23/10/2015

Jogos Indígenas: um mundo de contradições

Na semana em que acontece a abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, lideranças denunciam na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), o genocídio de seus povos em várias regiões do Brasil e, principalmente, no Mato Grosso do Sul. Neste mesmo estado, na Assembleia Legislativa, foi instalada a “CPI do Genocídio”.

De última quarta-feira (21) para cá, os Guarani-Kaiowá tiveram duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendendo a reintegração de posse nos tekohas (“lugar onde se é”) Ñhanderú Marangatú e Guaiviry, no Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai. Vitórias fundamentais dos povos indígenas e das lutas contundentes pelos seus direitos, especialmente suas terras. Neste contexto, têm sido decisivas as manifestações de repúdio, as declarações e gestos de solidariedade dos povos indígenas e seus aliados no Brasil e no mundo.

E o presidente da Comissão Especial da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), deputado Nilson Leitão, após a realização de três reuniões nesta semana – em que inúmeras manifestações de racismo e colonialismo foram feitas pelos membros ruralistas da comissão -, garantiu que da semana que vem a votação do Parecer da PEC não passa.

Ou seja, a realidade indígena indica que a realização destes Jogos, e o seu caráter celebrativo, por si, são extremamente contraditórios.

Dilma Rousseff e Kátia Abreu, juntas na abertura

Juntamente com a ministra Kátia Abreu, a presidente da República, que se nega a receber representantes dos povos indígenas para tratar da paralisação das demarcações das terras indígenas, estará na abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Para garantir a “segurança” da presidente, um forte esquema de segurança foi montado, envolvendo as polícias civil, militar e federal. Segundo um jornal local, até um esquadrão antibombas está à disposição.

Testando esquemas de segurança e repressão

Entre os movimentos sociais e povos indígenas vêm circulando informações sobre um sofisticado esquema de “inteligência” de segurança que estaria sendo testado nesses jogos com o intuito de ser utilizado nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, no próximo ano. Além disso, estão sendo utilizados espécies de robôs para desarmar artefatos explosivos e bombas, além de cães treinados na identificação de explosivos.

Na fila dos indignados

Continua o clima de insatisfação de muitos indígenas, especialmente os que vieram com a intenção de vender seus artesanatos durante a realização do evento internacional. Tinham como referência os jogos indígenas nacionais, onde existia um acesso livre para essas atividades. O fato foi denunciado ao Ministério Público Federal (MPF) que intimou a organização dos jogos a liberar o acesso dos indígenas, caso contrário medidas judiciais poderão ser tomadas.

Repórteres internacionais mostraram-se surpresos com a proibição imposta aos indígenas de darem entrevistas. Conforme informações colhidas no local, nem pessoas credenciadas puderam adentrar na arena dos jogos. Fotos, nem pensar.

Quem ganha, quem perde

Um folder sobre os jogos, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), tem sido distribuído e divulgado, em português, espanhol e inglês. Este material contém uma série de informações e questionamentos que procuram fazer um contraponto ao ufanismo que envolve os jogos e que tentam desviar o foco das lutas e realidades dos povos indígenas. Além disso, várias lideranças e povos indígenas questionam o fato de se estar gastando vultosas quantias de recursos públicos. Enquanto o governo alega falta de recursos para a demarcação de terras indígenas e políticas públicas para esses povos, a informação corrente por aqui é de que pelo menos R$ 163 milhões teriam sido disponibilizados para os jogos.

Indígenas insatisfeitos

“Não sou contra os jogos. Acho até que já deveriam se realizar há mais tempo, só que não concordo com a forma de como estão sendo conduzidos”, expressou uma liderança Guarani-Mbyá de São Paulo.

Num depoimento emocionado, uma liderança Karajá relatou como se sentiram traídos com a condução dos jogos, falando que a presença de Kátia Abreu, será um horror, pois ela é declaradamente contrária aos povos indígenas: “Será um horror. Estarão zombando de nós. Estão cometendo um genocídio contra nossos povos”.

“A construção da arena é um padrão não indígena. A gente quer fugir desse formato de ‘rodeio’, de campeonato de índios. Como são os primeiros jogos mundiais, todos esses ingredientes que a gente não conhecia fugiram do nosso controle. A ideia inicial era fazer uma coisa mais aberta, mas tem a questão de segurança, bombeiros. Todas essas situações fizeram com que houvesse um desenho essencialmente urbano” (Agencia Brasil, 21/10/15).

Conforme desejo manifesto pelos organizadores, a intenção é de que seja dada continuidade aos jogos mundiais indígenas. Porém, a desorganização e as insatisfações demonstradas até o momento mostram que será necessária uma mudança radical nos procedimentos e na condução dos eventos futuros.

 

Fonte: Egon Heck, do Secretariado Nacional, Cimi Regional Goiás/Tocantins
Share this: