• 29/11/2016

    Indígenas Munduruku protestam, em Brasília, pela demarcação e proteção de seu território


    Lideranças Munduruku denunciam, em frente ao Ministério da Justiça, projetos contra seus modos de vida – Foto: Tiago Miotto

    Brasília, 29 de novembro de 2016 – Na manhã desta terça-feira (29), lideranças do povo Munduruku realizaram um protesto em frente ao Palácio da Justiça, em Brasília, reivindicando a demarcação da Terra Indígena (TI) Sawré Muybu, às margens do Rio Tapajós, no Pará. A ação contou com a participação de mais de 80 indígenas e o apoio do Greenpeace Brasil e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

    Foram utilizadas grandes letras vermelhas para escrever, no gramado em frente à entrada do prédio, a frase “Demarcação Já”. Também foram fincadas 180 flechas no local, representando os dias do prazo administrativo – expirado ontem (28)  – para que o Ministério da Justiça defina sobre a publicação da Portaria Declaratória da terra reivindicada como tradicional pelos Munduruku.

    A insistência do governo em construir hidrelétricas no Rio Tapajós está no meio do caminho do processo de demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu. São Luiz do Tapajós, a maior das barragens planejadas, cujo licenciamento foi arquivado em agosto deste ano, alagaria parte da Sawré Muybu, onde estão localizadas quatro aldeias. No entanto, a Constituição Federal impede a remoção de povos indígenas de suas terras, exceto em ocasiões emergenciais, e, nestes casos, garante a eles o devido retorno.

    “A demarcação das terras indígenas contribui com o fortalecimento da democracia brasileira e reconhece a importância dos povos indígenas na formação da cultura nacional e na conservação de nossos recursos naturais”, afirma Danicley de Aguiar, da Campanha da Amazônia do Greenpeace.


    foto: Tiago Miotto / Cimi

    Apoio mundo afora – Mais de 1,3 milhão de pessoas ao redor do mundo se juntaram à luta dos Munduruku pela proteção do Tapajós. Após a realização da autodemarcação em 2014, lideranças do povo Munduruku realizaram a sinalização da TI Sawré Muybu, em julho de 2016, instalando placas como essas para estabelecer os limites de seu território e pressionar pela demarcação. “Nós sabemos que a terra é nossa e vamos cuidar dela. A gente vive da terra”, explica Juarez Saw Munduruku, cacique da TI Sawré Muybu. “Os brancos também sabem que aquela parte é nossa, mas mesmo assim não respeitam os nossos limites. A demarcação nos dá mais proteção para que invasores não entrem na nossa terra”, conclui ele.

    O secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, avalia que “diante das graves ameaças de retrocessos relativa aos seus direitos fundiários devido às pressões do agronegócio, os povos indígenas não se conformam e mantêm a resistência e a insurgência política para terem efetivados e não suprimidos tais direitos. E isso, além de legítimo, é salutar, não só para os povos indígenas, como para toda a sociedade brasileira”.


    foto: Tiago Miotto / Cimi

    Saiba mais – As Terras Indígenas são essenciais para garantir o modo de vida dos povos originários que as habitam, além de serem hoje a maior barreira contra o desmatamento na Amazônia. O direito à terra é uma ferramenta legal de proteção e assegura a reprodução física e cultural dessas populações. A demora em cumprir o que determina a Constituição Federal em relação à demarcação, porém, deixa os territórios e seus povos vulneráveis à invasão de madeireiros, grileiros e garimpeiros.

    A Terra Indígena Sawré Muybu está localizada nos municípios de Itaituba e Trairão, no Pará, ocupando uma área de 178 mil hectares. Em abril de 2016, após mais de dez anos desde o início do processo de demarcação, a Fundação Nacional do Índio (Funai) publicou o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) que comprova a ocupação tradicional do povo Munduruku sobre o território. Em seguida, foi aberto o período para a contestação e, desde agosto, começou a contar o prazo para que a Funai se manifeste definitivamente a respeito da demarcação.

    A Constituição Brasileira de 1988 assegurou aos povos indígenas o respeito a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e reconheceu o direito originário sobre as terras que eles tradicionalmente ocupam. Atualmente, segundo dados do Cimi, há 63 terras indígenas aguardando o Decreto de Homologação pela Presidência da República; 47 terras indígenas aguardando a Portaria de Declaração pelo Ministério da Justiça; e 175 terras indígenas aguardando a publicação do RCID pela Presidência da Funai. De acordo com os dados da própria Funai, existem ainda 475 registros válidos de reivindicações fundiárias indígenas que necessitam complementos de informações, o que deve ser feito por meio de Grupo de Trabalho especializado. Ou seja, trata-se de terras indígenas reivindicadas pelos povos que ainda não tiveram qualquer providência tomada pela Funai. As terras indígenas são fundamentais para garantir a sobrevivência física, cultural e espiritual dos 305 povos indígenas do país.


    foto: Tiago Miotto / Cimi

     

    Read More
  • 28/11/2016

    CNPI repudia 3ª reestruturação da Funai, em sete anos, tramada pelo Ministério da Justiça


    Indígenas durante reunião do CNPI, em abril de 2016. Crédito: Tiago Miotto/Cimi


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    Reunido durante o final da semana passada, em Brasília, o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) divulgou uma resolução onde repudia o que pode vir a ser a 3ª reestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) em sete anos, tramada nos bastidores do Ministério da Justiça. A informação foi repassada por um representante do próprio Ministério. As mudanças passariam a valer por força de um decreto a ser baixado ainda em 2016.  

    Na sexta-feira, 25, pela manhã, a bancada indígena suspendeu a reunião porque o ministro da Justiça Alexandre Moraes não compareceu para dar explicações sobre a iminente reestruturação. Emissários do ministro também não falaram a respeito do conteúdo do decreto. "Tão brincando com os povos indígenas", diz Elizeu Guarani e Kaiowá, um dos representantes indígenas no Conselho.

    O Guarani e Kaiowá afirma que os representantes indígenas no CNPI "estão ali em nome dos povos do país. Voltamos para nossas regiões sem a resolução dos problemas da falta de demarcações, questões na educação, na saúde. Voltamos com mais medidas ruins do governo, e sem respostas", explica. Para o indígena, a pauta levada pelos representantes dos povos está prejudicada.

    "Queríamos tratar de três pontos: as recomendações da ONU, como o governo vai implementar, a demarcação das terras indígenas e o marco temporal, que é uma interpretação ruralista da Constituição. O governo acabou não dando resposta nenhuma. Então a gente entende que o governo não quer diálogo, não quer nos respeitar. Por isso a resolução", analisa Elizeu.    

    A resolução do CNPI pede a imediata paralisação da tramitação do processo de reestruturação. Conforme a iniciativa, os conselheiros consideram um "desrespeito do Governo Brasileiro para com este Conselho e os povos indígenas ao tomar esta medida que afeta frontalmente a vida dos povos indígenas". Pedem ainda ao Ministério Público Federal (MPF) a salvaguarda dos direitos indígenas.

    Entre tais direitos está a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2004. A Convenção, com caráter de lei no país, exige que os povos indígenas passem por consulta prévia, livre e informada diante de medidas do Estado impactantes a eles. Reestruturar a Funai significa mudar o órgão indigenista estatal que atende os povos em seus direitos constitucionais.

    Para o CNPI, "qualquer outra iniciativa análoga por parte do Governo Brasileiro" deve ser paralisada para que o governo "abra diálogo com este Conselho e com os Povos Indígenas do Brasil a fim de que o direito de Consulta livre, prévia e informada seja devidamente respeitado e atendido". O exemplo mais latente é a mudança pretendida pelo governo Michel Temer no procedimento de demarcação de terras indígenas.

    O orçamento da Funai deverá sofrer um corte de 30% para 2017. Será a menor dotação orçamentária para o órgão indigenista em 14 anos. Com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, a PEC da Morte, que pretende congelar os gastos primários do governo federal pelos próximos 20 anos, o contexto de uma possível reestruturação, conforme integrantes indígenas do CNPI, é catastrófico e imprevisível.

    "Sem recursos, a Funai não consegue executar suas funções conforme se estabelece legalmente. No entanto, observamos nos últimos anos um processo deliberado do governo de sucateamento do órgão. Fosse concedida à Funai as condições adequadas de trabalho, além de vontade política para se cumprir a Constituição, não seria necessária uma reestruturação. Entendemos como um golpe na Funai", afirma o cacique Marcos Xukuru, integrante do CNPI.    

    3ª reestruturação em sete anos

    Caso o Ministério da Justiça siga adiante com a reestruturação, será responsável pelo terceiro procedimento do gênero nos últimos sete anos. Em 2009 e 2012 outros dois decretos de reestruturação foram baixados. Nas duas ocasiões os povos indígenas não foram consultados, já com a Convenção 169 da OIT tendo força de lei no Brasil. A Funai tampouco conseguiu ser mais efetiva com as reestruturações.

    De acordo com o representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no CNPI, Cléber Buzatto, "mais uma vez o governo brasileiro adota um modo de operar alheio ao previsto pela Convenção 169. Mudanças na política indigenista sem a participação dos povos indígenas no processo de decisão servem para atender quais interesses? Não acreditamos que venha para garantir os direitos constitucionais destas populações".     

    Para Buzatto, "a Resolução do CNPI repudia essa atitude de desrespeito e também apela ao governo para que suspenda a publicação deste decreto. O direito consagrado aos povos precisa ser devidamente respeitado e atendido". A ONU e o Parlamento Europeu apresentaram preocupações com relação a mudanças que afetem os povos indígenas sem a devida consulta, ou que sejam aviltantes aos seus direitos.

    O Parlamento Europeu recordou às autoridades brasileiras, em trecho da resolução aprovada na última quinta-feira, 23, a obrigação do país de " respeitar o direito internacional no domínio dos direitos humanos no que diz respeito às populações indígenas, tal como estabelecido, em especial, pela Constituição Federal Brasileira e a Lei 6.001/73 sobre «o Estatuto do Índio»”.

      

    CNPI


    O Conselho Nacional de Política Indigenista é um órgão colegiado e consultivo da administração pública federal, responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas – instituído pelo Decreto 8593/15 e instalado pela Portaria Ministerial 491, de 27 de abril de 2016. Paritário, é composto pelo governo, povos indígenas e sociedade civil.

    Read More
  • 28/11/2016

    Tupinambá da aldeia Serra do Padeiro é assassinado no sul da Bahia

    O indígena Tupinambá Luiz Viana Lima (na foto), 54 anos, conhecido como “Luizão Tupinambá”, foi assassinado na manhã deste sábado, 26, no sul da Bahia, com ao menos sete tiros. O crime ocorreu por volta das 10 horas na rodovia que liga os municípios de Buerarema e Una, nas proximidades da Vila Operária, mais conhecida como Sururu, distrito do município de Buerarema.

    O indígena deixa viúva e dois filhos. Segundo as primeiras informações de testemunhas, três indivíduos efetuaram os disparos em emboscada. O indígena voltava para casa na Aldeia Serra do Padeiro, conduzindo a própria moto. Um tiro o atingiu pelas costas e outros no peito e na cabeça.

    Após o comunicado do assassinato, policiais do destacamento de Buerarema começaram diligências atrás dos assassinos. Chegou a circular informações que um dos assassinos tinha sido detido, mas não foi confirmado, bem como o aparecimento de uma moto usada por ele, o que também não foi confirmado.

    O sepultamento ocorreu neste domingo, 27, no cemitério da Aldeia Serra do Padeiro, por volta das 16 horas. Um clima de comoção e indignação tomou conta dos presentes, posto que este é o primeiro indígena da Serra do Padeiro a ser assassinado. As lideranças e a Fundação Nacional do Índio (Funai) solicitaram que a Polícia Federal investigue o fato.  

    O assassinato de Luizão ocorreu um dia após o lançamento do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas – dados de 2015, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), durante evento que se realizava na Serra do Padeiro com Pesquisadores e Entidades de apoio. O mesmo relatório tinha sido lançado dois dias antes na Universidade Estadual de Santa Cruz em conjunto com o Caderno de Conflitos de Campo, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), e do livro “Antes a carga fosse mais Leve”, do Movimento de Atingidos por Minérios. O assassinato de Luizão infelizmente vem confirmar o conteúdo das referidas publicações.    

    O presidente do Cimi, Dom Roque Paloschi, afirma na apresentação do Relatório de Violência do Cimi que o sentimento é de “indignação porque se repetem e se aprofundam as mesmas práticas criminosas, sem que medidas tenham sido efetivamente adotadas. Permanece o quadro de omissão dos poderes públicos, que se negam a respeitar e cumprir a Constituição Federal no que tange à demarcação, proteção e fiscalização das terras; permanece a realidade de agressões às pessoas que lutam por seus legítimos direitos, tais como assassinatos, espancamentos, ameaças de morte; agravam-se os ataques contra comunidades, especialmente aquelas mais fragilizadas e que vivem em acampamentos; permanece a invasão e devastação das terras demarcadas”.


    Até quando teremos que apresentar esses relatórios? No entender do Cimi, esses levantamentos das violações aos direitos indígenas têm um único sentido: servir como instrumento de denúncia para que medidas sejam tomadas e, com isso, as violências, que são práticas contínuas, venham a ser combatidas, diminuídas, e que se consiga chegar a uma realidade justa, na qual sejam respeitados os direitos humanos”, arremata Dom Roque.

    Read More
  • 25/11/2016

    Parlamento Europeu apela às autoridades brasileiras pela proteção e demarcação das terras Guarani e Kaiowá


    Rezadora Guarani e Kaiowá no tekoha Yvy Katu. Crédito: Ruy Sposati/Cimi


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi  

    O Parlamento Europeu aprovou uma Resolução Urgente onde “condena" e “deplora" a violência e as violações de direitos humanos sofridas pelo povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em apelo dirigido às autoridades brasileiras, os eurodeputados pedem medidas imediatas para a proteção, segurança e demarcação das terras dos povos indígenas.

    "Convictos", os eurodeputados dizem: "As empresas deveriam prestar contas por qualquer dano ambiental e por quaisquer violações dos direitos humanos e a União Europeia e os Estados-Membros deveriam consagrar esta condição como princípio fundamental, tornando-o uma disposição vinculativa em todas as políticas comerciais”.

    A resolução foi publicada no início da noite desta quinta-feira, 24, e norteará as relações políticas e comerciais dos países que compõem o Parlamento Europeu com o Brasil. Conforme os eurodeputados, o direito originário dos povos indígenas ao território tradicional, presente na Constituição brasileira, é um dever do Estado de proteger – o que não ocorre.

    Para os eurodeputados, é urgente um "plano de trabalho visando dar prioridade à conclusão da demarcação de todos os territórios reivindicados pelos Guarani-Kaiowá e criar as condições técnicas operacionais para o efeito, tendo em conta que muitos dos assassinatos se devem a represálias no contexto da reocupação de terras ancestrais”.

    Diante da iniciativa do governo brasileiro de congelar gastos primários pelos próximos 20 anos com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, "recomenda que as autoridades brasileiras assegurem um orçamento suficiente para as atividades da Funai”. A resolução apresenta preocupações com medidas dos poderes Executivo e Legislativo.

    Naquilo que entende como “direitos opostos aos dos índios”, o Parlamento Europeu afirma que a PEC 215, se for aprovada, irá ameaçar os direitos à terra, permitindo um bloqueio do reconhecimento dos novos territórios indígenas. O marco temporal também foi condenado como interpretação limitada da Constituição brasileira.

    O Parlamento Europeu recordou às autoridades brasileiras, em trecho da resolução, a obrigação do país de " respeitar o direito internacional no domínio dos direitos humanos no que diz respeito às populações indígenas, tal como estabelecido, em especial, pela Constituição Federal Brasileira e a Lei 6.001/73 sobre «o Estatuto do Índio»”.

    Ressaltou: “O Ministério Público Federal e a Fundação Nacional do Índio(FUNAI) assinaram em 2007 o Compromisso de Ajustamento de Conduta, a fim de identificar e demarcar 36 territórios da comunidade Guarani-Kaiowá até 2009”. O que não ocorreu, conforme atestou a Organização das Nações Unidas (ONU).



    Velório de Clodiodi Guarani e Kaiowá. Crédito: Ana Mendes/Cimi

    Relatoria da ONU: demarcação de terras

    A Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas Victoria Tauli-Corpuz esteve no Brasil em março. Visitou os Guarani e Kaiowá (MS), os Tupinambá (BA) e esteve junto às comunidades impactadas pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA). Produziu um relatório e o apresentou na última Assembleia da ONU, em outubro.

    O Parlamento Europeu tomou por base o pronunciamento de Victoria: ”Considerando que, de acordo com a Relatora Especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, nos últimos oito anos tem-se registado uma preocupante ausência de progressos na implementação das recomendações da ONU”.

    Estado integrante da ONU, o Brasil tem o dever de seguir suas resoluções e executar recomendações. Tanto Victoria como seu antecessor, James Anaya, que esteve no Brasil em 2008, apresentaram preocupações quanto a demarcação dos territórios tradicionais, assim como a crescente deterioração da proteção dos direitos dos povos indígenas.

    Longe de suas terras, os povos amargaram toda sorte de privações e violências. No Brasil, não é novidade que os Guarani e Kaiowá são um trágico símbolo de desgraças variadas levando o povo a ser considerado por organismos internacionais como um dos casos mais graves envolvendo populações indígenas no mundo.

    Dados oficiais do governo brasileiro respaldam a tese e a resolução do Parlamento Europeu: "De acordo com os dados da Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI) e do Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), nos últimos 14 anos foram assassinados pelo menos 400 indígenas e 14 líderes indígenas".

    Simeão Vilharva e Clodiodi de Souza, assassinados durante ataques de fazendeiros, são citados nominalmente. A resolução apela “às autoridades brasileiras para que tomem medidas imediatas para proteger a segurança dos povos indígenas e garantir a realização de inquéritos independentes sobre os assassinatos e os ataques”.



    Comunidade do tekoha Apykai. Crédito: Ruy Sposati/Cimi

    Segurança alimentar e suicídios

    Longe das terras tradicionais, abandonados pelo Estado brasileiro na proteção e garantia de direitos, os Guarani e Kaiowá, conforme estudo recente da FIAN Brasil e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), vivem em grave situação de insegurança alimentar e nutricional.

    O estudo, citado pelo Parlamento Europeu, registra que o índice de desnutrição crônica para crianças menores de 5 anos é de 42% em três comunidades Guarani e Kaiowá pesquisadas. Uma das fontes do estudo foi o Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas realizado em 2009, também citado pelo Parlamento Europeu na resolução de ontem: “[…] a taxa de subnutrição crônica entre as crianças indígenas [no Brasil] é de 26 %, em comparação com a média de 5,9 % registada entre as crianças não indígenas”.

    A subnutrição deixa os Guarani e Kaiowá mais expostos a todo tipo de doença, desde crônicas a simples diarreias não tratadas que levam crianças ao óbito. Mortes, abandono, falta de perspectiva de vida: o resultado é um aumento chocante de suicídios que acometem sobretudo a população mais jovem, algo não registrado em relatos históricos.

    Para o Parlamento Europeu, a "falta de prestação de cuidados de saúde, educação e serviços sociais e a ausência de demarcação das terras indígenas têm tido repercussões no suicídio de jovens e na mortalidade infantil”. Novamente a resolução faz uso de dados oficiais e do Relatório de Violências Contra os Povos Indígenas, do Cimi.

    “Nos últimos 15 anos, pelo menos 750 pessoas, na sua maioria jovens, cometeram suicídio e que mais de 600 crianças com menos de 5 anos de idade morreram, na maior parte dos casos por doenças tratáveis e facilmente evitáveis”, pontua o documento dos eurodeputados.

    A resolução mais uma vez recorda ao governo brasileiro: "A responsabilidade que lhes incumbe de manter e aplicar integralmente à população Guarani-Kaiowá as disposições da Constituição brasileira relativas à proteção dos direitos individuais e aos direitos das minorias e dos grupos étnicos indefesos”.

    Conquista dos Guarani e Kaiowá

    Há três anos a Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá – realiza incidências na ONU, Parlamento Europeu e Organização dos Estados Americanos (OEA). “No Brasil cansou da gente falar e nada ser feito. Morreu e morre parente nosso de todo jeito. Então ficamos felizes que esse trabalho tenha dado certo”, explica Elizeu Guarani e Kaiowá (na foto, em incidência na ONU).

    A liderança indígena tem a cabeça a prêmio no Cone Sul do Mato Grosso do Sul. “Toda vez que eu voltava de fora do Brasil, vindo da ONU nessas denúncias, tinha uma nova ameaça. É complicado viver assim, né. Mas a Aty Guasu resolveu e das nossas terras a gente não desiste. Agora é seguir na luta”, frisa o Guarani e Kaiowá.

    Para o indígena, no Brasil os Guarani e Kaiowá conseguiram “mostrar o que acontece no Mato Grosso do Sul, mas no estado o racismo, preconceito é grande. Tem comércio em Dourados que não deixa nem a gente entrar”, diz. “É um estado que um boi e um saco de soja valem mais que um indígena”, conclui.

    Elizeu acredita que quando os europeus se derem conta que a carne, o açúcar e a soja do Mato Grosso do Sul são frutos do “sangue indígena” indígena sobre territórios tradicionais tomados pelos latifúndios, os fazendeiros e empresas que mantêm os Guarani e Kaiowá na situação em que se encontram vão sentir no bolso – e só assim para algo mudar.

    “O povo Guarani e Kaiowá espera agora que o governo brasileiro leia a resolução e tome providências. Sobretudo sobre a demarcação de terras. Tendo nossos tekoha – lugar onde se é – podemos plantar comida e floresta. Viver em harmonia com nossos antepassados. Vamos deixa de morrer e passar a viver”, afirma o Guarani e Kaiowá.

    A Aty Guasu, composta por caciques, professores e lideranças Guarani e Kaiowá, construiu aliados durante esses três anos no Brasil e no mundo. Portanto, a resolução do Parlamento Europeu é apenas o começo de uma série de ações, até mesmo dos próprios eurodeputados, para sensibilizar o Estado brasileiro a garantir os direitos indígenas.

    “A Resolução é mais um instrumento para reforçar a legítima luta do Povo Guarani e Kaiowá, e tal documento ganha especial importância em um momento de ruptura democrática e criminalização das lutas sociais no Brasil”, afirma Valéria Burity, Secretária-Geral da FIAN Brasil.


    "Com a resolução, o Parlamento Europeu se torna mais um organismo internacional a condenar a crise humanitária junto aos Guarani. Além de se comprometer com soluções que efetivamente resolvam uma das situações mais dramáticas em se tratando de povos indígenas. É sem dúvida uma vitória importante dos Kaiowá que ao longo de 3 anos bateram de porta em porta de europarlamentares, testemunhando o genocídio silencioso a que esse povo está submetido. Em tudo os Guarani Kaiowá pediam a condenação do Estado Brasileiro, por acreditar ser este o maior responsável de suas dores e violência”, destaca Flávio Vicente Machado, do Cimi.

    Read More
  • 24/11/2016

    Reforma da educação por MP é ato “inadequado e abusivo”, diz CNBB


    Crédito: Ruy Sposati/Cimi

    A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por meio do Conselho Episcopal Pastoral (Consep), reunido na sede da entidade, em Brasília (DF), nos dias 22 e 23 de novembro, aprovou a nota sobre a chamada "Reforma do Ensino Médio", apresentada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional na forma de Medida Provisória. Para os bispos, são louváveis as iniciativas que busquem refletir, debater e aprimorar a realidade do ensino brasileiro, mas "assim como outras propostas recentes, também essa sofre os limites de uma busca apressada de solução". A entidade acredita que "questão tão nobre quanto a Educação não pode se limitar à reforma do Ensino Médio. Antes, requer amplo debate com a sociedade organizada, particularmente com o mundo da educação. É a melhor forma de legitimação para medidas tão fundamentais".

    No texto, os bispos ressaltam que a educação deve formar integralmente o ser humano. "O foco das escolas não pode estar apenas em um saber tecnológico e instrumental", afirmam na nota.

    Leia na íntegra:

    NOTA DA CNBB SOBRE A “REFORMA DO ENSINO MÉDIO” – MP 746/16

    “A fim de que os estudantes tenham esperança!”

    (Papa Francisco, 14 de março de 2015)

    O Conselho Episcopal Pastoral (Consep), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), reunido em Brasília-DF, nos dias 22 e 23 de novembro de 2016, manifesta inquietação face à Medida Provisória 746/16 que trata da reforma do Ensino Médio, em tramitação no Congresso Nacional.

    Segundo o Poder Executivo, a MP 746/16 é uma proposta para a superação das reconhecidas fragilidades do Ensino Médio brasileiro. Sabe-se que o modelo atual não prepara os estudantes para os desafios da contemporaneidade. Assim, são louváveis iniciativas que busquem refletir, debater e aprimorar essa realidade.

    Contudo, assim como outras propostas recentes, também essa sofre os limites de uma busca apressada de solução. Questão tão nobre quanto a Educação não pode se limitar à reforma do Ensino Médio. Antes, requer amplo debate com a sociedade organizada, particularmente com o mundo da educação. É a melhor forma de legitimação para medidas tão fundamentais.

    Toda a vez que um processo dessa grandeza ignora a sociedade civil como interlocutora, ele se desqualifica. É inadequado e abusivo que esse assunto seja tratado através de uma Medida Provisória.

    A educação deve formar integralmente o ser humano. O foco das escolas não pode estar apenas em um saber tecnológico e instrumental. Há que se contemplar igualmente as dimensões ética, estética, religiosa, política e social. A escola é um dos ambientes educativos no qual se cresce e se aprende a viver. Ela não amplia apenas a dimensão intelectual, mas todas as dimensões do ser humano, na busca do sentido da vida. Afinal, que tipo de homem e de mulher essa Medida Provisória vislumbra?

    Em um contexto de crise ética como o atual, é um contrassenso propor uma medida que intenta preparar para o mercado e não para a cidadania. Dizer que disciplinas como Filosofia, Sociologia, Educação Física, Artes e Música são opcionais na formação do ser humano é apostar em um modelo formativo tecnicista que favorece a lógica do mercado e não o desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade.

    Quando a sociedade não é ouvida ela se faz ouvir. No caso da MP 746/16, os estudantes reclamaram seu protagonismo. Os professores, já penalizados por baixos salários, também foram ignorados. Estes são sinais claros da surdez social das instâncias competentes.

    Conclamamos a sociedade, particularmente os estudantes e suas famílias, a não se deixar vencer pelo clima de apatia e resignação. É fundamental a participação popular pacífica na busca de soluções, sempre respeitando a pessoa e o patrimônio público. A falta de criticidade com relação a essa questão trará sérias consequências para a vida democrática da sociedade.

    Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, interceda por nós.

    Brasília, 23 de novembro de 2016.

    Dom Murilo S. R. Krieger, SCJ

    Arcebispo de São Salvador da Bahia

    Presidente em exercício da CNBB

    Dom Guilherme A. Werlang, MSF

    Bispo de Ipamerí

    Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade da Justiça e da Paz

    Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM

    Bispo auxiliar de Brasília

    Secretário-geral da CNBB


    Read More
  • 24/11/2016

    Funai gastou apenas R$ 25 por indígena em 2016


    Aty Guasu das mulheres Guarani e Kaiowá. Crédito: Ruy Sposati/Cimi


    Aprovação da PEC 55, que congela gastos públicos pelos próximos 20 anos vai atrofiar ainda mais o já combalido orçamento da Fundação Nacional do Índio, conforme revela nota técnica do Inesc, produzida por Alessandra Cardoso e Marcela Vecchione, professora da Universidade Federal do Pará.

    O orçamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) é um dos mais atrofiados e irrisórios do governo federal e pode ficar ainda mais apertado com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, que congela gastos públicos pelos próximos 20 anos. Até novembro de 2016, a Funai gastou cerca de R$ 21 milhões com os 817.963 indígenas que vivem no país, com ações realizadas no ano como demarcações e fiscalização de terras, gestão territorial e promoção de direitos sociais, culturais e de cidadania. Isso dá algo em torno de R$ 25 por indígena.

    O orçamento total autorizado da Funai para 2016 é de R$ 542,2 milhões – apenas 0,018% do Orçamento Geral da União do ano. Cerca de 90% desse total está comprometido com a manutenção da estrutura do órgão, com pagamento de salários, infraestrutura, aluguéis. O pouco que sobra ainda tem que honrar os chamados ‘restos a pagar’, que referem-se a ações realizadas em anos anteriores.

    Os dados fazem parte da Nota Técnica "Orçamento e Direitos Indígenas na Encruzilhada da PEC 55", publicada esta semana por Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc, e Marcela Vecchione Gonçalves, professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA-UFPA).

    "Obviamente esse cálculo é meramente ilustrativo, inclusive porque inclui 39% dos indígenas que vivem nas cidades, e para os quais a política indigenista é uma promessa ainda mais distante, quando não cambaleante, em obstáculos de preconceito e racismo institucional. Os números mostram assim a situação de degradação em que se encontra a política indigenista hoje no Brasil", afirma Alessandra, lembrando que a PEC 55 terá um impacto perverso sobre o orçamento da Funai, porque cortará violentamente os gastos primários, que são os que o governo faz com políticas públicas, deixando a situação do órgão ainda mais desesperadora a partir de 2017.

    Leia aqui a íntegra da Nota Técnica "Orçamento e Direitos Indígenas na Encruzilhada da PEC 55".

    Um trecho:

    Essa PEC cortará brutalmente os gastos primários, que são todos os gastos do governo com políticas públicas, com o único propósito de liberar espaço no orçamento público para o pagamento dos juros da dívida pública federal. Ou seja: na sua essência, a PEC 55 tem a intenção de garantir que aqueles que de fato têm poder no Brasil – os grandes bancos e investidores que ganham dinheiro com a dívida pública -, possam dormir tranquilos com a certeza constitucional de que seus rendimentos “a preço de ouro” estarão seguros e protegidos acima dos direitos de toda a sociedade, incluindo os direitos dos povos indígenas.

    O que podemos esperar, no caso da Funai, se a PEC 55 for aprovada?

    1) Que os recursos do órgão, que representa 0,018% do Orçamento Geral da União, serão congelados juntamente com dos demais gastos primários no nível de 2016.

    2) Que o órgão, que já está institucionalmente debilitado graças ao insignificante orçamento que detêm, cujo valor está 90% comprometido com a manutenção da instituição, estará fadado ou à extinção ou a ocupar um título meramente figurativo no governo federal;

    3) Que para reverter esse quadro de crise orçamentária e institucional, seria preciso retirar dinheiro de outra política pública ou de outro órgão executor do governo federal;

    4) O que, então, nos coloca a seguinte questão: qual poder e prioridade tem, hoje e nos anos que virão, a Funai e a questão indígena no Brasil para disputar recursos com outros órgãos e políticas públicas para conseguir ampliar seu orçamento?


    Essas questões evidenciam o desastre que a PEC 55 representa à sociedade como um todo e aos povos indígenas especificamente. Ela submeterá as políticas, os órgãos públicos e a sociedade a uma disputa fratricida por recursos que estarão congelados no tempo. Mas é bom sempre lembrar que a política e os interesses não estarão congelados como os recursos. Na prática, isso significa que os órgãos que têm menos poder são os que mais sairão perdendo nessa briga – justamente os órgãos que representam os interesses e direitos de quem mais precisa do Estado.


    E não precisamos esperar 20 anos para ter certeza disso. Se olharmos o orçamento da Funai de 2016 e 2017, já teremos um boa visão da encruzilhada

    Read More
  • 24/11/2016

    Povos e comunidades tradicionais fazem ato no Ministério da Agricultura depois de marcha

    Por Tiago Miotto e Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi
    Fotos: Tiago Miotto

    Depois de caminhada pela Esplanada dos Ministérios na manhã desta quinta-feira, 24, em Brasília, os povos indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais da Articulação Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais realizaram um ato em frente ao Ministério Agricultura, onde se reuniram com secretários da pasta no final da manhã e início da tarde.

    Os povos exigem a imediata revogação dos decretos 8424 e 8425, que questiona a identidade de pescadoras e pescadoras e retira seus direitos. Reivindicam ainda o cancelamento da portaria que suspende os Registros Gerais de Pesca (RGPs) dos pescadores e pescadoras. Junto com os registros não renovados, essa medida atinge quase 600 mil pessoas. O RGP garante ainda os direitos previdenciários.

    "Muitos pescadores e pescadores estão há quatro anos sem os RGPs em mãos e ficam sem direito de pegar o Recurso Defeso. Viemos aqui reivindicar a solução pra esse problema. Essa PEC (241-55) também interfere em nossos direitos, porque em uma caneta elimina o que conquistamos há muitos anos", explica o pescador artesanal Edielso Barbosa.  

    Para os pescadores e pescadoras artesanais, a sustentabilidade dos estuários e dos rios, por exemplo, é fundamental para a manutenção da prática tradicional e de sustento das comunidades. O momento de reprodução das espécies é fundamental. O Recurso Defeso, benefício estatal entendido como seguro-desemprego, garante a renda dos pescadores nos períodos em que ficam sem realizar a prática.

    Em 2015, a então ministra da Agricultura Kátia Abreu chegou a suspender por 120 dias o recurso. Em abril do mesmo ano, novas regras foram estabelecidas pelo Ministério da Aquicultura e Pesca: no acumulado dos últimos três anos, cerca de 600 mil pescadores e pescadoras artesanais deixaram de receber o RGP. Um dos quesitos para receber o Recurso Defeso é ter o registro. Do ano passado para este ano, os pescadores e pescadoras travam uma longa batalha contra as mudanças consideradas restritivas.  

    "E então a pesca artesanal precisa do Recurso Defeso pra viver quando não pode pescar. O defeso é muito importante porque a pesca predatória das grandes empresas acaba com espécies. Isso nos prejudica, mas as paralisações temporárias ", aponta Barbosa. Em 2015, 500 mil pescadores e pescadoras receberam o recurso; em 2014, 816 mil. A redução de mais de 300 mil deverá aumentar ainda mais para este ano.


    Marcha na Esplanada dos Ministérios

    Polícia barra e revista ônibus

    Uma dezena de viaturas da Polícia Militar e do Choque, um ônibus policial e algumas motos, horas antes, barraram os oito ônibus que levavam as delegações de povos indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais e quebradeiras de coco babaçu à Esplanada.

    Os ônibus, que transportavam os 450 integrantes da delegação, foram parados próximo à rodoviária interestadual e tiveram seu interior revistado. Em seguida, foram escoltados até a Esplanada, onde novamente foram barrados no meio da pista. A polícia proibiu os indígenas de carregarem seus arcos, flechas e bordunas, instrumentos tradicionais destes povos, ainda que todas as manifestações da semana tenham sido pacíficas.

    Os povos indígenas e as comunidades tradicionais vieram a Brasília para protestar contra a severa ofensiva dos Três Poderes em relação a seus direitos constitucionais, que foram garantidos na Constituição de 1988 com muita luta e resistência. Leia aqui a Carta Pública com as reivindicações da Articulação Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais.

    Reunião no Ministério da Agricultura

    Com a pressão, lideranças dos povos e comunidades obtiveram uma agenda com secretários do Ministério da Agricultura ligados à área da Pesca. No encontro, foi reafirmado que os decretos 8424 e 8425 serão revisados com a participação de pescadores e de pescadoras, pacto já assumido pelo governo após o movimento de ocupação do Planalto.

    Em relação aos RGPs e aos seguros-defesos cancelados e suspensos, os representantes do Ministério da Agricultura afirmaram que "não tinham poder" para revogar estas suspensões. Os povos e comunidades tradicionais exigiram, então, uma reunião ampliada, com todos os órgãos responsáveis, para evitar a "terceirização de responsabilidades" e resolver de vez a situação.

    “Sentimos que eles perceberam que não estamos para brincadeira, que vamos continuar resistindo, vamos continuar lutando. Também pontuamos que não estamos conversando com governo, é uma incidência com o Estado brasileiro, não importa qual governo fez isso ou aquilo. Vamos continuar nos fortalecendo, fortalecendo a nossa gente, e voltamos no próximo ano, com mais povo e muita vontade de fazer a luta”, afirmou Elionice Sacramento, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais.

    Unidade entre povos e movimentos

    Enquanto uma comissão de lideranças participava da reunião no Ministério da Agricultura, do lado de fora vigorava mais um dia de luta dos povos: o batuque logo se transformava em toré, novos cantos eram compartilhados e logo aprendidos, e os tambores e maracás formavam uma única percussão.

    Durante a semana, a união entre indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, pescadores e pescadoras artesanais resultou numa série de ações de cobrança e luta contra a retirada de seus direitos. A articulação entre povos e comunidades tradicionais, ao fim de mais um dia de mobilização, foi celebrada pelas lideranças.

    “O início do nosso dia foi turbulento, por parte da ação da polícia, mas no fim conseguimos falar aqui com os secretários da Pesca. Foi importante mostrar para toda a sociedade brasileira que nós estamos juntos – pescadores, indígenas e quilombolas e outros povos. Vamos seguir sempre juntos nessa luta em prol dos nossos direitos”, afirmou o cacique Iburana Pataxó, da aldeia Tawa, no extremo sul da Bahia.

    Atualizada às 17:50

    Read More
  • 24/11/2016

    [vídeo] “Foi um desrespeito”: com spray de pimenta, povos e comunidades tradicionais novamente barrados na Câmara

    Por Tiago Miotto (DF)

    Pela segunda vez em duas semanas, os povos indígenas e comunidades tradicionais foram barrados pela Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados e impedidos de acompanhar a sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Incra 2, que estava marcada para ocorrer às 11 horas desta quarta (23).

    Os povos indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais e quebradeiras de coco babaçu buscaram a negociação, tentaram entrar no Anexo 2 da Câmara, onde ocorreria a reunião da CPI, e acabaram enxotados com grande quantidade de spray de pimenta, pulverizado diretamente no rosto de diversas pessoas, inclusive de algumas crianças, que acabaram passando mal. Em seguida, as entradas e saídas dos anexos que dão acesso à sala da Comissão foram bloqueadas pela segurança e assim permaneceram pelas horas seguintes.

    Duas semanas atrás, outro grupo com cerca de 200 indígenas compareceu à Câmara e tentou negociar para que uma comissão de lideranças acompanhasse a sessão da CPI que trata diretamente sobre seus direitos, mas não obteve resultados. Na semana seguinte, grupos de extrema direita conseguiram entrar na Câmara dos Deputados sem qualquer problema e, durante mais de uma hora, manifestaram-se pela volta da Ditadura Militar.

    Impedidos de participar da sessão desta quarta, os povos e comunidades tradicionais bloquearam a entrada do anexo 3. A truculência policial não foi capaz de desanimar e desmobilizar a forma particular de luta dos povos, que seguiram cantando, dançando, batucando e fazendo rezas e rituais do lado de fora. Pela tarde, ainda buscaram uma agenda com a presidência da Casa, mas também não obtiveram resultado.


    Mais uma CPI ruralista

    A segunda edição da CPI da Funai e do Incra foi instalada no final de outubro e pretende ser um prolongamento de sua versão anterior, que durou oito meses, foi prorrogada duas vezes de forma unilateral pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e terminou sem sequer produzir um relatório.

    A nova edição não traz nenhuma novidade: a pauta é a criminalização de povos indígenas, quilombolas e seus apoiadores e o desmonte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), já sucateados, e a composição é essencialmente ruralista. O presidente, os três vice-presidentes e o relator – respectivamente os deputados Alceu Moreira (PMDB-RS), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Henrique Mandetta (DEM-MS), Nelson Marquezelli (PTB-SP) e Nilson Leitão (PMDB-MT) – são todos líderes da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), entidade oficial da bancada ruralista, e defensores de pautas anti-indígenas como a PEC 215.

    Na reunião desta tarde, sem o “incômodo” da presença dos indígenas, a CPI aprovou seu plano de trabalho e dois requerimentos, sendo um deles de transferência e acolhimento dos documentos da versão anterior da CPI.

    “Estamos aqui lutando por nossos direitos, pelo futuro, e não tem nem respeito pela cidadania, pela criança, usando spray de pimenta. Se eles quisessem discutir nossos direitos, a gente estava lá dentro discutindo, todos reunidos”, criticou a quilombola Taiana dos Santos Lopes, do quilombo Morro dos Macacos, na Bahia, que levou spray de pimenta em seu rosto, junto com seu filho de colo.

    “O Estado brasileiro nos vê como um empecilho, e hoje nós estamos aqui reivindicando nossos direitos, tentando dialogar e não estamos conseguindo, isso é um desrespeito. Os policiais militares nunca respeitaram a gente, mas nem isso deixamos enfraquecer nosso movimento, seguimos aqui firmes”, afirmou Maria Helena Gavião, indígena do Maranhão.


    Semana de lutas

    Cerca de 400 lideranças dos povos indígenas Tumbalalá, Krikati, Guajajara, Pataxó, Guarani, Kanela, Kreepyn, Krenyê, Gamela, Awá-Guajá, Kaingang, Gavião e Tenetehar/Guajajara, de quilombolas, pescadoras e pescadoras artesanais e quebradeiras de coco babaçu estão realizando uma semana de lutas em Brasília. Na terça-feira (22), os povos e comunidades tradicionais ocuparam o Palácio do Planalto, em luta contra a PEC 241-55/2016 e pelo respeito a seus direitos originários e territoriais.

    Read More
  • 23/11/2016

    Decreto de Estado de Calamidade Pública motiva prisão de oito Kaingang e três agricultores em Sananduva (RS)


    Reprodução


    Por Renato Santana e Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    Em uma operação que contou com 180 homens das polícias Federal e Militar, cães, cavalos e helicóptero, oito indígenas Kaingang e três agricultores foram presos na manhã desta quarta-feira, 23, nos municípios de Sananduva e Cacique Doble, no Rio Grande do Sul. No final da madrugada, os Kaingang da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha foram surpreendidos pelo contingente.

    As prisões têm relação direta com o Estado de Calamidade Pública decretado no último domingo, 20, pelo vice-prefeito em exercício de Sananduva, Leovir Fidêncio Antunes Benedetti, horas depois de um incêndio ter destruído plantações de monocultivo de fazendeiros da região. A Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) acusou publicamente os Kaingang e os agricultores.  

    De acordo com os mandados da Polícia Federal, expedidos pela Justiça Estadual de Sananduva, os Kaingang e os agricultores são acusados pelos crimes de ameaça, extorsão, organização criminosa e dano ao patrimônio contra fazendeiros da região que se opõem de forma articulada contra a demarcação da Terra Indígenas Passo Grande do Rio Forquilha e que costumam punir pequenos agricultores próximos aos indígenas.

    Mesmo sem provas concretas da relação dos indígenas e agricultores com o incêndio, ou com base em qualquer apuração e investigação pelos órgãos competentes, o vice-prefeito atendeu a Farsul e baixou o decreto. “Considerando que o clima tenso e hostil provocados pelos atos dos indígenas, beirando as vias do conflito, o que pode resultar em eminente risco à segurança e a vida dos envolvidos, bem como da população sananduvense”, diz um trecho do decreto.

    Os hectares de monocultivo queimados pertencem aos fazendeiros que não permitiram a Fundação Nacional do Índio (Funai) realizar o trabalho envolvendo a demarcação da terra indígena, de acordo com as lideranças Kaingang. A Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha foi declarada, ou seja, teve o Relatório Circunstanciado publicado pelo Ministério da Justiça, em 25 de abril de 2011 e está na fase da demarcação física dos 1.916 hectares tradicionais.

    "Os pequenos deixaram fazer. A mídia coloca que os colonos estão sendo ameaçados. É mentira. Dois foram presos com nossos parentes. Fazem reportagem sem saber como convivemos, como a gente pensa. Fiquemo sentido, porque a gente assume o que faz", afirma um Kaingang de Passo Grande do Rio Forquilha que prefere não se identificar temendo represálias da Polícia Federal.

    Ação violenta e humilhante

    Conforme os Kaingang, todas as casas foram reviradas pelos policiais. Os indígenas, levados para um Centro Comunitário, foram obrigados pelos policiais a deitar com o rosto para o chão. Crianças, mulheres e idosos não foram poupados. Os policiais levantavam a cabeça dos Kaingang para identificar os que deveriam sair dali sob custódia – oito acabaram na sede da Polícia Federal.  

    "Constatamos que havia mandados de prisão para seis Kaingang. Dessa forma, dois foram liberados. Entre os presos sem mandado estava uma mulher (a mãe do cacique). Ela relatou agressões, tapas no rosto e estava com escoriações nos braços e na cabeça. Afirmou ainda que o delegado da PF a chamou várias vezes de vagabunda", relata o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, Roberto Liebgott.

    Acompanhado de um advogado do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Liebgott esteve com os indígenas que prestaram depoimento. Os seis Kaingang e os três agricultores foram encaminhados para a Penitenciária de Lagoa Vermelha no final do dia. "Foi uma grande humilhação o que esses indígenas passaram. Montaram uma operação de guerra, foram truculentos e violentos. Tiraram todo mundo da aldeia, apreenderam equipamentos de subsistência como se fossem armas", pontua Liebgott.  

    "A polícia chegou atirando e mandou todo mundo ficar quieto. Inclusive mulheres grávidas, crianças pequenas. Botaram em cima de grama molhada de orvalho. Isso é crime. Digo isso como Kaingang. O que o delegado da PF falou vai ficar na mente da comunidade: disse que vai matar o cacique e um membro da comunidade", diz o Kaingang.

    Perseguições

    Ireni Franco Kaingang foi preso no sábado, 19, antes do incêndio. Seus dois filhos, entre eles o cacique da aldeia, estão com a prisão decretada. Os três são lideranças dos Kaingang da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha. Com os familiares e demais membros da comunidade, passaram anos vivendo às margens de uma rodovia. Muitos morreram ali mesmo, atropelados. Depois que ocuparam o território tradicional, em represália, passaram a viver sob a perseguição da Polícia Federal e dos fazendeiros.

    A juíza Estadual Daniele Conceição Zorzi sustentou nos mandados de prisão que Ireni e os filhos agiram de forma "exclusivamente pessoal, praticando crimes comuns, ausente de interesses dos indígenas". No entanto, a defesa dos indígenas rechaça a tese de que os indígenas tenham cometido crimes. O procurador Federal da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Zeni, afirma que não há nenhum elemento que ateste a prática de crimes pelos indígenas.

    "Pra gente Kaingang é tudo uma armação. Prenderam o Ireni sem dizer quando, como e onde ele cometeu algum crime. Depois aparece o incêndio e a mídia, a Farsul e a Prefeitura de Sananduva dizem que dissemos que íamos incendiar em retaliação ao que fizeram com o Ireni. Em Sananduva dizem até que vamos queimar tudo, matar gente. Tudo mentira", explica o Kaingang.


    O coordenador do Cimi regional Sul, Roberto Liebgott, salienta: "Estamos diante de uma situação que, no mínimo, envolve conflito fundiário em terra indígena. A Justiça Estadual é incompetente para casos assim, sendo de exclusividade da Justiça Federal. Temos um conjunto de erros e arbitrariedades que caem sobre os Kaingang de forma a criminalizá-los mais uma vez no Rio Grande do Sul".

    Read More
  • 23/11/2016

    Justiça determina o despejo de indígenas Terena de fazenda que sobrepõe 35% da TI Taunay/Ipegue


    Plantações de comunidade Terena na área alvo do despejo. Fotos: Luiz Henrique Eloy Terena


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    A Justiça Federal de Campo Grande (MS) determinou o despejo de 78 famílias Terena da Fazenda Esperança de propriedade da família da deputada federal ruralista Tereza Cristina (PSB/MS). A Fazenda possui 12 mil hectares sobrepostos à Terra Indígena Taunay/Ipegue, declarada em maio deste ano pelo Ministério da Justiça como de posse tradicional dos Terena. A área da Fazenda Esperança equivale a 35% do território autorizado pela Portaria Declaratória 497 a ser demarcado de maneira física, no município de Aquidauana, com marcos delimitando 33.900 hectares.

    O despacho da Justiça é do último dia 16, com prazo estipulado de execução para dez dias, e foi publicada por pressão de determinação do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região de maio deste ano. Caso não seja realizada em dez dias, a Justiça Federal autorizou o uso de força policial para o despejo – fora multa de R$ 5 mil por dia revertida para os proprietários.

    "Registro que ao proferir a r. decisão de fl. 719, objeto da Reclamação, este Juízo ponderou as peculiaridades do caso em apreço, especialmente o tempo decorrido desde o esbulho noticiado nos autos e desde a decisão reintegratória", conforme trecho da decisão de reintegração. A Justiça Federal havia decidido ouvir a comunidade, mas os proprietários reclamaram ao TRF-3 que o juiz se negava a cumprir a decisão. Um despacho obrigou o magistrado a cumprir a decisão dos desembargadores.  

    Lideranças do Conselho Terena afirmam que as famílias não irão sair da terra – usada para a produção de alimentos, criação de animais e reflorestamento. "O governo federal precisa concluir a demarcação. Pode mandar a polícia, a gente não sai. Do nosso direito à terra não abrimos mão", diz uma liderança Terena. Em 30 de maio de 2013, a Fazenda Esperança foi retomada pelos Terena. A ação ocorreu um dia depois do assassinato de Oziel Terena, durante reintegração de posse na Terra Indígena Buriti, em Sidrolândia.

    Quando os Terena ocuparam a Fazenda, a propriedade se encontrava vazia. Dos pouco mais de 5 mil indígenas, confinados em 6 mil hectares do que tinham da Taunay/Ipegue, e com severas dificuldades de garantir a alimentação das aldeias, 78 famílias se estabeleceram em uma porção do território tradicional recuperado. Já outra parte foi destinada ao plantio e criações para o sustento; uma terceira porção foi totalmente reflorestada.  




    Taunay/Ipegue: um longo caminho

    Os donos, porém, logo apareceram: Mirian Alves Correa e Monica Alves Correa, parentes da ruralista Tereza Cristina. "Ainda em 2013 a Justiça Federal concedeu liminar e mandou reintegrar. No entanto, a comunidade recorreu e o presidente do TRF-3 suspendeu a liminar. Então as fazendeiras recorreram", explica o advogado Luiz Henrique Eloy, indígena Terena de Taunay/Ipegue.

    Novamente no mês de maio, só que deste ano, o Órgão Especial do TRF-3, uma turma destacada de desembargadores, acatou o recurso e mandou reintegrar novamente.

    "Essa decisão então chegou ao juiz de primeira instância. Só que ele entendeu que três anos se passaram das famílias no local e achou por bem ouvir a comunidade antes de qualquer decisão. As fazendeiras entraram com uma reclamação no TRF-3 dizendo que o juiz estava descumprindo a decisão e o TRF-3 despachou mandando o juiz cumprir a determinação dos desembargadores", lamenta o advogado Terena.  

    Sem ouvir a comunidade, a Justiça Federal de Campo Grande mandou reintegrar. "A existência de processo administrativo de demarcação e ampliação da Terra Indígena Taunay-Ipegue ainda em curso, não permite que o Poder Judiciário, antecipando-se a uma função própria do Poder Executivo, negue à parte autora seu legítimo direito de propriedade. (SIC)", diz o juiz em trecho da sentença.

    Taunay/Ipegue foi inicialmente reservada pelo extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), antes da década de 1970. Como toda reserva no Mato Grosso do Sul, os Terena ficaram confinados e viram os territórios tradicionais de onde foram retirados sendo ocupados por fazendas. Em 1984 a reserva passou a ser revista, com o processo se encerrando em 1991. No entanto, realizado sob vícios pré-Constituição de 1988.


    Em 1999, os sucessivos erros passaram a ser reparados com uma nova revisão. Esse processo, que já dura 17 anos e teve como última movimentação a Portaria Declaratória, traz seguidas ameaças aos Terena. "Só nós sabemos o que passamos aqui. Dormimos num lamaçal todas as noites (…) O sonho dos nossos pais e avós era voltar pra essa terra, e seguimos adiante com esse sonho", disse uma liderança Terena em julho de 2013, depois de ataques de pistoleiros na retomada da Fazenda Esperança – assista aqui.

    Read More
Page 359 of 1202