• 21/10/2015

    “O meu povo está sofrendo genocídio no Brasil”, afirmou líder indígena em audiência na OEA

    Organizações da sociedade civil cobraram a responsabilidade do Estado brasileiro sobre o massacre de indígenas durante uma audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA). A atividade ocorreu nesta terça-feira (20), em Washington, nos Estados Unidos.

    As entidades tiveram o objetivo de apontar o Estado como conivente com a morte dos povos indígenas. Apenas em 2014, o Relatório Violência Contra os Povos Indígenasdados de 2014, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), registrou 138 assassinatos e 135 casos de suicídios.

    O Cimi também registrou, no ano passado, 118 casos de omissão e morosidade na regulamentação de terras indígenas. No Pará, estado com o maior número de casos, o não reconhecimento destas terras tradicionais está diretamente ligado às intenções do governo federal em construir grandes hidrelétricas, como é o caso da usina São Luiz do Tapajós.

    Genocídio

    “O meu povo está sofrendo genocídio no Brasil. A demarcação das nossas terras continua paralisada pelo Estado brasileiro. Fazendeiros atacam nossas comunidades com milícias fortemente armadas. A nossa sobrevivência enquanto povo e do nosso bem viver está ameaçada”, afirmou Eliseu Lopes, líder Guarani-Kaiowá, na audiência. “Imploramos aos comissionados que pressionem o Estado brasileiro a demarcar nossas terras”, conclui em sua intervenção.

    Lindomar Terena, membro do conselho do povo Terena, declarou que “a opção política do governo brasileiro se manifesta também pelo incentivo à expansão do agronegócio no país". "Essa expansão do agronegócio ocorre também sobre os nossos territórios tradicionais”, disse.

    Ele ainda denunciou a atuação de milícias armadas contra os povos indígenas. “Somente contra os Guarani-Kaiowá foram 15 ataques paramilitares nos últimos dois meses”, apontou, completando que também sofrem fortes ataques os Pataxó, na Bahia, e povos do Maranhão, “que veem suas terras queimadas e devastadas por madeireiros”. “Não vemos iniciativas do governo brasileiro em investigar e punir essas milícias”, protestou.

    Solicitando a presença da Comissão Interamericana de Direitos Humanos na mediação dos conflitos no Brasil, a juíza da Associação Juízes para a Democracia (AJD), Kenarik Boujikian, afirmou emocionada: “Nós estamos falando de crianças na beira das estradas, de jovens se suicidando. Estamos falando de fome! Por isso nós pedimos a presença da comissão no Mato Grosso do Sul”.

    Outra pauta trazida pelos indígenas foi o boicote aos produtos dos latifundiários sul-matogrossenses, como a soja, o arroz, a carne, entre outros. “Pedimos o apoio ao boicote de importação de produtos agrícolas oriundos do estado do Mato Grosso do Sul. Esses produtos estão manchados com o sangue indígena. Não compre, não consuma”, defendeu Lindomar Terena.

    Resposta do Estado

    Os representantes do Estado brasileiro responderam que “apesar da maioria das terras indígenas já terem sido demarcadas, há ainda áreas que não o foram. Principalmente territórios de ocupação mais antiga, como os do Mato Grosso do Sul”. Eles explicaram a dificuldade no processo de demarcação devido ao fato de muitos fazendeiros possuírem títulos de domínio do território regularmente expedidos pelo poder público.

    Ainda foi informado pelo Estado que estão sendo elaborados estudos pelo Ministério da Justiça sobre a situação, que serão apresentados no próximo mês de dezembro com as propostas de soluções. Mesas de diálogo específicas para cada estado do país também foram criadas pelo governo.

    A disputa pelo território foi apresentada e reconhecida como a principal causa dos conflitos entre fazendeiros e indígenas pelos representantes do Estado brasileiro. Também foi acrescentado que os suicídios dos jovens estão relacionados ao problema fundiário.

    Judiciário e Legislativo

    As entidades denunciaram a atuação dos poderes da República contra a causa indígena. O Judiciário, nas recentes decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), anularam atos administrativos do Poder Executivo sobre demarcação das terras indígenas Guyrarokpá (do povo Guarani-Kaiowá) e Limão Verde (dos Terena), no Mato Grosso do Sul, e Porquinhos (dos povos Canela-Apãniekra), no Maranhão.

    Sobre os direitos indígenas, o Legislativo, por sua vez, segue com projetos como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar terras indígenas, titular territórios quilombolas e criar unidades de conservação ambiental, além do Projeto de Lei 1610/96, que permite a exploração mineral em terras indígenas.  

    Para a advogada Raphaela Lopes, da Justiça Global, a audiência foi um momento para mostrar as violências que o Estado brasileiro, muitas vezes em associação com entes privados, tem cometido contra o direito à terra e ao território de grupos indígenas e comunidades.

    "A paralisação nos processos demarcatórios de terras indígenas é um elemento crucial na perpetração de ofensas contra a vida e integridade física e psicológica de povos indígenas. O Estado brasileiro precisa ser responsabilizado", disse.

    O pedido da audiência foi feito pela Associação Comunitária dos Moradores do Pequiá (ACMP), Associação Juízes para a Democracia (AJD), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rede de Ação e Informação “Alimentação Primeiro” (Fian), Federación Internacional de Derechos Humanos (Fidh), International Alliance of Inhabitants (IAI), Justiça Global, Justiça nos Trilhos, Plataforma Dhesca e Vivat International.

    Segundo Cleber Buzzato, secretário executivo do Cimi, o recurso junto a OEA busca chamar a atenção deste organismo internacional para a violência contra os povos indígenas e que ele possa identificar a responsabilidade do Estado brasileiro quanto a esta situação.

    “Denunciamos o alto índice de assassinatos, suicídios, a paralisação de demarcação das terras indígenas, invasões, ataques paramilitares contra os direitos fundamentais dos povos indígenas que se dão em função dos interesses financeiros de grandes corporações empresariais, muitas delas multinacionais do agronegócio e da mineração, que atuam para ampliar a invasão e exploração das terra indígenas”, pontuou.

    Acesse aqui as declarações de Cleber Buzatto, Eliseu Lopes Guarani-Kaiowá e Lindomar Terena na audiência da CIDH/OEA

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  • 21/10/2015

    Cimi lança Relatório de Violência hoje (21), às 14h30, em Washington, nos Estados Unidos

    Hoje (21), às 14h30 (horário de Brasília), na sala de conferências do Center for International Environmental Law, na sede da organização Amazon Watch, em Washington DC, capital dos Estados Unidos, será lançada a versão em inglês do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2014, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O objetivo deste evento é denunciar o grave aumento da violência e das violações de direitos dos indígenas em todo o país e, em especial, a situação de extrema barbárie e crise humanitária que o povo Guarani-Kaiowá enfrenta no Mato Grosso do Sul. Além da presença de Eliseu Lopes, liderança do povo Guarani-Kaiowá, Lindomar Ferreira, liderança do povo Terena, e Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi, também estarão presentes indígenas equatorianos, que darão testemunhos da situação no Equador. Em parceria com as organizações  Justiça Global, Justiça nos Trilhos e Amazon Watch, o lançamento conta com o apoio da União Européia.  

     

    Apenas em 2014 o Relatório registrou 138 casos de assassinatos e 135 casos de suicídios, sendo que destes 41 assassinatos e 48 suicídios aconteceram no Mato Grosso do Sul. Os dados também revelam um severo aumento das mortes por desassistência à saúde, mortalidade na infância, invasões possessórias e exploração ilegal de recursos naturais e de omissão e morosidade na regularização das terras indígenas.

     

    No mês passado, em sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, na Suíça, Eliseu afirmou que o seu povo está cansado de esperar e que já não consegue mais acreditar na vontade do Estado brasileiro de resolver efetiva e definitivamente a cruel situação vivida por eles.

     

    Segundo ele, é importante mostrar ao mundo a realidade de como os povos indígenas são tratados no Brasil. “Meu povo está morrendo, está sofrendo, todos os dias, ataques e massacres… mas o governo brasileiro não apresenta nenhuma solução. É porque a demarcação das nossas terras foi paralisada que a violência, o estupro e a tortura feita por capangas e pistoleiros da região aumentam. O governo defende o interesse das grandes empresas e dos grandes fazendeiros da cana, eucalipto, soja, milho e do gado. Eles lucram muito, enquanto nós estamos morrendo”, declarou ele.

     

    Conflitos iminentes

     

    Ontem (20) mesmo, o Batalhão de Choque da Polícia Militar chegou ao município de Antônio João, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, com o objetivo de cumprir ordem de despejo do tekoha (lugar onde se é) Ñanderu Marangatu. O despejo foi ordenado pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), desembargador Fábio Prieto de Souza, que negou o pedido da Fundação Nacional do Índio (Funai). O conflito entre militares e o povo Guarani-Kaiowá era iminente. Ontem à noite, o Supremo Tribunal Federal (STF) cancelou a reintegração de posse conforme a Suspensão de Liminar no 926. No entanto, a comunidade do tekoha Guaiviry continua ameaçada por uma ordem de despejo que pode ser efetuado a qualquer momento.

     

    Denúncia internacional

     

    Na tarde de ontem (20), Eliseu Lopes, Lindomar Terena e Cleber Buzatto participaram de uma audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), sobre o aumento da violência e das severas violações de direitos dos povos indígenas. Dentre outras, foram denunciadas a paralisação na demarcação das terras indígenas e a formação de milícias armadas, organizadas por fazendeiros, para atacar comunidades, em todo país.

     

    Na ocasião, eles aproveitaram a oportunidade para divulgar a campanha pelo boicote à importação de produtos agrícolas oriundos do estado do Mato Grosso do Sul que são produzidos em terras tradicionais indígenas.

     

    Com 45 mil pessoas, os Guarani-Kaiowá são a 2ª maior população indígena do Brasil e ocupam apenas 30 mil hectares de suas terras tradicionais. De acordo com dados do governo federal, se todas as áreas reivindicadas por eles como territórios indígenas forem demarcadas elas representam cerca de apenas 2% da área total do estado. Por outro lado, o Mato Grosso do Sul tem 23 milhões de bovinos, que ocupam 23 milhões de hectares de terra.

     

    Acesse aqui o release em português

     

    Acesse aqui a versão em inglês do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados 2014

     

    Acesse aqui as declarações de Cleber Buzatto, Eliseu Lopes Guarani-Kaiowá e Lindomar Terena na audiência da CIDH/OEA

     

    Mais informações, com assessoria de imprensa do Cimi:

     

    Patrícia Bonilha – 55 61 9979-7059

     

     

     

    Acesse aqui a versão em português do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados 2014

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  • 20/10/2015

    Tropa de Choque chega a Antônio João (MS); conflito entre indígenas e polícia é iminente

    Cerca de mil indígenas Guarani e Kaiowá do tekoha (lugar onde se é) Ñanderu Marangatu estão ameaçados de despejo no município de Antônio João, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Nesta terça-feira (20), o Batalhão de Choque da Polícia Militar chegou à cidade. A reintegração deverá iniciar amanhã (21). O risco de conflito é iminente.

     

    O despejo foi ordenado pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), desembargador Fábio Prieto de Souza, que negou o pedido da Fundação Nacional do Índio (Funai), mantendo liminar da 1ª Vara Federal de Ponta Porã e determinando a desocupação da área.

     

    A situação é tensa. Em carta, os Guarani e Kaiowá convocaram "todos os guerreiros para resistir e lutar", e afirmam estar prontos para "morrer pela nossa terra". Segundo apuração do jornal local Midiamax, os próprios militares acreditam que pode ocorrer conflito entre os militares e os indígenas, na medida em que os Kaiowá e Guarani pretendem permanecer na área, mesmo com a decisão judicial.

     

    A reintegração é comandada pela Polícia Federal, segundo informações do Comando de Polícia Especializada (CPE) apuradas pelo Midiamax. Força Nacional, Exército, Polícia Rodoviária Estadual, além do Batalhão de Choque da Polícia Militar, compõem o efetivo que, até sábado (26), pretende concluir o despejo.

     

    Conflito

     

    No dia 22 de agosto, cerca de 500 indígenas iniciaram a retomada de cinco fazendas que incidem sobre o território tradicional de Ñanderu Marangatu. A resposta dos proprietários das fazendas foi brutal. Armados, e sob ordem de uma fazendeira local, Roseli Maria Ruiz Silva, atacaram brutalmente os indígenas, culminando na morte de Semião Vilhalva, jovem Kaiowá de 24 anos, com um tiro na cabeça.

     

    "A morte do Semião seria em vão, se a gente for sair e deixar os fazendeiros", conta uma das lideranças da retomada. "Se vierem pra cima de nós, nós vamos enfrentar. Nós temos nossa estratégia e não vamos sair".

     

    A liderança afirma que ao menos dois helicópteros sobrevoaram a área nesta terça-feira, 20. Moradores de Antônio João também viram a chegada do Batalhão de Choque da Polícia Militar, vindo de Campo Grande para compor o efetivo policial do despejo.

     

    Terra homologada

     

    Em novembro de 1983, Marçal de Souza Tupã-Y foi assassinado nas imediações de Ñanderu Marangatu. Em dezembro de 2005, o indígena Durvalino Rocha foi assassinado por jagunços contratados por fazendeiros da região.

     

    A Terra Indígena Ñanderu Marangatu foi homologada pela presidência da República em 2005. No entanto, um mandado de segurança do Supremo Tribunal Federal (STF), de autoria do ministro Nelson Jobim, suspendeu os efeitos da homologação. Até as retomadas de agosto, os mil indígenas viviam em cerca de 330 hectares de terra – pouco mais de 3% dos 9,3 mil hectares delimitados originalmente pelo governo.

     

    Parte das fazendas que incidem sobre Ñanderu Marangatu são de propriedade da família do falecido pecuarista Pio Silva, ex-prefeito de Antônio João e, segundo os Kaiowá e Guarani, um dos responsáveis pela expulsão dos indígenas daquele tekoha, na década de 50. Roseli Ruiz, proprietária de uma das fazendas, presidente do sindicato rural de Antônio João e principal interlocutora dos fazendeiros, é viúva de Pio. Foi na fazenda de seu cunhado que Semião foi assassinado.

     

     

    Foto: Marcha no aniversário de 20 anos de Marçal Aquino, em Ñanderu Marangatú (Arquivo Cimi)

     

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  • 20/10/2015

    Carta do Povo Kinikinau ao Estado Brasileiro

    IPUXOWOKU HOU KOINUKUNOE

    Conselho do Povo Kinikinau

    Carta do Povo Kinikinau ao Estado Brasileiro: pelo respeito a nossos direitos e pela identificação de nossos territórios tradicionais

    2ª. Assembleia do Povo Kinikinau

    Aldeia Terena de Cabeceira – Nioaque

    15 a 18 de outubro de 2015

    Para:

    Dra. Débora Duprat – Sexta Câmara – Ministério Público Federal.

    Dr. José Eduardo Cardozo – Ministério da Justiça.

    Dr. João Pedro Gonçalves da Costa – Fundação Nacional do Índio – Nacional.

    Dr. Emerson Calil – Ministério Público Federal.

    Sr. Evair Borges – Fundação Nacional do Índio – MS.

    … houve tempo que ninguém mais falava em nossa existência, mas entre nós sempre soubemos de nossa origem…

    – Estamos aqui!

    Queremos dizer primeiramente para os senhores e senhoras:

    Que nosso povo existe,

    Que estamos organizados,

    Que temos nosso conselho originário do povo Kinikinau, prova viva de nossa existência,

    Que estamos articulados com os outros conselhos dos povos do MS,

    Que o Estado Brasileiro tem uma dívida impagável para com o nosso povo,

    Que exigimos nossos direitos previstos na Constituição Brasileira de 1988 e que queremos de volta nosso território!

    Nós, Povo Kinikinau, para nós Koinukunoen, ainda sem a posse de nosso território tradicional, reunidos na Aldeia Terena Cabeceira, terra indígena Nioaque, Povo Kinikinau, unidos a representantes e lideranças do Povo Terena e do Grande Conselho do Povo Terena e a representantes e lideranças do Povo Guarani e Kaiowá e do Grande Conselho Aty Guasu, viemos a público expor nossa situação e reivindicar o cumprimento e a garantia dos nossos direitos.

    Um breve histórico de nossa situação:

    Nós Koinukinoen somos um povo originário de um território que conhecemos bem e sabemos onde está localizado. Vivemos durante séculos em nossos territórios e cultivamos junto a nossas terras e nosso povo, nossa língua, costumes, história e organização própria. Até hoje trazemos conosco a nossa cultura, que será sempre entregue como bagagem de nascimento para todas as nossas futuras gerações.

    Infelizmente por força de políticas de redução e exploração territoriais executadas pelo Estado brasileiro e por conta de uma onda de perseguições de fazendeiros, posseiros e invasores, foi decretado ao nosso povo no Mato Grosso do Sul, o peso inimaginável de mais de cinco séculos de dispersões forçadas, o retalhamento de nossas famílias e o desmembramento total de nossos territórios.

    Quando em 1940, após muitos deslocamentos forçados, um pequeno grupo de nosso povo fixou-se na aldeia de São João em terras pertencentes ao Povo Kadiwéu, muitos estragos já haviam sido causados a outros grupos Kinikinau. Pelas mãos do Estado fomos expulsos de nossas terras tradicionais, acabamos por ter de viver de uma espécie de “empréstimos territoriais”, sendo acolhidos por solidariedade em meio a terras e grupos indígenas Terena. Assim, nós, os Kinikinau fomos transformados pelo Estado em um povo “forasteiro”.

    Até hoje, nós sofremos violência física e psicológica constantes em alguns dos territórios que ocupamos. Por conta das políticas do Estado, que deixaram nossas terras na mão dos invasores, vivemos até hoje como um povo que “vive de favor” entre outros povos indígenas. Jamais conseguimos nos enraizar de maneira plena, sendo por vezes nossos membros menosprezados por alguns ocupantes tradicionais destas terras. A própria natureza das negociações entre órgãos governamentais, em especial o SPI nos deixou este triste legado.

    Tivemos negado nosso reconhecimento étnico pelos próprios órgãos indigenistas oficiais (Serviço de Proteção ao Índio – SPI e depois pela Fundação Nacional do Índio – Funai). Como se não bastassem as perseguições e mitigações físicas, tivemos de enfrentar o peso da invisibilidade uma vez que de maneira intencional deixaram de constar referenciais de nossa etnia nos documentos oficiais.

    Tivemos de trocar nossos sobrenomes retirando dos documentos e registros, as referências que nos identificavam como pertencentes à etnia Kinikinau. Assumimos de maneira forçada, identidades alheias e impróprios destinos. Fomos considerados subgrupo Terena por muitos anos e passamos a viver nas sombras de outros povos em aparente silêncio. Silêncio apenas para quem nos viu de fora, porque nunca esquecemos de quem somos e nem de sentir o que é ser Kinikinau. Dentro de cada um e cada uma, em cada peito, permanecemos cultivando todos os dias nossa tradição e sabedoria e nossos anciões repassaram dia após dia para nossos filhos os ensinamentos e cultura de nosso próprio povo. Os anciãos sabiam que cedo ou tarde chegaria o dia do novo despertar e por esforço próprio de nosso povo decidimos que é hora de encaminharmos contra os malefícios de mais de um século de opressões e dispersões.

    Diante o exposto levamos ao conhecimento dos senhores e senhoras, e através de vocês ao Estado brasileiro, os encaminhamentos de nossa 2ª. Assembleia, nossas exigências e reivindicações:

    Encaminhamentos:

    Decidimos através de nossa Segunda Assembleia que para a continuidade dos trabalhos do Conselho do Povo Kinikinau, organização tradicional do povo Kinikinau, formado por nossas lideranças tradicionais com fundamento nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, que representa nosso povo judicial e extrajudicialmente, defende nossos direitos e garantias fundamentais, atuando de modo integrado à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, foram referendados e acolhidos os seguintes representantes: Nicolau Flores, Rosangela Matos, Flaviana Roberto Fernandes, Albino Pereira Cece, Joel Marques, Zeferino Albuquerque, Geltrudes Anastácio Rosa, Genilson Roberto Flores, Rosaldo de Albuquerque Souza, Edina Marques da Silva, Inácio Roberto.

    Exigimos a presença integral de pessoas com capacidade de decisão da Funai e Sesai em nossas assembleias como mínima demonstração de retratação histórica e de respeito pelo nosso povo.

    Exigimos e reivindicamos:

    – Que a Funai reconheça oficialmente e de imediato o Conselho Kinikinau como instrumento legítimo do nosso povo na interlocução junto ao Estado e Governos Brasileiros. Que as decisões deste conselho sejam respeitadas e que as demandas entregues por este conselho sejam garantidas.

    – Que a Funai respeite nosso povo e que de imediato faça constar em seu planejamento, com orçamento e previsão de estruturas necessárias, as agendas originárias de nosso povo, nossas reuniões, assembleias, encontros e atividades.

    – Que de imediato seja constituído grupo de trabalho para identificação, reconhecimento e delimitação de nossos territórios tradicionais, acabando assim com o peso deste descaminho histórico. Nossos idosos e lideranças sabem onde estes territórios estão localizados. Lembramos aqui que no dia 13/08/2015 já foi entregue por lideranças nosso documento exigindo esta mesma demanda para o senhor Presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, do qual nem sequer tivemos ainda mínima resposta.

    – Que seja assegurado ao nosso povo medidas efetivas de segurança nos atuais territórios que ocupamos, como por exemplo, a terra indígena São João. Que estas políticas sirvam para diminuir e impor os conflitos com outros povos ocupantes destes territórios, uma vez que estes infortúnios e problemas foram causados pelas próprias políticas de ESTADO onde para garantir o esbulho e exploração de nossos territórios originários nos deixaram como um povo que “vive de favor” em territórios alheios.

    – Neste sentido, baseado nas demandas acima listadas solicitamos urgentemente, uma reunião/audiência entre representantes de nosso Conselho, a 6ª. Câmara/MPF, presidente da Funai, Ministério da Justiça, com acompanhamento de órgãos e secretarias defensoras dos Direitos Humanos, para tratarmos de nossas demandas territoriais e de segurança.

    – Exigimos ainda que a Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Ministério Público Federal (MPF), órgãos e secretarias responsáveis pela educação em todas as esferas, atendam o Povo Kinikinau respeitando nossas especificidades, organização e decisões internas, observando os princípios da consulta e consentimento prévio, livre e informado; o princípio da identidade cultural; princípio de nossa autodeterminação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

    – Exigimos que de forma imediata passem a constar nos documentos de identificação-étnica, da Funai ou civil, referências a nossa etnia Kinikinau quando solicitado por membros de nosso povo. No caso de documentos de pessoas já registradas como outra etnia, práticas de violação do próprio Estado Brasileiro, que os documentos possam ser revistos.

    Aldeia Cabeceira, 18 de outubro de 2015.

    Koinukunoen, despertando para os seus direitos!

    Nós estamos aqui!

    Se mais, assinam abaixo os representantes do conselho Kinikinau, bem como representantes e lideranças do povo e Conselho Terena e do povo e Conselho Guarani e Kaiowá (Aty Guasu)

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  • 20/10/2015

    Denúncia à OEA: Declarações feitas por ocasião da Audiência “Denúncias Sobre Violências Contra Povos Indígenas no Brasil”

    Declaração de Eliseu Lopes – Povo Guarani-Kaiowá

    Meu nome é Eliseu Lopes. Sou membro do Conselho da Aty Guassu, Grande Assembleia do Povo Guarani-Kaiowá e do Conselho Continental Da Nação Guarani (CCNAGUA). Agradecido pela audiência, início minha fala fazendo memória e homenageando o líder Simeão Vilhalva, assassinado no último dia 29 de agosto, no Tekohá Nhanderú Marangatu.

    Senhores e senhoras comissionadas. Denuncio a vocês que meu povo, Guarani e Kaiowá, está sofrendo processo de genocídio no Brasil. Somos mais de 45 mil pessoas e ocupamos apenas 35 mil hectares de nosso território sagrado. O espaço de terra ocupado é insuficiente para a sobrevivência física e cultural de nosso povo. Pela falta de perspectiva de futuro, pelos conflitos decorrentes da insuficiência de terra e da luta pela mesma, nos últimos 15 anos, ao menos 707 pessoas provocaram a própria morte, enquanto que, nos últimos 12 anos, 390 Guarani e Kaiowá foram assassinados no estado do Mato Grosso do Sul.

    A demarcação de nossas terras continua paralisada por parte do Estado brasileiro. Fazendeiros estão atacando nossas comunidades por meio de milícias fortemente armadas. Foi num desses ataques paramilitares comandados por fazendeiros que nosso líder Simeão foi assassinado covardemente com um tiro no rosto, enquanto procurava o próprio filho de 04 anos. Além disso, como resultado desses ataques, dezenas de nossas crianças, mulheres, idosos e lideranças foram agredidas, baleadas, torturadas, dois jovens continuam desaparecidos e comunidades inteiras foram despejadas violenta e extrajudicialmente de nossos Tekohá. Nós Guarani-Kaiowá não temos ainda do governo uma decisão de resolver definitivamente, de uma vez por todas, a Demarcação de nossas Terras para nossa sobrevivência enquanto povo e a vivência do nosso “bem Viver´´.

    Imploramos apoio dos senhores comissionados a fim de que o Estado brasileiro reconheça e demarque nossas terras e, assim, possamos superar esta situação profundamente triste que vivemos.

    Washington, 20 de outubro de 2015.

    Eliseu Lopes Guarani Kaiowá

    Conselho da Aty Guassu

    Conselho Continental Da Nação Guarani (CCNAGUA).

    Declaração de Lindomar Ferreira – Povo Terena

    Meu nome é Lindomar Terena. Sou membro do Conselho do Povo Terena e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Agradecido pela concessão desta audiência, informo ainda que a opção política do governo brasileiro se manifesta também por meio do incentivo à expansão do agronegócio no país. Incentivo esse que se concretiza, dentre outras iniciativas, pela disponibilização, a juros subsidiados, de 187 bilhões de Reais para o setor, somente no plano safra 2014/2015. Esta expansão do agronegócio, em muitos casos, ocorre exatamente sobre nossos territórios tradicionais.

    Preocupados, reforçamos a informação de que, nos últimos meses, fazendeiros estão organizando e comandando milícias armadas e praticando ataques contra comunidades indígenas em várias regiões do país. A situação mais grave ocorre com os Guarani-Kaiowá contra os quais foram praticados ao menos 15 ataques paramilitares nos últimos dois meses. Há registros também contra outros povos, como por exemplo, os Pataxó, no estado da Bahia, e povos do estado do Maranhão, que veem suas terras sendo devastadas e queimadas pela ação criminosa de madeireiros. Não observamos iniciativas concretas do governo brasileiro para identificar e punir os responsáveis pela organização e comando dessas milícias. Elas continuam atuando livremente.

    No Mato Grosso do Sul, nossos territórios continuam sendo exaustivamente explorados com a criação de gado e plantações de soja e cana-de-açúcar, cujos produtos destinam-se fundamentalmente à exportação. Como medida para superação deste quadro lastimável, iniciamos e pedimos o apoio à campanha pelo boicote à importação de produtos agrícolas oriundos do estado do Mato Grosso do Sul. A carne, a soja, o açúcar, o álcool combustível produzidos no Mato Grosso do Sul estão manchados com sangue indígena. Não compre, não consuma.

    Washington, 20 de outubro de 2015.

    Lindomar Terena

    Conselho do Povo Terena

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

    Recomendações dos Povos Indígenas:

    – Que o governo brasileiro dê seguimento regular aos procedimentos de demarcação das terras indígenas e atue na fiscalização e proteção dos territórios demarcados.

    – Que o Congresso Nacional rejeite as proposições legislativas que atentam contra os direitos fundamentais dos povos indígenas.

    – Que o Supremo Tribunal Federal (STF) reveja as decisões que anularam atos administrativos de demarcação de terras indígenas.

    – Que a impunidade dos agressores dos povos indígenas seja superada pelo Estado brasileiro.

    – Que o governo brasileiro fortaleça o órgão indigenista e o Programa de Defensores de Direitos Humanos a fim de que sejam efetivos na proteção e promoção do direito de lideranças e comunidades indígenas no Brasil.

    – Que os acordos comerciais de empresas multinacionais, de importação e de bancos de investimentos relativos ao estado do Mato Grosso do Sul sejam condicionados à demarcação e devolução das terras tradicionais aos respectivos povos indígenas naquele estado.

    Declaração de Cleber César Buzatto, Secretário Executivo do Cimi – Conselho Indigenista Missionário

    Meu nome é Cleber Buzatto, sou Secretário Executivo do Cimi, Conselho Indigenista Missionário, em nome de quem agradeço a oportunidade desta audiência. Em memória a três crianças do povo Kaingang mortas por atropelamento nesta segunda-feira, 19, informo que os povos indígenas estão sendo atacados sistematicamente e sofrem intenso processo de violências e violações no Brasil.

    O Poder Executivo tem responsabilidade direta nesse processo, pois não dá seguimento regular aos procedimentos de demarcação das terras indígenas, é omisso quanto à proteção das terras demarcadas e negligencia quanto ao atendimento à saúde dos povos. Além disso, com número de pessoal e orçamento muito reduzidos, a Funai não responde adequadamente suas responsabilidades institucionais. A Polícia Federal é ágil para promover reintegrações de posse, como as que estão agendadas para esta semana contra comunidades do povo Guarani-Kaiowá, porém não investiga e não identifica os autores de crimes cometidos contra lideranças indígenas. A impunidade retroalimenta a violência contra os povos.

    No Congresso Nacional, parlamentares representantes de interesses financeiros de grandes corporações empresarias, muitas delas multinacionais do agronegócio, da mineração, de infraestrutura, atuam para aprovar proposições legislativas que atentam contra os direitos fundamentais dos povos originários. É o caso, por exemplo, da Proposta de Emenda Constitucional 215/2000, em votação nesta terça-feira, 20, e do Projeto de Lei 1610/96, dentre outros. Parlamentares ruralistas fazem discursos de incitação ao ódio e à violência contra os povos em várias regiões do país.

    No Judiciário, atos administrativos, inclusive procedimentos já finalizados de demarcação de terras indígenas são anulados com base numa reinterpretação extremamente restritiva quanto ao conceito de “terra tradicionalmente ocupada”. O fato, cuja origem remete a decisões da 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), generaliza a instabilidade jurídica das terras indígenas, o que potencializa a preocupação e a angústia dos povos e seus aliados do país.

    Com tudo isso, em 2014, os assassinatos de lideranças indígenas aumentaram para 138, os óbitos por lesões autoprovocadas subiram para 135, as mortes na infância alcançaram 785 crianças, a omissão e morosidade na demarcação de terras chegou a 108 situações e as invasões possessórias e exploração ilegal de recursos naturais nas terras indígenas chegaram a 84 casos.  Estes e outros tipos de violência estão registrados no Relatório “Violências Contra os povos Indígenas no Brasil, dados de 2014” produzido pelo Cimi, que disponibilizamos, nesta audiência, aos senhores comissionados para conhecimento e providências cabíveis.

    Washington, 20 de outubro de 2015.

    Cleber César Buzatto

    Secretário Executivo do Cimi

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  • 20/10/2015

    Bancos não devem financiar agronegócio em terra indígena sob demarcação

    Justiça nega recurso da Famasul e reforça validade de Recomendação da Procuradoria da República de Dourados, em defesa dos direitos indígenas, que alerta a bancos que o financiamento público nessas áreas pode causar danos aos cofres públicos

    A Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso do Sul (Famasul) teve negado, mais uma vez, pedido de antecipação de tutela para que o Ministério Público Federal (MPF) pare de recomendar a instituições bancárias a não liberação de financiamento público às atividades de agronegócio em terras indígenas que estão em processo de demarcação. A entidade também solicitava que o MPF informasse aos bancos já oficiados as especificações de quais são as áreas sujeitas à demarcação. A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF3) rejeitou os embargos de declaração da entidade, reiterando decisão anterior que, fundamentada nas atribuições legais do MPF, validou a Recomendação nº 9/2010 da Procuradoria da República de Dourados (MS).

    A entidade alegou que a recomendação tem causado “terror” sobre financiamentos agrícolas e ameaça inviabilizar o empreendimento do agronegócio no estado. Para a 2ª Turma do TRF3, entretanto, o conflito agrário na região constitui fato notório, não havendo como pressupor que a recomendação inviabilizará a atividade agrícola, pois não há impedimento à concessão de empréstimos, mas diretrizes a serem adotadas por parte dos bancos que lidam com recursos públicos.

    Na recomendação, o MPF alerta as instituições bancárias que a concessão de financiamentos públicos, com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco do Brasil, poderia acarretar lesão aos cofres públicos, uma vez que as terras em processo de demarcação servem como garantia dos empréstimos concedidos.

    O pedido de antecipação de tutela foi negado em primeira instância e a Famasul recorreu. O relator monocraticamente concedeu parcial provimento ao pedido da Federação, determinando que o procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida, que expediu as recomendações, enviasse novos ofícios especificando as terras sujeitas a demarcação.

    A Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR3) se manifestou pela improcedência do recurso da Famasul, afirmando que a recomendação se insere no âmbito do dever constitucional do MPF de proteger os direitos e interesses das populações indígenas e também o erário, que, de acordo com a PRR3, “poderá ser afetado caso sejam concedidos financiamentos a empreendimentos que se utilizem de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, seja como garantia real do empréstimo, seja para outra finalidade”.

    Ratificando esse argumento, a 2ª Turma do TRF3 também ressaltou que o ato do procurador “se insere no âmbito das atribuições constitucionais e legais previstas para a proteção do interesse público”. Já em relação ao pedido de envio de novos ofícios, a turma considerou que a recomendação “é explícita no sentido de não abranger todos os produtores agrícolas, indistintamente, mas tão somente aqueles que estejam exercendo atividades em áreas tidas como indígenas”.

    O colegiado do TRF3 considerou ainda que, nesta fase preliminar do processo, a entidade não conseguiu comprovar que as áreas mencionadas na recomendação abrangeriam propriedades rurais não vinculadas ao processo demarcatório indígena. Assim, por unanimidade, a turma denegou completamente o pedido de antecipação de tutela, mantendo a decisão de primeira instância. A Famasul, no entanto, já recorreu ao STJ, mas o recurso ainda não foi julgado.

    Referência processual no TRF-3:2011.03.00.021275-8

    Clique aqui para ler a decisão.

    Assessoria de Comunicação Social

    Procuradoria Regional da República da 3ª Região

    Fones: (11) 2192 8620/8766/8925 e (11) 99167 3346

    prr3-ascom@mpf.mp.br

    twitter: @mpf_prr3

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  • 20/10/2015

    Jogos Mundiais Indígenas: promessas não cumpridas

    Na semana da abertura do I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI), Palmas é marcada pela correria e pelos custos adicionais. Ainda está muito vivo na memória das populações das cidades que sediaram os jogos da Copa do Mundo, no ano passado, os transtornos e o festival de obras inacabadas. Tudo indica que desta vez também não será diferente. Obras permanentes prometidas e projetadas, como um museu do índio e uma piscina olímpica, ficaram apenas no imaginário e no desejo da população. Ficam no ar as perguntas: “será que o dinheiro fugiu? algum ralo se abriu? alguma conta bancária engordou?” Ou será que foi mesmo blefe, com total desconsideração para com os povos indígenas e a população de Palmas.

    Apesar deste evento ter sido adiado duas vezes, a infraestrutura, que ficou por conta da prefeitura de Palmas, parece ter sido postergada até os últimos dias antes dos jogos. São melancólicas, para não dizer tétricas, as paisagens do ambiente dos jogos, cheias de tocos de árvores arrancadas, que nada têm a ver com a mensagem de vida e respeito à natureza que os povos indígenas trazem para o mundo e o planeta Terra.

    Nos bastidores

    Começam a circular, no calor de Palmas, (na chegada, o copiloto anunciou que a temperatura na capital do Tocantins era de 42 graus!), as denúncias em relação ao tratamento dispensado aos voluntários indígenas. Segundo essas informações, dos 550 voluntários cadastrados, 250 estão em Palmas. Os depoimentos afirmam que há uma generalizada desorganização e muita falta de atenção e consideração para com os voluntários. Os voluntários atribuem a responsabilidade à prefeitura, que os colocou em local inadequado para hospedagem e não providencia alimentação suficiente.

    “Tem voluntários indígenas que chegaram sem ter pra onde ir e dormir. Eles negaram a estes voluntários que ficassem hospedados com os parentes das delegações que participação dos jogos (que vão ficar numa área restrita que eles, como voluntários, não poderão acessar). E ficam jogando um pra cima do outro, prefeitura, Comitê, PNUD… Só estando aqui para acreditar nisso”. O pessoal da União dos Estudantes Indígenas manifesta sua profunda insatisfação.

     

    Ainda em relação às reclamações em relação ao descaso e ao tratamento que a prefeitura de Palmas dispensou aos voluntários, afirmaram: “Chegamos aqui e a prefeitura [que ficou responsável pela gestão dos recursos do Ministério dos Esportes para aplicar na infraestrutura, inclusive para os voluntários] colocou a gente num camping que não dava para dormir, por causa do intenso calor, sem árvore nenhuma e em cima de asfalto. Não tinha sequer água nos banheiros… Fora a alimentação… Ontem conseguimos ter uma reunião com a secretaria e eles vão dar mais de uma refeição pra gente. Eles disseram que se a gente quisesse mais de uma refeição, a gente teria que trabalhar em mais de um turno. Difícil, né?!”

    Boas Vindas

    Incrivelmente, apesar de todas as denúncias já feitas e da desistência de alguns povos de participar deste evento, o slogan do I JMPI é “Somos todos índios”.

    Até parece que, por encanto, encontramos nossas raízes comuns e nos reconhecemos todos como parentes, irmãos, índios. Quem dera… Quiçá, apesar de todas – ou até mesmo devido – às atuais ameaças físicas e aos direitos constitucionais indígenas, seja esse um momento para iniciarmos um processo de mudança de mentalidade, superando nossos preconceitos, racismo, descolonizando nossas mentes e nosso ser.

    Com os povos indígenas do mundo, façamos a solene declaração do Conselho Mundial dos Povos Indígenas, de 1975:

    “Nós, povos indígenas do mundo, unidos numa grande assembleia de homens sábios, declaramos a todas as nações

    Quando a Terra Mãe era nosso alimento

    Quando a noite escura formava o nosso teto,

    Quando o céu e a lua eram nossos pais,

    Quando todos éramos irmãos e irmãs,

    Quando os nossos caciques e anciões eram grandes líderes,

    Quando justiça dirigia a lei e sua execução,

    Aí, outras civilizações chegaram,

    E mesmo que nosso universo inteiro seja destruído,

    NÓS VIVEREMOS

    Por mais tempo que o império da morte”

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  • 20/10/2015

    O estado atual do massacre étnico no Mato Grosso do Sul

    Cumprimentando-os(as) cordialmente, servidores e servidoras da Fundação Nacional do Índio lotados(as) no Estado do Mato Grosso do Sul, vimos, por meio desta, explicitar nossa indignação frente aos últimos acontecimentos tocantes ao conflito fundiário no MS. Provavelmente, o termo “conflito” não seja o mais apropriado para descrever o que aqui se passa, pois os contornos são de um franco massacre étnico. Como é internacionalmente sabido, a gravidade dos impasses na resolução da situação fundiária no Estado se arrasta há décadas, com alarmante foco na região do Cone-Sul, onde estão as etnias Guarani Ñandeva e Kaiowá, local designado como a Faixa de Gaza brasileira, dado o ultrajante cenário de violação de direitos sofridos por aquelas minorias étnicas.

    No último sábado, vinte e nove de agosto, presenciamos mais um brutal ataque contra os Kaiowá e Ñandeva em processo de retomada de seus territórios tradicionais, no tekoha Ñande Ru Marangatu, localizado no município de Antônio João, área que se encontra homologada desde 2005, com o processo paralisado no STF.

    Conforme relataram os próprios indígenas, por meio de denúncias publicadas na página do Aty Guasu nas redes sociais, o atentado foi orquestrado e executado por lideranças ruralistas do município tendo à frente a Srª Rozeli Ruiz Silva, presidente do Sindicato Rural de Antônio João, esposa do ex-prefeito do município, cuja família é titular de áreas que incidem sobre o território reivindicado pelos indígenas. Rozeli e sua filha, a advogada Luana Ruiz Silva, vêm, há tempos, promovendo uma campanha de calúnias contra os indígenas, à Funai e a organizações indigenistas, culminado agora com a divulgação de boatos que davam conta de que os indígenas tomariam de assalto e ateariam fogo à cidade. Tais absurdas acusações têm o claro propósito de instaurar o pânico e incitar a população de Antônio João contra os Guarani Kaiowá, como se já não fosse suficiente o forte sentimento de preconceito e ódio étnico direcionado aos indígenas na região.

    Tendo sido acompanhado por autoridades políticas estaduais, a investida da parte dos ruralistas resultou em vários indígenas feridos e no óbito de Semião Vilharva, Kaiowá, vinte e quatro anos, atingido na cabeça por projétil de calibre vinte e dois. Contrariando as acusações disseminadas em veículos de mídia locais de que os indígenas estariam armados e até a fantasiosa hipótese de que teriam recebido treinamento em táticas de guerrilha por parte do Exército Popular Paraguaio (EPP), não há relatos de fazendeiros ou capangas que tenham sido feridos. Assim como ocorreu com os assassinatos de Marçal de Souza, morto há trinta e dois anos no mesmo tekoha, da nhandesi (rezadora e líder religiosa) Xurete Lopes, dos irmãos Rolindo e Genivaldo Vera, do cacique Nísio Gomes e de tantas outras lideranças ao longo das últimas décadas, tememos que mais este crime permaneça impune. Lembramos que, embora haja acusações de ambos os lados, havia pessoas armadas, o simples porte de armas é ilegal e já geraria prisão, e mesmo com viaturas e efetivo do DOF, PM e Força Nacional não houve a prisão de nenhum infrator da lei mesmo com vítimas fatais.

    Há cerca de dois meses, ataque semelhante ocorreu contra os indígenas em situação de retomada no tekoha Kurusu Ambá, município de Amambai. Registros audiovisuais mostram fazendeiros arremetendo suas camionetes em direção aos indígenas, com a patente intenção de atropelá-los. O acampamento onde os Kaiowá se encontravam foi totalmente incendiado, dezenas de indígenas foram feridos e duas crianças desapareceram.

    No mesmo dia do ataque, colegas da Coordenação Regional de Ponta Porã, CR à qual são jurisdicionadas as áreas acima mencionadas foram ameaçados por fazendeiros e capangas em frente às suas residências, cena que deixa evidente o quadro de insegurança extrema em que se encontram os(as) servidores(as) do órgão no MS.

    Dias após o atentado, uma viatura da Funai que transportava indígenas ao possível local do desaparecimento das crianças, acompanhada por agentes da Força Nacional, foi truculentamente abordada por fazendeiros e impedida de seguir seu trajeto. Os mesmos agiram com imenso desrespeito frente aos agentes da FN, bradando gritos de “fora”, “saiam da nossa propriedade”, atos que, se oriundos de indivíduos de camadas sociais menos favorecidas, certamente teriam gerado resposta bem mais severa por parte do aparelho de segurança do Estado. O ocorrido pode ser assistido em registro audiovisual feito pelos próprios fazendeiros e publicado na internet.

    Há dois anos, a Coordenação Regional de Campo Grande atravessou situações semelhantes às agora enfrentadas pela CR de Ponta Porã. Durante a execução da reintegração de posse nas fazendas reivindicadas como território tradicional pelos indígenas Terena da TI Buriti, ação executada pela Polícia Federal com o reforço da Polícia Militar, o indígena Oziel Gabriel, trinta e dois anos, foi fatalmente alvejado por projétil de arma de fogo. O uso da força policial na operação foi flagrantemente desproporcional, tendo havido inclusive a detenção de indígenas gestantes, idosos e menores de idade, no momento em que, após a operação, estes tentavam retornar a pé para suas aldeias.

    O corpo de Oziel foi submetido às pressas ao exame de necropsia e, nessa perícia foi apontado que a bala teria atravessado seu corpo, mas, a camisa que Oziel utilizava e que teria comprovado que a bala não teria de fato atravessado seu corpo sumiu. Seu corpo foi embalsamado com tanto formol que destruiu qualquer vestígio que ajudaria numa prova de balística, comprometendo a idoneidade de instituições como o hospital municipal e o instituto médico legal de Sidrolândia que receberam o corpo e deram o tratamento para liberar o corpo para enterro à família em tempo recorde em se tratando de morte por crime violento. Foi solicitado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e por insistência da Presidência da Funai, um perito designado pela Polícia Federal veio diretamente de Brasília para fazer uma necropsia com mais cuidado e mais afinco para que se pudesse apontar o real assassino do Oziel, já que em um caso de uma reintegração de posse tão desastrosa resultando uma morte o Estado deveria se responsabilizar.

    Mas em um processo de mais de 1000 laudas não se aponta culpados. A imprensa local noticiou o caso de forma inteiramente parcial, como de costume, com a franca intenção de culpabilizar e criminalizar os indígenas, atingindo o ápice do desrespeito e desumanidade ao afrontar a família e amigos de Oziel, em pleno velório do mesmo, com uma cópia do mandado de reintegração de posse, apenas para obter mais manchetes desfavoráveis à comunidade e à sua luta pela terra.

    Nos dias subsequentes, outro indígena da comunidade sofreria um atentado à vida. Josiel Gabriel, primo de Oziel, foi alvejado por capangas dos fazendeiros, ficando tetraplégico em decorrência do ferimento. Crime pouco investigado, criminosos impunes.

    Ainda naquele ano, no mês de novembro, a Coordenação Regional passou um dos momentos mais tensos e violentos de sua história. Às oito horas da manhã do dia dezenove, a CR foi invadida por dezenas de ruralistas, em ato orquestrado pela Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de MS). Os fazendeiros ou mais visivelmente, seus empregados, desde o início proferiam diversas ofensas morais e palavras de baixo calão contra as servidoras e servidores, os indígenas e o órgão agindo todo o tempo com a truculência que lhes é habitual, causando inclusive danos materiais ao prédio. Até mesmo insultos de cunho sexual foram proferidos contra as servidoras mulheres que aqui estavam.

    Adotamos postura apaziguadora e urbana, como compete a servidores públicos no exercício de sua função, embora em claro momento de desacato, não obtendo, todavia, o arrefecimento dos ânimos. O andar térreo do prédio foi ocupado e servidores encurralados ao longo de toda a manhã. Um indígena que estava presente foi vítima de uma tentativa de agressão física por parte de um fazendeiro. Contatada, a Polícia Federal alegou que não enviaria efetivo para salvaguardar a integridade física dos servidores, pois se tratava de um “protesto pacífico”. Não foi o que testemunhamos. Apenas dois policiais militares foram deslocados para intervir na situação e quando chegaram ao local, preocuparam-se em ouvir a versão dos invasores em primeiro lugar e solicitaram aos servidores que ficassem calados passivos às agressões.

    Já neste ano, na cidade de Miranda, um fazendeiro e dono de um supermercado local atirou contra o indígena Terena Jolinel Leôncio da Aldeia Mãe Terra, quando este retornava do trabalho na roça junto com seus irmãos.

    Toda essa violência, sob a forma física ou simbólica, já é uma constante em MS. Os métodos de propaganda da elite rural via mídia estendem sua influência hegemônica sobre a opinião de parte da população comum do estado, portanto não proprietária de títulos, que acaba por reproduzir esse discurso de ódio e preconceito aos índios e funcionários de órgãos de estado que trabalham com as populações indígenas, reforçando atitudes que negam direitos originários ao seu território, direitos consagrados nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 e demais direitos de cidadania que lhes são fundamentais.

    A impunidade recorrente sobre tais violências já é tão notória que as redes sociais transbordam de discursos ameaçadores que falam em morte de indígenas, surras a servidores da Funai e do Cimi e seus autores não se preocupam em nenhum momento em esconder seus rostos ou identidades, pois sabem que não haverá nenhuma punição e acham de total legitimidade o que acreditam ser suas meras opiniões, principalmente quando acham que simples fato de declarar que não se trata de “índios mas paraguaios” é argumento legitimo para negar cidadania e dignidade a um ser humano.

    O conjunto de todos os fatos acima narrados, além daqueles que aqui foram omitidos para não nos repetirmos excessivamente, demonstram o quanto a omissão do Estado brasileiro junto a essas populações, associado ao sucateamento e desmonte da estrutura da Funai, deixam os indígenas do Mato Grosso do Sul em situação de extrema vulnerabilidade.

    Essa situação está longe de ser resolvida com uma simples mudança na legislação, com uma reunião ou uma mesa de negociação. A irresponsabilidade de governos de décadas, da falta de estrutura ética e moral dentro dos aparelhos de Estado para lidar com uma diversidade étnica e cultural carente de cidadania em extremo caso de vulnerabilidade social à mercê de graves casos de violência urbana, do tráfico de drogas e tráfico humano nas fronteiras, das mais terríveis mazelas da pobreza e da miséria só vai se resolver com sérios e longos investimentos em programas na infância de crianças que convivem com sangue, suicídio, ódio de classes, fronteiras sem leis de uma comunidade que há várias gerações não tem futuro.

    O esgotamento de todas as instâncias jurídicas, o sucateamento e inércia das instâncias executivas e a morosidade das instâncias legislativas das esferas municipais, estaduais e federais em resolver as mazelas sociais enfrentadas pela segunda maior população indígena da República Federativa Brasileira, em um dos estados que apresenta os maiores índices de homicídio e suicídio das populações indígenas do mundo levará inevitavelmente a um julgamento por crime contra a humanidade em instâncias internacionais, e essa tragédia foi e é anunciada em gritos sufocantes e sufocados pelo movimento indígena, por movimentos sociais criminalizados, e por nós servidores muitas vezes calados pela natureza estatal da Fundação.

    Com profunda tristeza e pesar,

    Servidores da Funai, de Campo Grande – Mato Grosso do Sul

    (seguem-se 16 assinaturas)

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  • 20/10/2015

    Desconhecido invade TI Morro dos Cavalos, dispara em escola e casas e ameaça de morte a cacica Eunice Antunes

    Na madrugada de ontem (19/10) a cacica da comunidade Guarani da Terra Indígena (TI) Morro dos Cavalos, município de Palhoça, em Santa Catarina, sofreu o sexto atentado deste ano. Uma pessoa disparou dez vezes contra a escola e as casas que ficam no seu entorno. Com a arma em uma mão e uma lanterna na outra, o desconhecido cruzou, caminhando, a passarela sobre a BR 101 que corta a terra indígena. Se não bastassem os tiros, gritou palavrões contra os Guarani e prometeu matar a cacica Kerexu Yxapyry (Eunice Antunes).

    Alguns Guarani que moram próximo à escola chegaram a sair de suas casas para ver o que estava acontecendo, e o invasor apontou a lanterna em direção a eles e atirou. Os indígenas, com medo dos disparos, retornaram para suas casas, mas continuaram observando de dentro das mesmas. O invasor, logo depois, desceu em direção ao muro que fica na frente da casa da cacica e foi embora.

    A comunidade se reuniu na parte da manhã e decidiu registrar Boletim de Ocorrência na Polícia Federal.

    Os atentados se tornaram frequentes. Há cerca de três meses os indígenas sofreram várias ameaças, o que fez o Ministério Público Federal (MPF) a solicitar a presença da Polícia Militar através de rondas na aldeia para evitar qualquer violência. No entanto, essas rondas foram paralisada no final do mês de agosto.

    A comunidade indígena está vivendo com medo e insegura e pede para as autoridades competentes que investiguem todos os atos de violência e puna os culpados.

     

    Histórico das violências

    Desde que assumiu o cacicado em 2012, a cacica Eunice e membros da comunidade Guarani de Morro dos Cavalos têm sofrido com as ameaças e a destruição do patrimônio da comunidade indígena.

    Em 19 de fevereiro de 2013, após uma manifestação dos que são contrários à demarcação da terra indígena, a adutora de água que abastece a comunidade foi destruída, sendo picotada com 38 cortes, numa extensão de 200 metros. Na época, membros da comunidade indígena viram sete não indígenas rondando a comunidade.

    Em janeiro de 2014, a comunidade indígena sofreu mais uma violência, novamente a adutora de água que abastece a comunidade indígena foi cortada. No dia 15 de dezembro de 2014, mais uma vez a adutora foi cortada. 

    No início de 2015, as ameaças de morte e perseguição à cacica Eunice retornaram com bastante intensidade, movidas pela decisão judicial que reconheceu a terra como sendo dos Guarani.

    No início do mês de maio, indivíduos não identificados passaram a invadir a terra indígena de madrugada, rondando e vigiando a casa da cacica. São indivíduos com motos ou a pé que chegam de madrugada e passam a noite rondando a casa. Cinco episódios foram registrados:

    O primeiro episódio ocorreu na madrugada do dia 16 para o dia 17 de maio, quando uma moto com duas pessoas parou diante da casa da cacica, fazendo bastante barulho com a aceleração do motor, por volta das três horas da manhã. A cacica abriu a janela e se deparou com pessoas estranhas, e logo fechou a janela. Essas pessoas ficaram um tempo ainda ali escondidas na sombra, sem que pudessem ser identificadas. Eles não conseguiram se aproximar da casa por causa dos cachorros. Passados algum tempo, os dois indivíduos foram embora, por uma estrada que passa por detrás da casa da cacica, no sentido da região do Massiambu.

    O segundo episódio ocorreu na madrugada do dia 19 do mesmo mês, quando novamente pessoas se aproximaram da casa da cacica, desta vez a pé, vindas da mesma estrada do Massiambu.

    O terceiro episódio aconteceu na madrugada do dia 23 para 24 de maio, quando, novamente, foram ouvidos vozes e passos.

    O quarto episódio ocorreu no dia 1o de junho, em que sete pessoas cercaram o indígena Ivalino, tio da Cacica, e avisaram que "querem pegar a “Nice” (Eunice), ou seu irmão e que a comunidade deveria evitar ficar circulando à noite, pois a partir de então eles passariam a vigiar aquele trecho da estrada. Um Boletim de Ocorrência foi registrado na Polícia Federal.

    O quinto episódio ocorreu na madrugada do dia 7 de junho. A cacica e sua família dormiam, quando foram acordados com o barulho de alguém tentando abrir a janela do quarto. Os invasores fugiram ao perceber que os moradores da casa tinham acordado.

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  • 20/10/2015

    Três meninas do povo Kaingang morrem na beira da estrada ao aguardar ônibus escolar

    Quatro meninas Kaingang da comunidade de Estrela foram atingidas, na manhã de hoje, 19, por um rodado que se desprendeu de um caminhão que trafegava na BR-386, Km 360. As meninas aguardavam, em uma parada, o ônibus que as conduziria para a escolaChaiane Soares Lemes, 15 anos, Taís Soares Lemes, 9 anos, e Franciele dos Santos Soares, 14 anos, morreram no local. Anelize Soares Lemes, 13 anos, está em estado grave no hospital.

    O motorista do caminhão, Hélio Fernando da Rosa Amador, de 53 anos, não parou para prestar socorro às vítimas e seu veículo foi abordado pela Polícia Rodoviária Federal há mais de 180 km do local onde ocorreram as mortes. O motorista alegou não ter percebido que o rodado da carreta havia se desprendido.

    A comunidade indígena, revoltada com mais este acidente envolvendo crianças, bloqueou a BR-386. Exigem das autoridades que coloquem redutores de velocidade na rodovia, pois ali já ocorreram vários acidentes. Em 25 de março do ano passado, uma criança de dois anos morreu depois de ter sido atingida por uma roda que se desprendeu de um veículo Gol. A criança estava no colo da mãe e ambas aguardavam pelo transporte público.

    O cacique Carlos Soares, pai de uma das vítimas, informou que a comunidade vem reivindicando junto à prefeitura de Estrela que o transporte escolar entre na aldeia para buscar os estudantes, que se deslocam todas as manhãs até as margens da rodovia. A aldeia, que fica a uns 250 metros da BR-386, é de fácil acesso, portanto não há nenhuma justificativa para que o ônibus escolar não vá até a comunidade indígena.

    Esse acidente revela o descaso do poder público com comunidades indígenas que vivem próximas às rodovias ou sobre seus barrancos. No Estado do Rio Grande do Sul são dezenas de comunidades Guarani e Kaingang vivendo o risco cotidiano, decorrente do fluxo de automóveis. Apesar dos alertas e reivindicações feitas pelas lideranças indígenas às autoridades, medidas não são tomadas. Lamentavelmente, nem mesmo depois de acontecimentos trágicos como esse, o poder público demonstra algum interesse em solucionar problemas que, há muito, vêm sendo denunciados.

    Muitas pessoas se comoveram com a morte das meninas e com a tragédia que ocorreu com a comunidade Kaingang, demostrando solidariedade e respeito. Mas neste momento de profunda dor, também tem aqueles que tripudiam e manifestam sua intolerância contra os povos indígenas. Isso ocorreu, por exemplo, em postagem feita por um internauta, no site Globo.com, abaixo da notícia do trágico acidente. O internauta, que se esconde atrás do codinome “Pensador Correto” (e pensa estar, assim, protegido e um processo judicial por prática de racismo) faz insinuações machistas e preconceituosas contra as mulheres Kaingang.

    Os Kaingang esperam justiça, que se promoverá com a apuração das causas e responsabilidades sobre o acidente, bem como com a criteriosa investigação deste tipo de crime de racismo, inaceitável nos dias de hoje.

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