• 20/10/2015

    Jogos Mundiais Indígenas: promessas não cumpridas

    Na semana da abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI), Palmas é marcada pela correria e pelos custos adicionais. Ainda está muito vivo na memória das populações das cidades que sediaram os jogos da Copa do Mundo, no ano passado, os transtornos e o festival de obras inacabadas. Tudo indica que desta vez também não será diferente. Obras permanentes prometidas e projetadas, como um museu do índio e uma piscina olímpica, ficaram apenas no imaginário e no desejo da população. Ficam no ar as perguntas: “será que o dinheiro fugiu? algum ralo se abriu? alguma conta bancária engordou?” Ou será que foi mesmo blefe, com total desconsideração para com os povos indígenas e a população de Palmas.

    Apesar deste evento ter sido adiado duas vezes, a infraestrutura, que ficou por conta da prefeitura de Palmas, parece ter sido postergada até os últimos dias antes dos jogos. São melancólicas, para não dizer tétricas, as paisagens do ambiente dos jogos, cheias de tocos de árvores arrancadas, que nada têm a ver com a mensagem de vida e respeito à natureza que os povos indígenas trazem para o mundo e o planeta Terra.

    Nos bastidores

    Começam a circular, no calor de Palmas, (na chegada, o copiloto anunciou que a temperatura na capital do Tocantins era de 42 graus!), as denúncias em relação ao tratamento dispensado aos voluntários indígenas. Segundo essas informações, dos 550 voluntários cadastrados, 250 estão em Palmas. Os depoimentos afirmam que há uma generalizada desorganização e muita falta de atenção e consideração para com os voluntários. Os voluntários atribuem a responsabilidade à prefeitura, que os colocou em local inadequado para hospedagem e não providencia alimentação suficiente.

    “Tem voluntários indígenas que chegaram sem ter pra onde ir e dormir. Eles negaram a estes voluntários que ficassem hospedados com os parentes das delegações que participação dos jogos (que vão ficar numa área restrita que eles, como voluntários, não poderão acessar). E ficam jogando um pra cima do outro, prefeitura, Comitê, PNUD… Só estando aqui para acreditar nisso”. O pessoal da União dos Estudantes Indígenas manifesta sua profunda insatisfação.

     

    Ainda em relação às reclamações em relação ao descaso e ao tratamento que a prefeitura de Palmas dispensou aos voluntários, afirmaram: “Chegamos aqui e a prefeitura [que ficou responsável pela gestão dos recursos do Ministério dos Esportes para aplicar na infraestrutura, inclusive para os voluntários] colocou a gente num camping que não dava para dormir, por causa do intenso calor, sem árvore nenhuma e em cima de asfalto. Não tinha sequer água nos banheiros… Fora a alimentação… Ontem conseguimos ter uma reunião com a secretaria e eles vão dar mais de uma refeição pra gente. Eles disseram que se a gente quisesse mais de uma refeição, a gente teria que trabalhar em mais de um turno. Difícil, né?!”

    Boas Vindas

    Incrivelmente, apesar de todas as denúncias já feitas e da desistência de alguns povos de participar deste evento, o slogan do I JMPI é “Somos todos índios”.

    Até parece que, por encanto, encontramos nossas raízes comuns e nos reconhecemos todos como parentes, irmãos, índios. Quem dera… Quiçá, apesar de todas – ou até mesmo devido – às atuais ameaças físicas e aos direitos constitucionais indígenas, seja esse um momento para iniciarmos um processo de mudança de mentalidade, superando nossos preconceitos, racismo, descolonizando nossas mentes e nosso ser.

    Com os povos indígenas do mundo, façamos a solene declaração do Conselho Mundial dos Povos Indígenas, de 1975:

    “Nós, povos indígenas do mundo, unidos numa grande assembleia de homens sábios, declaramos a todas as nações

    Quando a Terra Mãe era nosso alimento

    Quando a noite escura formava o nosso teto,

    Quando o céu e a lua eram nossos pais,

    Quando todos éramos irmãos e irmãs,

    Quando os nossos caciques e anciões eram grandes líderes,

    Quando justiça dirigia a lei e sua execução,

    Aí, outras civilizações chegaram,

    E mesmo que nosso universo inteiro seja destruído,

    NÓS VIVEREMOS

    Por mais tempo que o império da morte”

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  • 20/10/2015

    O estado atual do massacre étnico no Mato Grosso do Sul

    Cumprimentando-os(as) cordialmente, servidores e servidoras da Fundação Nacional do Índio lotados(as) no Estado do Mato Grosso do Sul, vimos, por meio desta, explicitar nossa indignação frente aos últimos acontecimentos tocantes ao conflito fundiário no MS. Provavelmente, o termo “conflito” não seja o mais apropriado para descrever o que aqui se passa, pois os contornos são de um franco massacre étnico. Como é internacionalmente sabido, a gravidade dos impasses na resolução da situação fundiária no Estado se arrasta há décadas, com alarmante foco na região do Cone-Sul, onde estão as etnias Guarani Ñandeva e Kaiowá, local designado como a Faixa de Gaza brasileira, dado o ultrajante cenário de violação de direitos sofridos por aquelas minorias étnicas.

    No último sábado, vinte e nove de agosto, presenciamos mais um brutal ataque contra os Kaiowá e Ñandeva em processo de retomada de seus territórios tradicionais, no tekoha Ñande Ru Marangatu, localizado no município de Antônio João, área que se encontra homologada desde 2005, com o processo paralisado no STF.

    Conforme relataram os próprios indígenas, por meio de denúncias publicadas na página do Aty Guasu nas redes sociais, o atentado foi orquestrado e executado por lideranças ruralistas do município tendo à frente a Srª Rozeli Ruiz Silva, presidente do Sindicato Rural de Antônio João, esposa do ex-prefeito do município, cuja família é titular de áreas que incidem sobre o território reivindicado pelos indígenas. Rozeli e sua filha, a advogada Luana Ruiz Silva, vêm, há tempos, promovendo uma campanha de calúnias contra os indígenas, à Funai e a organizações indigenistas, culminado agora com a divulgação de boatos que davam conta de que os indígenas tomariam de assalto e ateariam fogo à cidade. Tais absurdas acusações têm o claro propósito de instaurar o pânico e incitar a população de Antônio João contra os Guarani Kaiowá, como se já não fosse suficiente o forte sentimento de preconceito e ódio étnico direcionado aos indígenas na região.

    Tendo sido acompanhado por autoridades políticas estaduais, a investida da parte dos ruralistas resultou em vários indígenas feridos e no óbito de Semião Vilharva, Kaiowá, vinte e quatro anos, atingido na cabeça por projétil de calibre vinte e dois. Contrariando as acusações disseminadas em veículos de mídia locais de que os indígenas estariam armados e até a fantasiosa hipótese de que teriam recebido treinamento em táticas de guerrilha por parte do Exército Popular Paraguaio (EPP), não há relatos de fazendeiros ou capangas que tenham sido feridos. Assim como ocorreu com os assassinatos de Marçal de Souza, morto há trinta e dois anos no mesmo tekoha, da nhandesi (rezadora e líder religiosa) Xurete Lopes, dos irmãos Rolindo e Genivaldo Vera, do cacique Nísio Gomes e de tantas outras lideranças ao longo das últimas décadas, tememos que mais este crime permaneça impune. Lembramos que, embora haja acusações de ambos os lados, havia pessoas armadas, o simples porte de armas é ilegal e já geraria prisão, e mesmo com viaturas e efetivo do DOF, PM e Força Nacional não houve a prisão de nenhum infrator da lei mesmo com vítimas fatais.

    Há cerca de dois meses, ataque semelhante ocorreu contra os indígenas em situação de retomada no tekoha Kurusu Ambá, município de Amambai. Registros audiovisuais mostram fazendeiros arremetendo suas camionetes em direção aos indígenas, com a patente intenção de atropelá-los. O acampamento onde os Kaiowá se encontravam foi totalmente incendiado, dezenas de indígenas foram feridos e duas crianças desapareceram.

    No mesmo dia do ataque, colegas da Coordenação Regional de Ponta Porã, CR à qual são jurisdicionadas as áreas acima mencionadas foram ameaçados por fazendeiros e capangas em frente às suas residências, cena que deixa evidente o quadro de insegurança extrema em que se encontram os(as) servidores(as) do órgão no MS.

    Dias após o atentado, uma viatura da Funai que transportava indígenas ao possível local do desaparecimento das crianças, acompanhada por agentes da Força Nacional, foi truculentamente abordada por fazendeiros e impedida de seguir seu trajeto. Os mesmos agiram com imenso desrespeito frente aos agentes da FN, bradando gritos de “fora”, “saiam da nossa propriedade”, atos que, se oriundos de indivíduos de camadas sociais menos favorecidas, certamente teriam gerado resposta bem mais severa por parte do aparelho de segurança do Estado. O ocorrido pode ser assistido em registro audiovisual feito pelos próprios fazendeiros e publicado na internet.

    Há dois anos, a Coordenação Regional de Campo Grande atravessou situações semelhantes às agora enfrentadas pela CR de Ponta Porã. Durante a execução da reintegração de posse nas fazendas reivindicadas como território tradicional pelos indígenas Terena da TI Buriti, ação executada pela Polícia Federal com o reforço da Polícia Militar, o indígena Oziel Gabriel, trinta e dois anos, foi fatalmente alvejado por projétil de arma de fogo. O uso da força policial na operação foi flagrantemente desproporcional, tendo havido inclusive a detenção de indígenas gestantes, idosos e menores de idade, no momento em que, após a operação, estes tentavam retornar a pé para suas aldeias.

    O corpo de Oziel foi submetido às pressas ao exame de necropsia e, nessa perícia foi apontado que a bala teria atravessado seu corpo, mas, a camisa que Oziel utilizava e que teria comprovado que a bala não teria de fato atravessado seu corpo sumiu. Seu corpo foi embalsamado com tanto formol que destruiu qualquer vestígio que ajudaria numa prova de balística, comprometendo a idoneidade de instituições como o hospital municipal e o instituto médico legal de Sidrolândia que receberam o corpo e deram o tratamento para liberar o corpo para enterro à família em tempo recorde em se tratando de morte por crime violento. Foi solicitado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e por insistência da Presidência da Funai, um perito designado pela Polícia Federal veio diretamente de Brasília para fazer uma necropsia com mais cuidado e mais afinco para que se pudesse apontar o real assassino do Oziel, já que em um caso de uma reintegração de posse tão desastrosa resultando uma morte o Estado deveria se responsabilizar.

    Mas em um processo de mais de 1000 laudas não se aponta culpados. A imprensa local noticiou o caso de forma inteiramente parcial, como de costume, com a franca intenção de culpabilizar e criminalizar os indígenas, atingindo o ápice do desrespeito e desumanidade ao afrontar a família e amigos de Oziel, em pleno velório do mesmo, com uma cópia do mandado de reintegração de posse, apenas para obter mais manchetes desfavoráveis à comunidade e à sua luta pela terra.

    Nos dias subsequentes, outro indígena da comunidade sofreria um atentado à vida. Josiel Gabriel, primo de Oziel, foi alvejado por capangas dos fazendeiros, ficando tetraplégico em decorrência do ferimento. Crime pouco investigado, criminosos impunes.

    Ainda naquele ano, no mês de novembro, a Coordenação Regional passou um dos momentos mais tensos e violentos de sua história. Às oito horas da manhã do dia dezenove, a CR foi invadida por dezenas de ruralistas, em ato orquestrado pela Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de MS). Os fazendeiros ou mais visivelmente, seus empregados, desde o início proferiam diversas ofensas morais e palavras de baixo calão contra as servidoras e servidores, os indígenas e o órgão agindo todo o tempo com a truculência que lhes é habitual, causando inclusive danos materiais ao prédio. Até mesmo insultos de cunho sexual foram proferidos contra as servidoras mulheres que aqui estavam.

    Adotamos postura apaziguadora e urbana, como compete a servidores públicos no exercício de sua função, embora em claro momento de desacato, não obtendo, todavia, o arrefecimento dos ânimos. O andar térreo do prédio foi ocupado e servidores encurralados ao longo de toda a manhã. Um indígena que estava presente foi vítima de uma tentativa de agressão física por parte de um fazendeiro. Contatada, a Polícia Federal alegou que não enviaria efetivo para salvaguardar a integridade física dos servidores, pois se tratava de um “protesto pacífico”. Não foi o que testemunhamos. Apenas dois policiais militares foram deslocados para intervir na situação e quando chegaram ao local, preocuparam-se em ouvir a versão dos invasores em primeiro lugar e solicitaram aos servidores que ficassem calados passivos às agressões.

    Já neste ano, na cidade de Miranda, um fazendeiro e dono de um supermercado local atirou contra o indígena Terena Jolinel Leôncio da Aldeia Mãe Terra, quando este retornava do trabalho na roça junto com seus irmãos.

    Toda essa violência, sob a forma física ou simbólica, já é uma constante em MS. Os métodos de propaganda da elite rural via mídia estendem sua influência hegemônica sobre a opinião de parte da população comum do estado, portanto não proprietária de títulos, que acaba por reproduzir esse discurso de ódio e preconceito aos índios e funcionários de órgãos de estado que trabalham com as populações indígenas, reforçando atitudes que negam direitos originários ao seu território, direitos consagrados nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 e demais direitos de cidadania que lhes são fundamentais.

    A impunidade recorrente sobre tais violências já é tão notória que as redes sociais transbordam de discursos ameaçadores que falam em morte de indígenas, surras a servidores da Funai e do Cimi e seus autores não se preocupam em nenhum momento em esconder seus rostos ou identidades, pois sabem que não haverá nenhuma punição e acham de total legitimidade o que acreditam ser suas meras opiniões, principalmente quando acham que simples fato de declarar que não se trata de “índios mas paraguaios” é argumento legitimo para negar cidadania e dignidade a um ser humano.

    O conjunto de todos os fatos acima narrados, além daqueles que aqui foram omitidos para não nos repetirmos excessivamente, demonstram o quanto a omissão do Estado brasileiro junto a essas populações, associado ao sucateamento e desmonte da estrutura da Funai, deixam os indígenas do Mato Grosso do Sul em situação de extrema vulnerabilidade.

    Essa situação está longe de ser resolvida com uma simples mudança na legislação, com uma reunião ou uma mesa de negociação. A irresponsabilidade de governos de décadas, da falta de estrutura ética e moral dentro dos aparelhos de Estado para lidar com uma diversidade étnica e cultural carente de cidadania em extremo caso de vulnerabilidade social à mercê de graves casos de violência urbana, do tráfico de drogas e tráfico humano nas fronteiras, das mais terríveis mazelas da pobreza e da miséria só vai se resolver com sérios e longos investimentos em programas na infância de crianças que convivem com sangue, suicídio, ódio de classes, fronteiras sem leis de uma comunidade que há várias gerações não tem futuro.

    O esgotamento de todas as instâncias jurídicas, o sucateamento e inércia das instâncias executivas e a morosidade das instâncias legislativas das esferas municipais, estaduais e federais em resolver as mazelas sociais enfrentadas pela segunda maior população indígena da República Federativa Brasileira, em um dos estados que apresenta os maiores índices de homicídio e suicídio das populações indígenas do mundo levará inevitavelmente a um julgamento por crime contra a humanidade em instâncias internacionais, e essa tragédia foi e é anunciada em gritos sufocantes e sufocados pelo movimento indígena, por movimentos sociais criminalizados, e por nós servidores muitas vezes calados pela natureza estatal da Fundação.

    Com profunda tristeza e pesar,

    Servidores da Funai, de Campo Grande – Mato Grosso do Sul

    (seguem-se 16 assinaturas)

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  • 20/10/2015

    Desconhecido invade TI Morro dos Cavalos, dispara em escola e casas e ameaça de morte a cacica Eunice Antunes

    Na madrugada de ontem (19/10) a cacica da comunidade Guarani da Terra Indígena (TI) Morro dos Cavalos, município de Palhoça, em Santa Catarina, sofreu o sexto atentado deste ano. Uma pessoa disparou dez vezes contra a escola e as casas que ficam no seu entorno. Com a arma em uma mão e uma lanterna na outra, o desconhecido cruzou, caminhando, a passarela sobre a BR 101 que corta a terra indígena. Se não bastassem os tiros, gritou palavrões contra os Guarani e prometeu matar a cacica Kerexu Yxapyry (Eunice Antunes).

    Alguns Guarani que moram próximo à escola chegaram a sair de suas casas para ver o que estava acontecendo, e o invasor apontou a lanterna em direção a eles e atirou. Os indígenas, com medo dos disparos, retornaram para suas casas, mas continuaram observando de dentro das mesmas. O invasor, logo depois, desceu em direção ao muro que fica na frente da casa da cacica e foi embora.

    A comunidade se reuniu na parte da manhã e decidiu registrar Boletim de Ocorrência na Polícia Federal.

    Os atentados se tornaram frequentes. Há cerca de três meses os indígenas sofreram várias ameaças, o que fez o Ministério Público Federal (MPF) a solicitar a presença da Polícia Militar através de rondas na aldeia para evitar qualquer violência. No entanto, essas rondas foram paralisada no final do mês de agosto.

    A comunidade indígena está vivendo com medo e insegura e pede para as autoridades competentes que investiguem todos os atos de violência e puna os culpados.

     

    Histórico das violências

    Desde que assumiu o cacicado em 2012, a cacica Eunice e membros da comunidade Guarani de Morro dos Cavalos têm sofrido com as ameaças e a destruição do patrimônio da comunidade indígena.

    Em 19 de fevereiro de 2013, após uma manifestação dos que são contrários à demarcação da terra indígena, a adutora de água que abastece a comunidade foi destruída, sendo picotada com 38 cortes, numa extensão de 200 metros. Na época, membros da comunidade indígena viram sete não indígenas rondando a comunidade.

    Em janeiro de 2014, a comunidade indígena sofreu mais uma violência, novamente a adutora de água que abastece a comunidade indígena foi cortada. No dia 15 de dezembro de 2014, mais uma vez a adutora foi cortada. 

    No início de 2015, as ameaças de morte e perseguição à cacica Eunice retornaram com bastante intensidade, movidas pela decisão judicial que reconheceu a terra como sendo dos Guarani.

    No início do mês de maio, indivíduos não identificados passaram a invadir a terra indígena de madrugada, rondando e vigiando a casa da cacica. São indivíduos com motos ou a pé que chegam de madrugada e passam a noite rondando a casa. Cinco episódios foram registrados:

    O primeiro episódio ocorreu na madrugada do dia 16 para o dia 17 de maio, quando uma moto com duas pessoas parou diante da casa da cacica, fazendo bastante barulho com a aceleração do motor, por volta das três horas da manhã. A cacica abriu a janela e se deparou com pessoas estranhas, e logo fechou a janela. Essas pessoas ficaram um tempo ainda ali escondidas na sombra, sem que pudessem ser identificadas. Eles não conseguiram se aproximar da casa por causa dos cachorros. Passados algum tempo, os dois indivíduos foram embora, por uma estrada que passa por detrás da casa da cacica, no sentido da região do Massiambu.

    O segundo episódio ocorreu na madrugada do dia 19 do mesmo mês, quando novamente pessoas se aproximaram da casa da cacica, desta vez a pé, vindas da mesma estrada do Massiambu.

    O terceiro episódio aconteceu na madrugada do dia 23 para 24 de maio, quando, novamente, foram ouvidos vozes e passos.

    O quarto episódio ocorreu no dia 1o de junho, em que sete pessoas cercaram o indígena Ivalino, tio da Cacica, e avisaram que "querem pegar a “Nice” (Eunice), ou seu irmão e que a comunidade deveria evitar ficar circulando à noite, pois a partir de então eles passariam a vigiar aquele trecho da estrada. Um Boletim de Ocorrência foi registrado na Polícia Federal.

    O quinto episódio ocorreu na madrugada do dia 7 de junho. A cacica e sua família dormiam, quando foram acordados com o barulho de alguém tentando abrir a janela do quarto. Os invasores fugiram ao perceber que os moradores da casa tinham acordado.

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  • 20/10/2015

    Três meninas do povo Kaingang morrem na beira da estrada ao aguardar ônibus escolar

    Quatro meninas Kaingang da comunidade de Estrela foram atingidas, na manhã de hoje, 19, por um rodado que se desprendeu de um caminhão que trafegava na BR-386, Km 360. As meninas aguardavam, em uma parada, o ônibus que as conduziria para a escolaChaiane Soares Lemes, 15 anos, Taís Soares Lemes, 9 anos, e Franciele dos Santos Soares, 14 anos, morreram no local. Anelize Soares Lemes, 13 anos, está em estado grave no hospital.

    O motorista do caminhão, Hélio Fernando da Rosa Amador, de 53 anos, não parou para prestar socorro às vítimas e seu veículo foi abordado pela Polícia Rodoviária Federal há mais de 180 km do local onde ocorreram as mortes. O motorista alegou não ter percebido que o rodado da carreta havia se desprendido.

    A comunidade indígena, revoltada com mais este acidente envolvendo crianças, bloqueou a BR-386. Exigem das autoridades que coloquem redutores de velocidade na rodovia, pois ali já ocorreram vários acidentes. Em 25 de março do ano passado, uma criança de dois anos morreu depois de ter sido atingida por uma roda que se desprendeu de um veículo Gol. A criança estava no colo da mãe e ambas aguardavam pelo transporte público.

    O cacique Carlos Soares, pai de uma das vítimas, informou que a comunidade vem reivindicando junto à prefeitura de Estrela que o transporte escolar entre na aldeia para buscar os estudantes, que se deslocam todas as manhãs até as margens da rodovia. A aldeia, que fica a uns 250 metros da BR-386, é de fácil acesso, portanto não há nenhuma justificativa para que o ônibus escolar não vá até a comunidade indígena.

    Esse acidente revela o descaso do poder público com comunidades indígenas que vivem próximas às rodovias ou sobre seus barrancos. No Estado do Rio Grande do Sul são dezenas de comunidades Guarani e Kaingang vivendo o risco cotidiano, decorrente do fluxo de automóveis. Apesar dos alertas e reivindicações feitas pelas lideranças indígenas às autoridades, medidas não são tomadas. Lamentavelmente, nem mesmo depois de acontecimentos trágicos como esse, o poder público demonstra algum interesse em solucionar problemas que, há muito, vêm sendo denunciados.

    Muitas pessoas se comoveram com a morte das meninas e com a tragédia que ocorreu com a comunidade Kaingang, demostrando solidariedade e respeito. Mas neste momento de profunda dor, também tem aqueles que tripudiam e manifestam sua intolerância contra os povos indígenas. Isso ocorreu, por exemplo, em postagem feita por um internauta, no site Globo.com, abaixo da notícia do trágico acidente. O internauta, que se esconde atrás do codinome “Pensador Correto” (e pensa estar, assim, protegido e um processo judicial por prática de racismo) faz insinuações machistas e preconceituosas contra as mulheres Kaingang.

    Os Kaingang esperam justiça, que se promoverá com a apuração das causas e responsabilidades sobre o acidente, bem como com a criteriosa investigação deste tipo de crime de racismo, inaceitável nos dias de hoje.

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  • 19/10/2015

    Incêndio no Maranhão: Funai dá indícios de que fará contato com indígenas isolados na TI Arariboia

    Quatro indígenas Awá-Guajá se deslocaram para a Terra Indígena Arariboia, sudoeste do Maranhão, devastada por um incêndio há 40 dias, e já estão no interior da mata para se aproximar de outros indígenas Awá em situação de isolamento voluntário. As informações foram transmitidas por lideranças Guajajara, povo que divide a TI Arariboia com os Awá isolados, presentes em outras três terras indígenas: Caru, Awá e Krikati – os grupos foram separados pela estrada de ferro da Vale e posteriormente com a construção da BR 222.

    O fogo chegou às áreas de perambulação dos isolados (na foto, em 2012, o registro da presença madeireira em tais áreas). Desde a semana passada, vestígios da presença deles são encontrados a poucos metros da linha do incêndio. Um tratorista integrante da equipe de brigadistas de combate ao fogo afirmou que durante a semana passada viu alguns destes Awá isolados correndo no sentido contrário às chamas.

    A Fundação Nacional do Índio (Funai) não confirma oficialmente se a decisão do órgão é pelo contato com os Awá isolados. Os indígenas Guajajara, porém, confirmam que o Exército e uma emissora de televisão se encontram no local para participar de uma suposta iniciativa de contato. Um grupo de isolados se encontra na aldeia Zutiwa, município de Arame, e outro na aldeia Guaruhu, que se localiza na proporção do município de Amarante.

    São fortes os indícios de que madeireiros atearam fogo em pontos distintos da terra indígena, tornando o incêndio uma tentativa de genocídio. As denúncias de que algo grave poderia acontecer são antigas: no início de 2012, os Awá isolados já tinham sido atacados por madeireiros. Na ocasião, o ataque teve repercussão internacional. De lá até aqui, dizem os Guajajara, nada mudou: nem a violência dos madeireiros tampouco a ineficiência do governo federal para garantir a proteção do território. Na última sexta-feira, 16, um grupo de servidores do Ibama que atua na brigada de combate ao incêndio sofreu uma emboscada.

    O chefe de fiscalização do órgão em Brasília, Roberto Cabral, levou um tiro na perna direita e declarou aos jornalistas que a tentativa de homicídio veio da parte de "criminosos que estão roubando madeira e se dispõem a matar para continuar a atividade ilegal”. Para o coordenador da Equipe de Isolados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilderlan Rodrigues, o incêndio pode ser considerado a crônica de uma tragédia anunciada.

    Para o indigenista, caso aconteça o contato “haverá a remoção dos Awá da Arariboia. Com isso, a população pode ser reduzida. É preciso que a Funai permita o controle social, sobretudo nesse momento. O Estado não está preparado para esses contatos. Como exemplo, temos as duas indígenas contatadas na Terra Indígena Caru, em dezembro do ano passado. Por pouco não morreram”, avalia Rodrigues.

    Na explicação de Rodrigues, o Cimi entende que o investimento da Funai deve ser feito no controle do fogo e para que as chamas não destruam mais o território de perambulação dos Awá. “A Funai deve fazer a proteção. A questão é de segurança para a vida desses isolados. Eles estão em risco com o incêndio, é verdade, mas não se pode responder a um erro com outro. O fogo precisa ser apagado, e para isso o governo precisa ter mais empenho. No final das contas, os madeireiros é que precisam sair da Arariboia, e não os indígenas”, afirma Rodrigues.

  • 19/10/2015

    Estado brasileiro responderá, amanhã, na OEA, sobre massacre de indígenas em seus territórios

    O Estado brasileiro terá que responder publicamente sobre o massacre de indígenas durante audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA). Além de se manifestar sobre as violações aos direitos dos povos indígenas, o Brasil também terá que se explicar sobre o descaso no reassentamento dos 1.100 moradores de Piquiá de Baixo, em Açailândia (MA), que há 25 anos lutam para evitar a contaminação causada por usinas siderúrgicas, que integram a cadeia de mineração, comandada pela mega empresa Vale em seu território. A audiência ocorrerá nesta terça-feira, dia 20, em Washington, nos Estados Unidos, às 12h15 (horário de Brasília).

     

    No caso dos indígenas, as organizações da sociedade civil mostrarão como o Estado é conivente com a morte desses povos. Apenas em 2014, o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), registrou 138 assassinatos e 135 casos de suicídios. Mais uma vez, o Mato Grosso do Sul foi destaque, em ambas estatísticas: foram 41 assassinatos e 48 suicídios. O alto índice de mortalidade na infância também é preocupante. Dados deste mesmo ano da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) apontam um total de 785 mortes de crianças entre 0 e 5 anos. Em Altamira, no Pará, município atingido pelas obras da hidrelétrica de Belo Monte, a taxa de mortalidade na infância chegou a 141,84 por mil.

     

    O Cimi também registrou, no ano passado, 118 casos de omissão e morosidade na regulamentação de terras indígenas. No Pará, estado com o maior número de casos, o não reconhecimento destas terras tradicionais está diretamente ligado às intenções do governo federal em construir grandes hidrelétricas, como é o caso da usina São Luiz do Tapajós.

     

    Outros elementos da ofensiva aos direitos indígenas também aparecem na atuação do Judiciário, como nas recentes decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulam atos administrativos, do Poder Executivo, de demarcação das terras indígenas Guyrarokpá, do povo Guarani-Kaiowá, e Limão Verde, dos Terena, no Mato Grosso do Sul, e Porquinhos, do povos Canela-Apãniekra, no Maranhão.

     

    O Legislativo, por sua vez, avança sobre os direitos indígenas com projetos como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar terras indígenas, titular territórios quilombolas e criar unidades de conservação ambiental, submetendo decisões técnico-administrativas a disputas políticas e interesses econômicos. O Projeto de Lei 1610/96, que permite a exploração mineral em terras indígenas, é outro exemplo de proposta que ofende os direitos constitucionais dos povos indígenas  

     

    Impactos do trem na porta de casa

     

    As mais de 300 famílias de Piquiá de Baixo lutam para conseguir reassentamento em um novo local, longe das indústrias siderúrgicas, que chegaram ao bairro há 25 anos, contaminando água, ar e solo. As enfermidades mais recorrentes estão associadas a problemas respiratórios, oftalmológicos e de pele que, inclusive, têm causado a morte de muitas pessoas, especialmente crianças e idosos. Além disso, o depósito da escória (rejeitos) da siderurgia a poucos metros das residências vem causando acidentes em Piquiá, inclusive fatais.

     

    Além do impacto da siderurgia, os moradores também convivem com os problemas de contaminação causados pelo entreposto de minérios da Vale ao lado do bairro, assim como os provenientes da Estrada de Ferro Carajás (EFC) – também controlada pela empresa – que passa a poucos metros das residências. Atualmente, os moradores já conquistaram na Justiça o direito de serem reassentados. Todavia, é essencial que o Estado deixe de postergar a seleção e a contratação do projeto de mudança dos moradores, entre outras ações.

     

    Em Açailândia, a audiência da OEA será transmitida ao vivo na Câmara de Vereadores. A concentração será a partir das 10h.

     

    Para a advogada Raphaela Lopes, da organização Justiça Global, a audiência será um importante momento para visibilizar as violências que o Estado brasileiro, muitas vezes em associação com entes privados, tem cometido contra o direito à terra e ao território de grupos indígenas e comunidades. "A paralisação nos processos demarcatórios de terras indígenas é um elemento crucial na perpetração de ofensas contra a vida e integridade física e psicológica de povos indígenas. Já a comunidade de Piquiá de Baixo sofre há muitos anos com a poluição provocada por empresas siderúrgicas em seu território, que se instalaram depois que a comunidade já estava lá. Estes são apenas dois exemplos do sacrifício de direitos de comunidades inteiras em prol de um projeto de desenvolvimento que viola direitos. O Estado brasileiro precisa ser responsabilizado".

     

    O pedido da audiência foi feito pelas organizações: Associação Comunitária dos Moradores do Pequiá (ACMP), Associação Juízes para a Democracia (AJD), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rede de Ação e Informação “Alimentação Primeiro (Fian), Federación Internacional de Derechos Humanos (FIDH), International Alliance of Inhabitants (IAI), Justiça Global, Justiça nos Trilhos, Plataforma Dhesca e Vivat International. A participação do Cimi contou com apoio da União Europeia.

     

    A audiência poderá ser acompanhada ao vivo às 12h15 (horário de Brasília) por meio do site da CIDH http://original.livestream.com/OASLive

     

     

     

    Mais informações, com assessorias de imprensa:

     

    Glaucia Marinho ou Daniela Fichino (Justiça Global) –  21 2544-2320 

     

    Patrícia Bonilha (CIMI) – 61 9979-7059

     

    Larissa Santos (Justiça nos Trilhos) – 99 9205-4411

     

    Foto: Arquivo Cimi

     

     

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  • 19/10/2015

    DPU e Cimi realizam seminário em São Paulo sobre indígenas no contexto urbano

    A Defensoria Pública da União (DPU) de São Paulo realizará, em parceria com o Conselho Missionário Indigenista (Cimi), na próxima quarta-feira (21), o evento Povos Indígenas em Contexto Urbano: por uma sociedade do Bem Viver. O seminário reunirá diversos especialistas e a própria população indígena para discutir os problemas enfrentados, suas soluções e o acesso à Justiça no âmbito dos direitos dessa parcela da população.

     

    O seminário será realizado durante todo o dia no auditório da DPU em São Paulo e será dividido em três mesas temáticas: “Contextualização”, “Temas Jurídicos” e “Desafios e Demandas dos Povos Indígenas”. Além disso, na abertura e no encerramento haverá cântico e dança tradicional. A iniciativa busca dar maior visibilidade ao tema dos indígenas em situação urbana e às possibilidades de atuação da Defensoria Pública nessas demandas.

     

    Conforme dados do Censo de 2010, o município de São Paulo ocupa o 4º lugar em quantidade total de indígenas. Dos quase 13 mil que residem no município, 12 mil vivem na área urbana da cidade. Municípios como Salvador, Rio de Janeiro e Brasília também são reconhecidos por terem grande quantidade de indígenas no meio urbano. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em recente estudo, também sinalizou para quase 40% da população indígena do Brasil vivendo nas cidades.

     

    Confira aqui a programação do Seminário

     

     

    Serviço

     

    O quê: Seminário Povos Indígenas em Contexto Urbano: por uma sociedade do Bem Viver

     

    Quando: 21/10, das 9h às 16h

     

    Onde: Auditório da Defensoria Pública da União (DPU) em São Paulo – Rua Fernando de Albuquerque, 155, Térreo – Consolação

     

    Inscrições e informações: dpu.sp@dpu.gov.br ou (11) 3627-3431

     

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  • 16/10/2015

    Por que pedimos o Boicote ao Agronegócio do Mato Grosso do Sul?

    O Mato Grosso do Sul possui o 4º maior rebanho bovino do país, com mais de 21 milhões de cabeças de gado ocupando pouco mais de 20 milhões de hectares (IBGE, 2014). Os Guarani Kaiowá ocupam 35 mil hectares com uma população total de 46 mil indígenas (IBGE, 2010). Há mais pasto para um boi crescer no estado do que terra para uma família indígena criar os filhos, produzir o próprio alimento, enterrar os mortos. Em outras palavras, as terras indígenas no MS viraram pasto e por elas os Guarani e Kaiowá, terena e Kadiwéu morrem. A propriedade, em boa parte dos casos sustentada por títulos forjados, está inconstitucionalmente acima da vida. Não se trata de mera retórica das lideranças indígenas, portanto, quando elas dizem que no Mato Grosso do Sul um boi vale mais do que uma criança indígena. Os dados servem de bússola para a sociedade entender onde está o contexto da campanha de Boicote ao Agronegócio no MS organizada pelo Fórum Unitário dos Movimentos Sindicais e Sociais do Campo e da Cidade ao lado dos povos indígenas.

    As áreas destinadas para a produção agrícola no estado, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), aumentaram 2676%, entre 1976 e 2010. O crescimento do setor, inclusive, passou a ocorrer de forma mais contundente, e não por coincidência, com a ascendente desgraça que se abateu, sobretudo a partir da segunda metade do século 20, sobre as populações indígenas no estado, chegando aos mais recentes dados: em 12 anos, 390 indígenas foram assassinados e outros 586 se suicidaram. A mesma seta estatística que enche de cifras os olhos do agronegócio é a que tira lágrimas dos olhos de famílias indígenas.        

    A territorialização do capital agropecuário no MS não tem limites. Não estamos falando apenas do reinado do boi. Conforme a Federação da Agricultura e Pecuária do MS (Famasul), a área total do estado usada pelo agronegócio, em 2013, era de 35.715.100 milhões de hectares. No entanto, a cada ano, mais hectares são incorporados às estatísticas do agronegócio. A Associação dos Produtores de Bioenergia do Mato Grosso do Sul (BioSul) afirma que a área plantada de cana-de-açúcar aumentou em quase 11% nos últimos anos. Enquanto os usineiros avançam com suas cercas, as demarcações no Mato Grosso do Sul estão há anos paralisadas e até com grupos de trabalho (GT) da Funai desconstituídos sem nenhuma explicação aos indígenas.

    O tekoha Apyka’i, na região de Dourados, por exemplo, está com o procedimento demarcatório paralisado e é alvo de ações violentas e judiciais. Liderados por dona Damiana Guarani e Kaiowá, os indígenas hoje vivem num acampamento periodicamente atacado por homens armados e acossados por reintegrações de posse movidas na Justiça Federal pelo proprietário da Fazenda Serrana, arrendada à usina de etanol São Fernando. Dona Damiana teve o marido, filhos, sobrinhos e demais parentes mortos por atropelamentos, quando viviam às margens da rodovia, inclusive por caminhões carregando cana à usina, e viu crianças de sua aldeia mortas de fome. Em 2011, Nísio Gomes Guarani e Kaiowá foi assassinado no tekoha Guaivyry. O acampamento indígena estava montado numa pequena porção de mata ladeada por uma plantação de soja que se perdia de vista. No tekoha Kurusu Ambá não é diferente: em dez anos, sete lideranças assassinadas, crianças mortas de fome e comumente indígenas são intoxicados por agrotóxicos despejados por aviões sobre as lavouras soja, e na aldeia e na única fonte de água que possuem.      

    Na cana, indígenas não encontram apenas a morte, mas também trabalhos exaustivos e situações análogas à escravidão; os usineiros, mão de obra barata ou escrava. A BioSul afirma que as 22 usinas de açúcar e álcool instaladas no MS, com presença quase que exclusiva no cone sul do estado, processam 47 milhões de toneladas de cana e “com os novos empreendimentos industriais”, tal como a BioSul chama a expansão dos próprios negócios, o volume irá passar de 1,9 bilhão de litros (safra 2009/2010) para 5,9 bilhões de litros (safra 2015). O governo federal, por sua vez, ajuda o setor injetando recursos públicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), caso da Usina São Fernando: sim, aquela que planta cana no tekoha Apyka’i.

    A BioSul estima que entre 1990 e 2013 as áreas utilizadas para a plantação de cana-de-açúcar cresceram 903% no Mato Grosso do Sul. Já o IBGE aponta que entre 2005 e 2012, o aumento do rebanho de animais de corte foi de 41% – mais pasto, mais desmatamento, mais água. A Conab estima que entre 1976 e 2013, os hectares destinados para plantação de soja no estado aumentaram 308%. O crescimento do agronegócio, portanto, é insustentável e desterritorializou a vida de centenas de famílias indígenas, que possuem o direito constitucional de regressarem aos seus antigos lares. Ao mesmo tempo, fazendeiros que lucram arrendando o que consideram suas propriedades ou trabalham para a rede do agronegócio não desejam permitir o retorno desses indígenas.  

    Estes ‘proprietários’ então formam milícias armadas, conforme a Justiça Federal já comprovou no caso Nísio Gomes, fazem leilões para arrecadar fundos à ‘segurança’ de fazendas, usam de poder político para controlar polícias, como o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), e se articulam no Congresso Nacional, por intermédio da bancada ruralista, para aprovar medidas como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que visa transferir do Executivo para o Legislativo a demarcação de terras indígenas. Um procedimento administrativo, posto que o direito dos indígenas à terra é originário, que corre o risco de se transformar num procedimento político. São mais de 100 proposições legislativas, boa parte envolvendo a violação das terras indígenas, que correm no Congresso Nacional. E isso tem um objetivo: ampliar a quantidade de hectares para a cadeia do agronegócio e garantir que fazendas incidentes em terras indígenas continuem ocupadas por gado, soja, cana, usinas. Para não falar das mineradoras, que nas últimas eleições injetaram recursos nas campanhas ruralistas para a Assembleia Legislativa do estado. Que interesses elas teriam no MS?     

    Com a expansão assustadora das fronteiras do agronegócio, empresas nacionais e multinacionais se instalaram no estado e hoje lucram arrendando fazendas em terras indígenas para plantar soja, cana, milho, algodão e criar gado. Não apenas nas terras Guarani Kaiowá, mas também Terena e Kadiwéu. Nos territórios Terena e Kadiwéu, de acordo com mapas do IBGE, estão os maiores rebanhos de gados, aqueles que passam de 100 mil cabeças chegando até a 1 milhão. São dezenas de interesses privados: a gigante internacional da carne e dos alimentos processados, a JBS, com frigoríficos no estado, as multinacionais Monsanto, Cargill, Dreyfus, Syngenta, Basf e dezenas de usinas de cana, hoje chamadas de ‘usinas de agroenergia’ por conta do etanol e da energia produzida com o bagaço da cana. No Plano Safra 2015/2106, o governo federal injetou em tal cadeia R$ 187,7 bilhões – 20% a mais com relação ao plano anterior.  

    Os órgãos públicos, incluindo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, são enfáticos em seus dados: mais de 70% dos alimentos que chegam ao consumo dos brasileiros são frutos do suor da agricultura familiar. O governo federal destinou R$ 150 milhões ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) 2015/2016 – 10,5% a mais com relação ao Pronaf anterior. A cadeia do agronegócio, conforme aponta organizações sociais do campo, tem atuado para transformar esses pequenos agricultores em funcionários de empresas alimentícias ligadas aos monopólios internacionais do setor. Um agricultor que antes produzia de forma diversificada, passou a criar apenas frangos com hormônios e reproduzindo o modelo de criação e abate da empresa que o contratou.

    O agronegócio é regido pelas bolsas de valores mundo afora, trazendo consigo profundas inseguranças econômicas a toda sociedade, e não pelas necessidades das populações. Em 2014, o setor movimentou mais de R$ 1 trilhão no país, mas isso não nos salvou da crise econômica e deixou um passivo socioambiental trágico. Esse dinheiro não fez do país um lugar mais justo para os povos que nele vivem, mas transformou a bancada ruralista na mais poderosa do Congresso. Não poderia ser diferente com lucros bilionários do latifúndio. A carne, a soja e a cana que saem do Mato Grosso do Sul, parte desse trilhão, têm sangue indígena e não podemos mais aceitar nenhum modelo econômico, ou de ‘desenvolvimento’, que se baseie na morte e no genocídio de populações tradicionais.          

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  • 16/10/2015

    Fina flor do obscurantismo retrógrado

    De carrasco em carrasco, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cimi mostra a que veio. Dá para rir e chorar, indignar-se e solidarizar-se com as verdadeiras vítimas de mais esse espaço anti-indígena. Não é nada difícil perceber a que veio e quais os rumos da CPI do Cimi, na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul. Para Pedro Kemp, deputado que integra a CPI, os primeiros depoimentos não devem ser considerados no relatório final da Comissão, visto que foram apenas palestras ou uma audiência sem nenhuma informação ou apresentação de provas que contribuam para a dita investigação.

    Palanque eleitoral, ressurgimento da TFP (Tradição, Família e Propriedade), reafirmação de teses retrógradas e reacionárias? Pelo início das “palestras” parece não restar dúvidas. A CPI foi montada para negar direitos dos povos indígenas, especialmente às suas terras. Ex-membro da TFP, Nelson Barreto, nada mais fez do que repetir as surradas teses de Plínio Corrêa de Oliveira, que, no auge da ditadura militar, na década de 1970, publicou sua pérola anti-indígena: “Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI”. É uma catilinária contra o Cimi. É lamentável que 40 anos depois se continue com a mesma mentalidade preconceituosa e negadora de direitos dos habitantes primeiros e originários desta terra do pau-brasil, de belezas e encantos mil.

    Está também previsto o convite para uma “palestra” de um ex-associado da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Em 2013 ele foi expulso do quadro de associados da ABA, por esta não corroborar e não considerar justas as suas manifestações.

    Este e outros anti-indígenas, possivelmente, irão discorrer sobre diferentes teses levantadas pelas elites desse país para negar os direitos originários e constitucionais dos povos indígenas. Dentre as mais danosas estão o da “emancipação” que, na verdade, seria a liberação das terras indígenas ao latifúndio; a destinação de lotes individuais a famílias indígenas, dentro dos critérios dos módulos rurais, ou propostas mais “generosas” como a destinação de 100 hectares, por família.

    Outra proposta defendida nas últimas décadas é a transformação das comunidades indígenas em “Colônias Indígenas”, conforme havia proposto o Projeto Calha Norte. Dentre outras, ainda foi defendida a proposta de não demarcação de terras indígenas na faixa de fronteira. E assim por diante. Com intensas lutas os povos indígenas conseguiram vencer todas essas escandalosas propostas de negação às suas terras.

    Além dos direitos inscritos na Constituição de 1988, esses mesmos direitos estão garantidos na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e na Declaração dos Direitos Indígenas, da Organização das Nações Unidas (ONU).

    A pergunta que cabe, neste momento de ameaça aos direitos indígenas, é porque o Mato Grosso do Sul é o estado que menos terras indígenas teve demarcadas, contra as leis e a Constituição que deu prazo para as demarcações serem finalizadas (1978 – Estatuto do Índio e 1993 – Constituição Federal). Atualmente os 45 mil Guarani-Kaiowá estão confinados em menos de 30 mil hectares, ou seja 0,08% do território do estado. Mesmo que se demarcasse todas as terras indígenas do Mato Grosso do Sul, provavelmente não chegaria a 2% das terras do estado.

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  • 16/10/2015

    Famílias Guarani e Kaiowá são atacadas, indígenas sofrem torturas e dois seguem desaparecidos

    Um grupo de famílias Guarani e Kaiowá ocupou há uma semana pequena porção de mata, menos de um hectare, no território indígena Iguatemi Peguá I. Ocupado por aproximadamente 20 pessoas, sendo a maioria anciãos e crianças, a área pertence ao tekoha Mbarakay e é uma das poucas com árvores, banhado, capoeira e biodiversidade dentro de uma imensidão de terras devastadas pelo agronegócio no cone sul do Mato Grosso do Sul. Mbarakay está sob o domínio de fazendeiros criadores de gado. Os indígenas entraram no terreno com o intuito de acessar os direitos humanos mais básicos: água, comida, remédios naturais e um pouco de paz. Não se tratava de uma retomada. Mesmo assim, o grupo acabou atacado e torturado por pistoleiros fortemente armados e organizados num bando.

    Além dos feridos, há dois desaparecidos: Jeferson Gonçalves Nelson, de 14 anos, e Paulina Freitas, de 17 anos, que, segundo indígenas da comunidade, teria sido assassinada. Conselheiros da Aty Guasu encaminharam denúncias ao Ministério Público Federal (MPF), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e preparam informes para organismos internacionais de direitos humanos.

    Segundo informações que nos chegaram por telefone, os indígenas, entre lágrimas e desespero, relataram que após um ataque inicial efetuado por meio de disparos com armas letais, os indígenas – crianças, jovens, homens e mulheres, sobretudo anciãos – sofreram tortura e espancamentos. Relataram ainda que apanharam indiscriminadamente golpeados com coronhas de armas e agredidos com socos e pontapés. Uma jovem teria tido o cabelo arrancado enquanto as mulheres idosas suplicavam de joelhos pela vida do grupo ao “capanga chefe”, como os indígenas o denominaram. Este sujeito, segundo os Kaiowá, gerenciava os limites das torturas e, conforme os indígenas, demonstrou que a ação era premeditada. Quando alguém estava apanhando muito, ele pedia para substituir o agredido ou diminuir a intensidade.

    Após horas de terror, os indígenas ainda afirmaram que alguns idosos tiveram seus tornozelos quebrados antes do grupo ser expulso do local e ter o acampamento incendiado. Os indígenas então caminharam um longo trecho até a rodovia. Já na estrada, carros começaram a circular ameaçando novamente o grupo, que amedrontado e desnorteado se escondeu no mato para esperar o amanhecer. Quando pela manhã foram encontrados por servidores da Operação Guarani Funai, já haviam percorrido quilômetros em direção à aldeia de Limão Verde, município de Amambai, e estavam extremamente fragilizados. 

    O tekoha Mbarakay foi identificado pela Funai como de ocupação tradicional dos Guarani e Kaiowá (Seção 1 do Diário Oficial da União – 08 de janeiro de 2013). De lá os Guarani e Kaiowá foram expulsos há poucas décadas e aguardam que o governo federal conclua o procedimento de demarcação e assim consigam retornar e viver em paz na terra tradicional. A pequena área de mato ocupada pelos indígenas fica distante cerca de 10 km de qualquer sede de fazenda nas redondezas.

    DOF mais uma vez presente

    Os indígenas denunciam ainda a presença do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), antes dos ataques ocorrerem. Estes fatos remetem a uma dolorosa constatação, denunciada incisivamente pelos indígenas sobre a atuação parcial do DOF e sua preocupação em proteger as fazendas. Fato que remete a audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do estado, quando o secretário de Segurança Pública do Estado do Mato Grosso do Sul colocou a polícia a serviço dos fazendeiros.

    Recentemente ocorreram fatos semelhantes em Pyelito Kue, município de Iguatemi, pertencente ao mesmo estudo de delimitação de Mbarakay: pessoas foram espancadas, baleadas, amaradas, transportadas à força e uma mulher teria sido estuprada por vários homens. Neste caso a presença da Polícia Federal chegou a ser desarticulada por conta de um relato de membros do DOF de que os indígenas teriam voltado a seu antigo acampamento, o que não condizia com a verdadeira situação, e que permitiu a investida dos jagunços.

    A cena se repete no caso de Kurusu Amba, onde o DOF participou de reunião interna do sindicato rural de Amambai e acompanhou os agressores até a localidade do acampamento indígena em que houve incêndio de barracos, ataques armados e duas crianças ficaram desaparecidas. Em outros casos, como de Ñanderú Marangatú, município de Antônio João, onde Semião Vilhalva foi assassinado e outras pessoas espancadas, o DOF esteve presente; o mesmo se repetiu em Potrero Guasu, município de Paranhos, onde a comunidade foi atacada e três pessoas foram baleadas. Nestes cinco casos, o DOF se fez presente para averiguações e chegou a acompanhar os agressores até a entrada das aldeias e acampamentos; minutos depois de sua saída, os indígenas foram covardemente agredidos, torturados e expulsos. 

    Contra esses fatos não se percebe reação do Estado ou do governo federal; não há nenhuma intervenção e ação direta dos poderes públicos.

    Ódio e violência: genocídio

    Conselheiros da Aty Guasu que receberam e ouviram os relatos dos indígenas que chegaram à aldeia de Limão Verde, desabafaram: “Nada justifica esta covardia. Ao ouvir os anciãos, chorávamos por dentro. Todos na aldeia choraram. Não se trata de conflito ou retomadas em sedes de fazenda, mesmo que estas estejam dentro de aldeias e que seja nosso direito reivindicar nossos territórios. Estes velhinhos apenas foram ao mato ser felizes. Quando chegaram, não acreditamos. A que ponto chega a covardia e o ódio destes fazendeiros? E o pior é que não é a primeira vez, já aconteceu antes. Não se trata de conflito, nunca se tratou, se trata de massacre, não podemos nem caminhar mais, somos menos que animais, eles fazem o que querem contra velhos e crianças e ninguém faz absolutamente nada”, disse com a voz trêmula.

    Até quando se permitirá que fazendeiros criminosos atuem contra os direitos, a democracia e o próprio Estado? Até quando se permitirá que os genocidas do agronegócio comandem a política e o Judiciário? Até quando se permitirá que as comunidades sejam vilipendiadas em seus direitos fundamentais sem que haja qualquer tipo de intervenção do governo federal? Lamentavelmente a resposta do governo aos crimes contra a vida e contra o direito à demarcação das terras é a omissão, uma característica constrangedora de um governo que está de joelhos diante do altar do crime em Mato Grosso do Sul, do latifúndio do boi e da soja.

    Atualizado em 16 de outubro, às 22 horas.

     

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