20/10/2015

Carta do Povo Kinikinau ao Estado Brasileiro

IPUXOWOKU HOU KOINUKUNOE

Conselho do Povo Kinikinau

Carta do Povo Kinikinau ao Estado Brasileiro: pelo respeito a nossos direitos e pela identificação de nossos territórios tradicionais

2ª. Assembleia do Povo Kinikinau

Aldeia Terena de Cabeceira – Nioaque

15 a 18 de outubro de 2015

Para:

Dra. Débora Duprat – Sexta Câmara – Ministério Público Federal.

Dr. José Eduardo Cardozo – Ministério da Justiça.

Dr. João Pedro Gonçalves da Costa – Fundação Nacional do Índio – Nacional.

Dr. Emerson Calil – Ministério Público Federal.

Sr. Evair Borges – Fundação Nacional do Índio – MS.

… houve tempo que ninguém mais falava em nossa existência, mas entre nós sempre soubemos de nossa origem…

– Estamos aqui!

Queremos dizer primeiramente para os senhores e senhoras:

Que nosso povo existe,

Que estamos organizados,

Que temos nosso conselho originário do povo Kinikinau, prova viva de nossa existência,

Que estamos articulados com os outros conselhos dos povos do MS,

Que o Estado Brasileiro tem uma dívida impagável para com o nosso povo,

Que exigimos nossos direitos previstos na Constituição Brasileira de 1988 e que queremos de volta nosso território!

Nós, Povo Kinikinau, para nós Koinukunoen, ainda sem a posse de nosso território tradicional, reunidos na Aldeia Terena Cabeceira, terra indígena Nioaque, Povo Kinikinau, unidos a representantes e lideranças do Povo Terena e do Grande Conselho do Povo Terena e a representantes e lideranças do Povo Guarani e Kaiowá e do Grande Conselho Aty Guasu, viemos a público expor nossa situação e reivindicar o cumprimento e a garantia dos nossos direitos.

Um breve histórico de nossa situação:

Nós Koinukinoen somos um povo originário de um território que conhecemos bem e sabemos onde está localizado. Vivemos durante séculos em nossos territórios e cultivamos junto a nossas terras e nosso povo, nossa língua, costumes, história e organização própria. Até hoje trazemos conosco a nossa cultura, que será sempre entregue como bagagem de nascimento para todas as nossas futuras gerações.

Infelizmente por força de políticas de redução e exploração territoriais executadas pelo Estado brasileiro e por conta de uma onda de perseguições de fazendeiros, posseiros e invasores, foi decretado ao nosso povo no Mato Grosso do Sul, o peso inimaginável de mais de cinco séculos de dispersões forçadas, o retalhamento de nossas famílias e o desmembramento total de nossos territórios.

Quando em 1940, após muitos deslocamentos forçados, um pequeno grupo de nosso povo fixou-se na aldeia de São João em terras pertencentes ao Povo Kadiwéu, muitos estragos já haviam sido causados a outros grupos Kinikinau. Pelas mãos do Estado fomos expulsos de nossas terras tradicionais, acabamos por ter de viver de uma espécie de “empréstimos territoriais”, sendo acolhidos por solidariedade em meio a terras e grupos indígenas Terena. Assim, nós, os Kinikinau fomos transformados pelo Estado em um povo “forasteiro”.

Até hoje, nós sofremos violência física e psicológica constantes em alguns dos territórios que ocupamos. Por conta das políticas do Estado, que deixaram nossas terras na mão dos invasores, vivemos até hoje como um povo que “vive de favor” entre outros povos indígenas. Jamais conseguimos nos enraizar de maneira plena, sendo por vezes nossos membros menosprezados por alguns ocupantes tradicionais destas terras. A própria natureza das negociações entre órgãos governamentais, em especial o SPI nos deixou este triste legado.

Tivemos negado nosso reconhecimento étnico pelos próprios órgãos indigenistas oficiais (Serviço de Proteção ao Índio – SPI e depois pela Fundação Nacional do Índio – Funai). Como se não bastassem as perseguições e mitigações físicas, tivemos de enfrentar o peso da invisibilidade uma vez que de maneira intencional deixaram de constar referenciais de nossa etnia nos documentos oficiais.

Tivemos de trocar nossos sobrenomes retirando dos documentos e registros, as referências que nos identificavam como pertencentes à etnia Kinikinau. Assumimos de maneira forçada, identidades alheias e impróprios destinos. Fomos considerados subgrupo Terena por muitos anos e passamos a viver nas sombras de outros povos em aparente silêncio. Silêncio apenas para quem nos viu de fora, porque nunca esquecemos de quem somos e nem de sentir o que é ser Kinikinau. Dentro de cada um e cada uma, em cada peito, permanecemos cultivando todos os dias nossa tradição e sabedoria e nossos anciões repassaram dia após dia para nossos filhos os ensinamentos e cultura de nosso próprio povo. Os anciãos sabiam que cedo ou tarde chegaria o dia do novo despertar e por esforço próprio de nosso povo decidimos que é hora de encaminharmos contra os malefícios de mais de um século de opressões e dispersões.

Diante o exposto levamos ao conhecimento dos senhores e senhoras, e através de vocês ao Estado brasileiro, os encaminhamentos de nossa 2ª. Assembleia, nossas exigências e reivindicações:

Encaminhamentos:

Decidimos através de nossa Segunda Assembleia que para a continuidade dos trabalhos do Conselho do Povo Kinikinau, organização tradicional do povo Kinikinau, formado por nossas lideranças tradicionais com fundamento nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, que representa nosso povo judicial e extrajudicialmente, defende nossos direitos e garantias fundamentais, atuando de modo integrado à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, foram referendados e acolhidos os seguintes representantes: Nicolau Flores, Rosangela Matos, Flaviana Roberto Fernandes, Albino Pereira Cece, Joel Marques, Zeferino Albuquerque, Geltrudes Anastácio Rosa, Genilson Roberto Flores, Rosaldo de Albuquerque Souza, Edina Marques da Silva, Inácio Roberto.

Exigimos a presença integral de pessoas com capacidade de decisão da Funai e Sesai em nossas assembleias como mínima demonstração de retratação histórica e de respeito pelo nosso povo.

Exigimos e reivindicamos:

– Que a Funai reconheça oficialmente e de imediato o Conselho Kinikinau como instrumento legítimo do nosso povo na interlocução junto ao Estado e Governos Brasileiros. Que as decisões deste conselho sejam respeitadas e que as demandas entregues por este conselho sejam garantidas.

– Que a Funai respeite nosso povo e que de imediato faça constar em seu planejamento, com orçamento e previsão de estruturas necessárias, as agendas originárias de nosso povo, nossas reuniões, assembleias, encontros e atividades.

– Que de imediato seja constituído grupo de trabalho para identificação, reconhecimento e delimitação de nossos territórios tradicionais, acabando assim com o peso deste descaminho histórico. Nossos idosos e lideranças sabem onde estes territórios estão localizados. Lembramos aqui que no dia 13/08/2015 já foi entregue por lideranças nosso documento exigindo esta mesma demanda para o senhor Presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, do qual nem sequer tivemos ainda mínima resposta.

– Que seja assegurado ao nosso povo medidas efetivas de segurança nos atuais territórios que ocupamos, como por exemplo, a terra indígena São João. Que estas políticas sirvam para diminuir e impor os conflitos com outros povos ocupantes destes territórios, uma vez que estes infortúnios e problemas foram causados pelas próprias políticas de ESTADO onde para garantir o esbulho e exploração de nossos territórios originários nos deixaram como um povo que “vive de favor” em territórios alheios.

– Neste sentido, baseado nas demandas acima listadas solicitamos urgentemente, uma reunião/audiência entre representantes de nosso Conselho, a 6ª. Câmara/MPF, presidente da Funai, Ministério da Justiça, com acompanhamento de órgãos e secretarias defensoras dos Direitos Humanos, para tratarmos de nossas demandas territoriais e de segurança.

– Exigimos ainda que a Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Ministério Público Federal (MPF), órgãos e secretarias responsáveis pela educação em todas as esferas, atendam o Povo Kinikinau respeitando nossas especificidades, organização e decisões internas, observando os princípios da consulta e consentimento prévio, livre e informado; o princípio da identidade cultural; princípio de nossa autodeterminação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

– Exigimos que de forma imediata passem a constar nos documentos de identificação-étnica, da Funai ou civil, referências a nossa etnia Kinikinau quando solicitado por membros de nosso povo. No caso de documentos de pessoas já registradas como outra etnia, práticas de violação do próprio Estado Brasileiro, que os documentos possam ser revistos.

Aldeia Cabeceira, 18 de outubro de 2015.

Koinukunoen, despertando para os seus direitos!

Nós estamos aqui!

Se mais, assinam abaixo os representantes do conselho Kinikinau, bem como representantes e lideranças do povo e Conselho Terena e do povo e Conselho Guarani e Kaiowá (Aty Guasu)

Fonte: Cimi Regional Mato Grosso do Sul
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