• 05/07/2016

    Indígenas e quilombolas do RS entregam carta à subprocuradora-geral da República denunciando criminalizações



    Durante Audiência Pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) do Rio Grande do Sul, na capital Porto Alegre, indígenas e quilombolas entregaram para a subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat (na foto acima, Sul21), uma carta onde denunciam a criminalização de lideranças e integrantes destes povos. O episódio destacado pelo documento envolve as manifestações contra diligências de parlamentares ruralistas da CPI Funai/Incra no estado, no último mês de maio.

    O objetivo dessa CPI, disse Deborah Duprat ao jornal Sul21, não é buscar a verdade ou reconhecer direitos: “É uma CPI fraudada desde o início. O projeto de poder deles é ter um estoque de terras para o mercado”. Por conta das manifestações de maio, o presidente da CPI, o deputado federal ruralista Alceu Moreira (PMDB/RS), pediu o indiciamento de lideranças indígenas e quilombolas.

    Deborah Duprat afirmou na audiência que o Brasil está vivendo um cenário de crescente violência no campo e de criminalização de comunidades indígenas, quilombolas, de militantes do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para a subprocuradora, uma das expressões institucionais deste processo de criminalização de movimentos sociais é a CPI Funai/Incra. Na foto abaixo, protesto dos indígenas e quilombolas durante audiência da CPI em Porto Alegre, motivo de criminalização perpetrada pelo ruralista Moreira.

    Leia a carta na íntegra:



    Carta de denúncia à criminalização das lideranças e membros dos povos indígenas

    Mbyá-Guarani e Kaingang, e comunidades de Quilombos quando das manifestações de repúdio à diligência da CPI da Funai-INCRA no Rio Grande do Sul, em 23/05/2016


    À Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal

    A Excelentíssima Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Dra. Deborah Duprat

    Reunião do MPF sobre Criminalização dos Movimentos Sociais Porto Alegre, 04/07/2016


    Nós, lideranças e membros dos povos indígenas Kaingang e Mbyá-Guarani, e lideranças e membros das comunidades quilombolas, que ocupamos tradicionalmente territórios onde hoje se localiza o Rio Grande do Sul, temos, nos últimos anos, enfrentado inúmeras propostas e ações efetivas por parte dos não índios e de agentes do Estado brasileiro que buscam reduzir os nossos direitos arduamente conquistados.


    Dentre essas ações, a omissão do poder público em demarcar as nossas terras e reconhecer os nossos territórios de ocupação tradicional e a criminalização de nossas lideranças e comunidades e apoiadores tem sido as mais graves, já que violam a Constituição e tratados internacionais de Direitos Humanos e, ainda, nos retiram aquilo que para nós é fundamental: o nosso direito de viver.


    Em verdade, nos últimos anos, tem sido recorrente a prática de criminalizar nossas lideranças quando elas estão reivindicando nossas terras de ocupação tradicional ou utilizar artifícios para ameaçar os nossos direitos e tentar intimidar e calar as nossas lideranças. Entendemos que faz parte do conjunto de ações ofensivas aos povos indígenas e comunidades quilombolas a Proposta de Emenda à Constituição Federal nº 215 e a Comissão Parlamentar de Inquérito da Funai-INCRA, expedientes utilizados pelos ruralistas que são ampla maioria no Congresso Nacional para retirar os nossos direitos.


    Um momento concreto desse processo de criminalização de nossas lideranças ocorreu no dia 01 de junho de 2016, quando em Reunião Deliberativa Ordinária da CPI da Funai-INCRA, foi aprovado o Requerimento nº 258/2016 (Anexo), de autoria do Deputado Federal Luis Carlos Heinze. Neste requerimento há uma solicitação ao Departamento de Polícia Federal para a instauração de inquérito policial visando à apuração de possíveis crimes previstos nos artigos 139, 146, 286 e 288 do CP, entre outros, praticados por um bando de pessoas ligadas a supostos movimentos indígenas e quilombolas, em ação organizada e atitude bastante hostil […]” (p. 3), quando da diligência no Rio Grande do Sul da CPI da Funai-INCRA no dia 23 de maio de 2016, dia que ocorreria uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. (Acesso em 28/06/2016, às 20h22m: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2086075).


    Nós repudiamos integralmente o conteúdo do referido requerimento que, sem dúvida, tem intenção de criminalizar nosso movimento social de resistência, repúdio e denúncias às ofensas racistas e discriminatórias que há anos são violentamente praticadas pelos políticos proponentes e ocupantes dos principais cargos da CPI da Funai-INCRA, particularmente os Deputados Federais do Rio Grande do Sul, Alceu Moreira da Silva e Luis Carlos Heinze.


    Consideramos que os fundamentos apresentados no requerimento demonstram uma tendência para prejudicar os direitos assegurados dos povos indígenas e comunidades remanescentes de quilombos no país. Consequentemente, contestamos o que está expresso neste documento. Com objetivo de subsidiar nossas considerações, citamos abaixo o primeiro parágrafo da justificativa do referido requerimento (página 3):


    Em 23/05/2016, a Equipe Técnica da Comissão Parlemantar de Inquérito FUNAI-INCRA, acompanhada dos Deputados Federais Alceu Moreira da Silva, Luis Carlos Heinze, Dionilso Mateus Marcon, realizou diligência em Porto Alegre/RS, como objetivo de concretizar Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, ocasião em que seriam ouvidos os anseios e necessidades dos agricultores, bem como das comunidades indígenas e quilombolas. (grifamos)


    Ao nos depararmos com esta falácia, destacada no texto, imediatamente algumas questões vieram à nossa memória. São estas interrogações, portanto, que conduzirão nossas considerações quanto à criminalização de membros das nossas comunidades e apoiadores que se fizeram presentes na Audiência Pública citada.


    1. Como seriam ouvidos nossos anseios e necessidades se nossas comunidades e lideranças não foram, em nenhum momento, convidadas pelos proponentes e ocupantes dos principais cargos da CPI da Funai-INCRA para participarem da Audiência Pública na Assembleia Legislativa/RS (ALRS)?


    Denunciamos mais esta falsidade contra nossas lideranças e comunidades. Por esses motivos afirmamos que os brancos também matam com a caneta, não satisfeitos em nos matarem com arma de fogo. Desconhecíamos totalmente a realização da diligência da CPI da Funai-INCRA no Rio Grande do Sul, informação que chegou até nós por meio dos nossos diversos apoiadores.


    Com certeza, podemos afirmar também que a Funai não foi convidada ou sequer informada da audiência, pois indagamos ao Coordenador Regional de Passo Fundo sobre a convocação. O Coordenador afirmou que não foi oficiado pela CPI da Funai-INCRA sobre a diligência. Não podemos afirmar o mesmo sobre o INCRA, pois não temos informações deste órgão, mas podemos questionar: se a Funai não foi convidada por que o INCRA seria?


    Objetivando demonstrar como chegou até nosso conhecimento a audiência, citamos um trecho do Of. nº 03/2016 (Anexo) da Frente Parlamentar contra o Racismo, a Homofobia e outras formas correlatas de Discriminação da ALRS, encaminhado ao Conselho Estadual dos Povos Indígenas/Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos/Governo do Rio Grande do Sul (CEPI/RS):


    Tendo em vista que não foram disponibilizadas maiores informações acerca dos convidados, do formato do debate e do viés que será abordado, a Frente Parlamentar em Combate ao Racismo, à Homofobia e Outras Formas Correlatas de Discriminação entendeu salutar convidar os diversos setores da sociedade civil e institucional para participar como observadores que estejam fora da disputa política partidária, em especial para que prevaleça um olhar sob a ótica dos direitos fundamentais de todos os envolvidos, principalmente indígenas e negros. (grifamos)


    Consideramos, inclusive, que os deputados estaduais não foram satisfatoriamente informados dos detalhes da audiência, bem como demais instituições atinentes aos nossos interesses, como é o caso do CEPI/RS. Reafirmamos, então, que foram nossos apoiadores que avisaram nossas lideranças e comunidades desta diligência no estado, preocupados que estavam com mais uma ação de violação dos nossos direitos fundamentais.


    1. Como seriam ouvidos nossos anseios e necessidades se no dia da audiência nossa entrada no auditório da ALRS foi, em um primeiro momento, obstruída, sendo que após nossos protestos de segregação, foi permitida, porém de forma atravancada, enquanto que no interior do auditório já se encontravam muito bem acomodados alguns não indígenas convidados pelos deputados proponentes e ocupantes dos principais cargos da CPI da Funai-INCRA?


    A audiência estava agendada para às 13h, sendo que nossas lideranças, comunidades e apoiadores chegaram ao local com duas horas de antecedência. Como o Auditório Dante Barone, local da audiência, possui três acessos (um pela Rua duque de Caxias, outro pela Praça Mal. Deodoro e um terceiro no interior da ALRS), solicitamos informações de qual entrada seria destinada ao ingresso naquele dia. Os funcionários da ALRS indicaram o acesso da Praça Mal. Deodoro, ao qual nos dirigimos e permanecemos aguardando até o horário agendado para início da audiência. Qual nossa surpresa que esse acesso não foi liberado, mesmo sendo próximo das 13h.


    Ao mesmo tempo em que aguardávamos, percebemos intensa movimentação de não indígenas desembarcando de diversos ônibus na frente da ALRS. A seguir, dirigiam-se ao interior da casa legislativa. Um destes veículos nos chamou muita atenção, pois se tratava de um mini-ônibus pertencente à Prefeitura Municipal de Faxinalzinho/RS, de função precípua transportar passageiros que carecem de atendimento em saúde. Em anexo, fotografia do veículo estacionado em frente à ALRS, publicada no Instagram pelo indígena Merong Santos, em 23/05/2016, denunciando o desvio de função do veículo.


    Então, indignados, percebemos que o acesso para participação na audiência não correspondia a informação recebida anteriormente dos funcionários da ALRS. Imediatamente nos deslocamos ao interior da ALRS em direção ao auditório. Quando lá chegamos, nosso ingresso foi obstruído. De pronto, expressamos nosso descontentamento e afirmamos que não aceitaríamos qualquer justificativa que impedisse nossa participação na audiência. Após nossos protestos quanto à segregação, e longo processo de negociação, fomos autorizados a entrar no auditório, porém de forma atravancada, inclusive com todos os membros de nossas comunidades sendo examinados detidamente. Ao ingressarmos, constatamos que já se encontravam muito bem acomodados alguns não indígenas conversando alegremente com o deputado Luis Carlos Heinze. O parlamentar, ao nos ver, retirou-se do recinto sem dirigir às nossas comunidades qualquer atitude amistosa.


    Observamos, não sem surpresa, no requerimento do deputado, que muitos dos não indígenas presentes na audiência, e que efusivamente conversavam com o parlamentar, foram indicados como testemunhas com a intenção de nos criminalizar, conforme itens (g) e (h) do Requerimento nº 258/2016. São não indígenas residentes nos municípios de Sanandúva, Erechim, Faxinalzinho e Passo Fundo, todos diretamente interessados na obstrução dos procedimentos de demarcação e titulação de nossos territórios tradicionais, pessoas que de uma forma ou de outra já se envolveram em conflitos com nossas comunidades.


    Destacamos, que na lista das testemunhas, por exemplo, encontra-se o nome do Vice-Prefeito de Faxinalzinho/RS, Sr. James Aires Torres, o que nos remete ao uso indevido de patrimônio público deste município, qual seja, o veículo reservado às políticas de saúde que foi utilizado para atividade que em nada se relaciona com seu objetivo. Saúde para estes não indígenas é a nossa morte!


    Da mesma forma, evidenciamos a parcialidade do deputado na criminalização dos presentes na audiência, tendo em vista que o Requerimento não solicita apuração de responsabilidade por práticas de crimes de injúria racial e/ou racismo contida nas declarações contra os povos indígenas e comunidades quilombolas, dirigidas aos nossos representantes naquele dia. São diversas as injúrias ditas pelos não indígenas: “Vão trabalhar, vão trabalhar…”; “Vai estudar […] aprende um pouquinho […]”; “Vocês tem que ficar no meio do mato!”. Ou ainda, com as frases em suas faixas: “Mato Preto, lutando contra as demarcações fraudulentas!”; “Não à fraude do quilombo Morro Alto”. (Acesso em 28/06/2016, às 21h17m: https://www.youtube.com/watch?v=u5TiBkDPNuo).


    Ainda, algumas perguntas óbvias: os deputados solicitarão a instituição competente abertura de inquérito para averiguar uso indevido de veículo da saúde para responsabilizar os gestores municipais de Faxinalzinho/RS? Ou os deputados montaram um aparato para uma criminalização seletiva, somente dos povos indígenas, comunidades quilombolas e de seus apoiadores?


    Destacamos, também, que o Auditório Dante Barone possui 557 poltronas, e estava completamente lotado, sendo que nossos representantes e apoiadores fizeram-se presentes em aproximadamente 60 pessoas. Claro está, então, que os não indígenas foram convidados pelos deputados coordenadores da CPI da Funai-INCRA para se fazerem presentes na audiência, bem como algum tipo de auxílio pode ter sido fornecido pelos gestores dos municípios citados no requerimento, como nos leva crer o uso do veículo de Faxinalzinho/RS.


    Claro está que não nos queriam na audiência, assim como não nos querem nas cidades ou em nossos territórios tradicionais.


    1. Como seriam ouvidos nossos anseios e necessidades se o deputado Luis Carlos Heinze, autor do requerimento que solicita criminalização dos membros de nossas comunidades, em Audiência Pública da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados sobre a demarcação de Terras Indígenas no município de Vicente Dutra/RS, dia 29/11/2013, afirmou que vivem “aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo o que não presta”? (Acesso em 28/06/2016, às 10h27m: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2014/02/em-video-deputado-diz-que-indios-gays-e-quilombos-nao-prestam.html).


    Não satisfeito com suas declarações racistas e homofóbicas, o deputado Luis Carlos Heinze, ainda no dia 29/11/2013, conclamou os ouvintes a reagirem “contra esses grupos étnicos [povos indígenas e comunidades quilombolas], inclusive por meio de segurança privada”. Citamos trechos de seu discurso que sugere ação armada dos presentes na plateia:


    O que estão fazendo os produtores do Pará? No Pará, eles contrataram segurança privada. Ninguém invade no Pará, porque a Brigada Militar não lhes dá guarida lá e eles têm de fazer a defesa das suas propriedades[…]. Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como o Pará está fazendo. Façam a defesa como Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade. Foram corridos da propriedade. Isso que aconteceu lá. (grifamos)


    A situação é mais grave ainda quando sabemos do genocídio que tem vitimado os indígenas Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, com a atuação de grupos paramilitares na região contratados pelo agronegócio, e um leilão que teria sido realizado para armar os produtores rurais, se não tivesse sido paralisado judicialmente.


    Mas as declarações de ódio aos povos indígenas e comunidades quilombolas, no dia da audiência em Vicente Dutra/RS, não foi exclusividade do deputado Heinze, também o deputado Alceu Moreira afirmou que os membros de nossas comunidades são “vigaristas” e defendeu que os presentes deveriam se munir de guerreiros e não deixarem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário.”


    No que se refere à maneira de pensar alardeada pelos deputados neste dia, como por exemplo de que os fazendeiros do Mato Grosso do Sul realizam apenas um ato de “defesa”, e não a prática de genocídio como é nosso entendimento, consideramos que a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão/MPF cumpriu sua tarefa que a Constituição outorgou em defesa de nossos direitos, quando solicitou representação criminal contra os referidos deputados, tendo como matéria a prática e incitação pública à discriminação ou preconceito étnicos.


    1. Como seriam ouvidos nossos anseios e necessidades se esta Audiência Pública faz parte do conjunto de ações ofensivas aos povos indígenas e comunidades quilombolas por meio de um expediente utilizado pelos deputados ruralistas que é a CPI da Funai-INCRA?


    A CPI da Funai-INCRA foi instituída e formada na Câmara dos Deputados por meio do Requerimento de CPI nº 16/2015, datado de 16/04/2015, de autoria dos deputados Alceu Moreira, Marcos Montes, Nilson Leitão, Valdir Colatto, Luiz Carlos Heinze e outros. No documento são apresentados os aspectos que serão investigados, bem como expõe as justificativas para criação da Comissão. No entanto, entendemos que seus fundamentos são desenvolvidos de forma parcial e tendenciosa, o que nos sugere que o objetivo principal dos deputados propositores desta CPI é prejudicar os direitos fundamentais dos povos indígenas e comunidades quilombolas assegurados no país.


    No requerimento os deputados afirmam que qualquer disposição sobre a questão quilombola fundada no Decreto 4.887/03 está sob suspeita de inconstitucionalidade, pois tal norma é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 no STF. Mencionam, ainda, que o relator da ADI 3239, Ministro Cezar Peluso, entendeu pela inconstitucionalidade do decreto. E desavergonhadamente afirmam que “Não é necessário uma análise muito profunda para chegarmos à conclusão de que o Decreto nº 4.887/2003 extrapolou os limites do poder de regulamentar […] à determinação das terras de remanescentes de quilombolas” (p. 3).


    Em contraposição aos argumentos dos deputados, consideramos que devido a sua previsão constitucional, incontestavelmente, é necessária uma análise aprofundada sobre a matéria para se chegar à conclusão da constitucionalidade ou não do Decreto nº 4.887/2003. Consideramos que foram suprimidas informações da mais alta relevância para compreensão do estágio do julgamento, bem como sua respectiva conclusão. Não foi mencionado, por exemplo, que no mesmo dia em que o Ministro Cézar Peluso votou pela inconstitucionalidade da norma, em 18/04/2012, a Ministra Rosa Weber pediu vistas aos autos e interrompeu o julgamento da referida ADI, sendo que esta informação figura na mesma fonte utilizada pelos deputados para afirmarem que o decreto “está sob suspeita de inconstitucionalidade”, qual seja, o Informativo STF nº 662. (Acesso em 29/06/2016, às 10h12m: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo662.htm).


    Ademais, nada foi expresso quanto ao fato da Ministra Rosa Weber, em 25/03/2015, abrir divergência com o Relator e votar pela improcedência da ação, concluindo pela constitucionalidade do decreto presidencial, sendo seu voto publicizado em data anterior à apresentação do requerimento de criação da CPI. Há ainda outras omissões sobre o julgamento. No mesmo dia do voto da Ministra Rosa Weber, o Ministro Dias Toffoli pediu vistas dos autos, sendo que a ADI 3239 aguarda continuidade de julgamento no STF.


    Convém lembrar ainda que a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), ao julgar em 2013 – dois anos antes da apresentação do Requerimento acima citado – o caso do Quilombo Paiol da Telha, no Paraná, assentou a inteira constitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003. O TRF4 considerou constitucional o decreto por meio de julgamento iniciado em 28/11/2013, quando teve pedido de vista do desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que apresentou seu voto na sessão do dia 19/12/2013. O magistrado, acompanhado por 11 desembargadores dos 15 que formam a Corte Especial, votou pela constitucionalidade da norma.


    A parcialidade das informações que figuram no requerimento, portanto, remete o leitor a uma indução simples e segura: o julgamento da ADI 3239 encerrou-se, tendo como decisão final a inconstitucionalidade do decreto. Reafirmamos que este direcionamento conclusivo não procede, não é verdadeiro. Como dito acima, o processo segue aguardando data para entrar novamente em pauta de julgamento no STF, sendo que os outros ministros ainda deverão votar, por isso não é possível afirmar a posição do STF acerca do decreto.


    Como dito anteriormente, no requerimento são apresentadas as justificativas para criação da Comissão. Dois são os procedimentos administrativos de demarcação e titulação de territórios tradicionais que fundamentam os pressupostos dos deputados: Terra Indígena Mato Preto e Comunidade Quilombola de Morro Alto. Os parlamentares sugerem que estes procedimentos são exemplos de manipulação criminosa”. Nosso entendimento, em contrariedade aos deputados, é que condenável são as tentativas de aniquilação de modos de vida constitucionalmente garantidos por meio das tentativas de obstrução de regularização de nossos territórios, e a orquestração de audiências públicas que objetivam incitar o ódio contra nossas comunidades.


    Há muito tempo, a nossa Comunidade Guarani do Mato Preto vive acampada em condições precárias e de extrema vulnerabilidade às margens de uma via férrea no município de Erebango/RS. O procedimento de demarcação se iniciou há mais de dez anos, sendo que somente em 2012, o Ministério da Justiça editou a Portaria nº 2.222/2012, declarando a Terra Indígena de Mato Preto como sendo de ocupação tradicional nossa, Guarani. Desde então, os opositores da demarcação, especialmente parlamentares como Luis Carlos Heinze, e que contam com o apoio irrestrito do Procurador Estadual Rodinei Candeia, um dos assessores da CPI da FunaiINCRA, passaram a insuflar a população da região norte do estado contra nossa comunidade guarani.


    Tal situação se repete em relação a nossa Comunidade Quilombola de Morro Alto, situada no litoral norte do estado, que há décadas luta pela titulação nos Municípios de Osório e Maquiné, cujos impactos da Construção da BR 101 e depois a sua duplicação foram devastadores para nossa comunidade. Enfrentamos cotidianamente diversos conflitos e tensões, estimulados por declarações racistas do Deputado Alceu Moreira e de sua base eleitoral, espraiada para o próprio Sindicato Rural, num constante avanço da grilagem e cujos desdobramentos já causaram, entre outras, duas tentativas de homicídio contra nossa liderança quilombola. Destacamos que a morosidade no processo de demarcação que se arrasta 16 anos, com pressões político/institucionais que agravam a situação de precarização da nossa comunidade.


    Cabe referir ainda, no que se refere a esses ataques no rio Grande do Sul, a existência de projeto de Lei na Assembleia Legislativa, a saber o PL nº 31 de 2015, de autoria do Deputado Elton Weber (Acesso em 29/06/2016, às 13:59: http://www.al.rs.gov.br/legislativo/ExibeProposicao.aspx?SiglaTipo=PL&NroProposicao=31&AnoProposicao=2015&Origem=Dx), flagrantemente inconstitucional, consoante parecer da Clínica de Direitos Humanos da UNIRITTER. Este PL também tem sido um categórico fator de incitação de conflitos, na medida em que projeta a retirada de nossos direitos e cria falsas expectativas em supostos pequenos agricultores, aprofundando o estigma do racismo contra nossas comunidades.


    As diligências da CPI da Funai-INCRA, então, tornaram-se momentos oportunisticamente acionados pelos deputados que se beneficiam com a existência dos conflitos. Não sem surpresa que presenciamos nas faixas que os não indígenas trouxeram para a Audiência na ALRS, os dois casos exemplificados no requerimento de criação da Comissão: “Mato Preto, lutando contra as demarcações fraudulentas!”; “Não à fraude do quilombo Morro Alto”. No entanto, naquele dia, uns gritos chamaram em demasia nossa atenção. Uma descomunal contradição sintetizada em tão poucos palavras: “Vocês tem que ficar no meio do mato!. Estas palavras nos causam até hoje um terrível sentimento, pois sabemos que são essas pessoas que querem nos expulsar das nossas matas; sabemos que são essas pessoas que não nos queriam na audiência, assim como não nos querem nas cidades. O que não sabemos e perguntamos é ONDE É O MEIO DO MATO para os que vociferam os insultos?


    Observamos, então, que os documentos, os discursos e as faixas aparentam ter algo em comum: coincidência de eventos históricos, comportamentos políticos e cultura racista. Nosso entendimento, portanto, é que a CPI da Funai-INCRA que tem se constituído em um espaço de perseguição e criminalização das nossas lideranças e comunidades, como atestamos com o desvelamento da forma malévola que os deputados justificaram nos documentos a criação da Comissão, bem como os acontecimentos que descrevemos no dia da diligência no Rio Grande do Sul.


    Na audiência na ALRS, dia 23/05/2016, compareceram nossas lideranças e membros dos povos indígenas e comunidades quilombolas que vivem no Rio Grande do Sul, reconhecidos como nossos legítimos representantes. Estavam acompanhados de ativistas de movimentos sociais e de direitos humanos, apoiadores da nossa causa. Foram manifestar e protestar contra o modo como estava sendo conduzido esse momento, por parlamentares, que sob verniz legal e democrático, nos discriminam e agem para revogar nossos direitos assegurados na Constituição Federal da República, a qual eles juraram respeitar.


    Consideramos ilegítima e injusta a criminalização dos nossos representantes que compareceram na referida audiência, bem como de nossos apoiadores, mas não nos surpreendemos com este tratamento, tendo em vista que, invariavelmente, somos pejorativamente qualificados como “vigaristas” “supostos indígenas”, “quadrilhas”, etc., sempre quando agimos de forma contrária aos interessados na destruição e exploração de nossos territórios por meio da economia de mercado capitalista (que eles chamam de “avanço da fronteira agrícola-pastoril”), bem como quando denunciamos as violações praticadas, sejam elas por pessoas ou instituições, sobre nossos direitos constitucionalmente garantidos, como é este o caso.


    Acreditamos, assim, que todo o processo envolvendo essa CPI é eivado de vícios porque 1) não havia objeto definido, sendo uma CPI para investigar tudo, sendo que nesse “tudo” havia uma ameaça de criminalização das nossas lideranças, efetivada no Requerimento do Deputado Luis Carlos Heinze; 2) os parlamentares que presidem a CPI tem interesse direto na causa, tendo sido financiados por empresas que contestam nossos territórios; 3) não foram observados os nossos direitos de atuar e participar do processo, por meio de nossas lideranças ou de acordo com nossas formas próprias (direito de falar na língua, de ser ouvido nas nossas aldeias, etc.).


    Desse modo, solicitamos uma atuação firme por parte da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão/Procuradoria Geral da República e da Dr. Debora Duprat, que tem defendido os nossos direitos e interesses, cumprindo a tarefa que a Constituição outorgou ao Ministério Público Federal.


    Pedimos nesta carta que o Ministério Público Federal interrompa no âmbito da instituição qualquer processo resultante da CPI da Funai-INCRA, e recomende aos órgãos competentes a anulação imediata de qualquer efeito ou desdobramento das diligências e procedimentos desta Comissão.


    POVOS INDÍGENAS E COMUNIDADES QUILOMBOLAS: NENHUM DIREITO A MENOS!

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  • 05/07/2016

    Indígenas pedem que países suspendam importação de commodities brasileiras



    Cerca de 150 lideranças indígenas manifestaram-se na manhã desta terça (5) na avenida das nações, em Brasília (DF). Em diversas embaixadas, eles entregaram um documento denunciando os ataques de ruralistas contra seus direitos e solicitando aos estrangeiros que suspendam as importações de commodities brasileiras. Os indígenas pedem que os países importadores condicionem a compra de produtos do agronegócio brasileiro à mudança de postura dos ruralistas e de suas entidades representativas.

    Inicialmente, informamos as embaixadas as situações que os povos indígenas vêm sofrendo por causa do agronegócio. A exportação ajuda a financiar o agronegócio, então financia o genocídio dos nossos povos, a pistolagem que vem atacando e ferindo as nossas lideranças e financia de fato a morte dos nossos povos”, afirma Kâhu Pataxó. “Então, viemos trazer essa informação e pedir que eles possam dialogar com o governo brasileiro e com as empresas em seus países, para que essas exportações que eles fazem tenham condicionantes: que elas não sejam feitas dentro de áreas indígenas, que não sejam oriundas dessa situação de massacre dos povos indígenas, para que a gente possa garantir a vida dos nossos povos”.

    Pela manhã, os indígenas visitaram as embaixadas de Portugal, Rússia, Estados Unidos, Países Baixos, Canadá, França e China. No documento protocolado junto às embaixadas, os povos originários denunciam os ataques dos ruralistas, articulados por meio da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), contra seus direitos constitucionais. O ofício cita como exemplo desta articulação a recente Pauta Positiva 2016/2017 da FPA e do IPA, conjunto de reivindicações entregues ao vice-presidente Michel Temer ainda antes do afastamento de Dilma Rousseff.

    Entre medidas como a descaracterização do trabalho escravo e a liberação da compra de terras para empresas com capital estrangeiro, as cerca de 38 organizações e entidades que compõem a FPA e o IPA reivindicam, num item chamado “Direito de Propriedade e Segurança Jurídica”, a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 e a revisão das demarcações de terras indígenas, entre outras medidas contrárias aos direitos indígenas.

    Os indígenas também denunciaram aos diplomatas os atentados que tem sido realizados contra comunidades e lideranças, como no caso do recente massacre de Caarapó. “Há uma organização muito bem estabelecida na condução desses ataques”, afirmam no documento, citando a “incitação explícita ao ódio e ao uso da violência contra os povos indígenas feita por dois deputados federais expoentes membros da FPA”.

    "Vamos esperar as respostas mais tarde, mas começamos a divulgar o que acontece com a gente. Falta de respeito com nossos direitos, direitos indígenas, direito de ir e vir, direito à terra, direito de viver com tranquilidade dentro do seu território, a criminalização, os assassinatos, tudo está ficando impune e ninguém sabe. Colocando isso pra fora do Brasil, você tá mostrando a cara de como o Brasil trata os povos”, afirma Maria Valdelice, cacique da Terra Indígena Tupinambá de Olivença.

    "Não contribua para a continuidade do roubo de nossas terras, do aprisionamento e da morte de nossas lideranças”, apelam os indígenas, ao final do documento que pede o estabelecimento de uma moratória para a importação de commodities agrícolas brasileiras.
















    Delegação em Brasília

    O ato reuniu lideranças indígenas da delegação dos povos Pataxó, Tupinambá de Olivença, Tupinambá de Belmonte e Tumbalalá, os quais saíram de diferentes regiões da Bahia e devem permanecer durante toda esta semana em Brasília, e professores indígenas de todas as regiões do país, que estão em Brasília nesta semana para o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena.

    Durante a semana, os indígenas da delegação vinda da Bahia realizarão diversas agendas em órgãos do Legislativo, do Judiciário e do Executivo. Apesar da predominância dos povos do sul, extremo sul e norte da Bahia na ação desta manhã, as reivindicações não foram apresentadas apenas em nome destes povos. “Como a gente é atingido e nossos parentes também, a gente fez um documento em nome de todos os povos, porque a dor dos nossos parentes é a nossa dor também”, afirma Kâhu Pataxó.

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  • 05/07/2016

    Lideranças de Marãiwatsédé afirmam que CPI da Funai/Incra e PEC 215 atuam juntas contra demarcações

    Preocupados com as notícias levadas às aldeias, oriundas de Brasília, o povo Xavante de Marãiwatsédé, noroeste do Mato Grosso, escreveu uma carta mostrando contrariedade aos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Federal que investiga demarcações de terras indígenas e quilombolas realizadas pela Funai e pelo Incra.


    Recentemente, os Xavante de Marãiwatsédé conviveram com novas e ameaças de invasão à terra indígena. O Ministério Público Federal (MPF) acompanha a situação.


    A carta é dirigida ao deputado federal da bancada ruralista Nilson Leitão (PSDB/MT). Parlamentar do estado, Leitão é um dos principais defensores da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 também criticada pelos Xavantena – a PEC 215 pretende transferir do Poder Executivo para o Legislativo a demarcação de terras indígenas e estabelecer o marco temporal.


    O parlamentar foi citado em conversas telefônicas entre indivíduos presos pela Polícia Federal, em agosto de 2014, envolvidos em esquema de invasões à Marãiwatsédé.


    Leia a carta na íntegra:


    Carta do povo Xavante de Marãiwatsédé


    Ao deputado Nilson Leitão,


    nós, A’uwe Uptabi, da Terra Indígena Marãiwatsédé, vimos através desta repudiar a CPI Funai/Incra, que pretende enfraquecer as ações de responsabilidade da Funai, que é o órgão indigenista que defende os direitos dos povos originários do Brasil, como a demarcação das nossas terras, um direito garantido pela Constituição Federal.


    Defendemos a continuidade e o fortalecimento da Funai e seus trabalhos junto aos povos indígenas, pois é essencial e precisa continuar.


    Repudiamos também a PEC 215 e a consideramos inconstitucional. Ela é um retrocesso nos direitos conquistados por nós e representa a destruição das florestas e exploração sem controle dos recursos dos quais nós somos guardiões e ameaça o futuro das próximas gerações.


    Abaixo assinado a comunidade de Marãiwatsédé


    Brasília, 4 de julho de 2016

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  • 04/07/2016

    Massacre de Caarapó: ao invés de fazendeiros, indígenas podem ser presos

    O brutal ataque de fazendeiros contra os Guarani e Kaiowa de Caarapó – que resultou na morte de Clodiodi de Souza e feriu gravemente outros cinco pessoas – não levou, até o momento, nenhum dos autores do crime à prisão. No entanto, lideranças foram indiciadas criminalmente e poderão ser presas – é o que afirma uma carta assinada por mais de 700 indígenas, lançada nesta segunda, 4.

    O documento de cinco páginas foi escrito durante encontro do Conselho do Aty Guasu, realizado nos dias 1 e 2 de julho, no tekoha Ñamoi Guaviray, em uma das áreas da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá I retomadas pelos indígenas após a morte de Clodiodi.

    Leia na íntegra a carta do Conselho do Aty Guasu

    As cápsulas de munição de diferentes calibres encontradas no local, os vídeos e fotografias registrados no momento da ação, além do testemunho de dezenas de indígenas – entre eles, os cinco sobreviventes do massacre -, parece não ter sido suficientes para prender os fazendeiros (já identificados à Polícia Federal [PF] pelos indígenas), argumentam os Kaiowa e Guarani.

    Já as lideranças indígenas, contudo, poderão ter decretada prisão preventiva, acusadas de serem responsáveis pelo incêndio de uma viatura da Polícia Militar, e pelo desarmamento de três policiais militares durante o massacre, dentro da reserva Tey’ikue, onde Clodiodi foi morto.

    Veja a cronologia do massacre de Caarapó

    Reação

    Para o Aty Guasu, a prisão de um indígena seria "uma declaração de deboche e guerra contra nosso povo".

    "Se o Estado nos prender depois do que aconteceu, ele não nos respeita, e então honraremos a vida de todos os que morreram na luta", afirmam os Guarani e Kaiowa que, no documento, ameaçam fechar rodovias, retomar novas fazendas, incendiar canaviais, destruir plantações e usinas e matar bois, caso ocorra a prisão de alguma liderança.

    Em entrevista ao IHU, o Procurador da República Marco Antonio Rufino afirmou que o Ministério Público Federal (MPF), PF e Justiça estão trabalhando pela "responsabilização de todas as pessoas, tanto as pessoas que cometeram os primeiros crimes quanto as pessoas que cometeram os outros crimes", referindo-se ao ataque dos fazendeiros, e também ao episódio com a polícia.

    O massacre

    No dia 14 de junho, fazendeiros altamente armados, acompanhados de homens uniformizados e encapuzados, utilizando diversos tipos de armas de fogo e de bala de borracha, atacaram brutalmente cerca cerca de 300 indígenas acampados no tekoha Kunumi Verá (conhecido anteriormente por Toro Paso), onde incide a fazenda Yvu.

    Na sequência, invadiram a aldeia Tey’ikue, onde, além das famílias do acampamento – que fugiram da área da fazenda para dentro da reserva -, havia um grupo de ao menos cem moradores da reserva – entre eles, uma comissão composta por lideranças, professores e agentes de saúde, que se deslocou ao local para ajudar no resgate dos feridos e tentar negociar o cessar-fogo com os fazendeiros.

    Não houve diálogo e o ataque violento continuou, resultando no assassinato do Kaiowa e agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, de 26 anos. Outros seis indígenas foram hospitalizados – cinco deles em estado grave, entre os quais uma criança, com tiros no coração, cabeça, abdômen, estômago e braço. Um permanece internado.

    Ao menos outros seis indígenas que não foram ao hospital registraram – em fotografias ou através de exame de corpo de delito –  ferimentos com balas de borracha. Não há registro oficial ou informal de fazendeiros feridos.

    Viatura

    Na sequência do ataque, que durou quatro horas, uma viatura da Polícia Militar foi encontrada pelos indígenas dentro da reserva Teyi’kue, a alguns quilômetros da área onde as pessoas haviam sido baleadas. Segundo o relato dos indígenas, nesse momento, os atinfidos estavam a caminho do hospital, resgatados pelos indígenas e, posteriormente, pelos bombeiros.

    Indígenas teriam identificado um dos três policiais que estavam na viatura como um partícipe do ataque. Os policiais então foram desarmados pela comunidade, sofrendo ferimentos leves, e entregues aos bombeiros que auxiliavam no resgate (e alegam ter ajudado a convencer os indígenas a liberar os PMs). A comunidade então chamou a Polícia Federal, além da Funai e do Ministério Público Federal, exigindo sua presença para realizar a devolução das armas. A viatura policial foi incendiada, bem como um caminhão que levava uma colheitadeira – que, segundo os indígenas, havia tentado atropelar um Guarani Kaiowa.


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  • 04/07/2016

    Em julho, papa reza para que povos indígenas sejam respeitados

    Os povos indígenas estão no centro da intenção de oração do Papa Francisco para este mês de julho. Ao Apostolado da Oração, o Pontífice indica a seguinte intenção: “Para que os povos indígenas, ameaçados na sua identidade e existência, sejam respeitados”.

    Por ocasião da entrega do pálio na quarta-feira, 29, o Presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e arcebispo de Porto Velho (RO), Dom Roque Paloschi, foi recebido pelo Papa Francisco no Vaticano e entregou a ele o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas de 2014 e uma carta em que agradece a atenção que o pontífice tem dedicado à questão indígena e comunica as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas no Brasil.


    “Vivemos no Brasil uma situação desesperadora diante do sofrimento dos nossos primeiros habitantes”, afirma Dom Roque em sua carta. “A indiferença, o avanço dos grandes projetos do agronegócio, a construção das grandes hidrelétricas, a mineração, e a devastação do meio ambiente em geral. Isso tudo traz consequências desastrosas aos povos indígenas”.

    O presidente do Cimi também citou a situação de extrema vulnerabilidade vivenciada pelos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. “Os Guarani Kaiowá tem visto o direito às suas terras ser negado, além de sofrerem repetidas violências de grupos paramilitares e o continuado descaso do próprio Estado”, acrescenta Dom Roque.

    Em diversas ocasiões, o Papa Francisco se pronunciou em relação à importância do respeito aos povos indígenas e sobre a necessidade de se “procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos”, como escreveu na Encíclica Laudato Si (Louvado Sejas), divulgada em junho de 2015 com o tema “Sobre o Cuidado da Casa Comum”.

    O pontífice tem manifestado sua preocupação com as crises social e ambiental que o mundo contemporâneo enfrenta e reconhecido as importantes contribuições dos povos originários. Em encontros com indígenas na Bolívia, em 2015, e no México, em 2016, Francisco pediu perdão aos povos indígenas, em nome da Igreja, “pelos crimes cometidos contra os povos nativos durante a chamada conquista da América”.

    “Somos profundamente agradecidos pela sua ternura e proximidade com os povos originários do mundo”, afirma Dom Roque Paloschi na carta entregue ao Papa durante cerimônia na Basílica de São Pedro. “Contamos com a sua oração e bênção aos povos originários do Brasil”, conclui, assinalando que Francisco será bem-vindo quando visitar o país.

    Missão Continental

    Já a intenção pela evangelização para o mês de julho fala da missão continental: “Para que a Igreja na América Latina e no Caribe, através da sua missão continental, anuncie o Evangelho com renovado vigor e entusiasmo”

    A Missão Continental é o projeto proposto pela V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, que se realizou no santuário de Nossa Senhora Aparecida em 2007.

    A Missão propõe uma mudança profunda de atitude: colocar toda a Igreja em “estado permanente de missão”, como aspecto fundamental da conversão pastoral. Reunidos em Aparecida, os bispos definiram a Missão Continental como “um tempo de graça para a Igreja que peregrina na América Latina e no Caribe, um tempo para tomar consciência de sua autêntica vocação cristã.

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  • 04/07/2016

    Nota do Cimi: Contra o Militarismo Integracionista, o Fundamentalismo Religioso e o Ruralismo na relação do Estado brasileiro com os Povos Indígenas

    O Conselho Indigenista Missionário – Cimi repudia a indicação do Coronel reformado Roberto Sebastião Peternelli, ex-candidato a Deputado Federal pelo Partido Social Cristão (PSC), para a função de presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Uma eventual nomeação de Peternelli demonstraria, inequivocamente, o retorno do alinhamento do Estado brasileiro ao militarismo integracionista na relação com os povos originários, a exemplo do que ocorreu durante a ditadura militar, quando mais de oito mil índios foram mortos, conforme demonstrado pela Comissão Nacional da Verdade.

    Pelo fato do coronel ser vinculado à bancada do fundamentalismo religioso e esta ser uma espécie de correia transmissora de interesses do ruralismo na Câmara dos Deputados, já que vem apoiando as pautas da chamada bancada ruralista, inclusive a PEC 215/00, a nomeação de Peternelli pelo governo ilegítimo de Temer também significaria a entrega dos povos indígenas na bandeja opulenta do agronegócio, o que é completamente inaceitável.

    Ao mesmo tempo, o Cimi demonstra profunda preocupação com as consequências advindas da implementação do Decreto 8785/16 e da Portaria 611/16, ambas assinadas no último dia 10 de junho pelo presidente interino, Michel Temer, e pelo Ministro da Justiça, Alexandre de Morais, respectivamente.

    Por meio da portaria 611/16, o governo federal bloqueia a execução de despesas fundamentais e, por consequência, impede o funcionamento regular de órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, a exemplo do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e da própria Fundação Nacional do Índio (Funai).

    Por meio do Decreto 8785/16, Temer determina que os ministérios devolvam postos de trabalho de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Para cumprir a sua cota, que é a maior da Esplanada, o Ministério da Justiça está exigindo que a Funai faça cortes profundos na sua estrutura. Com isso, serviços básicos de atendimento aos povos indígenas, que já estão extremamente precários, serão inviabilizados por completo, atingindo inclusive situações limites como a enfrentada pelos Guarani Kaiowá, vítimas de recorrentes ataques paramilitares no estado no Mato Grosso do Sul.

    Inanição do órgão indigenista, desassistência absoluta e aumento dos despejos forçados contra povos indígenas são algumas das consequências potenciais decorrentes dessas graves medidas administrativas do Governo Temer relativamente aos povos indígenas.

    O Cimi entende que o golpe à democracia representado pela possibilidade do impeachment da presidente Dilma é potencializado com medidas rasteiras, como estas, do governo interino de Temer, que atentam contra os povos e seus direitos, em benefício exclusivo dos interesses do agronegócio, do latifúndio e das corporações empresariais, de capital nacional e internacional, que as controlam.

    Brasília, DF, 04 de julho de 2016

    Conselho Indigenista Missionário

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  • 01/07/2016

    Campanha pede a ministros do STF que barrem CPI da Funai/Incra. Participe!



    Iniciativa para barrar a CPI da Funai e do Incra, na garantia da demarcação dos direitos constitucionais dos povos indígenas e quilombolas às suas terras tradicionais


    A CPI para investigar a Funai e o Incra em processos de demarcação de Terras Indígenas e Quilombolas em todo o país é uma iniciativa da Frente Parlamentar da Agropecuária (Bancada Ruralista ou Bancada do Boi) e é financiada pelo agronegócio. A tríade denominada “Bancada BBB”, formada pelas bancadas do Boi, da Bíblia e da Bala tem atuado ativamente no Congresso Nacional, ameaçando os direitos humanos e os direitos das minorias.


    A deputada Erika Kokay (PT/DF) impetrou o mandado de segurança com pedido de liminar no STF (MS 33.882) para impedir a instalação dessa CPI, uma vez que o requerimento que propôs a CPI não observa o requisito constitucional do fato determinado e que seu objetivo é atacar a luta dos povos indígenas e quilombolas. A PGR – já em dezembro de 2015 – concordou com essa argumentação, opinando pelo deferimento urgente da liminar a fim de paralisar a CPI, sustar os atos até então praticados e pela anulação do requerimento que instituiu e formou a comissão, bem como de todos os atos por ela praticados.


    A CPI vem – na verdade – tentando incriminar e criminalizar antropólogos, servidores federais, indigenistas e lideranças indígenas, com a finalidade de obstar a demarcação de terras indígenas e quilombolas em todo o país.


    O MS 33.882 está concluso para ser discutido e julgado pelo Pleno do STF desde 17 de junho. Neste exato momento (30 de junho), integrantes da CPI encontram-se na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, cuja liderança mais representativa – o cacique Babau, Rosivaldo Ferreira da Silva – vem sendo objeto de perseguição, atentados e criminalização há vários anos e tem sua vida assegurada pelo Programa de proteção a defensores de direitos humanos ameaçados, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.


    Interpelemos os Ministros Fachin, relator do MS 33.882, e o Ministro Lewandowski, presidente do STF, a proceder com urgência ao julgamento desta ação que pode barrar a ofensiva ruralista na destruição paulatina dos direitos constitucionais dos indígenas e quilombolas brasileiros:


    Ministro Lewandowski

    gabinete-lewandowski@stf.jus.br

    tel.: (61) 3217 47 32 – 3217 42 56

    Ministro Fachin

    gabineteedsonfachin@stf.jus.br

    tel.: (61) 3217 41 34 – 3217 41 33


    Senhores Ministros,


    Na preocupação com o cumprimento dos dispositivos constitucionais que garantem a demarcação dos territórios indígenas e quilombolas, venho manifestar, respeitosamente, meu apelo para que o MS 33.882 seja posto em votação pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal com urgência.


    O requerimento que propõe a CPI da Funai e do Incra não observa o requisito constitucional do fato determinado, devendo o Pleno deste Tribunal anular o requerimento que a instituiu, bem como anular todos os atos por ela praticados.


    O Estado brasileiro acumula atraso de 23 anos em demarcar a totalidade das terras indígenas no país. Retrocessos ou obstruções ao cumprimento do mandamento constitucional de demarcar estas terras e os territórios quilombolas não podem prevalecer sobre os direitos destes povos.


    Respeitosamente,

    (nome e identificação)”

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  • 01/07/2016

    Em nota, Apib se manifesta contra possível nomeação de militar à presidência da Funai

    Diante da consolidação, no decorrer desta semana, da indicação do general reformado Roberto Sebastião Peternelli, membro do Partido Social Cristão (PSC), à presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se manifestou publicamente nesta sexta-feira, 1º de julho, contra a efetivação do militar ao cargo do órgão indigenista estatal.


    Sabe-se que o indicado, que foi candidato a deputado federal pelo PSC em São Paulo em 2014, e não conseguiu se eleger, é a favor da PEC 2015, portanto contra a demarcação das terras indígenas, além de enaltecedor o golpe militar de 1964 e os feitos da ditadura”, diz trecho da nota.


    O PSC já vinha sendo a agremiação partidária mais envolvida em nomes à presidência da Funai, mesmo que ainda num momento de especulações. Ventilava-se até mesmo os nomes de Jair e Eduardo Bolsonaro, pai e filho deputados federais que acumulam processos juidiciais e internos na Câmara Federal acusados de racismo, homofobia e exaltação à tortura praticada pelo regime ditatorial instalado no país entre os anos de 1964 e 1985.


    Jair Bolsonaro é pré-candidato à Presidência da República e no Mato Grosso do Sul, estado que visita com certa frequência, faz questão de desfilar ao lado de fazendeiros e ruralistas a falar contra a demarcação de terras indígenas. Com discurso de cunho militarista, trata a questão indígena como um problema para a segurança nacional e defendeu inúmeras vezes a integração dos povos à sociedade brasileira – tese rechaçada pelo movimento indígena e indigenista ainda durante o regime militar, posteriormente derrotada pela Constituição Federal e tratados internacionais.


    A este mesmo partido pertence o Pastor Everaldo, candidato à presidência nas últimas eleições, e o Pastor Marco Feliciano, deputado federal ligado a projetos parlamentares de cunho homofóbico. O PSC, inclusive, foi um dos principais fiadores do processo de impeachment em curso da presidente Dilma Rousseff. Com a consolidação da indicação do general Petterneli, o movimento indígena tem como certo que o presidente interino Michel Temer loteou a Funai para este grupo político.


    Certamente ele virá, se efetivamente nomeado, a militarizar a política indigenista, com todas suas imprevisíveis consequências, fortalecendo a perspectiva do Estado policial que está sendo instalado no país, com a criminalização dos movimentos sociais”, diz a nota.


    Leia a nota na íntegra:


    Não aos retrocessos! Não para a indicação de militar à presidência da Funai


    A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, entidade nacional que congrega organizações indígenas das distintas regiões do país, vem de público manifestar seu veemente repúdio às articulações fechadas entre o líder do governo na Câmara dos Deputados, deputado André Moura, do Partido Social Cristão (PSC) e o deposto ministro do Planejamento e réu da Operação Lavajato, senador Romero Jucá (PMDB), de longa trajetória anti-indígena, que culminaram, nesta semana, com a indicação, ainda não consumada, do general Roberto Sebastião Peternelli ao cargo de Presidente da Fundação Nacional do Índio – FUNAI.


    Só cogitação do general para a presidência do órgão indigenista gerou revolta e indignação entre os povos e organizações indígenas e suas redes de aliados no Parlamento e em amplos setores da sociedade. Nada por acaso. Sabe-se que o indicado, que foi candidato a deputado federal pelo PSC em São Paulo em 2014, e não conseguiu se eleger, é a favor da PEC 2015, portanto contra a demarcação das terras indígenas, além de enaltecedor o golpe militar de 1964 e os feitos da ditadura. Certamente ele virá, se efetivamente nomeado, a militarizar a política indigenista, com todas suas imprevisíveis consequências, fortalecendo a perspectiva do Estado policial que está sendo instalado no país, com a criminalização dos movimentos sociais.


    Essa absurda indicação, que segue à invisibilidade dada à FUNAI na estrutura do Ministério da Justiça, ao corte orçamentário da instituição, à inviabilização do Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI, ao aniquilamento de outros órgãos de governo que tratavam de políticas voltadas aos povos indígenas, como o Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA, a Secretaria de Direitos Humanos, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI no Ministério da Educação, entre outros, certamente reflete a determinação do atual governo interino de Michel Temer de travar de vez quaisquer tipos de avanços e regredir ou suprimir as conquistas alcançadas nos últimos 28 anos na Constituição Federal e nos tratados internacionais assinados pelo Brasil a respeito do reconhecimento da diversidade étnica e cultural dos povos indígenas e de seu direito originário a suas terras tradicionais. A perspectiva, não tem outro nome, é nada mais do que a de uma política etnocida e genocida, que quer o fim dos povos indígenas, hoje mais do que nunca considerados pela elite de plantão empecilhos ao chamado desenvolvimento e progresso, o vil capital.


    A APIB, acolhendo o clamor de suas bases, reitera que os povos e organizações indígenas de todo o país estão em estado de alerta e dispostos a não admitir retrocessos de nenhum tipo, a começar pela indicação de um militar que impossibilitará quaisquer condições de diálogo na construção das políticas públicas que a esses povos interessa como, mesmo com dificuldades, vinha acontecendo no governo afastado de Dilma Rousseff.


    PELO NOSSO DIREITO DE VIVER


    Brasília – DF, 30 de junho de 2016

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

    Mobilização Nacional Indígena

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  • 30/06/2016

    “Uma verdadeira situação pandêmica de suicídios de jovens indígenas”, diz estudo da Flacso Brasil



    O suicídio entre crianças e jovens indígenas no Brasil foi classificado como pandemia por pesquisa do Programa de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso). Divulgado nesta quinta-feira, 30, o relatório ‘Violência Letal Contra as Crianças e Adolescentes do Brasil’ aponta que em ao menos um município, 100% do total de suicídios entre indígenas ocorreu na faixa dos 10 e 19 anos. Dos 17 municípios com número igual ou superior a 10 mil crianças e jovens – critério para o levantamento – , com alta densidade populacional indígena, 327 indígenas acima dos 20 anos se suicidaram entre 2009 e 2013. Desse total, 163 crianças e adolescentes tiraram a própria vida – quase a metade do número final e a maioria em relação às demais faixas etárias reunidas.


    O foco do relatório não era a população indígena. No entanto, quando os dados apareceram causaram espanto entre os pesquisadores que decidiram fazer uma amostragem específica. “Vemos nos municípios arrolados que os suicídios na faixa de 10 a 19 anos representam entre 33,3%, em São Gabriel da Cachoeira (AM), e 100%, em Tacuru (MS), do total de suicídios indígenas, verdadeira situação pandêmica de suicídios de jovens indígenas”, destaca trecho do relatório. No Mato Grosso do Sul, a pesquisa aponta 5,2% suicídios de crianças e jovens por 100 mil habitantes. No Amazonas, a taxa é de 4,0%. A mortandade suicida nestes estados é puxada de forma trágica pelas crianças e jovens indígenas, conforme constataram os pesquisadores. AM e MS são os que mais possuem municípios envolvidos no suicídio entre a faixa etária do estudo.


    A pesquisa se debruçou sobre oito municípios do Amazonas e nove do Mato Grosso do Sul, onde os critérios do estudo coadunaram com a alta densidade de populações indígenas. “Os municípios que aparecem nos primeiros lugares nas listas de mortalidade suicida são locais de amplo assentamento de comunidades indígenas, como São Gabriel da Cachoeira, Benjamin Constant e Tabatinga (AM); Amambai e Dourados (MS)”, diz trecho do estudo. Dos 74,1% de indígenas que cometeram suicídio em Tabatinga, no Amazonas, entre 2009 e 2013, 50% era de crianças e jovens. Diante do total de suicídios do município, o de crianças e jovens indígenas corresponde a 37%. Nestes municípios amazonenses, a gama de povos é bastante diversa afetando várias destas nações.


    No município sul-mato-grossense de Caarapó, onde ocorreu no último dia 14 um massacre de fazendeiros contra o tekoha – lugar onde se é – Tey’i Jusu, 75% dos suicídios, entre 2009 e 2013, ocorreu entre indígenas. Destes 75%, crianças e jovens entre 10 e 19 anos compõem 55,6%. Diante do total do município, jovens e crianças correspondem a 41,7%. Ainda no MS, em Japorã dos 87% de indígenas que cometeram suicídio, 70% foram de crianças e adolescentes – em relação aos dados gerais de suicídio do município, 60,9% ; Ponta Porã teve 71,4% nesta faixa etária, ante 20,6% do total de indígenas e correpondendo a 14,7% de suicídios gerais da cidade. Já a cidade de Paranhos crianças e jovens responderam por 60% dos suicídios de indígenas, equivalendo a 30% de toda a população que tirou a vida entre 2009 e 2013 no município. As cidades sul-mato-grossenses do estudo abarcam quase completamente o povo Guarani e Kaiowá.


    Um estudo das Nações Unidas (ONU) de 2009 coloca o suicídio dos jovens indígenas em um contexto de discriminação, marginalização, colonização traumática e perda das formas tradicionais de vida, mas adverte sobre a complexidade dos fatores que intervêm na transmissão desses traumas entre gerações na forma de comportamento suicida. “A marginalização desses jovens tanto em suas próprias comunidades, ao não encontrar nelas um lugar adequado às suas necessidades, quanto nas sociedades envolventes, pela profunda discriminação, forja um sentimento de isolamento social que pode conduzir a reações autodestrutivas do ponto de vista ocidental”, diz trecho do estudo.


    Para Elizeu Guarani e Kaiowá, integrante da Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani e Kaiowá) e que em maio esteve na ONU denunciando violações aos direitos de seu povo, o suicídio não é algo da ‘cultura’ dos Guarani. “Muito gente fica dizendo isso, que o suicídio no meu povo sempre foi assim, faz parte da cultura da gente. Não é verdade. Isso começou forte depois que passamos a ser expulsos das nossas terras, vivendo confinados em reservas, sem perspectiva, na beira de estradas”, declarou Elizeu na ocasião do encontro da Relatoria Especial para os Direitos dos Povos Indígenas das Nações Unidas, em Nova York.




    Suicídio: um abismo labiríntico


    Suicídios acontecem no mundo inteiro – mas, quando, em um mesmo lugar, ao mesmo tempo, muita gente está se matando, é porque tem algo muito esquisito, muito grave acontecendo aí. Estamos falando de uma população de menos de 50 mil pessoas (povo Guarani e Kaiowá), sendo que já aconteceram mais de 1.100 casos nos últimos 35 anos”. A intervenção é do antropólogo Spensy Pimentel. Professor da Universidade Federal do Sul da Bahia, Pimentel pesquisada há pelo menos uma década o povo Guarani e Kaiowá, em Mato Grosso do Sul.


    Para o estudioso, é preciso considerar “que os indígenas no país passam por um período de recuperação demográfica, em função de diversos fatores. Se você analisar as tabelas oficiais do sistema de saúde e do IBGE que mostram a idade dos indígenas, vai ver que as crianças e jovens são absoluta maioria: os povos indígenas, de modo geral, são assim, hoje”, afirma. Para o antropólogo, isso é pouco para tratar de um tema tão complexo quanto o suicídio, que envolve diversos outros fatores, mas pode ser um importante indicativo para explicar as razões que envolvem crianças e jovens – vitimados ainda pela utilização de drogas e homicídios – em altos índices de mortalidade entre os indígenas.

    Da mesma forma que nós, nas cidades, temos problema hoje com essa juventude que fica submetida a um estímulo consumista muito forte, muitas vezes apelando até ao crime para ter acesso a bens de consumo, isso está acontecendo nas aldeias. O consumismo está relacionado a conflitos familiares, à delinquência, e até a frustrações tão graves que alguns associam aos suicídios (que, em geral, são um fenômeno bem complexo, não podemos reduzir a isso)”, diz Pimentel.


    Essa sociabilidade relativamente nova das aldeias próximas às cidades, sobretudo, combinada ao ambiente de pobreza e falta de recursos e de perspectivas de vida, conforme destaca o antropólogo, também tem outros aspectos, como um colapso do modo tradicional de lidar com a gestão dos casamentos. “Gera-se, aí, uma instabilidade que também está relacionada aos suicídios. Mas, vale observar, o pano de fundo do problema é sempre o confinamento, não é possível separar as coisas. As tragédias acontecem também porque o ambiente é muito deteriorado”, afirma.




    Confinamento e falta de terras


    Para o antropólogo, suicídios, assassinatos banais, agressões, roubos, abuso de álcool e drogas foram potencializados, ou até mesmo iniciados, no ambiente das reservas – pequenas áreas de terras onde os indígenas foram confinados no Mato Grosso do Sul ao serem expulsos de seus territórios. Pimentel explica que o que se pode constatar em depoimentos dos indígenas e também a partir dos registros históricos. “Não é que essas coisas não existissem – a questão é que elas passaram a acontecer de forma descontrolada, epidêmica mesmo. Os suicídios, por exemplo: os mais velhos se lembram de ter visto um ou outro caso ao longo da infância e da juventude. De repente, a partir do início dos anos 80, são dezenas de casos! Ou seja, há alguma coisa errada com o ambiente das reservas”, conclui o antropólogo.


    Tomando por base os municípios analisados pelo relatório da Flacso no estado, em todos há incidência de reservas indígenas criadas que geram confinamento. Não só isso: a falta de demarcação territorial está diretamente ligada a essa situação endêmica. “A existência física dos índios de MS, e especialmente dos Guarani e Kaiowá, já está em risco. A relação entre a violação do direito territorial e as violações de direitos humanos é direta. As reservas são, sim, um ambiente que está propiciando aos indígenas uma condição de existência capaz de levar a sua destruição e ameaçando sua integridade física e mental”, afirma Pimentel.


    Para o especialista, o Estado brasileiro é um dos principais promotores de tal contexto quando, na verdade, deveria presar pelo cuidado a estes modos plurais e diferenciados de vida. “O que o Estado brasileiro faz com esses indígenas é um atentado, porque está forçando-os a deixarem de ser indígenas para que possam ser aceitos como cidadãos. O Estado coloca-os numa situação tal que é inevitável, para muitos, abandonar os elementos mais caros a esses povos, em termos de seus valores tradicionais”, explica Pimentel. Com isso, as dissociações tornam-se inevitáveis e o combustível para o processo corrente de genocídio, assim nomeado por organismos internacionais.


    Os Guarani formam um povo que, segundo os relatos dos cronistas, abasteceu de uma forma generosa os europeus que aqui chegaram no século XVI. Dominavam técnicas de agricultura que lhes garantiam uma vida saudável e farta. Hoje, muitos não têm terra para plantar meia dúzia de pés de mandioca. Passam fome, dependem de doações do governo… isso impacta suas vidas de forma direta”, encerra o antropólogo.


    Exploração sexual infanto-juvenil no AM

    Tomando o contexto que envolve a pandemia de suicídios de crianças e jovens indígenas no país, conforme o estudo da Flacso, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª. Região, em Brasília, determinou no último dia 22 de junho o bloqueio de bens no valor total de R$ 5 milhões de dez acusados pelos crimes de estupro de vulnerável e abuso sexual de crianças e adolescentes indígenas do município de São Gabriel da Cachoeira (a 860 quilômetros de Manaus), norte do Amazonas. A informação é do site Amazônia Real.

    Os dez réus foram presos em 2013 pela Polícia Federal. Conforme a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), eles são acusados de crimes como corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, favorecimento da prostituição de vulnerável e rufianismo (tirar proveito da prostituição alheia). No grupo há comerciantes, políticos e servidores públicos do município. Duas mulheres são acusadas de aliciarem garotas indígenas para o bando criminoso.

    Em São Gabriel da Cachoeira, entre 2009 e 2013, conforme o relatório da Flacso, do total de suicídios registrados 91,7% são de indígenas, sendo deste número o extrato de 33,3% de crianças e jovens indígenas. De acordo com o número total de suicídios no município, 30,6% foram de crianças e jovens indígenas que não tiveram alternativa a não ser tirar a própria vida.



    Os suicídios no Relatório de Violências do Cimi

    De acordo com a última edição do Relatório de Violências Contra os Povos Indígenas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) 135 indígenas cometeram suicídio em 2014. Este número configura-se como o maior em 29 anos. O Mato Grosso do Sul continua sendo o estado que apresenta a maior quantidade de ocorrências, com o registro de 48 suicídios, totalizando 707 casos registrados de suicídio no estado entre 2000 e 2014.

    O relatório destacou ainda o preocupante o alto número de casos registrados no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Alto Rio Solimões, localizado no Amazonas, onde são atendidos os povos Tikuna, Kokama e Caixana. Somente neste Dsei foram registrados 37 casos de suicídio em 2014. Nesta quarta-feira, dia 29, o presidente o presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho, dom Roque Paloschi, foi recebido pelo Papa Francisco, no Vaticano. Dom Roque entregou ao Papa o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas.

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  • 30/06/2016

    Presidente do Cimi denuncia violações contra povos indígenas ao Papa

    Nesta quarta-feira (29), o presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e arcebispo de Porto Velho, dom Roque Paloschi, foi recebido pelo Papa Francisco, no Vaticano. Dom Roque entregou ao Papa o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas de 2014 e uma carta, na qual agradece a atenção que o pontífice tem dedicado à questão indígena e comunica as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas no Brasil.


    “Vivemos no Brasil uma situação desesperadora diante do sofrimento dos nossos primeiros habitantes”, afirma dom Roque em sua carta. “A indiferença, o avanço dos grandes projetos do agronegócio, a construção da grandes hidrelétricas, a mineração, e a devastação do meio ambiente em general. Isso tudo traz consequências desastrosas aos povos indígenas”.

    O presidente do Cimi também citou a situação de extrema vulnerabilidade vivenciada pelos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, vítimas de um recente ataque paramilitar em Caarapó, que resultou no assassinato do indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza. Os Guarani Kaiowá tem visto o direito às suas terras ser negado, além de sofrerem repetidas violências de grupos paramilitares e o continuado descaso do próprio Estado”, afirma dom Roque na carta endereçada ao Papa.

    Em diversas ocasiões, o Papa Francisco se pronunciou em relação à importância do respeito aos povos indígenas e sobre a necessidade de se “procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos”, como escreveu na Encíclica Laudato Si (Louvado Sejas), divulgada em junho de 2015 com o tema “Sobre o Cuidado da Casa Comum”.

    O pontífice tem manifestado sua preocupação com as crises social e ambiental que o mundo contemporâneo enfrenta e reconhecido as importantes contribuições dos povos originários. Em encontros com indígenas na Bolívia e no México, em 2015, o Papa Francisco pediu perdão aos povos indígenas, em nome da Igreja, “pelos crimes cometidos contra os povos nativos durante a chamada conquista da América”.

    “Somos profundamente agradecidos pela sua ternura e proximidade com os povos originários do mundo”, afirma dom Roque Paloschi na carta entregue ao Papa durante cerimônia na Basílica de São Pedro. “Contamos com a sua oração e bênção aos povos originários do Brasil”, conclui, assinalando que Francisco será bem-vindo quando visitar o país.


    Leia, abaixo, a íntegra da carta do presidente do Cimi, dom Roque Paloschi, ao Papa Francisco:


    Roma, 29 de junho de 2016.

    Santo Padre,

    Em primeiro lugar, desejo agradecer a confiança pela minha nomeação como arcebispo de Porto Velho-Rondônia na Amazônia brasileira.

    Peço a sua bênção e a sua oração para que eu possa viver a missão nos caminhos da simplicidade e humildade, sendo um irmão entre os irmãos e irmãs.

    Mas hoje também quero suplicar uma bênção muito especial para uma outra missão que a Igreja do Brasil me confiou: animar e acompanhar missionários e missionárias do Brasil que trabalham junto aos povos indígenas, como presidente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI.

    Somos profundamente agradecidos pela sua ternura e proximidade com os povos originários do mundo, como sentimos na sua Encíclica Laudato Si, nos encontros na Bolívia, México e em outros pronunciamentos.

    Vivemos no Brasil uma situação desesperadora diante do sofrimento dos nossos primeiros habitantes; a indiferença, o avanço dos grandes projetos do agronegócio, a construção da grandes hidrelétricas, a mineração, e a devastação do meio ambiente em general. Isso tudo traz consequências desastrosas aos povos indígenas. A ONU tem denunciado em particular a violência contra os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Os Guarani Kaiowá tem visto o direito às suas terras ser negado, além de sofrerem repetidas violências de grupos paramilitares e o continuado descaso do próprio Estado. Estudiosos chegam a afirmar haver um genocídio do povo Guarani Kaiowá.

    Queremos agradecer o seu apoio ao trabalho da Comissão Episcopal para a Amazônia coordenado pelo seu amigo particular Cardeal Claudio Hummes. Alegra-nos muito o seu carinho para com a REPAM – Rede Eclesial Pan-Amazônica e também sua atenção e estima pelo trabalho do CIMI.

    Trago aqui o relatório de violência contra os povos indígenas, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário. Santo Padre, isso só nos entristece e nos envergonha como brasileiros e cristãos. Mas posso lhe assegurar que há um grande número de missionários e missionárias que vivem martirialmente junto aos povos indígenas, na defesa da vida e da criação. Contamos com a sua oração e bênção aos povos originários do Brasil.

    Estamos nos preparando para sua visita ao Brasil em comemoração aos trezentos anos de Nossa Senhora Aparecida. Povos indígenas já sonham e aguardam uma visita sua, em qualquer lugar do Brasil onde estejam, como sinal de seu amor paternal aos primeiros habitantes de nossas terras ameríndias.

    Obrigado e conte sempre com minha estima e prece.

    Roque Paloschi
    Arcebispo de Porto Velho e Presidente do Cimi


    Fotos: serviço fotográfico do Vaticano

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