• 29/01/2016

    Entrevista: o pacto de morte contra os índios e contra o Bem-viver

    As lentes pelas quais os indígenas observam o mundo são incapazes de ver nas riquezas da natureza — o rio, a vegetação, os minérios — ativos financeiros. A terra não é apenas o espaço onde a atmosfera enche os pulmões e os pés tocam o solo, a terra é o elo entre o presente, o passado e aquilo que acreditam que será o futuro. “As terras indígenas, base de sustentação física e cultural de comunidades e povos, são atrativas em função de suas potencialidades para geração de energia hidráulica, exploração de minérios, expansão da agricultura — soja, milho, cana-de-açúcar — e da pecuária — criação de boi”, problematiza Roberto Liebgott, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

    A esquerda, não somente no Brasil mas em todo o continente, repete a cartilha que vai dos conquistadores aos regimes autoritários e não vê nada diante do olhos que não seja dar continuidade a um projeto de financeirização de tudo, inclusive das vidas humanas. “Aqueles que governaram ou governam o país há quase duas décadas ignoram os direitos dos povos indígenas e quilombolas. Na prática, são levados a pensar o Brasil a partir de conceitos e concepções que reconhecem as diferenças dentro de uma lógica mercantil”, critica. “O bem-viver indígena não pode ser conquistado sem que haja uma radical mudança nas concepções e políticas destes tempos em que vivemos. E não se trata de construir o bem-viver para os indígenas, e sim de permitir que as concepções indígenas permeiem e reconfigurem as prioridades que temos assumido e as formas como temos lidado com o ser humano, com a terra, lugar comum sem o qual não temos futuro, nem esperança”, completa.

    Roberto Liebgott é coordenador do Conselho Indigenista Missionário – Cimi-Sul.

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line – No contexto histórico, como avalia a política indigenista brasileira?

    Roberto Liebgott – Uma das primeiras manifestações oficiais a respeito dos “habitantes das novas terras” foi feita pela Igreja Católica. Portugal necessitava de um posicionamento da Igreja sobre a possibilidade de submeter (ou não) à escravidão os seres “descobertos”. O Papa Paulo III, no ano de 1537, emitiu uma bula intitulada a “Sublimus Dei”, na qual reconhece que os “índios” seriam pessoas capazes de receber a fé católica.

    Faço referência a este documento do século XVI para demonstrar que a “questão dos índios” já se colocava nos primeiros momentos da invasão europeia. Lá, naquele período, interesses coloniais sobre os corpos indígenas (a serem submetidos à escravidão) confrontavam-se com interesses sobre suas almas (a serem convertidas à fé cristã). A resposta do Papa confirma o anseio da Igreja para torná-los “cristãos” e, ao mesmo tempo, afirma a necessidade de assegurar-lhes a liberdade e a posse de sua propriedade. As três preocupações centrais manifestadas pela Igreja/Estado — almas convertidas, liberdade e propriedade — colidem com as expectativas coloniais que ao longo dos séculos teve como características principais a escravização, a exploração, a conquista, o domínio e o extermínio. Esses processos ligam-se ao domínio sobre os povos originários e sobre suas terras. As disputas territoriais vêm se processando ao longo destes mais de cinco séculos, através de diferentes meios e estratégias, com efeitos devastadores sobre as comunidades e povos indígenas.

    Século XX

    Já em um contexto mais recente, vemos que a política indigenista constituída no início do século XX sustentou-se na identificação dos “grupos indígenas” para promover sua remoção e confinamento em reservas que seriam criadas pelo Estado. Esta política de remoção estendeu-se nas décadas seguintes, alicerçada em um duplo objetivo: integrar os índios à comunhão nacional e entregar suas terras aos projetos de expansão econômica — para a construção de rodovias, ferrovias, hidrelétricas, para a instalação de mineradoras, madeireiras e a promoção da agricultura e pecuária. A remoção dos povos indígenas de suas terras tradicionais foi considerada fundamental para a implementação do projeto de integração nacional, pois se constatava que os “ditos índios” — como referiu o Papa Paulo III em 1537 — não estavam extintos e sua permanência nas terras seria um obstáculo para a sua exploração.

    Remoções

    As remoções consistiram em atos violentos e geraram um vergonhoso quadro de atrocidades — algumas delas estão registradas, por exemplo, no Relatório Figueiredo. A política assimilacionista, claramente estabelecida no Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973) felizmente foi superada na Constituição Federal de 1988, especialmente através da presença expressiva dos índios durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. A atual Constituição redefine as relações do Estado com os povos indígenas: de tutelados, estes passam à condição de sujeitos de direitos individuais e coletivos. A Constituição reconhece também o pluralismo étnico e cultural e assegura aos índios o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, cabendo ao Estado demarcá-las.

    Contudo, vale ressaltar que apesar dos avanços constitucionais, os governos das últimas décadas que administraram e administram o Estado negligenciam e negociam os direitos indígenas. Há em curso uma política enraizada em conceitos e concepções genocidas.

    IHU On-Line – Como a esquerda compreende a questão indígena no Brasil?

    Roberto Liebgott – Em outra entrevista em que disse que a esquerda no poder era volátil — eu me referia ao poder de governança e não ao poder de decidir sobre como governar — pensei na trajetória de uma esquerda que vinha sendo construída a partir dos anseios e necessidades de uma população empobrecida e sedenta por um país mais justo e democrático. Mas o governo petista — por meio do presidente Lula— ao subir na rampa do Palácio do Planalto tornou voláteis essas aspirações, distanciou-se das bases que sustentavam o “projeto democrático e popular” e aderiu aos programas e plataformas políticas originalmente forjadas nos partidos de extrema direita. Além disso, o governo se tornou instável, incerto, inconstante e volúvel. Assumia um discurso público de vínculo ao passado de lutas e militância, mas, na prática, as políticas, com exceção daquelas meramente assistencialistas e eleitoreiras, foram direcionadas para o mercado financeiro e ao desenvolvimentismo predatório — assim como ocorreu no período da colonização portuguesa.

    Políticas Públicas

    As políticas públicas, ao longo de décadas, foram quase que invariavelmente fundamentadas na exploração dos recursos da natureza e na concessão de benefícios e isenções ao grande capital. Como se isso não bastasse, concedeu às “empresas brasileiras”, especialmente às empreiteiras da construção civil (sendo a maioria delas estruturadas na ditadura militar), montantes extraordinários de recursos públicos, através do BNDES e da Petrobras. O projeto da esquerda se volatizava cada vez mais na medida em que o governo passava a investir nas chamadas “empresas brasileiras”, exportando-as para os países mais pobres da América do Sul (Bolívia, Venezuela, Cuba) e da África. Hoje os governos “de esquerda” encontram-se “de joelhos” diante do sistema financeiro e de uma estrutura e sistema político alicerçado na corrupção.

    Cegueira

    A tal “esquerda” não conseguiu enxergar as diferenças étnicas e culturais no Brasil. E aqueles que governaram ou governam o país há quase duas décadas ignoram os direitos dos povos indígenas e quilombolas. Na prática, são levados a pensar o Brasil a partir de conceitos e concepções que reconhecem as diferenças dentro de uma lógica mercantil, sem, contudo, considerar seus direitos políticos e territoriais quando estes se confrontam com o modelo desenvolvimentista.

    IHU On-Line – Em que medida os Poderes Legislativo e Judiciário entendem a questão indígena? Como tal entendimento fica evidenciado nas decisões tomadas?

    Roberto Liebgott – Em minha opinião o Poder Legislativo de nosso país é um mercado livre, e os governantes devem submeter-se à tabela de preços imposta por este mercado. Cada projeto de lei é negociado de acordo com seu valor mercadológico. Nada passa sem que se obtenham dividendos financeiros. Não se exerce um mandato em torno de ideias e plataformas políticas, ao contrário, o eleito a qualquer das Câmaras Legislativas — estadual, municipal, federal — e ao Senado age de acordo com os dividendos a serem obtidos. As minorias, que exercem mandato de forma digna, acabam desprezadas e suas propostas rejeitadas.

    Os povos indígenas, assim como a maioria da população brasileira, são vítimas deste sistema político no qual prevalecem os interesses econômicos e as pressões de setores que supostamente comandam a economia nacional, em detrimento dos direitos individuais e coletivos. Tudo, neste sistema, se converte em negócio e mercadoria. As terras indígenas, base de sustentação física e cultural de comunidades e povos, são atrativas em função de suas potencialidades para geração de energia hidráulica, exploração de minérios, expansão da agricultura — soja, milho, cana-de-açúcar — e da pecuária — criação de boi. As terras agricultáveis são visadas exatamente porque são entendidas como recurso para a expansão da produção de grãos e de carne.

    Aniquilação

    Neste contexto, os direitos indígenas vêm sendo confrontados, pois eles constituem como entraves, no entendimento dos setores dominantes, e os próprios índios são para eles um “problema”, na medida em que atrapalham os planos de expansão produtiva e de um suposto desenvolvimento econômico. Dobrando-se a uma concepção desenvolvimentista, o governo federal tomou a decisão de paralisar as demarcações das terras reivindicadas pelos povos.

    Projetos de lei e emendas à Constituição Federal são elaborados para aniquilar com qualquer possibilidade de que demarcações de terras sejam normatizadas pela Lei Maior do país. Só para se ter uma ideia da articulação e da força que se volta contra os povos indígenas no âmbito Legislativo, tramitam, hoje, no Congresso Nacional mais de 100 proposições que visam alterar artigos concernentes aos direitos indígenas. No Poder Judiciário, decisões isoladas tentam dar nova interpretação aos artigos 231 e 232 [3] da CF/1988 para tentar inviabilizar a aplicação destes dispositivos constitucionais. É o que se tenta, por exemplo, com a aplicação do chamado marco temporal.

    IHU On-Line – Como compreender o que está por trás da PEC 215, que quer conceder ao Legislativo a prerrogativa de demarcar terras indígenas?

    Roberto Liebgott – É inegável que se concedeu aos ruralistas um excessivo poder político. Em função disso, eles definem os rumos da política indigenista do governo federal e pretendem impor suas regras para as futuras demarcações de terras indígenas e quilombolas. A PEC 215/2000, e mais de uma centena de outros projetos de lei no Congresso Nacional, visam impor limites ao que a Constituição Federal determinou. A ação política dos ruralistas motiva, fomenta e legitima as mais variadas práticas de violência contra os povos indígenas. Nos últimos dez anos foram assassinados no Brasil 754 indígenas, sendo que 390 em Mato Grosso do Sul.


    Pacto de morte

    A não demarcação das terras é o que gera grande parte dos conflitos e das violências, em especial nos estados do Nordeste, Sudeste e Sul. De acordo com o Cimi, há 1.044 terras indígenas no Brasil, sendo que destas apenas 361 estão registradas. Outras 154 estão “a identificar” e 399 foram classificadas como “sem providências”. Para a instituição, a morosidade das ações demarcatórias se deve a um “pacto” do governo federal com os setores da economia que pretendem usufruir das terras indígenas, em especial os ruralistas.

    Sobre a PEC 215/2000, há que se dizer que faz parte da estratégia de inviabilizar os direitos constitucionais dos povos indígenas, fundamentalmente à terra. A proposta de Emenda à Constituição quer consolidar a ideia de que o Poder Legislativo deve orientar e determinar a condução da política indigenista no país — especialmente através da bancada ruralista. Por isso, pretendem impor que a demarcação de terras saia do âmbito do Poder Executivo e vá para o Legislativo. Com isso, todas as demarcações de terras indígenas e também quilombolas passariam pelo crivo e aval dos parlamentares que, se autorizarem uma demarcação, esta será feita através da aprovação de uma lei específica. E para cada demarcação terá de se fazer uma nova lei. Ou seja, os direitos indígenas ficarão submetidos aos interesses políticos de ocasião. Além disso, terras demarcadas ao longo das décadas poderão ser revisadas para atender a nova determinação constitucional (caso a PEC seja aprovada). E ainda, na proposta aprovada na Comissão Especial, que segue para o Plenário da Câmara dos Deputados, há a inclusão de dispositivos que viabilizarão o arrendamento das terras indígenas — que são bens da União — e com isso possibilitar que terceiros obtenham lucros sobre bens que não são seus. Incluiu-se ainda outro dispositivo que rompe com a autonomia e protagonismo dos povos, qual seja a retomada da categorização entre os povos, que propõe uma espécie de leitura e análise dos diferentes “estágios de desenvolvimento” e de inserção dos “índios” à sociedade nacional, desrespeitando o artigo 231 da Carta Magna, que reconhece aos povos indígenas suas organizações sociais, seus costumes, línguas, crenças e tradições. Retomam de forma desrespeitosa, conservadora e fundamentalista a lógica da tutela, da integração e da assimilação cultural.

    Contradições

    A PEC 215/2000 incorpora o que vem sendo denominado, no âmbito do Poder Judiciário, de marco temporal da Constituição de 1988. Isso significa dizer que, se os povos ou comunidades indígenas não estivessem na posse da terra em 1988 ou não estivessem postulando a terra judicialmente ou em disputa física — o chamado renitente esbulho — perderam o direito à demarcação da área reivindicada. Sobre esta interpretação elenco três elementos jurídicos que, no meu entender, são os que causam as principais controvérsias nos julgamentos de tribunais referentes às demarcações de terras e que tomam como base o marco temporal: há, nos julgados dos tribunais, insuficiente entendimento conceitual e não há convergência no entendimento da aplicação do marco temporal nos processos que envolvem a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas; há divergências entre os magistrados no tocante aos conceitos de direito indígena à terra — posse, ancestralidade, usufruto e bens da União — e posse e propriedade oriundos do direito civil; há desconhecimento quanto à aplicabilidade do direito em relação às diferenças étnicas, culturais e ao fato de os povos indígenas terem sido considerados sujeitos de direitos individuais e coletivos — plenamente capazes, portanto (Art. 232 CF/1988).

    Entendo, assim, que o renitente esbulho, ao ser descolado da história de resistência dos povos e comunidades indígenas, constitui-se numa grave contradição, pois impõe aos indígenas uma responsabilidade que não lhes competia antes da Constituição de 1988, qual seja, a de ingressarem em juízo, uma vez que eles eram tutelados pelo Estado. Atualmente, com o fim da tutela expressamente estabelecido em nossa lei maior, o Poder Judiciário não procede a um chamamento dos povos, quando da discussão de processos que lhes dizem respeito. Por isso, é necessário reafirmar que quando o tema foi abordado no caso de Raposa Serra do Sol (o renitente esbulho) o entendimento dos ministros serviu para assegurar a posse indígena sobre terras onde havia fazendas desde o início do século passado.

    Incompreensão

    Os juízes não entendem as concepções e o modo de ser de cada povo, nem as formas como eles se relacionam com ‘os bens” materiais, culturais, imemoriais, históricos e com a terra. Os povos vinculam-se à ancestralidade, ao pertencimento étnico, à religiosidade, aos simbolismos e aos mitos — concepções sustentadas originariamente. E, ao não entenderem estas diferenças, cometem erros que podem, na prática, colocar em risco bens maiores: a VIDA e a existência de um POVO.

    IHU On-Line – Quais são os desafios para fazer com que a sociedade civil compreenda a realidade de violações aos povos indígenas sem cair em falsos e vulgares problemas como, por exemplo, a ideia de que “índio quer terra e não quer trabalhar”?

    Roberto Liebgott – Os desafios são de tornar mais visíveis e mais próximos das pessoas, os problemas vividos pelos povos indígenas. De um modo geral, imagina-se que o que afeta a vida indígena não nos diz respeito. Isso decorre, em parte, da representação estática de índios que se reproduz em muitos meios de comunicação, em muitos materiais didáticos, em peças publicitárias, em filmes, e que os coloca a distância, num espaço de exotismo. Também decorre de um entendimento de que os índios seriam responsáveis pela situação de pobreza por eles vivida, que se sustenta na ideia equivocada de que eles seriam improdutivos e por isso viveriam tempos de escassez. Se essa premissa fosse correta, nenhum trabalhador veria sua família passar fome, e haveria fartura para todos. Mas a realidade não é assim, não em um modelo de sociedade sustentada na apropriação privada, na acumulação e na competição.

    A situação vivida pelos povos indígenas nos diz respeito não apenas porque estes vivem cotidianamente situações desumanas (e isso nos implica enquanto humanidade), mas também porque o não cumprimento das garantias constitucionais que lhes são concernentes gera, para todos nós, insegurança jurídica. Se um preceito constitucional pode ser ignorado, descumprido ou contrariado, todos os demais também podem, e isso nos implica a todos, como cidadãos.

    A compreensão da realidade indígena passa, portanto, por uma desconstrução de estereótipos e de preconceitos que vêm sendo sustentados e fortalecidos historicamente e que, nestes tempos de produtivismo e de supremacia do discurso desenvolvimentista, se fortalecem, a exemplo da absurda ideia de que os índios não trabalham só porque não aderem inteiramente aos nossos modelos de trabalho, ou a ideia de que eles seriam obstáculos ao desenvolvimento porque não exploram a terra ao seu limite.

    IHU On-Line – Em que medida a política neodesenvolvimentista representa um risco à ideia do bem-viver indígena? Como reverter a perspectiva de que o indígena é contra o desenvolvimento?

    Roberto Liebgott – A lógica desenvolvimentista se confronta com a ideia do bem-viver indígena. A primeira apregoa que tudo deve se converter em recurso — ambiental, territorial, humano — e a segunda prioriza a vida. A lógica desenvolvimentista baseia-se na concorrência e incentiva as pessoas a gerir suas vidas como se estivessem gerindo uma empresa, a lógica do bem-viver indígena fundamenta-se numa visão de compartilhamento de espaços e de solidariedade entre as pessoas. A lógica desenvolvimentista faz com que vejamos em um rio um potencial de exploração hídrica, enquanto a lógica do bem-viver indígena foca as possibilidades de interação com o rio e com tudo o que nele habita (incluindo os seres que não podemos ver).

    O bem-viver indígena não pode ser conquistado sem que haja uma radical mudança nas concepções e políticas destes tempos em que vivemos. E não se trata de construir o bem-viver para os indígenas, e sim de permitir que as concepções indígenas permeiem e reconfigurem as prioridades que temos assumido e as formas como temos lidado com o ser humano, com a terra, lugar comum sem o qual não temos futuro, nem esperança.

    IHU On-Line – Como compreender a barreira que torna o chamado “povo branco” inábil para entender a forma de vida indígena?

    Roberto Liebgott – A questão de fundo, aqui, é que os povos indígenas não são e nunca foram considerados prioritários ao se traçar qualquer ação do poder público. Há um critério quantitativo que costuma permear as escolhas políticas — quantas são as pessoas assistidas, quantos são os eleitores — e, com base nesse critério, as comunidades indígenas muitas vezes são prejudicadas. A definição de responsabilidades no que tange à atenção diferenciada aos povos indígenas também é utilizada, em alguns casos, para justificar a inoperância ou a omissão de alguns órgãos públicos. Neste caso, em especial, estamos falando de um direito relativo ao transporte escolar, mas a desassistência se traduz também num precário atendimento em saúde, na falta de saneamento básico nas aldeias e, particularmente, na inaceitável condição, imposta a algumas comunidades, de vida em acampamentos provisórios, à beira de rodovias, resultante da morosidade nos procedimentos de demarcação das terras tradicionais destas pessoas.

    IHU On-Line – Como discutir políticas públicas para os indígenas, de forma que não os exclua e também não os imponha uma cultura ocidentalizada?

    Roberto Liebgott – Talvez o primeiro passo seja questionar a própria forma como se concebem e se estabelecem as políticas públicas destinadas aos povos indígenas. A base de sustentação de muitas destas políticas é assistencial, ou seja, elas se estruturam para assistir, para compensar a falta de algo muito mais imprescindível que é o acesso à terra e a garantia de seu usufruto exclusivo pelos índios. Uma política pública que tenha em vista a autonomia dos povos indígenas deveria ser iniciada com a garantia de participação destes em todas as etapas do processo — do planejamento à avaliação — tal como estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT e a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, da Organização das Nações Unidas – ONU. Uma política pública efetiva deve se estabelecer escutando as comunidades indígenas, entendendo suas demandas específicas, permitindo a ampla participação no processo, possibilitando que a tomada de decisão sobre os rumos dessas políticas esteja nas mãos dos povos indígenas. Existe uma legislação bastante avançada, por exemplo, no que diz respeito à educação escolar indígena, mas na execução dessa política pública, as comunidades ainda são reféns das regras, dos formalismos, da falta de conhecimento das secretarias, da imposição de modelos que, muitas vezes, confrontam saberes tradicionais e competem com espaços educativos próprios dessas comunidades. Isso porque, efetivamente, o controle sobre as escolas e seus processos não está nas mãos dos povos indígenas. E o controle não está em suas mãos porque se crê que exista uma cultura escolar (ocidental) que não pode ser alterada, e à qual os índios deveriam aderir.

    IHU On-Line – Como avalia a situação dos índios no Rio Grande do Sul? No que se assemelha e se diferencia da realidade em outros estados do Brasil?

    Roberto Liebgott – No Rio Grande do Sul as demarcações de terras estão paralisadas desde 2013. No ano de 2014 houve uma intensificação de ações e campanhas contra os direitos indígenas e quilombolas neste estado. Estas campanhas foram desencadeadas no âmbito dos poderes públicos, da mídia e de setores ligados ao agronegócio. Nos discursos disseminados nos meios de comunicação, especialmente por autoridades, os problemas causados pelas demarcações são explicados basicamente a partir de três argumentos: o primeiro afirma haver interesses de grupos estrangeiros nas terras indígenas e isso explicaria o empenho de ONGs e entidades indigenistas (de assessoria aos índios) na defesa das demarcações. O segundo afirma que se trata de muita terra para os “índios”, porque estes “não trabalham” e/ou porque arrendam as terras que possuem. O terceiro argumento reitera que não se pode, a pretexto de demarcar terras para índios, cometer injustiças com os agricultores que alimentam a população.

    Racismo Institucionalizado

    Em um primeiro olhar, esses argumentos podem parecer bastante convincentes, porque estão naturalizados especialmente nos discursos midiáticos e cotidianos, mas eles têm sido utilizados como escudo para desviar a atenção de questões bem mais complexas (a exploração ao meio ambiente, favorecimento aos setores do agronegócio e o racismo institucionalizado). Antes de tudo, é necessário esclarecer que povos indígenas têm seus direitos originários (sobre as terras que ocupam) amparados pela Constituição Federal de 1988 – Art. 231. Tais direitos já estavam resguardados, antes da promulgação desta lei, através de outras normas que a precederam e que previam que terras indígenas fossem reservadas aos “índios”. Basta lembrar que as primeiras demarcações de terras — na forma de reservas indígenas — ocorreram há mais de um século. Antes ainda, há registros de que os povos indígenas tenham obtido a garantia de suas terras por serviços prestados ao governo, por exemplo, na Guerra do Paraguai, em 1864. Portanto, não é nenhuma novidade a necessidade de se demarcar terras indígenas.

    Sofismas

    Em relação ao primeiro argumento elencado anteriormente, de que nos movimentos em defesa das demarcações de terras indígenas haveria algum tipo de complô de interesses estrangeiros contra a nação, basta lembrarmos que as terras indígenas são bens da União, que devem ser protegidas e resguardadas ao uso exclusivo dos povos indígenas. Este dispositivo legal é suficiente para mostrar que, se há interesses estrangeiros sobre terras brasileiras, certamente as áreas indígenas seriam as menos suscetíveis, porque qualquer investimento sobre elas, que não possua a autorização do Congresso Nacional, é considerado ilegal.

    O segundo argumento contrário às demarcações, e aquele que se sustenta na ideia de que “é muita terra para poucos índios”, filia-se a um entendimento de que as terras são recursos necessários ao desenvolvimento nacional, regional, local e que, por isso, devem ser produtivas (dentro de uma lógica desenvolvimentista e unilateral). Nessa direção, indaga-se sobre o porquê de os índios quererem “tanta terra” acionando-se uma lógica racista a partir da qual se avaliam as formas de viver e de trabalhar de todos os povos e culturas a partir dos critérios ocidentais e de uma racionalidade neoliberal, tomada como universal. Por essa ótica racista, só trabalha quem efetivamente faz a terra “produzir”, quem atua sobre ela aproveitando seus potenciais; em oposição, aqueles que desenvolvem uma relação mais respeitosa com o ecossistema e uma atitude preservacionista são vistos como sujeitos que não trabalham, não têm ambição, não sabem dar valor (econômico) à terra.

    A alegação de que se trata de muita terra para os índios pode ser contestada com o seguinte dado: o total de terras pleiteadas pelos povos indígenas no Rio Grande do Sul não passa de 0,5% da área do estado. De forma recorrente, lideranças Kaingang têm indagado, em momentos de reflexão: se um estado não consegue se desenvolver com 99,5% de seu território, que diferença farão esses 0,5% que correspondem às terras indígenas?

    Arrendamento

    Essa perspectiva se desdobra em outra, de que os índios não precisam da terra, por isso a arrendam. Mesmo que eventualmente se registrem casos isolados de arrendamento em terras indígenas, vale lembrar que esta é uma prática ilegal, passível de penalização, e que a fiscalização sobre as terras indígenas é de responsabilidade do poder público. A Constituição Federal instituiu, para as comunidades indígenas, o direito à posse permanente e o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam (Art. 231, § 2º). O usufruto nas terras indígenas tem caráter coletivo e não individual e, portanto, o direito é das comunidades indígenas e não de cada pessoa individualmente, não podendo ser utilizadas por terceiros.

    Agricultores

    O terceiro argumento contrário às demarcações também pode ser desnaturalizado: trata-se da ideia corrente de que, a pretexto de demarcar terras para índios, não se poderia cometer injustiças com os agricultores que produzem o alimento da população. Para entender essa questão, é necessário retomar alguns aspectos históricos que nos levam à situação atual, em que índios e agricultores disputam as mesmas terras.

    Nas primeiras décadas do século XX, sob argumentos positivistas e desenvolvimentistas, os governos empenharam-se em promover a ocupação territorial e a colonização de espaços considerados “devolutos”. Neste período, a literatura sobre o tema registra a ocorrência de inúmeras práticas de “limpeza étnica”, a partir das quais aldeias inteiras foram exterminadas. Centenas de outras comunidades foram expulsas de suas terras tradicionais e despejadas em outras localidades. Tais remoções forçadas ao longo da história originam os conflitos contemporâneos, posto que são estas as terras, loteadas e vendidas pelo governo do estado do Rio Grande do Sul em décadas anteriores, que agora estão sendo pleiteadas para demarcação. Tanto do lado dos povos indígenas e quilombolas, quanto do lado dos agricultores (que hoje residem sobre as terras), há muitos homens e mulheres que vivenciaram aquele período e que relatam os acontecimentos, indicando que nas terras pleiteadas para demarcação existem indícios materiais da presença indígena e de quilombos, como cemitérios, destroços de antigas moradias, restos de artefatos utilizados para caça, entre outros.

    Inegável tradicionalidade

    Pois bem, se a tradicionalidade da ocupação indígena e de quilombos não pode ser negada, valem os preceitos constitucionais de que estas terras — no caso das indígenas — são bens da União, que são inalienáveis e indisponíveis e que os direitos indígenas sobre elas são imprescritíveis (Art. 231, § 4º). Não é possível, portanto, imaginar que o erro cometido pelo Estado — ao disponibilizar para colonização e titular terras que não lhe pertenciam — não seja corrigido agora para evitar que ocorra uma injustiça contra os agricultores. É necessário exigir que o Estado responda por seus erros sem que se penalizem os agricultores, estes que, com seu suor, produzem alimentos. Eles têm direito a uma justa indenização e a uma alternativa viável, que deve ser apresentada pelo Estado, para continuar a viver da agricultura, em terras legalmente tituladas e compatíveis com seus modos de produção.

    IHU On-Line – De que forma podemos entender o flagelo indígena no Brasil, a partir dos conflitos em Mato Grosso do Sul?

    Roberto Liebgott – A situação dos povos indígenas em Mato Grosso do Sul é emblemática, e têm sido recorrentes, sistemáticas e cada vez mais intensas as práticas de violência. Nos últimos 12 anos, 390 indígenas foram assassinados no estado. Outros 707 cometeram suicídio de 2000 a 2014. Esses números, por si só, já indicam a gravidade desta situação. Frente a este quadro extremo, registra-se também a inoperância do governo, que deveria realizar as demarcações das terras para, assim, assegurar aos povos indígenas condições dignas de vida naquele estado. O que ocorre em Mato Grosso do Sul é genocídio. Este não é apenas o entendimento do Cimi, como também do Ministério Público Federal (MPF), da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e de órgãos como a Anistia Internacional, por exemplo.

    É bom lembrar que as denúncias de assassinatos, suicídios, perseguições, ataques e muitas outras formas de violência têm sido sistematicamente apresentadas em relatórios do Cimi, e são também reiteradas em pronunciamentos do Ministério Público Federal. As violências se intensificaram, mas também se tornaram mais visíveis nas últimas décadas. Em Mato Grosso do Sul, os casos de violência se acentuaram quando algumas comunidades procederam a uma retomada de terras tradicionais das quais foram expulsas no decorrer do século XX, e sobre as quais se estabeleceram, de modo especial, os empreendimentos agropecuários.

    Genocídio em Mato Grosso do Sul

    As retomadas de terra em Mato Grosso do Sul colocam em evidência o direito dos índios à terra, direito este que vem sendo negligenciado pelo governo e contestado com veemência por setores do agronegócio. A demarcação das terras indígenas

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  • 28/01/2016

    “Queremos vida para todos e um Araguaia livre de agrotóxicos”

    Após a realização do Primeiro Encontro sobre Agrotóxicos e seus impactos sobre as populações tradicionais do Médio Araguaia, entre os dias 18 e 20 dezembro na cidade de Porto Alegre do Norte (MT), povos e comunidades participantes do encontro divulgaram um comunicado denunciando os danos que a monocultura e o uso de agrotóxicos têm causado às populações tradicionais da região e exigindo ações dos poderes públicos.

    O encontro, que ocorreu , contou com a participação de Quilombolas, Retireiros, Pescadores e dos povos indígenas Ãpaniekra (Kanela), Apyãwa (Tapirapé), A’uweUptabi (Xavante) e Iny (Karajá) e com o apoio Conselho Indigenista Missionário – regional Mato Grosso (Cimi-MT), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Prelazia de São Félix e do Fundo de Solidariedade da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB).

    No documento divulgado após o encontro, com apoio do Cimi e da CPT, as populações tradicionais do Médio Araguaia afirmam que são movidos pelos “sentimentos mais profundos de amor ao próximo e à vida, até porque o ar e a água poluídos não só matam e adoecem nossos filhos e familiares, mas também os filhos e demais familiares daqueles que pensam e agem movidos pelo imediatismo e pensando sobretudo em suas contas bancárias”.

    Os povos e comunidades presentes no encontro abordam as inúmeras situações em que o uso de agrotóxicos pelas monoculturas da região afeta suas vidas, culturas, produções e formas de ser e se relacionar com a vida e a natureza.

    O comunicado enfatiza os problemas de saúde que tem sido causados pelo uso de agrotóxicos. Sete casos de aborto ocorridos em uma única semana de 2015 no município de Canabrava do Norte (MT) são citados como exemplo de possível influência dos agrotóxicos na região. “Sabemos disso porque sentimos na pele seus efeitos práticos”, afirma o comunicado, que convida as pessoas a visitarem os postos de saúde e hospitais da região em datas que ocorra a pulverização de veneno, para conferir os problemas causados pelos agrotóxicos.

    Além de afetar a saúde e o modo de produção das comunidades tradicionais, a pulverização dos agrotóxicos afeta suas formas de vida. “Nossa região abriga, ainda, muitas comunidades ribeirinhas, camponesas e quilombolas com suas culturas que precisam ser apoiadas porque mostram a maior riqueza que o ser humano pode criar: suas diferentes maneiras de ser, pensar, agir e crer, seus diferentes modos de comer, curar-se e de habitar. Tudo isso vem sendo ameaçado por uma visão unilateral e que se quer única do que seja o progresso humano. São monocultores no sentido mais forte que essa palavra pode ter: só acreditam numa cultura única”.


    Os povos e populações tradicionais do Médio Araguaia apresentam, ao fim do documento, uma série de reivindicações aos poderes públicos para reverter os graves danos causados pelo abuso dos agrotóxicos na região, aliados ainda ao preconceito e à violência contra estas populações.

    Entre as reivindicações, está a de criação de um Gabinete de Crise pelos governos estadual e federal para investigar as ameaças a lideranças de camponeses, indígenas e defensores dos direitos humanos na região.

    Os povos pedem também a investigação dos impactos dos agrotóxicos na saúde das pessoas e no ambiente da região, a revisão da legislação brasileira e a cessação imediata do uso de agrotóxicos proibidos em outros países, além da proteção do ambiente, do rio Araguaia e seus afluentes, dos territórios e das populações tradicionais da região.

    “Queremos progresso, sim, mas com o Araguaia e não contra o Araguaia, com o cerrado e não contra o cerrado, com as matas e não contra as matas, com ar e água puros”.

    Clique aqui para ler o comunicado na íntegra.

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  • 28/01/2016

    Povo Xakriabá enfrenta preconceito para garantir atendimento básico à saúde em Itacarambi (MG)

    Nos últimos meses, os problemas enfrentados pelo povo Xakriabá das aldeias Caraíbas e Vargem Grande, na Terra Indígena (TI) Xakriabá, vêm se agravando, com a falta de condições para atendimento adequado de saúde e o constante preconceito enfrentado no município de Itacarambi, no norte de Minas Gerais (MG).

    Há uma equipe multidisciplinar da Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai) voltada a atender as 160 famílias indígenas das duas aldeias, mas impossibilitada de atuar por falta de espaço em condições sanitárias mínimas.

    Os indígenas pleitearam, sem sucesso, que a equipe da Sesai atendesse na Unidade Básica de Saúde municipal que existe na área das aldeias Caraíbas e Vargem Grande. A unidade, que atende indígenas e não indígenas, sofre com a falta de medicamentos e conta com apenas dois auxiliares técnicos contratados pelo município e um médico que faz atendimentos apenas uma vez por semana.

    Nos últimos meses, o atendimento prestado pela equipe da Sesai vinha ocorrendo em um local pequeno e insalubre, no qual não havia espaço para a realização de tratamento odontológico e psicológico.

    Devido à situação dos pacientes e à urgência da necessidade do povo, os indígenas decidiram garantir que os atendimentos da Sesai fossem realizados na Unidade Básica de Saúde que existe na comunidade, mesmo contra a vontade e a imposição do atual prefeito.

    Assim, desde a última segunda-feira (25), a equipe multidisciplinar da Sesai passou a fazer os atendimentos aos indígenas nas instalações do posto de saúde local.

    Esta decisão foi tomada pela comunidade indígena depois de várias tentativas de diálogo com a Secretaria Municipal de Saúde e Câmara de Vereadores do município, nas quais os indígenas não obtiveram uma resposta positiva do município sobre a gestão compartilhada da Unidade Básica de Saúde que fica na comunidade.

    “Falta de compreensão e perseguição”

    Desde 2013, o povo Xakriabá das aldeias Caraíbas e Vargem Grande vem lutando para garantir os seus direitos. A área das aldeias está localizada a 37 quilômetros do município de Itacarambi (MG) e foi retomada em setembro daquele ano. Uma antiga fazenda de 6250 hectares, sobreposta à terra tradicional, hoje abriga 160 famílias indígenas Xakriabá, que continuam lutando para superar o preconceito, a discriminação e a negação dos seus direitos.

    Os indígenas relatam sofrerem com a perseguição política no município, cujos gestores têm trabalhado para tentar isolar a comunidade e dificultar o acesso às políticas públicas diferenciadas, um direito dos povos indígenas e um dever do Estado. A terra retomada pelos indígenas Xakriabá teve o seu relatório publicado no Diário Oficial da União em outubro de 2015, identificando e delimitando a área como tradicional, e desde então o conflito tem se acirrado.

    “Durante este período temos procurado dialogar com as autoridades competentes, no intuito de amenizar os conflitos”, afirmam lideranças Xakriabá. “Atualmente, temos lutado para garantir que a equipe médica coordenada pela Sesai possa prestar os serviços de saúde ao nosso povo, mas temos nos esbarrado com a falta de compreensão e perseguição da atual gestão do município de Itacarambi, que tenta barrar a prestação destes serviços na Unidade Básica de Saúde construída na nossa comunidade, negando nossa identidade étnica e afirmando que, enquanto for prefeito, lutará contra a nossa comunidade, tudo isso pelo fato de termos assumido a nossa identidade indígena”.


    Distância da cidade e falta de transporte

    Os indígenas também sofrem com a falta de um carro para buscar atendimentos de emergência no hospital do município. Como as aldeias ficam a 37 quilômetros da sede do município, onde fica o hospital, os indígenas têm que pagar pelo transporte particular toda vez que precisam de atendimento hospitalar.

    Na verdade, um veículo foi conseguido pelos indígenas por meio da emenda parlamentar de um deputado, mas, como eles não tinham nenhuma assossiação oficial, o carro foi doado em nome da Associaçao de Esporte da comunidade de Várzea Grande. O presidente, que não é indígena, reteve o veículo longe das aldeias. Segundo os indígenas, o carro está parado e já existe uma ação do Ministério Público Federal (MPF) visando garantir a prestação do serviço de transporte aos Xakriabá.

    “A perseguição vai aumentar”

    Os indígenas acreditam que a falta de estrutura, de pessoal e de medicamentos no posto de saúde que fica na comunidade é uma forma da prefeitura pressionar os indígenas, cuja identidade indígena ainda não é totalmente reconhecida pelos gestores do município.

    Ainda assim, a prefeitura de Itacarambi (MG) recebeu, em 2012, R$ 720 mil para garantir atendimento hospitalar adequado aos povos indígenas no município. É o que estabeleceu a Portaria nº 954, publicada pelo Ministério da Saúde em 15 de maio de 2012, a qual inclui o Hospital Municipal Gerson Dias no programa de Incentivo para a Atenção Especializada aos Povos Indígenas (IAE -PI).

    As lideranças Xakriabá afirmam que a decisão de garantir o atendimento da Sesai no posto de saúde, mesmo contra a vontade da prefeitura, foi uma questão de necessidade. “Temos muitos hipertensos, pessoas precisando de atendimento odontológico, grávidas precisando de fazer pré-natal, pacientes com hanseníase, problemas psicológico dentre outros. Não podemos colocar o nosso povo em risco em função de interesses políticos que nada tem contribuído para a melhoria da nossa qualidade de vida”.

    Os indígenas têm buscado apoio de entidades e órgãos como a Sesai e o MPF para que seu direito ao atendimento diferenciado na saúde seja garantido. “Temos clareza de que a partir desta nossa decisão a perseguição ao nosso povo vai aumentar, por isso pedimos apoio”, afirmam os indígenas.

    O povo Xakriabá assegura também que a utilização do posto de saúde local pela equipe da Sesai “não impede que a secretaria de saúde do município de Itacarambi continue prestando seus serviços com tranquilidade e segurança, sendo respeitados por todo o nosso povo”.

    Diante deste contexto, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), juntamente com os caciques e lideranças Xakriabá, denuncia esta situação e solicita a intervenção dos órgãos competentes, no intuito de intervir em favor dos indígenas Xakriabá para que os seus direitos sejam garantidos e efetivados, de acordo com o estabelecido na Constituição Federal.

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  • 27/01/2016

    Após violento despejo, povo Pataxó retorna para reconstruir aldeia Cahy

    Algumas horas bastaram para que, no dia 19 de janeiro, policiais destruíssem todas as casas, a escola e o posto de saúde do povo Pataxó da aldeia Cahy, na Terra Indígena (TI) Comexatibá, no extremo Sul da Bahia. Uma semana depois da violenta ação de reintegração de posse que desaloju os indígenas, destruiu seus lares e inutilizou seus pertences – muitos deles de valor simbólico e cultural inestimável –, uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região suspendeu todas as liminares de reintegração de posse contra as aldeias da TI Comexatibá, evidenciando que a ação executada pela polícia no dia 19, além de brutal, havia sido também injustificada.

    A truculência da ação que envolveu cerca de 100 policiais federais, militares e civis, acompanhados de agentes da Companhia Independente de Policiamento Especializado/Mata Atlântica (Caema), não foi capaz de atenuar a determinação do povo Pataxó do Extremo Sul da Bahia. Amparados pela recente decisão judicial, os indígenas da aldeia Cahy resolveram retornar para sua terra, que já foi identificada e delimitada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), depois de mais de uma semana desalojados.

    A reocupação do território tradicional iniciou às seis e meia da manhã de hoje, com 32 das 75 famílias que foram obrigadas a deixar a área após a violenta ação policial. Segundo a liderança Xawã Pataxó, as famílias que já retornaram estão em barracas de lona e, durante o dia de hoje, um grupo de homens já passou pelo menos quatro vezes na área, intimidando os indígenas.

    Uma das incursões dos jagunços ocorreu na tarde de hoje, enquanto Xawã concedia entrevista por telefone à Assessoria de Comunicação do Cimi. Segundo a liderança, cinco homens em um Fiat Uno teriam se aproximado das famílias e gritado “vocês vão cair, vocês vão cair”, enquanto filmavam os indígenas com uma câmera de alto valor. Xawã também relata que o delegado federal da região teria se declarado “insatisfeito” com o retorno dos indígenas à sua terra.


    Disputa judicial

    A aldeia Cahy é uma das nove que compõem a TI Comexatibá, que fica no distrito de Cumuruxatiba, município de Prado (BA) e cujo Relatório Circunstanciado foi publicado pela Funai no dia 27 de julho de 2015. Nesta data, 28 mil hectares foram identificados e delimitados como pertencentes ao território tradicional dos Pataxó, e o passo seguinte – ainda aguardado – deve ser a publicação da Portaria Declaratória do Ministério da Justiça.

    A reintegração de posse executada contra os Pataxó no dia 19 de janeiro foi determinada pelo juiz Guilherme Bacelar, da Subseção da Justiça Federal de Teixeira De Freitas (BA), ainda em julho.

    No dia 22 de janeiro, o Desembargador Federal Cândido Ribeiro, do TRF da Primeira Região, suspendeu as ações de reintegração de posse que incidiam sobre a TI Comexatibá – entre elas, a decisão que resultou no despejo dos Pataxó da aldeia Cahy.

    A decisão do TRF foi tomada com base em uma ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). A motivação para a decisão do Desembargador foi o fato de que, caso fossem concretizadas as reintegrações de posse, haveria grave risco de interrupção do direito à educação de mais de 500 alunos indígenas, entre 2 e 15 anos, de quatro núcleos das duas Escolas Estaduais Indígenas que existem na TI Comexatibá – como, de fato, aconteceu no núcleo escolar da aldeia Kahy.

    A morosidade do governo federal em concluir a demarcação da área também é objeto de uma Ação Civil Pública movida pelo MPF.


    Resistência e reconstrução

    “A situação não está fácil. Estamos aqui para reivindicar nossos direitos e nossa terra, mas com o coração apertado de ver tudo no chão”, afirma a liderança Pataxó.

    Ele conta que, além das casas, da escola e do posto de saúde, grande parte dos pertences dos indígenas foram destruídos durante a reintegração de posse. E o que não foi destruído, como os materiais da escola, foram atirados pelos policiais numa região longe da aldeia, dentro de um assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que incide sobre a TI Comexatibá.

    Como não havia local para guardar os materiais escolares, eles ficaram expostos à chuva e acabaram se perdendo nesse período de desalojamento: foram-se livros, cadernos, quadros e até carteiras.

    Além disso, a ação policial acabou com a possibilidade de restauração do centro cultural dos Pataxó da aldeia Cahy, que fora consumido por um incêndio criminoso em agosto de 2015 (clique aqui para saber mais). “As paredes ainda estavam de pé, ainda era possível restaurar. Mas agora eles terminaram de acabar com o lugar”, afirma Xawã Pataxó.

    A liderança afirma que a prioridade dos indígenas, agora, é reconstruir a escola, o posto de saúde e as moradias das famílias da aldeia. Para isso, contam com doações de quem puder ajudar, especialmente com materiais escolares, para que a escola possa ser reativada, e com materiais de construção, para permitir que os espaços de moradia e comunitários sejam reerguidos.

    “Aqui que nós sempre vivemos, aqui que meu avô viveu. Nós vamos reconstruir a aldeia e fazer as moradias, estamos dispostos a resistir porque essa é a nossa terra”, diz Xawã Pataxó.

    Apoio, solidariedade e contato para doações

    Após a reintegração de posse que desalojou as famílias indígenas da aldeia Kahy, o Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia emitiu uma nota, na qual afirma que a ação policial utilizou-se “da violência física e simbólica visto que destruiu todos os elementos que os identificam enquanto grupo”. Clique aqui para ler a nota na íntegra.

    Nesta semana, também foi criada uma moção online em apoio aos Pataxó da aldeia Cahy, que já conta com mais de 450 assinaturas de pessoas e entidades. Para visitar e também assinar a moção, basta clicar aqui.

    Para realizar doações de materiais escolares – livros, cadernos, mesas, cadeiras – ou de materiais de construção para a reconstrução das casas e espaços comunitários, os contatos são os seguintes:

    (73) 98859-3087

    (73) 98835-3826

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  • 27/01/2016

    Audiência pública em Santarém contará com especialistas em impactos de hidrelétricas

    Quais são os impactos socioambientais provocados pelas hidrelétricas recentemente instaladas ou em instalação na Amazônia? É possível que esses impactos se repitam na região oeste do Estado, para onde o governo federal projeta a instalação de novas usinas?

    Para levar ao conhecimento da população respostas a perguntas como essas, o Ministério Público Federal (MPF) convidou pesquisadores especializados no tema para participarem da audiência pública sobre irregularidades e possíveis impactos da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. O evento será realizado em Santarém na próxima sexta-feira, 29 de janeiro.

    Entre os convidados estão o doutor em Ciências Biológicas Philip Martin Fearnside, autor, entre outros estudos, de "Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras", e integrante do grupo de especialistas que em 2015 publicou uma avaliação crítica do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Sobre o Meio Ambiente (EIA/Rima) do aproveitamento hidrelétrico São Luiz do Tapajós.

    Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), foi um dos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz em 2007, com outros cientistas do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), que alertavam sobre os riscos do aquecimento global.

    A doutora em Conservação dos Recursos Florestais Ane Auxiliadora Costa Alencar, outra convidada da audiência pública, é uma das realizadoras de estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) sobre a projeções para o desmatamento no oeste do Estado caso sejam construídas as hidrelétricas previstas pelo governo federal para a região.

    O coordenador adjunto do Programa Xingu do Instituto Socioambiental (ISA), o engenheiro de produção Marcelo Salazar, vai relatar os resultados de pesquisas feitas pelo instituto na área de hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira, também no Pará. Os resultados dos estudos “Dossiê Belo Monte” e “Atlas dos Impactos da UHE Belo Monte Sobre a Pesca” servirão como base para debate sobre as similaridades entre os projetos de Belo Monte e de São Luiz do Tapajós.

    Para falar sobre a atual situação energética do país foram convidados o doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos e mestre em Planejamento Urbano e Regional Celio Bermann, professor no Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Programa de Pós-graduação em Energia da USP, e o doutor em Planejamento Energético e mestre em Sistemas de Potência Ricardo Lacerda Baitelo, coordenador de Clima e Energia do Greenpeace Brasil.

    O mestrando em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará Rodrigo Magalhães de Oliveira, membro do Centro de Información de la Consulta Prévia, abordará indicadores que apontam o descumprimento da determinação judicial de realização da consulta prévia, livre e informada.

    Os professores de Arqueologia na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa)  Bruna Cigaran da Rocha, doutoranda em Arqueologia pela University College London, e Raoni Bernardo Maranhão Valle, doutor em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, vão abordar o significativo patrimônio arqueológico e imaterial a ser eventualmente impactado pela hidrelétrica.

    A mestre em Ciências Ambientais Camila Jericó-Daminello, especialista na avaliação e valoração de serviços ecossistêmicos, vai falar sobre estudo da organização Conservação Estratégica (CSF) que ela está conduzindo sobre a hidrelétrica.

    O médico neurocirurgião Érik Leonardo Jennings Simões, que atua em Santarém, vai abordar a possibilidade de aumento dos níveis do mercúrio em áreas de barragens e seus riscos à saúde humana, bem como a inexistência da análise desse tema nos estudos de impactos ambientais da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.

    Além dos dados científicos, serão apresentados para debate com o público dados do MPF sobre o andamento dos processos judiciais e investigações sobre irregularidades nos projetos das usinas de São Luiz do Tapajós e de Belo Monte. O MPF será representado no evento pelos procuradores da República Camões Boaventura e Thais Santi.

    Integrantes de comunidades indígenas e ribeirinhas farão um relato sobre a percepção dessas comunidades em relação ao projeto da usina.

    O público-alvo da audiência é toda a sociedade de Santarém e região, movimentos sociais, organizações indígenas e de povos tradicionais, universitários, associações de classe, associações comunitárias, dentre outros.

    Também foram convidados representantes do Ministério de Minas e Energia (MME), do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Centrais Elétricas do Brasil (Eletrobrás), das prefeituras de Santarém, Belterra, Aveiro e Itaituba, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Poder Legislativo (federal, estadual e municipais) e do Poder Judiciário federal (Santarém e Itaituba).

    Serviço:

    Audiência pública sobre irregularidades e possíveis impactos da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós

    Data: 29/01

    Horário: 14 horas

    Local: Auditório da Associação Comercial e Empresarial de Santarém (Aces), localizado na Praça da Bandeira (também conhecida como Praça da Matriz), 565, no centro de Santarém

    Íntegra do edital de convocação da audiência (clique aqui)

    Transmissão: a Rádio Rural de Santarém divulgou que transmitirá ao vivo o evento pela frequência AM 710 e pela internet (clique aqui). Demais veículos de comunicação que queiram também fazer a transmissão estão convidados. Entrevistas serão concedidas apenas ao final do evento.

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  • 27/01/2016

    “Como a nossa força e organizaçao cresce, eles ficam incomodados”

    Ameaçados pelas contínuas perseguições e invasões de madeireiros em seu território, os indígenas do povo Ka’apor, no Maranhão, reafirmam sua disposição de defender o seu território e o seu modo de viver. Em nota produzida durante o encontro sobre educação escolar no Centro de Formação de Saberes Ka’apor, ocorrido na Terra Indígena (TI) Alto Turiaçu, nos dias 21 e 22 de janeiro, os indígenas denunciam as violações que ainda sofrem e explicam sua decisão de fortalecer ainda mais a autogestão e proteção de seus territórios.

    A nota, que é assinada pelo Conselho Gestão Ka’apor, relata o histórico de violações que este povo têm sofrido desde que os Karaí – não-indígenas – passaram a impor seu modo de vida às aldeias.

    “Comidas e bebidas da cidade, roupas de branco, doencas, ensinaram fazer pastos, criar do jeito dos karai, fazer amizades com karai, vender nossas caças, vender estacas para cerca dos fazendeiros, ensinaram a derrubar e vender madeira de nosso território. A gente foi vendo que tudo isso era para destruir nosso território, nossa vida”, afirmam.

    Em 2013, o povo Ka’apor realizou a sua primeira grande assembleia, onde foi debatida a importância da autonomia dos indígenas na gestão de seu território e no fortalecimento de sua cultura, por meio de um acordo de convivência que buscava erradicar “os vícios dos brancos nas aldeias, proteger nosso território, valorizar e fortalecer nosso jeito de ser Ka’apor” (clique aqui e aqui para saber mais).

    Segundo os indígenas, a autodefesa de seus territórios e o fortalecimento de sua cultura gerou represálias de madeireiros e poderosos da região. “Como a nossa força e organização cresce, eles ficam incomodados. Agora estão colocando incêndios nos limites de nosso território no tempo do verão, políticos oferecendo presentes falsos para lideranças buscando dividir nossos parentes, madeireiros perseguindo lideranças e apoiadores de nossa luta, organizando invasão de aldeias”.

    A nota cita casos recentes de assassinatos, atentados a tiros e invasões a seu território, e se detém sobre o caso mais recente, em dezembro de 2015, que terminou com dois indígenas Ka’apor baleados por madeireiros. Em 19 de dezembro, guardas florestais do povo Ka’apor, que atuam na proteção das matas e do território contra as queimadas e a extração ilegal de madeira, detiveram sete madeireiros do município Zé Doca (MA), encontrados extraindo madeira dentro dos limites da área. A intenção dos indígenas era entregá-los ao Ibama.

    Em represália, mais de 20 madeireiros invadiram a aldeia Turizinho e, numa ação extremamente violenta, deixaram dois indígenas baleados.


    Conforme a nota do Conselho Ka’apor, além da impunidade dos agressores e invasores, os indígenas sofreram com a criminalização na mídia local e foram acusados injustamente de manter um dos madeireiros como refém. “Os que invadiram a aldeia Turizinho, roubaram nossos equipamentos e materiais de trabalho na mata e atiraram em nossos guardas agroflorestais que estavam identificando focos de incêndios na região da Vitória da Conquista, estão andando livremente na cidade de Zé Doca, inclusive a pessoa que estão dizendo que está desaparecida”.

    Os indígenas também questionam a omissão do governo do estado do Maranhão e das prefeituras locais na defesa do território e no combate aos crimes ambientais dos madeireiros. “A gente acha que o governo e as prefeituras estão ganhando dinheiro também com esse tipo de agressão ao nosso território. Muitos políticos da região também apoiam a agressão ao nosso território”.

    Conforme a nota do conselho, a resposta dos Ka’apor às violações, invasões e assassinatos – como o de Eusébio Ka’apor, ocorrido em abril de 2015 – ainda recorrentes é reforçar o pacto de convivência estabelecido para fortalecer a cultura e o modo de ser Ka’apor: “vamos continuar respeitando nosso acordo de convivência, nossas formas de organização e decisão para viver em diálogo e na paz”.

    Clique aqui para ler a nota do Conselho na íntegra.

    Fotos: arquivo Cimi/Ruy Sposati

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  • 26/01/2016

    Ação pede que Estado brasileiro seja responsabilizado por graves violações de direitos humanos dos Krenak

    O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) ajuizou ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, para que o Estado brasileiro reconheça as graves violações de direito cometidas contra o povo indígena Krenak durante a ditadura militar, adotando medidas de reparação em favor de sua cultura.

    Na ação, são narrados três episódios principais: a criação da Guarda Rural Indígena (GRIN), a instalação de um presídio chamado de “Reformatório Krenak” (clique aqui para ler reportagem especial no Porantim), e o deslocamento forçado para a fazenda Guarani, no município de Carmésia/MG, que também funcionou como centro de detenção arbitrária de indígenas.

    São réus na ação a União, o Estado de Minas Gerais, a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Fundação Rural Mineira (Ruralminas) e o oficial militar reformado da Polícia Militar de Minas Gerais, Manoel dos Santos Pinheiro, que, na época dos fatos, detinha a patente de capitão da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG).

    O MPF relata em detalhes o ambiente de exceção, trabalhos forçados, tortura, remoção compulsória e intensa desagregação social impostos ao povo Krenak quando da implantação do reformatório nas terras da etnia, situadas à margem esquerda do rio Doce, no município de Resplendor, região leste  de Minas Gerais.

    Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão em Minas Gerais, Edmundo Antonio Dias, que integra o Grupo de Trabalho Violações dos Direitos dos Povos Indígenas e Regime Militar, da 6ª Câmara do MPF, "o reformatório era um presídio sem previsão legal, destinado a confinar indígenas em razão de condutas valoradas segundo critérios inteiramente subjetivos. Ali funcionou uma verdadeira polícia de costumes. As condutas em geral sequer eram previstas pela legislação penal e os índios não eram submetidos a julgamento. Os índios não podiam viver sua própria cultura, praticar seus rituais, nem mesmo conversar na língua materna. Além disso, o episódio do deslocamento forçado dos Krenak para a Fazenda Guarani evidencia a intensificação, durante o regime militar, do processo de desterritorialização desde sempre imposto aos povos indígenas no país."

    Em março, o MPF já havia apresentado à Comissão de Anistia um requerimento de anistia política ao povo indígena Krenak, conforme prevê o artigo 2º da Lei 10.559/2002, que ainda não foi apreciado.

    Violações – Em 1969, foi criada a Guarda Rural Indígena (GRIN), um grupamento composto por indígenas de várias etnias, cujo comando, em Minas Gerais, foi delegado à Polícia Militar de Minas Gerais.

    A solenidade de formatura da 1ª turma da GRIN ocorreu na presença do então governador de Minas Gerais, Israel Pinheiro, do seu secretário estadual de Educação, José Maria Alkmin – que fora vice-presidente da República entre 1964 e 1967 – e de outras altas autoridades federais. Durante o desfile, foi exibido um índio dependurado em um pau de arara.

    A cena, que foi filmada, é a única registrada no Brasil que mostra, em um evento oficial, um ato de tortura.

    Para o Reformatório Krenak, foram enviados indígenas de mais de 15 etnias, oriundos de ao menos 11 estados das cinco regiões do país.

    No comando do Reformatório Krenak estava Manoel dos Santos Pinheiro, que na época dos fatos tinha a patente de capitão e havia sido nomeado, por meio da Portaria n° 110/68, do presidente da Funai, para chefiar a Ajudância Minas-Bahia. Nesta condição, ele administrou o reformatório e a ocupação militar das terras Krenak, sendo  também o responsável pela remoção compulsória, em 1972, dos indígenas para a fazenda Guarani.

    o reformatório, os indígenas eram mantidos presos por diversos motivos, como ingestão de bebidas alcoólicas, ou simplesmente por terem saído da reserva sem autorização. No local, havia uma espécie de solitária, que os índios denominavam de “cubículo”, onde eram mantidos dia e noite como forma de punição.

    Em seu depoimento prestado ao MPF, em maio de 2014, o indígena Manelão Pankararu, que foi trazido de Pernambuco para ficar detido no reformatório, conta que os índios eram levados para essa pequena cela onde eram submetidos a tortura: “Era uma cadeia grande. Tinha muitas celas, e cada cela tinha quatro camas. Era igual hospital. Havia também uma cela que era conhecida como “cubículo”, que era onde eles pegavam os índios e metiam o cacete, eu escutava os índios gritando. Era ali que o índio tomava couro (…) no cubículo havia um pau de arara e também o “cachorro quente”, que era um aparelho que ficava jogando água do teto o tempo inteiro e o índio ficava dois dias numa cela molhada. Alguns índios iam para o pau de arara e para o“cachorro quente” por qualquer motivo, sempre que fazia alguma coisa errada”, relatou o indígena.

    O MPF, entre os meses de maio e agosto de 2014, esteve nas terra indígenas dos Krenak e dos Maxakali e tomou depoimentos que confirmaram que também crianças, mulheres e idosos eram vítimas dos atos de arbítrio, além de serem obrigados a executar tarefas para os policiais, sendo castigados quando não as realizassem.

    Os indígenas ouvidos também relataram abusos de natureza sexual cometidos contra as mulheres Krenak pelos policiais militares que faziam a guarda do reformatório.

    Exílio – Em 1972, o povo Krenak foi retirado à força de suas terras e levado para a Fazenda Guarani, situada no município de Carmésia, a 343 km de distância. O objetivo real do deslocamento forçado foi o de liberar as terras dos Krenak para fazendeiros que, no anterior, haviam perdido uma ação de reintegração de posse ajuizada para garantir os direitos dos Krenak. "Apesar de a ação ter sido decidida favoravelmente aos Krenak, foi acertada pelos réus a transferência dos indígenas para a Fazenda Guarani, deixando seu território aberto para os posseiros que haviam perdido a ação judicial", observa Edmundo Antonio Dias.

    Os Krenak referem-se ao episódio do exílio com profundo sofrimento, devido à distância do rio Doce, que era o centro de sua vida cultural e espiritual. Por oito anos, eles suportaram as péssimas condições de vida na Fazenda Guarani, que  funcionou como uma continuação do Reformatório Krenak.

    Somente em 1983, a Funai ajuizou uma ação ordinária de nulidade dos títulos concedidos pelo Estado de Minas Gerais e pela Ruralminas aos fazendeiros. Dez anos depois, em 1993, o STF julgou procedente a ação e declarou a nulidade dos títulos de propriedade.

    Danos psicológicos – Para comprovar a gravidade dos impactos psicossociais resultantes da violência estatal sofrida pelos Krenak, o MPF solicitou um parecer ao psicólogo Bruno Simões Gonçalves, especialista em populações tradicionais. O relatório destaca que os atos de violência perpetrados pelos réus contra os indígenas resultaram em intenso sofrimento individual dos integrantes da etnia Krenak e à extrema traumatização psicossocial coletiva da etnia.

    Pedidos – Além do pedido público de desculpas, que deverá ser feito pela União, Funai, Estado de Minas Gerais e Ruralminas à etnia Krenak, o MPF pede o reconhecimento judicial da responsabilidade pessoal do réu Manoel dos Santos Pinheiro como autor e partícipe do cometimento das graves violações de direitos humanos contra o povo indígena Krenak, bem como que seja reconhecida a existência de relação jurídica entre o ex-capitão, hoje major reformado da PMMG, e a União Federal, consistente no dever de reparar regressivamente o Tesouro Nacional pelas importâncias que venham a ser despendidas com o pagamento de reparações às vítimas.

    Para o MPF, o ex-capitão deve ser condenado não só a pagar indenização por danos morais coletivos, como deve perder os proventos de aposentadoria ou inatividade que esteja percebendo da União Federal ou do Estado de Minas Gerais, bem como as patentes, honrarias e postos militares que porventura possua, além das funções e cargos públicos, efetivos ou comissionados, que esteja eventualmente exercendo na Administração Pública direta ou indireta de qualquer ente federativo.

    À União, à Funai, ao Estado de Minas Gerais e à Fundação Rural Mineira, o MPF requer que promovam, com a participação dos Krenak – e após realização de consulta livre e informada a este povo, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) –, a recuperação ambiental de suas terras, esbulhadas e degradadas durante o período da ditadura militar. Para tanto, os réus devem apresentar projeto para a recuperação, a ser discutido com o povo Krenak.

    Além disso, o MPF pede que os réus implementem várias ações para resgatar e preservar a cultura e a língua Krenak e promovam a tradução da Constituição Brasileira, da Convenção nº 169 da OIT e do texto temático do relatório final da Comissão Nacional da Verdade sobre as graves violações dos direitos humanos dos povos indígenas.

    Os réus também devem entregar, ao povo Krenak, todos os documentos governamentais, mantidos sob qualquer meio impresso, digital ou audiovisual, produzidos no período da ditadura militar, referentes à etnia, ao Reformatório Krenak e à transferência compulsória desse povo à Fazenda Guarani.

    Como os Krenak ainda não estão com todas as suas terras demarcadas, o MPF quer que a União e a Funai concluam o processo de identificação e delimitação do território sagrado conhecido como Sete Salões, adjacente ao atual território da etnia.

    Arquivo Nacional – Como medida de preservação da memória, a ação pede que a União sistematize e publique, no Arquivo Nacional, toda a documentação relativa às violações dos direitos humanos dos povos indígenas resultantes da instalação do Reformatório Krenak, da transferência forçada para a Fazenda Guarani e do funcionamento da Guarda Rural Indígena.

    O MPF pede também que os réus promovam, após consulta prévia, livre e informada à etnia Pataxó – que se encontra assentada na terra indígena atualmente denominada "Terra Indígena Fazenda Guarani" –, a restauração da sede da Fazenda, implantando no local, em parceria com os indígenas e eventualmente com terceiros interessados, um centro de memória destinado a manter a lembrança das violações aos direitos dos povos indígenas no país e no Estado de Minas Gerais, bem como a abrigar atividades culturais a serem realizadas pelos povos indígenas, desde que o resultado da consulta prévia seja favorável a essa medida.

    Para ler a íntegra da ação e dos pedidos feitos, clique aqui.

    Foto: Lígia Simonian, 1987

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  • 26/01/2016

    Coipam reivindica atuação da Funai para evitar conflito no Vale do Javari

    A Coordenação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Coipam) divulgou carta enviada à presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), nesta semana, manifestando apoio aos indígenas do Vale do Javari que ocupam a sede da Coordenação Regional da Funai em Atalaia do Norte (AM) desde o dia 19 de janeiro, e reiterando as reivindicações feitas por estes povos.

    Na carta, a entidade indígena manifesta sua preocupação com a situação de conflito iminente entre os indígenas do povo Matís e os indígenas Korubo isolados, com a possibilidade de ocorrência de novas mortes, e exige “providencias urgentes por parte da Presidência da Funai, quanto à remoção dos Matis para uma área distante, longe dos Korubos, evitando como já mencionado outros conflitos”.

    No dia 19 de janeiro, indígenas do povo Matís, apoiados pelos povos Mayuruna (também chamados de Matsés), Kanamary e Marubo, também do Vale do Javari, ocuparam a sede da Coordenação Regional da Funai em Atalaia do Norte (AM). Os indígenas retiraram do prédio os oito funcionários do órgão e o coordenador local, Bruno Pereira de Araújo, cuja exoneração é pedida pelos indígenas.

    A situação de conflito entre indígenas isolados do povo Korubo e índios Matís iniciou-se em dezembro de 2014, quando dois Matís foram mortos por índios Korubo. Os assassinatos foram seguidos por um revide dos Matís, que também deixou indígenas Korubo mortos.

    Após ocuparem a sede da Funai, os povos indígenas do Vale do Javari divulgaram uma carta pedindo providências à Funai. O documento afirmam que grupos isolados de Korubo “ainda estão permanentemente presente nas proximidades das aldeias, o que impede todas as atividades rotineiras do povo Matís”.

    De acordo com o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), Jorge Duarth Comapa, os Matis vem pedindo há meses que a Coordenação Técnica Local (CTL) da Funai em Atalaia do Norte adote medidas para impedir o avanço dos grupos isolados nas aldeias Matis e o acirramento do conflito, com a possibilidade de ocorrência de mortes.

    Recentemente, na aldeia Paraíso, localizada no rio Branco, afluente do rio Ituí, distante da sede municipal aproximadamente 900 quilômetros por via fluvial, um grupo isolado teria matado um cachorro e retirado parte da roça dos Matís. “Os Matis estão com medo de serem atacados e de que ocorram mais mortes”, diz Jorge Marubo.

    A situação envolvendo os povos Matís e Korubo é complexa, pois envolve grupos Korubo isolados e indígenas do povo Matis que pedem ações para que sua segurança seja garantida. Os indígenas na ocupação exigem o cumprimento da agenda do presidente da Funai no Vale do Javari, para que o diálogo – abalado, segundo os Matís, pelo tratamento desrespeitoso que receberam por parte da Coordenação regional – seja retomado e se possa construir soluções para atender as demandas dos povos indígenas do Vale do Javari.

    Clique aqui para ler a carta da Coipam na íntegra.

    Foto: Marke Turu Matis

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  • 25/01/2016

    Funai vai passar o chapéu

    Funai (Fundação Nacional do Índio) vai recorrer a países como Estados Unidos, Alemanha e Noruega para reforçar o seu caixa em 2016. A decisão, confirmada pelo presidente da instituição, João Pedro Gonçalves, acontece após cortes no orçamento reduzirem os recursos da Funai ao menor nível em quatro anos” (UOL, 13/01/16).


    Por ocasião da criação da Funai, no final de 1967, uma questão central debatida foi que caráter teria o órgão indigenista. Seria um órgão de Estado, que nesse caso garantiria os recursos para funcionamento, ou seria uma fundação, com possibilidade de captação de recursos de diversas fontes, privadas ou públicas, nacionais ou internacionais? Prevaleceu a segunda hipótese, sendo por isso denominada de Fundação Nacional do Índio.

    Na prática, os governos da ditadura faziam questão de bancar a fundação, pois ela precisava estar sob controle. A Funai, por sua vez, buscaria controlar os índios. E com o máximo de rigor. Foi o que aconteceu. A Funai, que herdara 700 funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), depois de sete anos estava com sete mil.

    Nos primeiros anos os recursos provinham em grande parte da exploração “empresarial” dos recursos naturais em terras indígenas, especialmente a madeira e do arrendamento de terras, que na verdade foi também um dos principais mecanismos para invadir os territórios dos povos nativos. O famigerado Departamento Geral de Patrimônio Indígena (DGPI) da Funai funcionou com a mesma filosofia de uma empresa. Os índios tiveram sorte de não prosperar a “mineradora Funai”, como propôs na década de 1970 o delegado regional de Manaus, “Cazuto Kavamoto”.

    Funai: começo ou fim

    O Estado brasileiro, desde que definiu sua política de integração e extinção dos índios, no início do século passado, sempre submeteu sua política com relação aos povos nativos e seus direitos aos interesses das classes e elites dominantes. Portanto, não é de estranhar que o SPI tenha se transformado num antro de corrupção e violência nesse país. É só consultar o Relatório Figueiredo e o relatório da Comissão Nacional da Verdade para confirmar isso.

    A Funai, com seus quase 50 anos de existência, com mais de 30 presidentes, foi alvo de severas críticas por parte dos povos e movimento indígena, que muitas vezes a qualificaram como “Funerária Nacional do Índio”. O deputado Mario Juruna, do povo Xavante, num de seus arroubos de indignação, declarou que a Funai deveria se chamar “Fundação Nacional dos Coronéis”.

    Hoje a Funai encontra-se esquelética e sucateada, sob o fogo cruzado de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara dos Deputados, vendo seus orçamentos sendo reduzidos numa inequívoca prova de que  para o  governo nem de  longe a questão indígena é prioridade.

    É também notório que a escolha de um político do PT, o ex-senador João Pedro, enquadrou a Funai no estreito corredor de aprovadora de projetos de interesse do atual governo e normalmente contrários aos  direitos dos povos indígenas.  A recente e apressada aprovação pelo presidente da Funai, da passagem do linhão de Tucuruí até Boa Vista, em pleno território Waimiri Atroari e contra a decisão dos mesmos, é mais um exemplo da nociva função política da Funai.

    Ministério dos Povos Indígenas

    No Chile, a presidente Bachelet, ao criar o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que o ministério “colaborará com a criação e a coordenação de políticas e programas para fortalecer os povos indígenas, sua cultura, seus interesses, sua participação em debates importantes, como o da reforma constitucional, e assim evitar toda forma de discriminação arbitrária”. Criou também o Conselho Nacional dos Povos Indígenas, que deverá trabalhar junto com o ministério, e contará com participação de representantes das nove etnias indígenas reconhecidas pelo Estado – aymara, quechua, atacameña, diaguita, kolla, rapa nui, kawésqar, yagán e mapuche. Cada uma terá também seus conselhos específicos que trabalharão como instâncias regionais do Conselho Nacional.

    É claro que criar estruturas que teoricamente são um gesto de valorização dos povos nativos, não necessariamente significa um passo incisivo para a autonomia e autodeterminação dos povos indígenas. Por essa razão os Mapuche, por exemplo, veem com certo ceticismo a criação do ministério. Caso a lei antiterrorismo seja acionada mais uma vez contra esses povos, haverá ministério que se contraponha a essas iniciativas de criminalização por parte do estado chileno?

    Egon Heck

    Cimi – Secretariado Nacional

    Fotos: Laila Menezes

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  • 25/01/2016

    “Nossa sobrevivência física e cultural está ameaçada”, afirmam povos indígenas no FST 2016

    Os povos indígenas presentes no Fórum Social Mundial Temático (FST) 2016, que ocorreu entre os dias 19 e 23 de janeiro em Porto Alegre, divulgaram um documento com um balanço da situação atual dos povos tradicionais no Brasil, denúncias e reivindicações para que seus direitos se concretizem e sejam capazes de garantir justiça, autonomia e dignidade.

    Analisando a situação que se desenrolou desde a primeira edição do FSM, em 2001, os indígenas afirmam que “o balanço que fazemos no FSM Temático 2016 é de que nossas demandas não foram atendidas e sofremos muitos retrocessos”.

    O documento divulgado pelos indígenas presentes no FST questiona o silêncio da mídia tradicional brasileira a respeito da morte de Vítor Kaingang, criança de dois anos assassinada em Imbituba (SC) no penúltimo dia de 2015.

    “No Brasil do século XXI bebês indígenas são degolados por racismo, em local público no sul do país e o que a sociedade e a grande mídia brasileira fizeram? Fizeram silêncio! São coniventes não só pela omissão: alimentam o ódio racial contra os antigos donos dessa terra”, afirma o documento, no qual os indígenas também solidarizam-se com o povo Krenak “pela morte do Rio Doce”.


    O documento denuncia a hidrelétrica de Belo Monte, afirmando que “sua energia é banhada em sangue indígena”, e o massacre do povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul (MS), onde os indígenas sofrem com a omissão do governo em demarcar as terras indígenas e a violência constante.

    Em função dessas situações que, segundo os indígenas, ameaçam a sua sobrevivência física e cultural no Brasil, e da falta de consulta aos povos em questões que lhes dizem respeito, o documento também afirma que o Brasil desrespeita os tratados internacionais dos quais é signatário.


    “Defendemos direitos territoriais reconhecidos constitucionalmente: que a Constituição seja cumprida e que nossos Povos possam ter de volta a dignidade que nos foi tirada”, afirmam os povos indígenas presentes no Fórum.

    O FST 2016 ocorreu entre os dias 19 e 23 de janeiro, em Porto Alegre, com o tema “Paz, Democracia, Direito dos Povos e do Planeta”, celebrando os 15 anos de Fórum Social Mundial. O evento foi, também, preparatório para a edição mundial do FSM que ocorrerá em Montreal, no Canadá, entre os dias 9 e 14 de agosto – o primeiro a ser realizado no Hemisfério Norte.

    Clique aqui para ler o documento na íntegra.

    Fotos: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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