• 30/10/2015

    CPT divulga nota em repúdio à PEC 215 e em solidariedade aos Guarani-Kaiowá e ao Cimi

    Uma nota de repúdio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 e em solidariedade aos Guarani Kaiowá e ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) no último dia 28.

    Assinada por seu presidente, Dom Enemésio Lazzaris, e em nome do Conselho Nacional da CPT, a manifestação afirma que a aprovação da PEC não os surpreendeu, “tendo em vista a composição desta comissão subordinada inteiramente aos interesses dos ruralistas que formam a bancada mais forte e retrógada desta Câmara Federal, como nunca antes, majoritariamente de costas para o povo brasileiro. Uma bancada eleita, sobretudo, com os recursos do agronegócio subsidiado pelo Estado e que é herdeira da tradição colonialista e escravagista que percorreu a história desta terra desde a invasão portuguesa”.

    Em relação à CPI do Cimi, declaram que “Como não aceitam os indígenas como sujeitos de direito, mesmo garantido pela Constituição, que os parlamentares devem respeitar e pela qual devem zelar, inventam que os indígenas estão sendo insuflados por quem os respeita e defende seus direitos”.

    Leia aqui a Nota da Comissão Pastoral da Terra na íntegra

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  • 30/10/2015

    Em defesa da vida e da Mãe Terra, organizações divulgam o Manifesto de Palmas

    Enquanto una grave crise civilizatória envolve a humanidade, com ameaças reais à vida no planeta Terra, nossa “Casa Comum”, denunciamos que a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, pela Comissão Especial na Câmara dos Deputados, no último dia 27, representa mais uma severa violência e grave violação aos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais.

     

    Diante deste fato, mais de 50 organizações, movimentos sociais, pastorais, igrejas, entidades de direitos humanos e outras instituições da sociedade civil divulgaram nesta tarde o “Manifesto de Palmas”, no qual expressam seu repúdio à PEC 215 e a confiança de que esse projeto de extermínio não será aprovado pelo Congresso.

     

    Leia abaixo o Manifesto de Palmas, na íntegra

     

    PEC 215: O extermínio dos Povos Indígenas e das Populações Tradicionais do Brasil

    Lágrimas de revolta, diante da morte anunciada com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 pela Comissão Especial, na Câmara dos Deputados. Os gritos de socorro ecoam mundo afora. É hora de colocar o sofrimento na rua, numa grande aliança de resistência e esperança. Não passarão. A sabedoria e união guiarão os guerreiros da vida, da Mãe Terra e da paz.

    Em Palmas, Tocantins, as lideranças dos povos originários do mundo afirmam que podem parar os jogos em protesto contra a PEC. Nós, dos movimentos sociais e aliados dos povos indígenas, externamos nossa incondicional solidariedade aos povos originários, diante de mais esse decreto de morte de mais de 300 povos nativos do Brasil.

    Com a aprovação dessa 215, os parlamentares anti-indígenas pretendem não apenas impedir a demarcação das terras indígenas, mas também redefinir as terras já regularizadas e abri-las para a exploração do latifúndio e agronegócio. Em outras palavras, trata-se de impedir que os povos indígenas tenham assegurado seus territórios e seus projetos de vida, sua cultura e suas sociedades diferenciadas. Ou seja, fica decretada a morte cultural (etnocídio) e física (genocídio) dos povos indígenas.

    Vemos com extrema preocupação o avanço da nova fronteira agrícola com a abrangência de 73 milhões de hectares no bioma Cerrado, abrangendo os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, chamada de Matopiba. Esse mega projeto do agronegócio terá um enorme impacto destrutivo sobre o meio ambiente e milhares de comunidades tradicionais e povos indígenas, já que dentro da área do Matopiba existem 28 terras indígenas, 34 quilombos, 865 assentamentos e 42 unidades de conservação ambiental.

    Nesse momento gravíssimo de ameaças às vidas e aos direitos dos povos indígenas do Brasil, renovamos nossa esperança de que os projetos de morte, como a PEC 215 não prevalecerão. Confiamos no poder de mobilização dos povos e da sociedade nessa causa humanitária, que ultrapassa e rompe todas as fronteiras.

    Estamos certos de que a sabedoria e resistência dos povos e das comunidades tradicionais – como os indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pescadores artesanais, dentre tantos outros -, a natureza e toda a sociedade brasileira que será atingida, vencerão mais esse projeto de morte.

    Palmas (TO), 30 de outubro de 2015.

    Assinam este Manifesto:

    Associação Brasileira de Comunidades Alternativas (Abrasca)

    Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG)

    Associação Negra Cor (Anca – TO)

    Associação União das Aldeias Apinajé (Pempxá)

    Alternativa para Pequena Agricultura do Tocantins (APA-TO)

    Associação de Preservação Ambiental e valorização da Vida (Ecoterra)

    Arquidiocese de Palmas Tocantins

    Arquidiocese de Miracema Tocantins

    Associação de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis da Região Centro Norte de Palmas (Ascampa-TO)

    Aliança Multiétnica de Permacultura – Awire

    Centro Educacional São Francisco de Assis – TO

    Conselho de Visões Guardiões da Mãe Terra

    Conselho de Assentamentos Sustentáveis da América Latina (Casa)

    Colégio Marista Palmas

    Congregação das Irmãs da Divina Providência de Ribeauvillé (Irmã Beatrice Kruch e Marie Madeleine Hausser)

    Congregação Irmãs Franciscana de Allegany

    Centro de Direitos Humanos de Palmas (CDHP)

    Conferência dos Religiosos do Brasil – Regional Palmas (CRB-TO)

    Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Glória de Ivone (Cedeca)

    Central Única dos Trabalhadores (CUT-TO)

    Cáritas Arquidiocesana de Palmas

    Congregação das Irmãs Dominicanas do Rosário de Monteils

    Comissão Pastoral da Terra – Araguaia /Tocantins (CPT-AT)

    Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO)

    Comitê Popular Estadual da Constituinte no Tocantins (Plebiscito)

    Comunidade de Saúde Desenvolvimento e Educação (Comsaúde)

    Centro de Direitos Humanos de Cristalândia (CDHC)

    Centro de Direitos Humanos de Formoso do Araguaia (CDHF)

    Centro de Estudos Bíblicos do Tocantins (CebiI-TO)

    Coletivo Permacultural Guazuma

    Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil

    Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

    Comunidades Eclesiais de Base do Tocantins (CEB -TO)

    Congregação das Irmãs Capuchinhas

    Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB Regional Norte 3)

    Consulta Popular

    Cooperativa dos Pescadores e Piscicultores do Médio Tocantins (Cooperatins)

    Earth Code Project

    Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social

    Instituto Biorregional do Cerrado (IBC)

    Instituto de Defesa dos Direitos Humanos e Meio Ambiente (IDPDHMA)

    ISER Assessoria – Religião, Cidadania e Democracia (RJ)

    Jubileu Sul Brasil (JSB)

    Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Formoso do Araguaia – TO

  • 30/10/2015

    “PEC 215 ameaça os direitos humanos”, afirma presidência da CDHM, da Câmara dos Deputados

    O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), manifestou preocupação com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC)

    215 pela Comissão Especial no último dia 27 de outubro. “Os interesses de um grupo econômico não podem prevalecer sobre a vida e a diversidade humanas. A preservação dos povos indígenas é um imperativo ético. Por isso eu e a bancada de deputados que defende os direitos humanos trabalharemos para que a proposta seja derrubada em plenário”, afirma Pimenta em nota pública.

     

    Neste ano, o deputado esteve por três vezes no Mato Grosso do Sul, averiguando a situação de conflito entre indígenas e fazendeiros em áreas onde os confrontos têm se intensificado. Estas visitas do presidente da CDHM foram acompanhadas de órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

     

    “Estamos empenhados em buscar a paz por meio da Justiça”, afirmou ele durante visita, no dia 9 de setembro, aos Guarani-Kaiowá que vivem a cerca de 30 km de Dourados. Na ocasião, Pimenta criticou os ataques fazendeiros contra os indígenas: “Não podemos deixar a lei ser desrespeitada e que as pessoas façam ‘justiça’ com as próprias mãos".

     

    Leia na íntegra a Nota da presidência da CDHM

     

     

     

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  • 30/10/2015

    Manifestação da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara quanto à PEC 215

    É preocupante a aprovação, por comissão especial nessa semana, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. O projeto retrocede na demarcação de territórios tradicionais indígenas e quilombolas e, por isso, é uma ameaça aos direitos humanos.

    A Constituição assegura aos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Essa garantia é uma cláusula pétrea, contra a qual se insurge a PEC 215. Pela proposta as demarcações serão feitas pelo Legislativo e não mais pelo Executivo, como é hoje. Na prática a PEC abole futuras demarcações, em razão da substituição da análise técnica por juízo político, em uma lógica congressual em que impera quem tem mais poder.

    Os indígenas são uma minoria na sociedade e não são sequer representados no parlamento. O paliativo inserido pelo relator, de criar uma vaga para um deputado indígena – uma em 513! – não resolve, sequer ameniza, a sub-representação desses povos. Mas a democracia não se reduz à vontade das maiorias e muito menos prevalência do poder de grupos econômicos. Democracia é também respeito às minorias, e a PEC 215 viola esse princípio universal de direitos humanos.

    A PEC 215 permite ainda a instalação, em terras indígenas, de redes de comunicação, rodovias, hidrovias e outras edificações de serviços públicos. Prevê possibilidade de partilha, permuta e arrendamento dessas áreas. Além do impacto ambiental catastrófico que isso representará, a proposta trata a terra indígena como uma propriedade rural.

    A diferença básica entre um pedaço de terra qualquer e a terra indígena é a tradicionalidade: o modo de ser associado a um lugar específico, o sentido de permanência, de continuidade etnográfica. A Constituição abriga esse conceito ao definir terras tradicionalmente ocupadas pelos índios como “as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Esses direitos originários dos indígenas às suas terras, reconhecidos pela Constituição, não podem ser retirados por uma PEC, sob pena de violação de cláusula pétrea e de um retrocesso civilizacional.

    Outro ponto problemático do texto aprovado anteontem é a autorização de que as forças militares e policiais atuem em terras indígenas independentemente de consulta às respectivas comunidades. Isso contraria a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, da qual o Brasil é signatário. Essa norma, de hierarquia supralegal, estabelece a necessidade de consulta aos povos interessados sobre qualquer medida que possa afetá-los. A violação desse e de outros tratados podem levar à responsabilização internacional do Brasil.

    Há ainda na PEC vedação de que seja ampliada terra indígena já demarcada e disposição segundo a qual as demarcações só podem ocorrer em terras ocupadas pelos indígenas em outubro de 1988 – requisito que o substitutivo aprovado estendeu aos remanescentes de quilombos. A questão é que nem todos os indígenas e quilombolas estavam sobre suas terras quando a Constituição foi promulgada. Isso porque esses povos, não em tempos remotos, mas ainda no século XX, sofreram uma política de expulsão. O esbulho recente dos indígenas, praticado por particulares e pelo Estado brasileiro, por meio do confinamento, da tortura e morte, é atestado por diversos documentos fidedignos — o Relatório da Comissão Nacional da Verdade, pesquisas historiográficas, laudos antropológicos, o Relatório Figueiredo e o registro do testemunho desta Comissão de Direitos Humanos e Minorias em sucessivos relatórios.

    Como presidente deste Colegiado da Câmara dos Deputados, participei pessoalmente de cinco missões oficiais a terras indígenas no Mato Grosso do Sul, palco maior de conflitos do gênero na atualidade. Lá entendi que o vínculo originário e existencial dos indígenas com suas terras tradicionais não foi apagado nem atenuado pelo esbulho que sofreram nas últimas décadas; e que tampouco será apagado por alguma decisão judicial ou emenda à constituição.

    Mesmo depois da recente, persistente e violenta expulsão de suas terras, algumas comunidades indígenas, com a Constituição de 1988, conseguiram fazer com que o Estado brasileiro avançasse no processo demarcatório. Mas esse avanço no pagamento da dívida histórica com os povos indígenas sofre novo retrocesso, em parte encampado por decisões judiciais, em parte pela inércia do Executivo, em parte pelo Congresso Nacional. Por isso a PEC 215 só aumentará os conflitos, que já são gravíssimos – dezenas de assassinatos por ano, muitas vezes praticados por milícias armadas contratadas por fazendeiros.

    A Proposta de Emenda à Constituição 215 impossibilita na prática futuras demarcações e abre caminho para o retrocesso em áreas já reconhecidas como tradicionais. Sua eventual aprovação significaria mais um paço para o extermínio de indígenas enquanto tais em pleno Século XXI.

    Mas os interesses de um grupo econômico não podem prevalecer sobre a vida e a diversidade humanas. A preservação dos povos indígenas é um imperativo ético. Por isso eu e a bancada de deputados que defende os direitos humanos trabalharemos para que a proposta seja derrubada em plenário.

     

    Brasília, 29 de outubro de 2015.

     

    Deputado PAULO PIMENTA

    Presidente

     

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  • 30/10/2015

    CNBB divulga nota sobre a realidade sociopolítica brasileira

    A Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nesta quinta-feira (27), durante coletiva de imprensa, nota sobre “A realidade sociopolítica brasileira: dificuldades e oportunidades”. O texto foi aprovado pelo Conselho Permanente da instituição, que esteve reunido em Brasília, de 27 a 29 deste mês. 

    Na nota, a CNBB manifesta-se a respeito do momento de crise na atual conjuntura. “A permanência e o agravamento da crise política e econômica, que toma conta do Brasil, parecem indicar incapacidade das instituições republicanas que não encontram um modo de superar o conflito de interesses que sufoca a vida nacional, e que faz parecer que todas as atividades do país estão paralisadas e sem rumo”, declaram os bispos.  

    Confira a íntegra do texto:

     

    A realidade sociopolítica brasileira: dificuldade e oportunidades

    O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reunido em Brasília de 27 a 29 de outubro de 2015, comprometido com a vivência democrática e com os valores humanos, consciente de que é dever da Igreja cooperar com a sociedade para a construção do bem comum, manifesta-se acerca do momento de crise na atual conjuntura social e política brasileira.

    A permanência e o agravamento da crise política e econômica, que toma conta do Brasil, parecem indicar a incapacidade das instituições republicanas que não encontram um modo de superar o conflito de interesses que sufoca a vida nacional, e que faz parecer que todas as atividades do país estão paralisadas e sem rumo. A frustração presente e a incerteza no futuro somam-se à desconfiança nas autoridades e à propaganda derrotista, gerando um pessimismo contaminador, porém, equivocado, de que o Brasil está num beco sem saída. Não nos deixaremos tomar pela “sensação de derrota que nos transforma em pessimistas lamurientos e desencantados com cara de vinagre” (Papa Francisco – Alegria do Evangelho, 85). 

    Somos todos convocados a assegurar a governabilidade que implica o funcionamento adequado dos Três Poderes, distintos, mas harmônicos; recuperar o crescimento sustentável; diminuir as desigualdades; exigir profundas transformações na saúde e na educação; ampliar a infraestrutura, cuidar das populações mais vulneráveis, que são as primeiras a sofrer com os desmandos e intransigências dos que deveriam dar o exemplo. Cada protagonista terá que ceder em prol da construção do bem comum, sem o que nada se obterá. 

    É preciso garantir o aprofundamento das conquistas sociais com vistas à construção de uma sociedade justa e igualitária. Cabe à sociedade civil exigir que os governantes do Executivo, Legislativo e Judiciário recusem terminantemente mecanismos políticos que, disfarçados de solução, aprofundam a exclusão social e alimentam a violência, entre os quais o estado penal seletivo, as tentativas de redução da maioridade penal, a flexibilização ou revogação do Estatuto do Desarmamento e a transferência da demarcação de terras indígenas para o Congresso Nacional. No genuíno enfrentamento das atuais dificuldades pelas quais passa o país, não se pode abrir espaço para medidas que, de maneira oportunista, se apresentam como soluções fáceis para questões sabidamente graves e que exigem reflexão e discussão mais profundas com a sociedade.

    A superação da crise passa pela recusa sistemática de toda e qualquer corrupção, pelo incremento do desenvolvimento sustentável e pelo diálogo que resulte num compromisso comum entre os responsáveis pela administração dos poderes do Estado e a sociedade. O Congresso Nacional e os partidos políticos têm o dever ético e moral de favorecer a busca de caminhos que recoloquem o país na normalidade. É inadmissível alimentar a crise econômica com uma crise política irresponsável e inconsequente.  

    Recorde-se que “uma sociedade política dura no tempo quando, como uma vocação, se esforça por satisfazer as carências comuns, estimulando o crescimento de todos os seus membros, especialmente aqueles que estão em situação de maior vulnerabilidade ou risco. A atividade legislativa baseia-se sempre no cuidado das pessoas” (Papa Francisco ao Congresso dos EUA). Nesse sentido, com o espírito profético inspirado na observância do Evangelho, a CNBB reitera que o povo brasileiro, os trabalhadores e, principalmente, os mais pobres não podem ser prejudicados em nome de um crescimento desigual que reserva benefícios a poucos e estende a muitos o desemprego, o empobrecimento e a exclusão.

    A construção de pontes que favoreçam o diálogo entre todos os segmentos que legitimamente representam a sociedade é condição fundamental para a superação dos discursos de ódio, vingança, punição e rotulação seletivas que geram um clima de permanente animosidade e conflito entre cidadãos e grupos sociais. Esse clima belicoso, às vezes alimentado por parte da imprensa e das redes sociais, poderá contaminar ainda mais os corações e mentes das pessoas, aprofundando abismos e guetos que, historicamente, maculam nossa organização social. Ao aproximar-se o período eleitoral de 2016, é responsabilidade de todos os atores políticos e sociais, comprometidos com a ética, a justiça e a paz, aperfeiçoarem o ambiente democrático para que as eleições não sejam contagiadas pelos discursos segregacionistas que ratificam preconceitos e colocam em xeque a ampliação da cidadania em nosso país. 

    A corrupção se tornou uma “praga da sociedade” e um “pecado grave que brada aos céus” (Papa Francisco – O rosto da misericórdia, n.19). Acometendo tanto instituições públicas, quanto da iniciativa privada, esse mal demanda uma atitude forte e decidida de combate aos mecanismos que contribuem para sua existência. Nesse sentido, destaca-se a atuação sem precedentes dos órgãos públicos aos quais compete combater a corrupção. A contraposição eficaz à corrupção e à sua impunidade exige, antes de mais nada, que o Estado cumpra com rigor e imparcialidade a sua função de punir igualmente tanto os corruptos como os corruptores, de acordo com os ditames da lei e as exigências de justiça.

    Deus nos dê a força e a sabedoria de seu Espírito, a fim de que vivamos nosso ideal de construtores do bem comum, base da nova sociedade que almejamos para nós e para as futuras gerações.

    Brasília, 28 de outubro de 2015. 

    Dom Sergio da Rocha

    Arcebispo de Brasília-DF

    Presidente da CNBB

     

    Dom Murilo S. R. Krieger

    Arcebispo de São Salvador da Bahia- BA

     Vice-presidente da CNBB

     

     Dom Leonardo Ulrich Steiner

    Bispo Auxiliar de Brasília-DF

    Secretário Geral da CNBB

     

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  • 29/10/2015

    Guerrilha, “Tex” e 6 milhões de reais: o depoimento do delegado Alcídio, da Polícia Federal, na CPI do Cimi

    O que o personagem dos quadrinhos western chamado Tex, um policial texano herói da colonização do oeste estadunidense, tem a ver com a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul que investiga o trabalho do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no estado, a chamada CPI do Cimi?

    Aparentemente, nada – mas, conforme o delegado da Polícia Federal Alcídio de Souza Araújo – responsável pela operação que culminou na morte de Oziel Terena, na Terra Indígena Buriti, município de Sidrolândia (MS) – afirmou nesta terça-feira, 27, durante oitiva da CPI, é onde tudo começa. Foram as leituras do gibi Tex que o introduziram à questão indígena – e juntando com o que ele “ouviu dizer” ou “disseram para ele, mas não é possível provar” sobre o Cimi, ele pôde concluir que a organização indigenista financia e incita as retomadas de terras no Mato Grosso do Sul, o que para ele compõe um mosaico de ilegalidades envolvendo técnicas de guerrilha e financiamentos milionários.

    Como, de que forma e quais elementos materiais comprovam estes supostos procedimentos de atuação do Cimi junto aos povos indígenas, não houve Tex que ajudasse o delegado a comprovar. Tampouco Jeová, evocado por Alcídio para lançar dúvidas se de fato uma freira do Cimi que atua no Mato Grosso do Sul era religiosa ou farsante, posto que, conforme o delegado afirmou, a freira sequer sabia quem era Jeová.

    Nesta quarta-feira, 28, o Cimi divulgou uma nota demonstrando indignação com a declaração do delegado.

    Conspiração

    Acusações graves de todo tipo, sem provas: treinamentos de táticas de guerrilha, falsidade ideológica de missionários e assessores; milhões de reais despejados pelo Cimi na conta de um indígena anônimo – tudo devidamente enquadrado pelo delegado Alcídio no científico e metodológico “ouvi dizer” e no “me disseram, mas não posso provar”. Aliados a teorias da conspiração – formalmente convocadas na CPI através do depoimento/palestra do sociólogo mexicano Lorenzo Carrasco – de que, para atender a “interesses estrangeiros“, o Cimi trabalha para impedir a “integração” dos indígenas à sociedade branca, as afirmações do delegado tornam-se matéria-prima para os parlamentares ruralistas construírem uma narrativa fantasiosa e subjetiva de criminalização do Cimi, jornalistas e integrantes dos movimentos sociais no estado.

    A CPI é conduzida por parlamentares cujas campanhas eleitorais foram financiadas pelo agronegócio e por empresas envolvidas na Operação Lava Jato. A ruralista Mara Caseiro (PTdoB) preside a Comissão, que tem como vice o deputado Marquinhos Trad (PMDB) e como relator o deputado Paulo Corrêa (PR). O triunvirato recebeu, nas eleições de 2014, R$ 2.454.542,06 milhões em doações. Desse total, o relator da ‘CPI do Cimi’ declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o montante de R$ 769.515, 50 – as construtoras UTC, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa financiaram, aproximadamente, 40% da campanha declarada pelo deputado.

    Na mesma reunião da Comissão, foi ouvido também o indígena Dionedson Terena, autor do vídeo que registra a apreensão de equipamentos do jornalista Ruy Sposati. Ainda, sob sigilo, foram colhidos depoimentos de indígenas Guarani Kaiowá do município de Coronel Sapucaia, na fronteira com o Paraguai, a 350km do local onde ocorreu a tentativa de reintegração de Buriti, base das acusações da CPI.

    A cada sessão, convocam mais e mais depoentes, como o vice-governador de Roraima Paulo César Quartieiro – alegando, sem fatos determinados, que a “tecnologia usada pelo Cimi no estado é a mesma no restante do país”, nas palavras do relator, deputado Paulo Corrêa, e que, portanto, é relevante para o relatório da Comissão. A Comissão tornou-se um muro de lamentações e calúnias contra o Cimi e a demarcação das terras indígenas – mesmo que paralisadas – no Mato Grosso do Sul. Uma espécie de julgamento macartista: o deputado Corrêa chegou a perguntar ao indígena Dionedson Terena o que ele fazia numa assembleia… Terena.

    Alcídio: o delegado do “ouvi dizer”

    Sem precisar nomes, datas e documentos, o delegado acusou o Cimi de financiar e organizar os indígenas em ocupações de terra, realizando treinamentos “de guerrilha”, além de transferir quantias milionárias sem motivo definido para contas bancárias de indígenas no Mato Grosso do Sul.

    “Como chefe da delegacia, não só indígenas como fazendeiro (sic) me traziam essas informações, mas ninguém consegue materializar isso”, contou o delegado, ao ser questionado se ele tem convicção de que o Cimi instiga, incita e financia ocupações de terra no estado.

    No dia da apreensão do equipamento, continua o policial, “alguns especialistas até dizem que coloquei minha vida em risco, quando eu saí da coluna de proteção dos policiais e fui até o suposto jornalista, ao componente do Cimi. Porque eu vi ali, como policial a possibilidade de trazer elementos de comprovação (…). Então, me surge a oportunidade, e eu não poderia deixar… E eu posso garantir aos senhores [deputados], quando os senhores pedirem a cópia: o inquérito tá gostoso”.

    Questionado pela deputada Mara Caseiro se existiam outros inquéritos a respeito do Cimi na PF, Alcídio desvia, lamentando: “como vivemos num regime democrático de direito, a polícia fica de mãos atadas em alguns momentos”. Comentando o tipo de armamento utilizado pela Polícia Federal – em contraposição a tipos de cápsulas encontradas em ataques contra os indígena -, o delegado informou que “ (…) todo policial, ao sair agora, graças ao nosso bom deus, tem uma glock 9mm”.

    A compaixão aos indígenas parece ser outra lição de Tex ao delegado Alcídio. O policial sugeriu que os indígenas se juntassem com fazendeiros para exportar produtos, arrendando as próprias terras. Como toda terra indígena pertence à União, sendo o usufruto exclusivo da comunidade que a ocupa, arrendar é crime federal. Para o delegado, porém, organizações como o Cimi lucram com a miséria dos indígenas, e por isso jamais desejariam vê-los produzindo ao lado de fazendeiros ou arrendando as terras. Questionou, ainda, “por que só tem território indígena onde a terra é rica?”, no lastro do pensamento conspiracionista proposto por Lorenzo Carrasco. Respondeu a si próprio dizendo não concordar com a ideia de que “o branco destrói e o índio não”.

    Guerrilha pelo telefone

    “Pra se fazer uma ocupação, há uma logística”, explanou Alcídio. “Pra se conseguir essas invasões, precisa-se de dinheiro. Mesmo que a comunidade se organize, há necessidade de dinheiro. Se então, o senhor [deputado Paulo Corrêa] me pergunta [se o Cimi financia as ocupações indígenas], eu diria que sim”.

    Relator da CPI, o deputado Paulo Corrêa (PR-MS) comentou o depoimento do delegado: “posso considerar (…) que houveram técnicas de guerrilha: eles [indígenas Terena] foram treinados pra fazer isso, e pelo jeito, pelo que se coloca aqui, é o Cimi. Segundo, teve que ser financiado, tem que ter um dinheiro que veio de algum lugar. E terceiro, é que depois de feito a negociação toda, volta o Cimi e força a barra pra não…”.

    Cortando o deputado, Alcídio continuou: “eu me lembro que esse senhor [não precisou quem seria] mencionou o seguinte: ‘enquanto fica a gente negociando’ – e isso eu pude perceber, ele falou, isso ele falou – ‘o Cimi por telefone instigando: não sai, não sai, não sai’. Aí eles, à frente ali da negociação, que que acontece? Um sai, atende o telefonema, retorna… e ficam… usando…”. “Quem lê Tex, pesquisa profundamente”, disse o deputado Paulo Corrêa, elogiando o delegado, e seguiu: “O senhor pesquisou depois sobre o Cimi, tentou entender o que é o Cimi, como ele funciona?”, ao que o delegado respondeu: “eu tentei umas pequenas leituras, compreendi e fiquei satisfeito com o que eu li… Eu não me aprofundei, pra ser sincero”.

    6 milhões de reais

    O delegado acusou o Cimi de ter pago 6 milhões de reais a um estudante indígena Guarani Kaiowá da região de Dourados, sem precisar os porquês. “Teve um índio (…), quando o [rezador] Nísio Gomes faleceu [assassinado], ele menciona que tem um índio fazendo faculdade em Dourados, que recebia em torno de 6 milhões na conta dele, vindo do Cimi”, depôs sob juramento o policial federal. “Esse índio não quer colocar no papel, porque, o temor…. Aí eu já instigo os senhores [deputados] a verificar a contabilidade do Cimi”.

    “Essa acusação é uma loucura completa. É um factoide, uma manobra, porque eles querem abrir as contas do Cimi”, opina o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto. “Nós não temos nada a esconder sobre o nosso trabalho. E, no entanto, eles querem acabar com a gente de qualquer jeito, inclusive trabalhando com ficções, e gastando dinheiro público em uma CPI que trouxe até sociólogo mexicano simplesmente pra afirmar, no fundo, que não se deve demarcar terras indígenas – e mais, que é preciso exterminar aqueles que apoiam estas populações em suas lutas pela terra”.

    Na CPI, ao menos três integrantes do Cimi deverão ser ouvidos: o coordenador regional da entidade no Mato Grosso do Sul, Flávio Machado, o secretário nacional, Cleber Buzatto, e o presidente do Cimi, Dom Roque Paloschi.

    “Quem faz ocupação somos nós”, afirma indígena na CPI do Cimi

    A CPI ouviu o indígena Dionedson Terena, autor do vídeo que registra o momento exato em que o delegado da Polícia Federal Alcídio de Souza Araújo apreende um laptop e um gravador do jornalista Ruy Sposati, que realizava cobertura da reintegração de posse contra indígenas Terena.

    A oitiva iniciou com o deputado Paulo Corrêa exigindo a qualificação do advogado que acompanhava o indígena. Dionedson – cuja primeira língua é o Terena – prestou depoimento em português, e foi o primeiro a falar ‘sob juramento’. O procedimento, até então, não havia sido utilizado para colher os depoimentos do casal de fazendeiros e nem dos teóricos que foram convidados a palestrar-depor nas sessões anteriores.

    Dionedson exibiu, na íntegra, o vídeo da apreensão dos equipamentos. O conteúdo registrado pelo Terena e publicado no Youtube em 2012 havia sido parcialmente utilizado em uma reedição audiovisual apresentada pela fazendeira Jucimara Bacha, na reunião anterior da CPI.

    “Na semana passada, o vídeo foi utilizado de forma a incitar [provar] a participação do Cimi na retomada. Eu quero contradizer a fala da produtora rural na semana passada e passar o vídeo inteiro hoje”, afirmou o indígena.

    Na sessão anterior, após a exibição do vídeo, os deputados afirmaram haver ali provas de que o Cimi estaria “por trás” da “invasão de terras”. Dionedson discorda da interpretação de que aquelas imagens ali comprovariam o envolvimento do Cimi no financiamento e organização das retomadas. Ao contrário, para Dionedson as imagens registradas por ele no vídeo colocam a entidade, outros movimentos sociais e jornalistas na condição de vítimas da ação policial. “Eu quero usar esse vídeo pras pessoas entenderem e compreenderem o contexto em que ele foi filmado, que era a primeira tentativa de reintegração de posse de Buriti”.

    A apreensão de equipamentos do jornalista provocou reações entre organizações que defendem o trabalho da imprensa. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul acompanharam a questão, e mais de cem organizações prestaram solidariedade, acusando a polícia federal de violação de direitos profissionais.

    Uma semana depois da apreensão, na segunda tentativa de reintegração de posse, uma violenta ação da Polícia Federal – ocasião em que dezenas de celulares e câmeras também foram apreendidos pelos policiais – culminou na morte do indígena e agente de saúde Oziel Terena.

    Dionedson explicou como se organiza politicamente o povo Terena. Segundo ele, os indígenas se organizam “nas assembleias, quando lideranças de todas as aldeias e retomadas se encontram para discutir a situação das terras. Quem convoca as assembleias é o próprio povo terena, é um coletivo. Quem decide nas assembleias é o povo Terena”. Dionedson refutou as acusações dos parlamentares de que movimentos não-indígenas estariam “por trás” das ocupações. “No momento das decisões de ocupação quem decide somos nós, ninguém de fora pode participar. Não é nenhuma organização governamental ou não-governamental que faz isso, é o coletivo Terena”.

     

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  • 29/10/2015

    Povos do oeste de Santa Catarina e Kaingang da TI Nonoai também repudiam declarações de Colatto

    Indígenas Kaingang da Terra Indígena Nonoai, localizada no Rio Grande do Sul, na divisa com Santa Catarina, e povos Guarani e Kaingang do oeste de Santa Catarina contestam publicamente as declarações do deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC) feitas no último dia 20, durante reunião da Comissão Especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, em que ele afirmou que indígenas do Sul seriam favoráveis a esta proposta.

    “Denunciamos as manobras políticas que estão sendo arquitetadas por esse parlamentar com o intuito de impedir o avanço da demarcação de nossas terras. Ele, através de autoridades e de oligarquias regionais, pressiona a Funai e o Ministério da Justiça para agirem contra os nossos direitos e, ao mesmo tempo, promove e fomenta ações e manifestações da sociedade envolvente contra os povos indígenas. Com isso, ele instiga a violência e alimenta o ódio e o preconceito”, afirma o documento dos indígenas do estado de Santa Catarina.

    Afirmando “profundo desprezo à pessoa do deputado Valdir Colatto e todos aqueles que tem contribuído para o genocídio dos Povos Indígenas do Brasil”, os Kaingang de Nonoai esclarecem que “a pessoa citada pelo senhor Deputado como cacique desta T.I. nem se quer é da etnia Kaingang e muito menos faz parte da liderança da Terra Indígena Nonoai”.

    Nos dois documentos, os indígenas reafirmam absoluto repúdio à PEC 215.

     

    Leia aqui a Carta de Repúdio da comunidade da Terra Indígena Nonoai

    Leia aqui a Nota Pública dos Kaingang e Guarani do Oeste de Santa Catarina

    Foto: Em protesto contra a PEC 215, Kaingang paralisaram a rodovia estadual ERs 324, próxima à Terra Indígena Nonoai, no último dia 27

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  • 29/10/2015

    Jogos Mundiais: a repercussão da, cada vez pior, PEC 215

    O real embate que está estabelecido é o da demarcação das terras e dos territórios indígenas. É isso o que pensa também boa parte dos indígenas presentes em Palmas, capital de Tocantins, no I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas.

     

    Na tarde da última terça-feira (27) os embates entre os povos indígenas e seus aliados e setores anti-indígenas aconteceram em três cenários distintos e distantes.

     

    Em Brasília mais uma vez os povos indígenas foram barrados ao buscarem entrar na “Casa do Povo”, o Congresso Nacional, no momento em que uma das mais graves ofensivas aos seus direitos estava sendo encaminhada. Lá dentro o golpe já estava armado contra os direitos e as vidas dos povos originários deste país. A surpresa é que a nova redação do texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215) consegue ser ainda pior e mais violador dos direitos indígenas.

     

    Originariamente essa emenda constitucional tinha como foco possibilitar ao Congresso a decisão sobre os processos de demarcação das terras indígenas, que cabe hoje ao Poder Executivo. Aliás, as terras indígenas, conforme o Artigo 231 da Carta Magna pertencem originariamente a esses povos, cabendo ao governo estabelecer os limites e protegê-las.

     

    A última redação apresentada, inesperadamente, pelo relator Osmar Serraglio (PMDB-PR) vai muito além, incluindo o famigerado “marco temporal” e retirando o usufruto exclusivo dos recursos naturais existentes nas terras indígenas. Além disso, o projeto passaria a dar o poder ao Congresso de avaliar todas as terras indígenas pelos novos critérios, ou seja, seriam atingidas as terras indígenas já demarcadas, as em processo de regularização e todas as que precisam ainda ser demarcadas. Ou seja, as terras do presente, passado e futuro estariam sob a batuta dos parlamentares, majoritariamente anti-indígenas, assim como a definição de todo e qualquer direito dos índios sobre seus territórios.

     

    Enquanto isso, em Campo Grande, no Mato Groso do Sul, acontecia mais uma sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cimi, com depoimentos indígenas em sigilo, afirmações intempestuosas, com o intuito de criminalizar a questão indígena e a entidade aliada de seus direitos. Estes depoimentos sigilosos são bastante preocupantes também tendo em vista a dificuldade de compreensão e expressão em português. Não se sabe se houve tradução, conforme garante a legislação.

     

    O protesto também brotou no asfalto quente da arena dos Jogos, em Palmas. Enquanto as atividades esportivas e manifestações culturais aconteciam, um expressivo grupo se manifestou contra a PEC, contra o genocídio e na defesa de seus direitos. Representantes indígenas presentes nos jogos mundiais realizaram nesta semana a paralisação de uma das rodovias que dá acesso ao espaço dos jogos. E se organizam para novos protestos contra a PEC 215.

     

    A vitória que os povos indígenas almejam é a demarcação e garantia das suas terras tradicionais. Como diz Antônio Apinajé: “A melhor atitude pela paz é demarcar e respeitar os territórios indígenas que são sagrados para nossos povos e necessários para o equilíbrio e a sustentação do clima no planeta terra”.

     

    Finalmente, os indígenas que vendiam seu artesanato do lado de fora do evento foram conduzidos para dentro do espaço dos jogos, e podem participar dos debates e das celebrações. Porém, seus artesanatos ficam expostos no chão, castigados pelo forte calor e ainda sujeitos às chuvas. Enquanto isso, estandes climatizados e desocupados não podem ser utilizados pelos indígenas. Tomara que um dia o apartheid indígena acabe no Brasil. Continuamos na luta para que isso aconteça o mais rápido possível.

     

    Fotos: Indígenas em protesto durante o I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, em Palmas (Laila Menezes)

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  • 28/10/2015

    Povo Kaingang e juventude indígena do RS declaram repúdio à PEC 215

    Mais uma manifestação de repúdio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 e às declarações do deputado federal Valdir Colatto (PMDB/SC) foram divulgadas, desta vez pelo povo Kaingang e a juventude indígena do estado do Rio Grande do Sul.

     

    “Viemos, portanto, a público expressar nosso repúdio e consternação face às recentes declarações do deputado federal Valdir Colatto (PMDB/SC) na plenária de reunião da pauta extraordinária de discussão e votação do parecer da PEC 215 do dia 20/10/2015, na qual esse senhor afirma deliberadamente que os indígenas do Sul comungam e são favoráveis a esta proposta normativa inconstitucional e genocida.

                Assim como repudiamos as declarações de outros parlamentares da bancada ruralista que, nessa corrida insana e doentia para aprovar a PEC 215, para atender aos interesses de latifundiários e o oligopólio vinculado ao agronegócio, abertamente dizem que os Povos indígenas do Sul e sua juventude, que gradativamente acessa os espaços de universidades no Sul do Brasil, estão de acordo com essa normativa”, afirmam no documento.

     

    Leia aqui a Carta Pública

    Foto: Kaingang bloquearam rodovia estadual ERs 324, ontem, em protesto contra a PEC 215 (Arquivo Cimi)

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  • 28/10/2015

    Índios urbanos: buscando as raízes longe da natureza

    “O Brasil não terá índios no século XXI. A ideia de congelar o homem no estado primitivo de sua evolução é, na verdade, cruel e hipócrita”, afirmou o ex-ministro brasileiro de Ciência e Tecnologia Hélio Jaguaribe a um grupo de militares em 30 de agosto de 1994. Não sabia o quanto estava errado.

    Atualmente há no Brasil mais de 800.000 indígenas, segundo o mais recente recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010. Vivem nas grandes cidades 38,5% deles, principalmente em São Paulo, mas também em Manaus, Boa Vista e no Rio de Janeiro. Isso representa o último desafio para o índio: adaptar-se e sobreviver entre toneladas de asfalto.

    Há exatamente 24 anos o índio Xamakiry, nascido no município amazônico de Boca do Acre, chegou ao Rio de Janeiro. Uma vez lá, começou a ser chamado de Afonso Apurinã, ou seja, com seu nome em português seguido pela etnia a que pertence. “Vim em busca de um sonho. Quando era pequeno, minha mãe foi à cidade e viu pela primeira vez a televisão: uma caixinha em que as pessoas cabiam. Isso despertou minha curiosidade, e pensei que um dia quereria estar lá dentro”, recorda com a ilusão de uma criança que ainda não cresceu.

    Dos delírios de grandeza à luta ativista, com o passar dos anos Apurinã largou a gravação de anúncios e os estúdios da Globo para se dedicar à causa indígena. Integrante do movimento Aldeia Maracanã, experimentou na própria carne a dificuldade de ser índio numa grande metrópole: “Muitos indígenas chegam ao Rio de Janeiro e não têm para onde ir. Começamos então uma luta para transformar o antigo Museu do Índio em ponto de encontro e centro de referência dos povos indígenas”.

    Mas a mudança para uma grande cidade não implica somente uma falta de casa ou de refúgio. No caso dos índios urbanos, vai muito além. “Para viver aqui deixei minha tradição de vida e mudei, fui obrigado a mudar para não ser alvo de piadas nem o palhaço de ninguém. Fui mudando minha forma de falar e esquecendo minhas raízes para não passar vergonha a toda hora”, reconhece com tristeza Apurinã.

    “Adaptar-se para sobreviver”, sussurra Darwin em nossos ouvidos. Isso é o que os mais de 300.000 índios urbanos fazem todo dia nas diferentes cidades brasileiras. Torna-se normal ter que buscar locais autorizados para fazer fogo para seus rituais, não saber onde pescar, não poder tomar banho sem roupa em cachoeiras ou rios etc. “A relação do índio com a natureza é umbilical. É uma relação de cura. Nosso psicólogo é a mata, por isso muitos não suportam ficar aqui”, explica a índia ZawaraHu, conhecida também como Carolina Potiguara.

    Nascida no Rio de Janeiro, seus avós emigraram da Paraíba nos anos setenta em busca de trabalho. Uma vez aqui, sua avó trabalhou durante muitos anos como lavadeira. Qualquer coisa era melhor que a pobreza asfixiante do Nordeste. Faz um ano que não vai a sua aldeia, e quando lembra da “liberdade perdida” de nadar em águas cristalinas sob um sol brilhante, seus olhos se enchem de lágrimas.

    Para os povos indígenas é um grande desafio restringir seu contato com a terra, que era sua e na qual são maltratados há mais de 500 anos. No início da colonização foi a mão de obra indígena que manteve a indústria açucareira, bem como o gado e os serviços domésticos; depois seria substituída pela mão de obra escrava, em meados do século XVI.

    Ter escravos índios era questão de prestígio e riqueza. Pessoas-objeto, tratadas como os ninguéns de Eduardo Galeano: “Que não são seres humanos, mas recursos humanos; que não têm rosto, mas braços; que não têm nome, mas número”. A transição do Brasil colonial para o Brasil Império e República pouco mudou esse status quo de abuso e exploração desumanos.

    Com a chegada da ditadura militar (1964), também foram executados projetos megalomaníacos, como a construção de hidrelétricas e a gigantesca rodovia Transamazônica. Obras faraônicas, que uma vez mais expulsaram milhares de indígenas de suas terras, com o massacre, em nome do progresso, dos que ofereceram resistência.

    Preconceitos permanentes

    As migrações indígenas da aldeia para a grande cidade não são algo recente. Acontecem desde meados do século XX, quando, entre as décadas de cinquenta e setenta, uma primeira onda de mão de obra chega à metrópole para trabalhar na construção civil. Posteriormente, nos anos noventa, após a Constituição de 1988 e a ampliação da rede de ensino, essa migração se torna principalmente universitária, com a presença de coletivos que ganham a vida com apresentações artísticas e rituais.

    Nas últimas duas décadas, a diferença entre zona rural e urbana se tornou mínima tanto no sentido migratório quanto de interação entre ambas. Com algumas grandes exceções no Norte do Brasil, a maioria das comunidades indígenas está bastante urbanizada, fazendo fronteira com ou sendo parte de cidades médias, como é o caso da tribo Tupi-Guarani de Maricá.

    Mesmo assim, apesar de o convívio do índio na cidade ser um fato histórico, o receio contra sua pessoa não diminui com o passar do tempo. “Existe uma imagem dupla de preconceito: nos anos cinquenta era a invisibilidade de não poder dizer que era índio para não sofrer discriminação, razão pela qual muitos se faziam passar por nordestinos, caboclos… e já nos anos noventa, trata-se da negação de sua identidade indígena pelo fato de não viver mais na aldeia nem ter fenótipo de índio”, diz o antropólogo social Marcos Albuquerque.

    O preconceito contra o índio urbano muda de pele, mas não desaparece. X’mayá Kaká Fulni-ô, indígena pernambucano, sabe muito bem. Trabalha há 11 anos como guia noMuseu do Índio do Rio de Janeiro. E admite que quando as pessoas se deparam com ele, têm o olhar “assustado”. Além disso, logo o chamam de “louco”, por seus grandes alargadores, colares e pelas pinturas que ornam seu corpo.

    É o único índio que trabalha nesse museu, localizado no bairro de Botafogo. Fulni-ô convive com sua tribo, de aproximadamente 6.200 índios, por uns três meses por ano. Passa o resto do tempo no Rio de Janeiro, satisfeito por trabalhar para uma instituição que conta para as pessoas parte de sua cultura e história, que é compartilhada por todo o povo brasileiro.

    “A questão é muito complicada: viver num lugar no qual não é aceito. A sociedade das grandes capitais ignora a diferença. Quando as pessoas aprenderem a conviver com ela, serão mais humanas. Até lá, continuarão sendo os mesmos ignorantes de sempre. Ninguém é igual a ninguém, cada um tem seu modo de pensar e de viver”, pondera sem medo diante da câmera.

    Como ele, são muitos os índios que de uma forma ou de outra se sentem diminuídos na cidade, obrigados a renunciar a sua natureza ancestral, a seu modo de vida. “Qual é minha verdadeira identidade? Para estar aqui tenho que deixar de ser quem sou, mas não gosto da pessoa que eles querem que eu seja”, diz Apurinã; “várias vezes me sentei na rua no Rio e chorei, chorei de verdade, perguntando-me o que estava fazendo aqui. Mas eu tinha um objetivo: provar a mim mesmo e a todos os demais que o índio é capaz”.

    Por que ficar?

    Há muitas razões para os indígenas permanecerem na metrópole, apesar das inúmeras dificuldades. Desde a mera resignação e necessidade de sobrevivência até a vontade de mudar esse sistema que os exclui e oprime. Transformar a sociedade transformando sua mente.

    Afonso Apurinã reconhece que para seu povo é a cada dia “mais difícil” sobreviver no Amazonas. O mesmo acontece com as outras tribos indígenas (Fulni-ô, Potiguara, Xavante, Terena…), cercadas por instalações agrícolas que derrubam suas matas, extraem seus recursos naturais e contaminam seus rios. “Para eles só interessa destruir a natureza que nos alimenta e erguer fábricas de dinheiro. E eu me pergunto: No futuro, vamos comer dinheiro?”, diz, com ironia.

    Não há muitas opções. A mais comum é sair da aldeia em busca de trabalho ou para vender artesanato nas grandes capitais. “Nosso povo está bem articulado. Temos uma associação em que fabricamos artesanato durante todo o ano e depois vendemos no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Esse retorno beneficia diretamente a comunidade”, revela X’maya Kaká Fulni-ô.

    Uma motivação muito diferente da econômica é a educacional. Como se define esse outro perfil de índio? Muitos deles nasceram na cidade, pertencem à classe média brasileira e cursaram faculdade. “Nasci no Rio de Janeiro. Meus avós emigraram na década de setenta, fugindo da seca nordestina. Sou professora da Universidade Federal Fluminense e tenho muito orgulho de ser indígena, apesar de viver no espaço urbano”, diz Carolina Potiguara.

    Sandra Guaraní só vê na cidade vantagem pelo lado do estudo. “Nossos costumes têm muito a ver com a natureza, e por isso aqui entro em conflito comigo mesma. Não tenho terra, ar… Dentro de casa vou fazer meu ritual com quem? É um lugar pequeno, e tudo tem regras”, acrescenta. Sua permanência só ganha sentido pelo desejo de fazer mestrado no próximo ano.

    Claro que, além da sobrevivência e da formação acadêmica, há outros incentivos para ficar na cidade. Entre eles, o desejo de derrubar na sociedade o velho estereótipo do índio como ser preguiçoso e selvagem; de mostrar ao branco seu conceito particular sobre a Terra e, acima de tudo, de recontar sua história a partir da visão dos vencidos: indígenas corajosos que, a cada dia de vida, conseguem mais uma vitória.

    “Vivo aqui não por mim, mas por meus pais, que estão lá, meus irmãos, meus sobrinhos… todo mundo da minha aldeia. É doloroso não conviver com eles, mas sei que estou fazendo algo grandioso: ensinar às pessoas da cidade coisas que nunca saberiam se eu não estivesse aqui”, argumenta X’maya Kaká Fulni-ô.

    Seu sonho? Plantar uma semente na cabeça das pessoas para que cresçam com uma consciência de respeito em relação aos povos indígenas e entendam sua forma de pensar e seus valores diferentes. Também, segundo este índio pernambucano, para que descubram que tudo que o Governo lhes contou quando eram pequenos era “mentira”.

    “Recontar a história do índio. Os meios de comunicação e os intelectuais do nosso país sempre queimaram nossa história, mas hoje podemos sair da aldeia para falar da nossa cultura com nossa própria voz. Na minha opinião, o Brasil tem uma grande herança e uma grande dívida conosco, os índios”, declara.

    Tem a mesma opinião Carlos Tukano (seu nome indígena é Doethyró), cacique do coletivo Aldeia Maracanã: “Hoje estou falando para o Brasil e para o mundo sem nenhum intermediário: já sei falar português. Então, essa tem sido minha luta. Nós índios somos vistos como pessoas sem nenhuma autoridade. Hoje digo ao Brasil e ao mundo: somos capazes, somos inteligentes e, acima de tudo, somos seres humanos".

    * No último dia 21 de outubro, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Defensoria Pública da União de São Paulo (DPU-SP) realizaram, no auditório da DPU, o seminário “Povos Indígenas em Contexto Urbano: por uma sociedade do Bem Viver”. Com a presença de lideranças indígenas de diversos povos e entidades apoiadoras, o evento teve como objetivo principal discutir os problemas enfrentados, suas soluções e o acesso à Justiça no âmbito dos direitos dessa parcela da população. 

    Foto: Rafael Nakamura (Centro de Trabalho Indigenista – CTI)

     

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