em Genebra e Suíça.

    A Fian vem a público manifestar seu veemente repúdio aos ataques sofridos pelos advogados indigenistas Rogério Batalha Rocha (de camisa branca, sendo agredido) e Luiz Henrique Eloy Amado.

    O Advogado e doutorando Rogério Batalha foi assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) por cerca de 10 anos e atualmente faz parte do Coletivo Terra Vermelha, entidade da sociedade civil que apoia a luta dos povos indígenas. Por conta de seu compromisso com a Advocacia Popular e com os direitos dos Povos Indígenas, acompanhou um coletivo de lideranças indígenas e de movimentos sociais durante uma sessão da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul.

    Na ocasião, cerca de 200 pessoas manifestavam-se contra a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada contra o CIMI, ao mesmo tempo em que lançavam a campanha para a instauração da CPI do Genocídio, pois é fato notório e amplamente denunciado pelos defensores da causa indígena, que centenas de indígenas foram assassinados na última década no Mato Grosso do Sul por milícias armadas comandadas pelos ruralistas Ao término da sessão, já no estacionamento, Rogério recebeu voz de prisão de seguranças (que não detêm o “poder de polícia”).

    A ordem foi emanada pelo presidente da Assembleia Legislativa do MS, Junior Mochi (PMDB), que atendeu ao pedido da ruralista e deputada Mara Caseiro (PTdoB), responsável pela instituição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Dentre os nomes apresentados pela deputada para serem investigados estão os dos advogados indigenistas Rogério Batalha Rocha e Luzi Henrique Eloy Amado. Fato este que demonstra, por si só, a intolerância em relação àqueles que defendem os direitos dos povos originários do Estado do Mato Grosso do Sul e do Brasil e o desrespeito às prerrogativas do advogado que, registra-se, culminou em agressões físicas causando-lhe várias lesões pelo corpo.

    Da mesma forma, a FIAN Brasil coloca-se solidária ao advogado Luiz Henrique Eloy Amado, por ter sido representado pela Ordem dos Advogados do Brasil/OAB, SecçãoMS, simplesmente por cumprir seu papel de advogado. Luiz Henrique Eloy é índio Terena e hoje faz doutorado em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por conta de sua atuação em defesa de seu povo, tem sofrido reiterados pedidos de cassação de seu registro na OAB-MS feitos pela Federação de Agricultura e Pecuária do MS (Famasul) e pela Associação dos Criadores do Mato Grosso do Sul (Acrissul).

    A perseguição começou logo após Luiz Henrique ter impetrado mandado de segurança contra a realização do “leilão da resistência”, organizado pela Famasul e Acrissul com o objetivo de arrecadar recursos para criar obstáculos à luta pelos direitos territoriais. Está sendo apurado, em ação judicial, se o recurso seria utilizado para fins ilícitos, como, por exemplo, contratação irregular de seguranças. Como se não bastasse, Luiz Henrique enfrentou uma ação judicial impetrada por essas mesmas organizações para suspender sua banca de mestrado, pois a mesma aconteceria numa aldeia Terena.

    Diante das inúmeras tentativas infrutíferas de criminalização, Eloy foi representado pela Comissão do Agronegócio da OAB-MS sob o argumento de atentar contra o Código de Ética da advocacia. Esses ataques aos Advogados fazem parte da estratégia de criminalização dos movimentos sociais e dos defensores dos direitos humanos, e podem desviar a atenção sobre as causas estruturantes de violações de direitos dos povos indígenas, cujas responsabilidades, seja por ação ou omissão, é em última instância do Estado Brasileiro.

    São essas violações históricas que fazem os povos indígenas e movimentos sociais alegarem que há um genocídio dos povos indígenas, em curso. Vimos a público manifestar nosso apoio e solidariedade aos Rogério Batalha Rocha e Eloy Henrique Eloy Amado, ao mesmo tempo, registramos nosso repúdio à CPI do CIMI que tramita na Assembleia Legislativa, por ser uma forma de inibir as ações de exigibilidade de direitos de grupo que, historicamente, sofrem violações de seus direitos, e ainda, à impunidade em relação à ação de grupos armados que atentam contra a vida de comunidades indígenas no estado.

    Marcelo Brito dos Santos
    Diretor Presidente da FIAN Brasil

    Carta enviada para: 
    1) Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ilmo. Sr. Dr. Marcus Vinicius Furtado Coêlho 
    2) Presidente da Ordem dos Advogados da Seccional do Mato Grosso do Sul, Ilmo. Sr. Dr. Júlio Cesar Souza Rodrigues 
    3) Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso do Sul, Ilmo. Deputado Sr. Júnior Mochi

     

    Read More
  • 09/10/2015

    Índios protestam em Brasília exigindo ação do governo para combater incêndio de grandes proporções na Terra Indígena Arariboia (MA)

    Um grupo de índios Guajajara protesta em frente ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), em Brasília, nesta sexta (9/10), às 14h30, para exigir do governo federal uma ação coordenada e efetiva para acabar com o incêndio que já consumiu mais de 100 mil hectares de floresta na Terra Indígena (TI) Arariboia, no sul do Maranhão. O incêndio dura quase um mês e consumiu o equivalente a 20% da área, que tem 413 mil hectares. A linha de fogo chega quase a 100 quilômetros.

    Os indígenas exigem ser recebidos pela ministra Izabella Teixeira. Os órgãos envolvidos no combate ao fogo não conseguem coordenar ações e alegam não ter recursos para atuar. Não haveria dinheiro para custear nem mesmo a alimentação dos brigadistas. Exército, Corpo de Bombeiros, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e Fundação Nacional do Índio (Funai) participam do trabalho.

    “É preciso ter uma decisão de governo para uma solução efetiva para o incêndio”, afirma Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e uma das lideranças da TI Arariboia. A Apib apoia o protesto em Brasília.

    O fogo já queimou casas dos índios Guajajara e agora ameaça um grupo de índios “isolados” Awá Guajá. “Há um risco total de vida para eles”, conta Sônia Guajajara.

    Mais de 5,3 mil índios vivem na TI Arariboia, localizada entre os municípios de Amarante do Maranhão, Arame, Bom Jesus das Selvas, Buriticupu, Grajaú e Santa Luzia. A área á alvo constante de desmatamentos ilegais e roubo de madeira.

    Mais informações

    Sônia Guajajara – (61) 8263-8032

    Paulino Montejo – (61) 9952-4583

     

    Read More
  • 08/10/2015

    Dom Roque Paloschi: “Os inimigos dos Guarani Kaiowá os atacam na calada da noite. À luz do dia, atacam seus aliados”

    Dom Roque Paloschi, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e bispo de Roraima, esteve durante essa semana no Mato Grosso do Sul para contribuir com a missão ecumênica que prestou solidariedade aos povos indígenas e ao Cimi, alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) movida pela bancada ruralista da Assembleia Legislativa, e para pedir outra CPI: a do genocídio, contra os povos indígenas do estado.

    “Pela inconveniência de atacar os Guarani Kaiowá à luz do dia, seus inimigos os atacam na calada da noite. À luz do dia, atacam seus aliados, em concreto, o Cimi, através de uma CPI que em vez de Comissão Parlamentar de Inquérito melhor seria chamada de CDF, Comissão de Despistamento dos Fatos”, disse Dom Roque aos religiosos, leigos, indígenas e movimentos sociais.

    Leia na íntegra o pronunciamento do bispo de Roraima e presidente do Cimi:  

     

    Pronunciamento de Dom Roque

    (Ato Ecumênico, Campo Grande, 07.10.2015)

    Agradeço essa convocação oportuna para a participação desse Ato Ecumênico ou melhor, desse Ato Macro Ecumênico em defesa do povo Guarani Kaiowá aqui no Mato Grosso do Sul e, um pouco também, em defesa do Cimi que foi “agraciado” com uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Eu digo “agraciado” porque essa CPI nos abrirá oportunidades para a repercussão, nacional e internacional, dos crimes cometidos contra os Guarani Kaiowá e demais povos originários do MS e do Brasil.

    A CPI do Cimi me lembra de uma novela do grande escritor austríaco, Franz Werfel, perseguido pelos nazistas e expulso de sua terra por causa de sua origem étnica. O título dessa novela, que poderia servir também para os cenários, nos quais se encontram os povos indígenas, aqui no MS, é: “Não o assassino, os assassinados são culpados”.

    Os culpados não são os paramilitares e não os fazendeiros organizados em milícias armadas que, segundo Elizeu Lopes, liderança Guarani Kaiowá, entre agosto e setembro deste ano provocaram mais de dez ataques contra as Terras Indígenas Ñanderú Marangatú, Guyra Kamby´i (TI Panambi-Lagoa Rica), Pyelito Kue (TI Iguatemipegua I) e Potreiro Guasu.

    Os culpados são os Guarani Kaiowá.

    – Os culpados do assassinato do líder Guarani Kaiowá Semião Vilhalva não são os fazendeiros organizados em milícias armadas;

                = nem são eles os culpados nos ferimentos causados por tiros com armas de fogo contra três indígenas;

                = nem são eles os culpados pelas feridas por balas de borracha;

                = nem são eles os culpados pelo espancamento de dezenas de indígenas;

                = nem são eles os culpados pelo estupro coletivo contra uma mulher Guarani Kaiowá, segundo denúncias que nos chegaram da respectiva região.

    Os culpados são os Guarani Kaiowá.

    Os culpados dos mais de 580 indígenas que cometeram suicídio e nos 390 assassinatos de Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, nos últimos 12 anos, não são os paramilitares nem os fazendeiros organizados em milícias armadas, nem a ala ruralista que lucra com as terras indígenas incorporadas nos seus latifúndios.

    Os culpados são os próprios Guarani Kaiowá.

    Mas por vários motivos não convém aos inimigos dos povos indígenas atacar, diretamente, os Guarani Kaiowá, porque gozam certo prestígio na opinião pública mundial. O próprio Elizeu Lopes está chegando neste momento de viagem do exterior onde encontrou mais apoio do que em sua própria terra. Se encontrou com organismos internacionais em defesa dos direitos humanos e denunciou a omissão do próprio estado brasileiro, do poder Legislativo, Judiciário e Executivo face aos povos indígenas.

    Pela inconveniência de atacar os Guarani Kaiowá à luz do dia, seus inimigos os atacam na calada da noite. À luz do dia atacam seus aliados, em concreto, o Cimi, através de uma CPI que em vez de Comissão Parlamentar de Inquérito melhor seria chamada de CDF, Comissão de Despistamento dos Fatos. Essa CPI/CDF se dirige contra os Guarani Kaiowá e todos os seus aliados, contra os movimentos populares do campo, Comunidades Eclesiais de Base ecumenicamente organizados e contra as Pastorais Sociais. Agradeço como presidente do Cimi a solidariedade que recebemos por defender a causa dos povos indígenas. Nos 3.800 km (via BR-174) desta longa viagem que fiz de Boa Vista/RR para Campo Grande/MS, pensei: “Qual poderá ser, além do horizonte simbólico, o significado e a contribuição concreta dessa viagem”?

    Provavelmente todos, que estamos aqui, pensamos algo semelhante sobre o alcance concreto da nossa presença nesse ato ecumênico e, amanhã, da visita às comunidades indígenas. O que podemos fazer para transformar a lei do mais forte em “justiça mínima” nos territórios guarani kaiowá? Os diferentes credos não impedem de unir-nos, de somar gritos, denúncias e forças. Mas falta, talvez, algo mais decisivo nesta situação em que “o sistema, sustentado pelos poderes Legislativo, Judiciário, Executivo e os canhões do grande capital e do agronegócio, procura encaminhar os povos indígenas para a solução final de extermínio” (XXI Assembleia do Cimi). Em todo Brasil, os povos indígenas estão rodeados pelo latifúndio e pelas Propostas de Emenda à Constituição (PEC). Uma das mais perigosas é a PEC 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar terras tradicionais indígenas, titular terras quilombolas e criar unidades de conservação ambiental. Esta PEC atende explicitamente aos interesses da bancada ruralista e do agronegócio. As PECs são subterfúgios para desmontar as conquistas da Constituição Federal de 1988.

    Um desses subterfúgios é também o chamado “marco temporal”, pelo qual só poderiam ser atendidos reivindicações territoriais dos índios, que até a data da Constituição de 1988 foram disputadas por eles. Mas, até essa data, os índios foram tutelados e não podiam entrar em juízo para reivindicar suas terras. Por isso os Guarani Kaiowá retomaram a partir do 22 de agosto de 2015, quase a totalidade de áreas invadidas por fazendeiros e localizadas dentro dos limites da terra indígena, já homologada. O governo federal não pagou as indenizações para os ocupantes e os efeitos do decreto de homologação foram suspensos pela Justiça em setembro de 2005. Logo depois dessa retomada vieram os policiais do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) e dispararam tiros para assustar os índios. Mas os índios decidiram não recuar.

    Os fatos são conhecidos, os assassinatos contabilizados, os cenários localizados, os gritos ouvidos, as imagens sobre as extremas crueldades são divulgadas, os mandantes dos assassinatos são soltos, um ou outro dos seus capangas está preso, os culpados são apontados. Talvez não pela grande imprensa, mas por vias alternativas, os fatos romperam as fronteiras da clandestinidade e chegaram em algumas das nossas comunidades. Precisamos sacudir essas nossas comunidades e socorrer aos índios com mais eficácia!

    Amanhã, por exemplo, quando estaremos nas comunidades indígenas Apykai e Guayra Kamby´i – o que vamos dizer aos sobreviventes da família do cacique Nísio Gomes, que no acampamento Guaviry (MS), em 2011, foi assassinado à queima-roupa, jogado numa caçamba de caminhonete e nunca se soube para onde foi levado seu corpo?

    Nosso ex-secretário do Cimi, Antônio Brand, em sua tese de doutorado, descreveu com profundidade como os Guarani Kaiowá, por causa da qualidade de suas terras e de sua mão de obra foram permanentemente submetidos a ondas de colonização e confinamento em territórios cada vez menores. Os estrangulamentos dos suicídios não seriam uma consequência dos confinamentos territoriais?

    Se não se tratasse nessas CPIs de um jogo com cartas marcadas, poderíamos nos empenhar na realização de CPIs sérias, verdadeiras, sem fins eleitorais. Por exemplo, uma CPI sobre o confinamento histórico dos Guarani Kaiowá em condomínios que não garantem seu sustento e que daria razão a suas reivindicações. Poderíamos também solicitar uma CPI sobre o financiamento da última campanha eleitoral da dentista e deputada estadual do Partido Trabalhista do Brasil (PT do B), Mara Caseiro, proponente da CPI do Cimi e, no dia 30 de setembro, eleita presidente dessa CPI que lhe muito convém. No dia 2 de outubro, Mara Caseiro aproveitou o último dia do prazo permitido para trocar de domicílio eleitoral para mudar seu título para Campo Grande, onde vai concorrer à prefeitura da Capital nas eleições do ano que vem.

    É óbvio que a CPI do Cimi não tem por objetivo, como o documento de convocação reza, de investigar, se a entidade “incitou ou financiou invasões de propriedades particulares em Mato Grosso do Sul”. O verdadeiro objetivo da deputada é de se servir da CPI de trampolim para criar visibilidade para sua “pré-candidatura” à prefeitura de Campo Grande.

    Este é o contexto em que somos convocados para exercer nossa vocação profética. Se nós nos calamos, “as pedras gritarão” (Lc 19,40)!

    Os Guarani Kaiowá foram caçados e escravizados:

    – pelos Bandeirantes,

    – colonizados pela Cia. Matte Laranjeiras que se apropriou de suas terras para o plantio da erva de Matte,

    – pelo Serviço de Proteção aos Índios,

    – pelos governos militares e, finalmente,

    – pelos governos democráticos de hoje, estes, por sua vez, colonizados pelo grande capital.

    Os Guarani Kaiowá são sobreviventes “que vêm da grande aflição” (Apc 7,14). Resistem com bordunas, maracás e com a inspiração da Palavra de Ñanderú.

    Bordunas, arcos e flechas, hoje, não tem muita serventia para enfrentar os jagunços do agronegócio. Mas a Palavra de Ñanderú, ela fez da sobrevivência desses índios não uma probabilidade, mas uma certeza.

    Uma dessas sobreviventes Guarani, marcada por rugas de luto, luta e fome, perguntada porque justo agora estão retomando as suas terras, num momento em que as forças são tão desiguais, respondeu: “Ñanderú mandou dizer: está na hora”.

     

    Read More
Page 424 of 1205