• 13/06/2016

    Três CPIs com intenções e resultados parecidos

    Na quinta-feira (09), foi aprovado o relatório da CPI do Genocídio, eufemisticamente apelidada de CPI da Ação/Omissão, originalmente proposta pelos movimentos sociais como um contraponto à CPI do Cimi, mas que de forma oportunista foi ocupada por um conjunto de forças anti-indígenas no Mato Grosso do Sul. O documento contém 286 páginas distribuídas em 17 capítulos. Os trabalhos de quatro meses chegaram à brilhante conclusão de “que o poder público não é omisso e nem age contra as comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul”. Segundo e seguindo essa lógica, quando o ex-governador Pucinelli afirmou que era um crime dar um palmo de terra produtiva aos índios, certamente estava ostensivamente apoiando os índios e a Constituição brasileira!

    A conclusão da relatoria é de que “inexistem provas materiais e liame jurídico necessário à responsabilização do Estado de Mato Grosso do Sul nos casos de violência contra os povos indígenas”.

    O que são então os 30 acampamentos Kaiowá Guarani, no cone sul do Mato Grosso do Sul? São frutos do reconhecimento do direito dos povos indígenas às suas terras, de uma relação sem preconceitos e dignidade? Se existe tanto interesse em afirmar que o Estado não tem responsabilidade quanto às violências, por que este não busca, junto ao governo federal, ações no sentido de demarcar as terras reivindicadas pelas comunidades indígenas?

    A CPI da Funai e do Incra segue o mesmo caminho, ou seja, são espaços quase que totalmente ocupados por parlamentares ruralistas.

    As duas CPIs na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul tiveram praticamente a mesma composição: quatro parlamentares defendendo interesses ruralistas e apenas um favorável à causa indígena. E na CPI que encerrou suas atividades nesta semana com aprovação do relatório, quatro parlamentares se posicionaram sistematicamente a favor do Estado, e um buscando fazer um contraponto, procurando elucidar as responsabilidades do Estado com relação às violências e genocídio em curso.

    O resultado não poderia ser outro. Os relatórios aprovados não tiveram unanimidade, tanto que relatórios paralelos foram apresentados.

    Os ditos resultados das CPIs de Mato Grosso do Sul foram enviados à CPI da Funai e do Incra. Não tem quem, de boa fé, possa esperar algo diferente. Atacar funcionários públicos, profissionais competentes, demonizar a causa indígena e seus aliados, retardar o cumprimento da Constituição, fazer avançar a aprovação de Propostas de Emenda Constitucional (PECs) e Projetos de Lei (PLs), como a 215 e o 1610, dentre dezenas de outros, eis alguns dos ventos no horizonte.


    Para quem acompanhou, neste último meio século, as dificuldades enfrentadas pelos indígenas com milhares de mortes, massacres, extermínios, genocídio, etnocídio, não restam dúvidas de que esta é uma página conspurcada de nossa história, da qual não apenas nos envergonhamos, mas precisamos reagir energicamente para começar a fazer justiça a esses 305 povos originários que sobrevivem em nosso país. Foram constituídas regionalmente e em nível nacional inúmeras Comissões Parlamentares de Inquérito para identificar e punir severamente os culpados por essa barbárie. Infelizmente, os mandantes e executores não apenas continuaram impunes, mas sentiram-se estimulados a continuar com suas práticas criminosas contra os povos indígenas.

    Vejam o “Relatório Figueiredo” (de 1968) e o relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014) e outros tantos relatórios, que foram e continuam sendo levados a instâncias nacionais e internacionais, no anseio de acabar com esse quadro de violência e mortes que continua em praticamente todas as regiões do país. Infelizmente essa triste realidade se verifica também em grande parte de nossa América Ameríndia, ainda na paixão, conforme palavras de Dom Pedro Casaldáliga.

    Egon Heck
    Cimi Secretariado Nacional

    Brasília, 10 de junho de 2016.

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  • 10/06/2016

    Juiz pede que governo Temer mande Força Nacional para despejar Guarani Kaiowa de área explorada por Bumlai no MS

    Ruy Sposati,

    de Dourados (MS)

    Após o governo do estado ter se recusado a usar a Polícia Militar para realizar o despejo das nove famílias Kaiowa e Guarani do tekoha Apyka’i, em Dourados (MS), o juiz federal Fábio Kaiut Nunes requisitou ao Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, o envio de tropas da Força Nacional de Segurança Pública para retirar os indígenas da área. Mesmo sem polícia para efetuar a ação, a Justiça notificou a liderança da comunidade, Damiana Cavanha. A indígena afirmou que a comunidade não deixará a área, arrendada pela a Usina São Fernando, propriedade de José Carlos Bumlai. A Fundação Nacional do Índio (Funai) entrou com pedido de Suspensão de Liminar no Supremo Tribunal Federal (STF), para evitar o confronto.

    Na última quarta, 8, Damiana foi levada até a sede da Funai para receber a notificação da oficial de Justiça. A liderança, no entanto, recusou-se a assinar o documento. "Não vou assinar nada. Pode cavar o buraco para enterrar todos, porque não vamos sair do nosso tekoha", afirmou, respondendo ao pedido da oficial. Mesmo sem a assinatura, o prazo de cinco dias estabelecido na decisão judicial para cumprimento da ordem passa a valer. O despejo deverá acontecer entre os dias 13 e 15 de junho, a pedido do proprietário da fazenda Serrana (arrendada para a usina), Cassio Guilherme Bonilha Tecchio.

    Sem Polícia

    Esta não é a primeira vez que o juiz substituto da 1a. Vara da Justiça Federal de Dourados  decide pela reintegração de posse contra os Kaiowa de Apyka’i, apesar da forte oposição de organizações de direitos humanos do mundo todo contra o despejo.

    Na última decisão, em maio, Kaiut requisitou ao governo do Mato Grosso do Sul o uso da PM para o cumprir a reintegração, mas o pedido foi negado. Em sua decisão, Kaiut exige que a Procuradoria Geral da República "adote as medidas cabíveis" contra o governo do estado pelo não-cumprimento, e solicitou ao Ministro da Justiça o uso da Força Nacional, que ainda não respondeu ao pedido.

    Dias depois de assumir o Ministério da Justiça no governo provisório de Michel Temer (PMDB), o ex-secretário de Segurança do estado de São Paulo Alexandre de Moraes afirmou à imprensa que irá combater "movimentos de esquerda", e que ações de grupos que ocupem terras – em referência ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), citado pelo ministro – "vão ser combatidas assim como os crimes".

    Antes dos cargos públicos, Alexandre atuava como advogado e trabalhou também para o deputado federal afastado Eduardo Cunha (PMDB/RJ). Em 2014, Cunha foi defendido por Alexandre numa ação em que era acusado de usar documento falso. Alexandre conseguiu a absolvição de Cunha no STF.

    Apyka’i, "comunidade modelo" do genocídio

    Mais de uma década vivendo na beira da estrada, sofrendo ataques de seguranças privados, barracos criminosamente incendiados a mando de produtores rurais, bebendo da água mais podre dos córregos envenenados pela monocultura – o Apyka’i figura como uma espécie de "comunidade modelo" do genocídio que sofrem os povos indígenas no Brasil.

    Nove pessoas faleceram no local – oito, vítimas de atropelamentos, e uma envenenada por agrotóxicos utilizados nas plantações que circundam a retomada. Os moradores do tekoha sobrevivem essencialmente de doações e de cestas básicas oferecidas por apoiadores e pela Funai. Não tem acesso à água, à floresta, è educação, saúde, à segurança ou a dignidade mínima.

    A usina

    Instalada em Dourados em 2009, a Usina São Fernando é um empreendimento do Grupo Bertin, um dos maiores frigoríficos produtores e exportadores de itens de origem animal das Américas, e da Agropecuária JB, ligada ao Grupo Bumlai (propriedade do pecuarista José Carlos Bumlai), especializado em melhoramento genético de gado de corte. Um dos territórios utilizados pela usina para produzir cana é reivindicado pelos Kaiowá de Apyka’i.

    Em 2010, sob perigo de perder sua licença de operação em função de diversos descumprimentos legais em questões trabalhalistas, ambientais e indígenas, a usina teve de assinar um termo de cooperação e compromisso de responsabilidades na Justiça.

    Entre as condicionantes estabelecidas pelo Ministério Público Estadual, Ministério Público do Trabalho e MPF, a usina era obrigada a não renovar o contrato de arrendamento da fazenda Serrana, de Cássio Guilherme Bonilha Tecchio, propriedade que incide sobre o território reivindicado como Apyka’i pela família de Damiana, quando o atual findasse.

    Em 2015, José Carlos Bumlai foi preso no decurso da Operação Lava Jato, acusado de fazer parte de um esquema de corrupção e fraude no pagamento de dívidas de campanha eleitoral do Partido dos Trabalhadores.

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  • 09/06/2016

    Nota pública: o povo não cabe no orçamento do governo provisório

    A Articulação das Pastorais do Campo, composta pelo Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Comissão Pastoral da Terra – CPT, Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP, Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM, divide com os grupos e comunidades com as quais convivem suas angústias e apreensões, diante da violência institucional e do desmonte dos direitos conquistados em longo processo de lutas.


    Clique aqui para acessar a nota em pdf.

    Após o Senado Federal ter afastado temporariamente, numa manobra claramente golpista, a presidenta Dilma Rousseff e empossado provisoriamente Michel Temer, estão sendo impostas, irresponsavelmente, medidas com caráter de mandato definitivo.  Medidas que afetam diretamente os mais fracos e vulneráveis de nosso país, sobretudo os povos e comunidades do campo, das florestas e das águas.

    Formou um novo ministério só de homens, e todos brancos. Nenhuma mulher, nenhum negro, ninguém alinhado às classes sociais desprotegidas. Nada menos que sete deles citados e denunciados na Operação Lava-Jato e em outros processos de corrupção. Dois, por conta de gravações divulgadas e que os incriminam, já tiveram que ser afastados.

    Promoveu a extinção de ministérios, a fusão de outros, sobretudo os voltados para o campo social, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Secretaria dos Direitos Humanos, da Igualdade Racial e da Mulher, num processo em que está implícito o desmanche de direitos. Sucedem-se medidas anunciadas e revogadas num curto espaço de tempo. Caso exemplar é o da competência pela delimitação das terras quilombolas, que foi transferida do Incra para o Ministério da Educação, deste para o Ministério da Cultura e por fim acabou ficando, junto com o próprio Incra e outros órgãos voltados para o povo do campo, para a Casa Civil.

    Seus ministros acenam que as medidas de reconhecimento de terras indígenas e territórios quilombolas tomadas pelo governo Dilma, nos meses anteriores a seu afastamento, poderão ser revogadas.

    Há articulações para revogação do Decreto nº 8.750/2016, que instituiu o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, num claro desrespeito à identidade e direitos desses povos.

    Na verdade, as questões que envolvem indígenas, camponeses, sem terra e comunidades tradicionais são uma batata quente nas mãos do governo interino com as quais não sabe tratar. A sensação que transparece é que procura um jeito de se ver livre delas.

    O golpe contra o direito dos mais vulneráveis atinge em cheio também as comunidades urbanas. A primeira grande vítima do governo provisório foi o Direito à Moradia. O cancelamento dos contratos se voltou principalmente contra a modalidade ‘Entidades do Programa’, na qual os futuros moradores gerenciam o projeto e a obra, construindo casas maiores e melhores, com os mesmos custos das construções feitas por empreiteiras. Medida revogada nos últimos dias.

    E se anunciam reformas na previdência, com aumento da idade mínima para aposentadoria, desvinculação do salário mínimo, atingindo mais de 30 milhões de pessoas. Também já está clara a revisão do programa Bolsa Família. O ministro da Saúde acenou para o fim da universalidade do SUS.

    Quem está atrapalhando o novo governo é o povo. Este não cabe no orçamento, como se pode ver pelo plano econômico anunciado que propõe colocar um limite para despesas em saúde, educação e outras em setores essenciais à vida do povo.

    Tudo isso deixa claro o que esteve por trás de todo o processo que levou ao afastamento provisório da presidenta Dilma Rousseff.  Foi um escárnio à história e à inteligência do povo brasileiro. E um claro e transparente atentado contra a democracia. Na realidade o processo de Impedimento de Dilma não visava acabar com a corrupção ou punir os corruptos, mas justamente o oposto: proteger corruptos dando-lhes poder para garantirem seus privilégios e para bloquear investigações em curso. E limitar os ganhos sociais dos mais pobres.

    De nada valeram, até agora, as mais variadas manifestações das igrejas, de pastorais sociais, de movimentos populares, de juristas, artistas e intelectuais que alertavam sobre a iminência da quebra da ordem democrática. De nada valeram também os argumentos de defesa da presidenta. O que se inferia de todo o procedimento adotado ficou claramente explícito na gravação, tornada pública no dia 23 de maio, do diálogo do senador Romero Jucá com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Dilma tinha que ser afastada para se colocar um limite às investigações da Lava-Jato.

    A cada dia de atuação desse novo governo interino se confirma a subserviência do presidente Temer aos interesses financeiros dos conglomerados empresariais, de capital nacional e internacional, representados, sobretudo, pela bancada ruralista e por setores ligados a interesses minerários.

    As Pastorais do Campo denunciam a violência em curso e somam suas vozes à de muitas igrejas cristãs e não cristãs, à dos movimentos sociais, à dos jovens que ocupam escolas na defesa dos direitos a condições melhores de educação, a milhares de famílias silenciosas que vêem suas parcas conquistas escorrerem de suas mãos, para que um estrondoso grito de justiça ecoe em todos os cantos deste imenso Brasil. É necessária e urgente uma profunda reforma política que garanta mecanismos de participação popular nos destinos da nação. É patente que o Executivo e o Legislativo não respondem à sociedade, não olham os interesses do povo. Obedecem unicamente aos ditames dos doadores de suas campanhas.

    Brasília, 07 de junho de 2016.

    Comissão Pastoral da Terra – CPT
    Conselho Indigenista Missionário – CIMI
    Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
    Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM

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  • 09/06/2016

    Presidente da CPI do Genocídio discorda de relatório oficial e apresenta voto paralelo

    O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul que investiga crime de genocídio contra as populações indígenas, deputado João Grandão (PT), apresenta nesta quinta, 9, um voto paralelo, defendendo ter havido ação e omissão do estado nas violações cometidas contra povos indígenas no Mato Grosso do Sul.

    Cerca de oitenta lideranças indígenas Guarani, Kaiowa e Terena acompanham a votação, em protesto contra relatório oficial. Lido na semana passada pelo deputado Paulo Corrêa (PR) – substituindo provisoriamente a relatora da CPI, Antonieta Amorim (PSB) -, o documento isenta o governo do estado de toda a responsabilidade por crimes cometidos contra indígenas na região.

    Leia a nota pública do Cimi sobre a CPI do Genocídio

    Com pouco menos de 300 páginas, o relatório oficial foi lido em 2 de junho, e deverá ser aprovado pelos parlamentares ruralistas que compõem a CPI: além de Paulo e Antonieta, a vice-presidente, Mara Caseiro (PSDB) e o membro da comissão Professor Rinaldo (PSDB) devem acompanhar o voto favorável ao documento.

    O deputado João Grandão, que vota isoladamente, aponta que a morte sistêmica de lideranças indígenas, a formação de milícias armadas, as tentativas de assimilação, a ausência de terra, falta de acesso à educação e saúde, insegurança alimentar, o papel da polícia nas aldeias, e outras violações são indissociáveis das ações e omissões do estado.

    No voto, Grandão propõe trinta recomendações aos poderes públicos – entre elas, de que o estado faça um "pedido público de desculpas aos povos indígenas pelo esbulho das terras (…) e pelas (…) violações de direitos humanos e sociais ocorridos sob sua responsabilidade direta ou indireta".

    Genocídio

    A conclusão de que o poder público não foi omisso e, por isso, não deve ser penalizado pelos conflitos na região foi criticada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Em nota, a entidade afirma que aprovar o relatório ignorando o papel do estado configura-se como "um crime em cima de um crime", e que os povos indígenas estão "sofrendo a tentativa de serem silenciados pelo poder econômico".

    Ainda, a carta atrela a CPI do Cimi à CPI do Genocídio (ambas compartilham basicamente os mesmos deputados), e também à CPI da Funai/Incra, hegemonizadas por parlamentares ligados ao agronegócio, cujo horizonte é "liberar territórios tradicionais para a eterna empreitada do capital na expansão de suas fronteiras".

    O voto de Grandão aponta que as provas colhidas nas oitivas da CPI garantem que "estamos diante do genocídio dos povos originários, habitantes deste território", contrapondo a conclusão do relatório oficial de que não existe genocídio no estado.


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  • 09/06/2016

    CPI do Genocídio: matam os índios e querem esconder o pau

    Aos povos indígenas no Brasil, o Estado e suas esferas de poder parecem um monstrengo abominável.

    Menos de um mês após a entrega do relatório que tenta criminalizar o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no estado, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul apresentou o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Genocídio, isentando o estado de qualquer responsabilidade sobre as violências sofridas por indígenas no contexto do conflito fundiário na região.

    A tese central da CPI do Cimi foi acusar a entidade de manipular indígenas para ocuparem terras – ao mesmo tempo em que atribuía uma absoluta ausência da autonomia dos povos indígenas em suas movimentações na luta pela terra. O argumento não é uma novidade: na carta de 1500 ao rei português, Pero Vaz de Caminha descrevia os indígenas no Brasil como gente a ser domesticada, "argila moldável, uma tábula rasa, uma página em branco".

    Baixe a nota em PDF

    A afirmativa da CPI do Genocídio é ainda mais trágica: os indígenas não só são mentecaptos, segundo os deputados, mas também são os próprios responsáveis pela aniquilação de suas gerações, presentes e futuras.

    Para eliminar qualquer dúvida, de antemão, proibiu-se o uso da expressão "genocídio" durante as oitivas. O próprio título da CPI foi alterado, num acordo bizarro exigido pelos parlamentares ruralistas – em essência, os mesmos da CPI do Cimi, representando os interesses do agronegócio da região – ao presidente da Comissão, João Grandão (PT), sob ameaça de inviabilizar a investigação, prenunciando as manobras que viriam, para tornar o mais asséptico possível a sistematização dos dados coletados nos depoimentos.

    Os deputados sequer se envergonharam de proibir os indígenas de falarem em seus idiomas maternos. O trato com os indígenas remontava interrogatórios toscos de policiais de cinema. Oitivas importantes, como a dos procuradores do Ministério Público Federal (MPF) foram implodidas: os deputados desinteressados em ouvi-los (posto os procuradores desconstruiriam as principais teses anti-indígenas da CPI) simplesmente não se fizeram presentes, e a sessão foi cancelada. Estes depoimentos materializariam as ações e omissões do Estado de Mato Grosso do Sul, tipificando assim a situação dos povos indígenas como genocídio.

    Ignorar o MPF é um movimento importante, quando se trata de invisibilizar o que os indígenas têm a dizer. Quando era vice-procuradora geral da Republica, Déborah Duprat visitou a região de Dourados afirmou que a questão Guarani e Kaiowa, ali, apresentava-se como “talvez a maior tragédia conhecida na questão indígena em todo o mundo”.

    Ainda, as últimas empreitadas das lideranças do Conselho Aty Guasu em fóruns da Organização das Nações Unidas (ONU) tem aproximado cada vez mais o entendimento de que a crise humanitária vivida pelos Guarani e Kaiowa se associa ao conceito de genocídio estabelecido pela Convenção de Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio da ONU, de 1951 (sancionada no Brasil pela Lei 2889/56). Não é à toa que o Brasil tem recebido visitas sistemáticas de relatores deste organismo internacional sobre a questão indígena no Mato Grosso do Sul.

    Mas, afinal, o que dizer de tantos relatos apresentados pelos indígenas na CPI? Dorvalino Rocha, Marcos Veron, Oziel Gabriel, Rolindo Vera, Genivaldo Vera, Dorival Benites, Denilson Barbosa, Simeão, Nízio Gomes, Xurite e Oritz Lopes, entre tantos outros -, estes morreram de quê? As dezenas de famílias que denunciaram os ataques de jagunços contratados por fazendeiros estão simplesmente mentindo?

    A falta de comida, para os deputados, parece uma abstração. A falta de terra para o plantio – afinal, faltam-lhes as mesmas terras originárias que foram tituladas pelo próprio estado em algum momento da história -, soa o oposto a eles. A água podre impregnada de agrotóxicos que eles bebem, ora, não instalam filtros porque não querem! As escolas onde só se fala português, o racismo institucional é cotidiano, estes, estão na cabeça complexada do indígena com baixa auto-estima. Um ônibus escolar incendiado criminosamente: talvez não tenha acontecido.

    E, no entanto, tudo isso aconteceu e acontece. E acontece também que os poucos que denunciam estas atrocidades, que sugerem a existência de um genocídio permamente e prolongado contra as populações indígenas, estes estão brutalmente sofrendo a tentativa de serem silenciados pelo poder econômico cuja personalidade, no universo rural, é das mais brutas. Não tolera o outro.

    Falamos da lei de genocídio, aprovada no Brasil na década de 50 – lei, diga-se, que a CPI sequer considerou utilizar para a apuração técnica de fatos.. Esta lei tipifica genocídio da seguinte forma: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

    Não é muito afirmar que, através deste relatório, os gerentes do capitalismo na região tentam formalizar sua própria inocência, forjada na condução autoritária e racista das oitivas e na anti-sistematização dos dados exaustivamente apresentados ao longo da investigação por lideranças indígenas, pesquisadores, técnicos, indigenistas e servidores públicos.

    CPI do Cimi, CPI do Genocídio e CPI da Funai/Incra – todas atulhadas de legisladores ruralistas –  têm figurado como uma arena espetacular de aniquilação de direitos e de de uma investida pelo desmonte do movimento indígena em luta, projetando liberar territórios tradicionais para a eterna empreitada do capital na expansão de suas fronteiras. Tudo porque, nestes territórios, justamente, vive-se um anticapitalismo inato, uma vontade e prática outras de produzir e reproduzir a vida. Outra ousadia não tolerada por muitos dos brutos donos do campo.

    A aprovação deste relatório, nestes termos, é um crime em cima de um crime. Mata-se os índios, e esconde-se o pau: estes, que os cachorros cacem, tentando descobrir onde está enterrado. Enquanto isso, a farsa, a nojenta farsa, essa continua.

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  • 09/06/2016

    Organizações da América do Sul solidarizam-se com povos indígenas e presos políticos no Brasil

    Diversas organizações que compõem a Coordenação Latinoamericana de Organizações do Campo (Cloc) – Via Campesina da América do Sul, reunidas em Quito entre os últimos dias de maio e os primeiros de junho, manifestaram seu repúdio às “sistemáticas ações de perseguição e criminalização das organizações sociais no Brasil”. Em nota sobre a situação política e social brasileira, a Cloc afirma que “os camponeses estão sendo encarcerados e os povos indígenas massacrados”.


    Em sua articulação continental, a Cloc – Via Campesina é formada por 84 organizações e movimentos sociais ligados às lutas do campo e dos povos indígenas de 18 países da América Latina e do Caribe.

    Entre os dias 31 de maio e 3 de junho, as organizações da América do Sul encontraram-se em Quito para uma reunião, onde cerca de 60 representantes de movimentos dos diversos países da região discutiram sobre a situação política sul-americana.

    Os diversos relatos trataram de situações ainda comuns em toda a América Latina: a pressão do agronegócio e das empresas transnacionais sobre os territórios dos povos originários e camponeses, a criminalização e a repressão contra movimentos sociais, especialmente no contexto do campo e da luta pela terra, e o risco de retrocessos e golpes “brancos”, a exemplo das situações vivenciadas em Paraguai, Honduras e, recentemente, no Brasil.

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), presente ao encontro, denunciou a grave situação dos povos indígenas no Brasil, tanto em função da violência direta e da omissão constante de todos os governos, quanto do risco de anulação de direitos, intensificado no contexto do governo provisório do vice-presidente Michel Temer.

    A discussão passou também pela proposta de fortalecimento da articulação latino-americana, de maior visibilidade à situação dos povos indígenas em todo o continente e da necessidade de maior atenção ao princípio do Bem-Viver, comum às organizações que buscam a construção de um mundo  justo e solidário.

    Ao fim do encontro, a Cloc-Via Campesina elaborou uma nota de solidariedade aos militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST, integrante da Via) presos arbitrariamente no último mês nos estados do Goiás e do Rio Grande do Sul, na qual menciona também o massacre dos povos indígenas no Brasil.

    Leia a nota na íntegra, traduzida livremente:

    Equador: posicionamiento da CLOC- Via Campesina América do Sul – solidariedade com os presos políticos no Brasil

    6 de junho de 2016

    As organizações camponesas da região da América do Sul, articuladas internacionalmente na Cloc-Via Campesina, reunidas em Quito, Equador, de 31 de maio a 3 de junho de 2016, repudiam veementemente as sistemáticas ações de perseguição e criminalização das organizações sociais no Brasil. Os camponeses estão sendo encarcerados e os povos indígenas massacrados.

    Sabemos que esses acontecimentos fazem parte do contexto atual, de golpe e de retrocessos de direitos, de uma ofensiva dos setores da classe dominante conservadora do Brasil, que buscam limitar o direito legítimo de protestar; classificando a todos os militantes sociais e suas organizações como criminosas.Tudo em nome de que? Da defesa intolerante da propriedade privada da terra e de todos os bens da natureza.

    Neste cenário de perseguição, denunciamos a prisão dos militantes Valdir Misnerovicz e Luis Batista Borges, encarcerados pelas forças policiais dos estados de Goiás e Rio Grande do Sul. São acusações infundadas que buscam criminalizar a luta legítima dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

    Nós das organizações camponesas da Cloc – Via Campesina América do Sul nos solidarizamos com os companheiros e com o Movimento Sem Terra. Nos comprometemos a seguir denunciando essas e outras arbitrariedades contra as lutadoras e lutadores do povo, e afirmamos nosso compromisso de seguir organizando o campo e a classe trabalhadora em geral, lutando para por fim a todas as formas de opressão que impedem que sejamos efetivamente livres e felizes.

    Viva a unidade da classe trabalhadora!
    Liberdade para nossos presos políticos!
    Globalizemos a luta, globalizemos a esperança!

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  • 09/06/2016

    Escola Myky inicia Técnico em Agroecologia para garantir sustentatibilidade socioeconômica ao povo

    HORIZONTE ABERTO – “MEKYNPJAHA KAAKIKA”. Assim foi denominado o Ensino Médio Técnico Profissionalizante em Agroecologia iniciado nesse ano de 2016 na Escola Estadual Indígena Xinui Myky, Aldeia Japuíra, município de Brasnorte MT.

    O povo Myky vive a noroeste do Estado de Mato Grosso em áreas da Floresta Amazônica e do Cerrado, uma das poucas áreas remanescentes de transição entre os dois biomas.

    Em 1971 eram apenas 23 pessoas quando foram contatados pelos missionários jesuítas.

    Hoje, a comunidade Myky se compõe de 135 habitantes sendo que, na grande maioria, crianças e jovens.

    São muito poucos os anciões, guardiões da cultura e da sabedoria ancestral de uma sociedade em que os valores fundamentais são a convivência e a partilha. Um povo essencialmente agricultor, mantendo até hoje grandes roças comunitárias e familiares, com abundantes produtos crioulos, dedicando-se ainda à caça e à pesca.

    Trata-se de uma sociedade que vive a lógica da reciprocidade e cuja tônica social é a convivência harmoniosa com a natureza, consigo mesmo, com os outros e com o Sagrado. O povo myky mantém sua identidade cultural e seus valores tradicionais graças à ação pedagógica e socializante, um processo educativo que permeia o cotidiano e se insere também em todas as situações do contexto hodierno.

    Mas, atualmente, após 45 anos do primeiro contato com a sociedade não índia, vivem inseridos em um contexto em que os dois mundos se confrontam e onde a lógica do mercado tenta superar a lógica da reciprocidade.

    Foi portanto, frente a um panorama de desafios e utopias que se projetou o Ensino Médio em Agroecologia.

    CAMINHO SE FAZ AO ANDAR, E O HORIZONTE INCITA A CAMINHAR”.

    A juventude myky encontra-se de fato frente a um horizonte aberto, um futuro tão instigante quanto desafiador.

    As novas tecnologias, a economia de mercado, os atrativos de uma vida fácil, seguranças ilusórias de salários se contrapõem hoje à prioridade da preservação e sustentabilidade do território, realização dos rituais e fortalecimento do sistema educacional próprio.

    O Ensino Médio em Agroecologia se delineou como caminho rumo ao futuro, ao horizonte de Bem Viver para as novas gerações.

    Não foi fácil planejar, programar, estruturar, organizar e finalmente implementar um processo ao mesmo tempo pedagógico e administrativo, eivado de sonhos e de impasses, acompanhado de ventos favoráveis mas tendo também de superar muitas e muitas pedras no caminho.

    Como aprendemos na vida myky, só foi possível fazer acontecer o curso, porque foram muitas as pessoas que, coletivamente, “wátuhowy” esboçaram e implementaram a proposta curricular e continuam agora se comprometendo com sua realização no dia a dia.

    Alguns órgãos contribuíram no processo de implementação do curso. Destacamos a Coordenadoria de Educação Escolar Indígena, na preparação do projeto; a Assessoria Pedagógica de Brasnorte no acompanhamento e encaminhamento à Seduc, o Ministério Público pelo articulação com os órgãos estaduais e a Coordenação Regional do Noroeste do Estado de Mato Grosso – Funai – pela sua importante parceria no transporte dos professores da cidade de Juína e Brasnorte até a aldeia.

    Foi assim então que no dia 20 de abril de 2016 iniciou-se na aldeia Japuíra o tão desejado Ensino Médio em Agroecologia.

    Umenã Myky, diretor da escola, abriu a sessão invocando a presença daqueles que já partiram mas continuam vivos protegendo e inspirando a luta: luta pelo território, luta pelos direitos constitucionais, luta pela vida e pelo Bem Viver e agradeceu à comunidade a realização desse projeto alternativo.

    Os 27 jovens – rapazes e moças – foram chamados e de pé responderam “are’i apakanã” = aqui estou! A comunidade toda aplaudiu orgulhosa e esperançosa.

    No chão, significativamente estavam dispostos objetos da cultura Myky – a rede de algodão nativo com flocos de algodão branco e marrom, o fuso das mulheres e o xire dos homens, a peneira com milho, o feijão a ser plantado, o arco e a flecha…

    Encerrando esse momento, Paatau e Kamunu cantaram emocionando a comunidade.

    Era o 1º dia do curso e muito significativamente, foi dada a primeira aula por Tapau Myky, professor de Língua materna.

    O curso Mekinpjaha Kaakika – Horizonte Aberto – tem como objetivos:

    Promover a sustentabilidade socioeconômica da comunidade, qualificando os jovens mỹky para atuarem responsavelmente na construção do Bem Viver de seu povo, assegurando a integridade do Território e a soberania alimentar a partir das roças comunitárias;

    Favorecer a melhoria da situação de saúde através da maior oferta de produtos alimentícios integrantes da dieta alimentar tradicional;

    Garantir à comunidade a defesa e preservação do seu território, favorecendo as condições ambientais propicias à realização de seus rituais e aproveitamento dos recursos naturais;

    Proporcionar a recuperação dos saberes agrícolas, faunísticos e florestais tradicionais bem como oferecer acesso a novas tecnologias agrícolas e ambientais.

    A proposta didática visa sempre uma perspectiva interdisciplinar, a partir do concreto, da realidade, do contexto e das expectativas dos Myky.

    Estamos no final da 1ª etapa e é bonito ver e sentir o entusiasmo, o interesse, e constatar a participação e a alegria da turma nas pesquisas de campo, nas aulas teóricas e práticas, apresentando os resultados em cartazes expostos pelas paredes da sala.

    Acreditamos na contribuição desse curso para fortalecer e ampliar na comunidade Myky a consciência do atentado à Mãe Terra explorada e devastada, onde se agrava a destruição da biodiversidade, a degradação do solo e das nascentes, a contaminação por agrotóxicos, a problemática das hidrelétricas em toda a região.

    Apostamos que esse projeto se concretizará ao longo desses 4 anos em uma prática transformadora que, alicerçada nos valores fundamentais da cultura sócio-política-econômica-religiosa do povo Myky, vai ser, em verdade, um horizonte aberto de Bem Viver.

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  • 08/06/2016

    CPI da Funai: indígenas acusam deputados de fazerem “agenda sorrateira” no Mato Grosso do Sul

    O Conselho do Aty Guasu Guarani e Kaiowá entregou nesta quarta, 8, uma carta ao Ministério Público Federal (MPF) em Dourados (MS), acusando de "sorrateira" a vinda ao Mato Grosso do Sul de deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a Fundação Nacional do Índio (Funai) no Congresso Nacional.  

    Segundo as lideranças do Aty Guasu – organização política dos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul -, os indígenas não foram informados das atividades da CPI no estado, e temem que as investigações se limitem a ouvir "um lado só", em referência a possiveis encontros com produtores e sindicatos rurais.

    A diligência está sendo conduzida em sigilo na região pela deputada Tereza Cristina (PSB-MS), subrelatora da CPI que também investiga o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Segundo informações da imprensa local, a deputada visitará ao menos três cidades: Campo Grande, Dourados e Amambai, na fronteira com o Paraguai.

    CPI DOS RURALISTAS

    Impulsionada pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a CPI tem como objetivo formal investigar denúncias contra a Funai e o Incra em processos de demarcação de terras Indígenas e quilombolas em todo o país.

    No entanto, indígenas e movimentos sociais do campo tem denunciado a comissão como um instrumento de criminalização do movimento indígena, de seus apoiadores e também de desmonte dos órgãos públicos oficiais do indigenismo e da reforma agrária.

    Em nota, a Funai também criticou a CPI, acusando seus parlamentares de agirem "para flexibilizar direitos e tornar os territórios indígenas e quilombolas vulneráveis aos interesses empresariais e econômicos dominantes na nossa sociedade".

    De 27 titulares da CPI, 19 são ruralistas e, destes, 13 participaram da comissão da PEC 215, emenda constitucional que prevê a transferência das demarcações de terras indígenas do poder executivo para o legislativo. Os principais cargos do colegiado da CPI são ocupados por apoiadores da proposta.

    Leia a carta na íntegra:

    CARTA DA ATY GUASU CONTRA A VINDA SORRATEIRA DA CPI DA FUNAI AO MATO GROSSO DO SUL

    Através de notícias que caminham em forma de boatos pelos nossos tekoha, nós Guarani e Kaiowa da Grande Assembleia Aty Guasu soubemos que uma comitiva da CPI da FUNAI chegou aqui no estado do Mato Grosso do Sul.

    Nos sentimos desrespeitados em nossos direitos por não termos recebido nenhum comunicado. Somos lideranças, temos nossas organizações originárias e temos o direito garantido pela Constituição deste país e por diretrizes internacionais de participação em toda e qualquer agenda que esteja relacionada com nossos direitos e com nossas vidas.

    Nós somos os maiores interessados em barrar essa investida que criminaliza nosso movimento, através do enfraquecimnto da FUNAI, que é alvo destes ataques, e também não foi avisada, ficando impedida de se defender dos ataques sofridos.

    Quando vamos a Brasília, somos forçados por seguranças a cumprir os ritos e protocolos dos deputados para poder entrar no Congresso. Pois bem, se respeitamos isso, os deputados também devem respeitar nossos protocolos e os protocolos de nossas aldeias, é o mínimo que se espera quando se tratam de ações de órgãos federais usando de dinheiro público e em respeito a qualquer possibilidade de democracia.       

    Por que a comitiva veio desse jeito?, sorrateira feito cobra que se arrasta pelo mato? Ou vão apenas sentar com os sindicatos rurais usando dinheiro público em novo favor ao ruralismo? Ou tentar pegar algum indígena desavisado em algumas de nossas aldeias, que se sentindo pressionado possa dizer algo que seja útil para os deputados nas investidas que fazem contra nosso povo?

    Depois das palavras ditas publicamente por Luiz Carlos Heinze, que faz parte desta CPI, na ultima semana sabemos que esta comitiva não vem apenas furtiva como cobra, mas sim a passos de capitães do mato, para desmontar a FUNAI e punir os indígenas pelo “atraso do Brasil”.

    É um absurdo que parlamentares públicos ajam deste jeito, criando agendas que nos deixem impossibilitados de participar, como se não fôssemos também cidadãos. Parece que a comitiva já vem com sua “verdade” pronta, fazendo uma agenda de um lado só. E desrespeitando assim nossos modos, nossa organização e nossa coletividade, já avisamos que nos negaremos a falar em programações surpresas e invasivas. Tem que avisar, temos que saber, é uma questão de respeito e de direito. Tem que respeitar nossos lideres, nossa organização. Sabemos que o Conselho do Povo Terena também não foi comunicado.

    Soubemos que é a deputada Tereza Cristina que esta a frente desta comitiva. Ela não gosta de índio, nunca gostou, mas como deputada deve agir de maneira publica e respeitosa e não de maneira privada como as cercas das propriedades que ela defende. Ela estava naquela reunião do sindicato com os ruralistas que atacaram Ñanderu Marangatu. Na mesma tarde, as pessoas que estavam nesta reunião seguiram a fazendeira pra nos expulsar da terra, e ali dentro do tekoha foi assassinado o Simeão Vilhalva, que tinha 24 anos, que levou um tiro na cabeça.

    Por isso nós, rezadores, lideranças e conselheiros da Grande Assembleia da Aty Guasu Guarani e Kaiowa, representando mais de 50 mil indígenas no Estado do Mato Grosso do Sul, repudiamos a “agenda” desrespeitosa, arbitrária, sorrateira e criminalizadora da comitiva da CPI da FUNAI no estado do Mato Grosso do sul.

    Por isso pedimos nesta carta ao Ministério Publico e que os órgãos responsáveis ANULEM IMEDIATAMENTE QUALQUER EFEITO OU DESDOBRAMENTO DESTA AGENDA. Que até que ela não seja realizada claramente e de modo transparente e respeitoso ela não seja validada. Pois é feita impedindo a participação de nosso povo, na nossa forma de nos organizarmos prevista em lei. Nós somos os maiores atingidos por esta CPI e exigimos respeito com nossos direitos conquistados pelo sangue de tantos guerreiros e guerreiras.

    Aty Guasu, 07/06/2016

                    

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  • 07/06/2016

    Negado seguimento a MS contra demarcação de terra indígena em SC

    O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento ao Mandado de Segurança (MS) 32709, impetrado por proprietários rurais contra o decreto homologatório de demarcação da Terra Indígena Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, em favor de índios Guarani Nhandéva e Guarani Mbyá. Segundo o relator, a jurisprudência do STF prevê a impossibilidade de se discutir, por meio de MS, questões controvertidas que envolvam discussão de fatos e provas.


    Segundo o ministro, o questionamento quanto a ser o Morro dos Cavalos terra tradicionalmente ocupada pelos índios envolveria a análise da dinâmica relacional do grupo indígena ali residente, o que é matéria bastante complexa quando se trata dos guaranis, pois, para este grupo, há distinção entre os conceitos de “terra” e de “território”. “Terra refere-se ao processo político-jurídico conduzido sob a égide do Estado, a área a ser demarcada e protegida pelo Estado; território, por sua vez, remete à vivência, culturalmente variável, da relação entre uma sociedade específica e sua base espacial”, disse.


    Para o relator, a documentação constante dos autos parece indicar que, para a identificação da tradicionalidade da ocupação guarani, há que se considerar que a dinâmica relacional desse grupo indígena com o Morro dos Cavalos não se dá apenas pela sua efetiva presença no local quando do advento da Constituição Federal de 1988, mas sobretudo pela sua relação simbólica com a terra, da qual muitas vezes se afastou pela presença dos colonizadores, sem contudo perder o vínculo com o que chama de mundo original.


    O ministro Dias Toffoli também refutou a tese dos impetrantes de que a antropóloga Maria Inês Martins Ladeira teria atuado de forma parcial no processo administrativo da Fundação Nacional do Índio (Funai) que embasou a demarcação da terra indígena. A seu ver, não ficou constatada, de plano, a existência de viés tendencioso no trabalho da antropóloga.


    "Observe-se, portanto, que, ainda que adotado como parâmetro os elencos legais de impedimento e suspeição do servidor público para a análise do caso, nenhuma das hipóteses ali traçadas se apresenta demonstrada nos presentes autos, de modo que não é possível aferir, pelos elementos constantes do feito, a pretendida nulidade”, apontou.


    Caso


    Em 2008, foi editada a Portaria Declaratória 771, do Ministério de Justiça, que declarou como sendo de posse permanente dos grupos indígenas Guarani Mbyá e Nhandéva a Terra Indígena Morro dos Cavalos, de aproximadamente 1.988 hectares.


    No MS 32709, os proprietários rurais defendem possuir direito líquido e certo à manutenção de suas propriedades em Palhoça (SC), que estão incluídas na área da terra indígena. Argumentam ainda que o processo administrativo está cheio de ilegalidades, entre eles o fato de que, por figurar como autora do requerimento de demarcação das terras, apresentado quando era presidente da organização não-governamental Centro de Trabalho Indigenista (CTI), a antropóloga Maria Inês Martins Ladeira estaria impedida de atuar no processo.

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  • 07/06/2016

    Morre Léia Aquino, liderança Guarani Kaiowá de Ñanderu Marangatu

    Ruy Sposati,

    de Antônio João (MS)

    Morreu vítima de um AVC a liderança Guarani Kaiowá Léia Aquino, aos 48 anos, no último sábado, 4. Léia foi uma das lideranças mais importantes na denúncia das violências cometidas contra os Kaiowá e Guarani. Em agosto de 2015, liderou os indígenas que ocuparam parte do tekoha Ñanderu Marangatu, no município de Antônio João, onde foi assassinado Simião Vilhalva.

    Léia era mãe, professora e uma das principais lideranças da Aty Guasu Guarani e Kaiowá ao longo de toda primeira década do século 21. Foi porta-voz de um sem-número de denúncias de assassinato, ataques de pistoleiros, estupros, casos de racismo, incêndios criminosos, despejos, invasões e outras violências contra os indígenas, envolvendo fazendeiros, policiais e governos. Nos últimos anos, dedicou-se também à luta pelo direito à educação dos Guarani e Kaiowá.

    No dia 3, Léia se sentiu mal enquanto dava aulas na aldeia, e foi encaminhada para o Hospital da Vida, em Dourados, mas não resistiu. Seu corpo foi levado de volta à aldeia, e foi enterrado debaixo de um pé de mexerica, na área da retomada da fazenda Primavera, ocupada pelos indígenas no ano passado. Nesta terça, Léia iria à Brasília com um grupo de cinco indígenas de sua aldeia para apresentar demandas de demarcação e de educação.

    Luta

    Léia fez parte da Convenção dos Direitos Indígenas do Mato Grosso do Sul, e foi uma das fundadoras do Conselho Continental da Nação Guarani (CCNAGUA), criado em 2010. Também era missionária evangélica.

    Leia na íntegra: Léia Aquino: um adeus à guerreira Kaiowá Guarani

     

     

    "Uma mulher forte, corajosa, guerreira, que enfrentou a ira dos fazendeiros", comenta a também professora indígena e mestre em educação, Teodora de Souza. "Léia foi ameaçada, mas nunca abandonou seu povo. Ela não apenas falava – estava junto nas retomadas passando calor, frio, vivendo na pele toda dor vivida pelos Guarani e Kaiowá".

    Acompanhada de Marcos Veron, Leia participou no ano 2000 de um encontro na Irlanda, com  governo e ONGs do país, para denunciar a situação de vida dos indígenas no estado. "Não temos a liberdade que precisamos para ter nossa própria educação, nossas próprias escolas (…); tudo o que precisamos parar viver em comunidade. "Nós não queremos ser dependentes", disse ela na ocasião.

    Em 2004, junto do também falecido Amilton Lopes, e de Loretito Vilharva, liderou a primeira retomada de Ñanderu Marangatu, e foi peça-chave na homologação do território tradicional – conquista suspensa monocraticamente pelo ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal (STF) em março de 2005. No mesmo ano, denunciou uma série de ataques que culminou no despejo dos indígenas da área, e na morte de Dorvalino Rocha. As investigações sobre a morte nunca foram concluídas; e também o processo no Supremo, nas mãos do ministro Gilmar Mendes, espera ser julgado há 11 anos.


    "Duas semanas após a expulsão e acampamento na beira da estrada, Léia me liga novamente, e com tom de sofrimento grita no telefone ‘mataram uma liderança. Atiraram e mataram Dorvalino‘", escreveu o missionário Egon Heck, em uma crônica sobre o falecimento da indígena.

    Era da inspiração de Léia que surgiram os memoráveis cartazes escritos a mão pelas crianças – seus estudantes na escola -, decorando a resistência dos indígenas contra o despejo. "Com os alunos e professores fizeram uma série de cartazes e faixas que no outro dia, iriam estar presentes na estrada da resistência, aguardando a polícia, com seu pelotão de choque para enfrentar um povo apenas armado com a esperança e secular resistência. E Léia lá estava com seus alunos e colegas testemunhando a covardia da expulsão, ameaças, vôos rasantes de helicóptero, casas queimadas", relatou.

    Fotos: Egon Heck e Ruy Sposati/Cimi


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