• 15/03/2017

    Parecer Jurídico: Cimi analisa impactos da Reforma da Previdência nos direitos dos povos indígenas

    Reforma da Previdência proposta pelo governo Temer por meio da PEC 287/2016 terá impacto ainda maior sobre os povos indígenas, caso seja aprovada se encontra. Cabe ressaltar que em nenhum momento, seja no texto legal, seja na justificativa, as palavras “índios” ou “povos indígenas” são mencionadas. Continue reading Parecer Jurídico: Cimi analisa impactos da Reforma da Previdência nos direitos dos povos indígenas

    Read More
  • 14/03/2017

    Indígena é atropelada no MS e motorista foge sem prestar socorro


    Dia do enterro de Alessandra na retomada Tajasu Iguá. Foto: Regional Cimi MS

    Por Assessoria de Comunicação do Cimi e Regional Cimi MS

    A Guarani Kaiowá Alessandra Sanabrio, de 36 anos, foi atropelada no final da tarde da última sexta-feira (10) às margens da BR-163, no município de Rio Brilhante (MS). O motorista do caminhão que atropelou a indígena fugiu sem prestar socorro à vítima.

    “Eu estava voltando com a mãe do trabalho de reciclagem de Rio Brilhante, cada uma em sua bicicleta e a mãe estava na minha frente. Vínhamos no acostamento do asfalto. Próximo do radar da ponte do Rio Brilhante, reduzimos a velocidade, quando fomos surpreendidas por um caminhão baú de cor prata, que invadiu nossa pista, atropelou mamãe e fugiu de imediato”, conta Adriele Sanabrio, filha da vítima.

    “Não prestou socorro. Eu gritei desesperada pedindo socorro, mas ninguém parou para nós. Puxei o corpo da mamãe por medo que outros carros ainda passassem por cima da cabeça dela.  Logo depois chegou Dona Susana que vinha atrás de nós”, continua a indígena.

    Após o atropelamento, que ocorreu na proximidade do tekoha Laranjeira Ñanderu, os indígenas bloquearam a rodovia por algumas horas, em protesto, até a chegada da Fundação Nacional do Índio (Funai). A Polícia Rodoviária Federal (PRF), CCR Vias, o Corpo de Bombeiros e a Polícia Civil também compareceram ao local.


    Acima, pai e mãe de Alessandra. Fotos: Regional Cimi MS

    “Agora os homens brancos não usam arma de fogo para matar indígena. Usam o trânsito para causar acidente e ainda culpa os indígenas de estarem bêbados”, lamenta o Guarani Kaiowá Roselino, irmão da vítima.

    Alessandra Sanabrio trabalhava em uma associação de reciclagem em Rio Brilhante e era moradora do tekoha – lugar onde se é – Tajasu Iguá, área de retomada localizado no município de Douradina (MS), a poucos km de Rio Brilhante, e parte da Terra Indígena (TI) Lagoa Rica/Panambi. Identificada, delimitada e reconhecida pelo Estado brasileiro em 2011, a demarcação da TI foi suspensa pela Justiça Federal de Dourados em outubro de 2016, por uma decisão judicial baseada na tese do marco temporal.

    “Enquanto não demarcarem nossas terras, os problemas por aqui continuam. É urgente a demarcação das nossas terras, pois viver na beira da rodovia, continuamos correndo risco de vida”, critica Dona Adelaide, mãe de Alessandra.

    O corpo de Alessandra foi enterrado pela comunidade no domingo, dentro da retomada.

    Read More
  • 14/03/2017

    Suspensa a reintegração de posse de imóveis rurais ocupados por indígenas em Dourados (MS)

    A presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, suspendeu os efeitos de decisão da Justiça Federal que determinou a reintegração de posse contra indígenas das etnias Guarani, Kaiowá e Terena

    Read More
  • 14/03/2017

    Ruralista pede prorrogação da CPI Funai/Incra e interfere em demarcação de quilombo


    Indígenas são barrados às portas da Câmara Federal de entrar em sessão da CPI Funai/Incra. Crédito: Renato Santana/Cimi



    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    Com o prazo regimental se encerrando no próximo dia 27, o deputado ruralista Alceu Moreira (PMDB/RS) protocolou requerimento na Mesa Diretora da Câmara Federal solicitando a prorrogação – por 60 dias – dos trabalhos da CPI da Funai/Incra 2. "Todos os esforços deste Presidente, Deputado Alceu Moreira, (…) não se revelaram suficientes para o cumprimento das metas pretendidas", justifica o parlamentar ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ).

    Pouco satisfeito com o campo raso da CPI, o parlamentar ruralista tenta barrar a demarcação do quilombo Morro Alto, entre os municípios de Osório e Maquiné, no Rio Grande do Sul. O presidente do Incra, Leonardo Góes, abriu Sindicância Interna para investigar o processo de regularização fundiária do quilombo após denúncia de Moreira sobre supostas ilegalidades ocorridas. A demarcação envolve terras de interesse do parlamentar. Conforme fontes ligadas ao órgão, fato desse tipo é inédito no Incra.  

    "O mais estarrecedor nesse caso é o fato de a Presidência do Incra abrir uma sindicância baseada em denúncias infundadas e sem provas, que já foram amplamente respondidas nos autos do processo e no âmbito da CPI Funai/Incra. Desta forma, foi desconsiderado todo o processo de análise das contestações relacionadas ao procedimento de regularização fundiária do território quilombola de Morro Alto", diz trecho da nota da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra.   

    A primeira versão desta CPI foi concluída por força regimental, depois de oito meses de ‘investigações’, sem ao menos um relatório final. Chegou a ser prorrogada por três vezes. O presidente também foi Alceu Moreira; o relator é o mesmo da atual, o ruralista Nilson Leitão (PSDB/MT). Em agosto do ano passado, Rodrigo Maia deu autorização para a criação da CPI que corre: são 15 meses somados entre a primeira e a segunda, com dois posicionamentos do Supremo Tribunal Federal (STF).

    Instada a se pronunciar sobre a quebra dos sigilos fiscais e bancários de entidades indigenistas (ABA, Cimi, CTI e ISA), a Corte Suprema proibiu a CPI de fazê-lo; tanto na primeira como na atual CPI, em primeiro requerimento de quebra aprovado envolvendo o Centro de Trabalho Indigenista (CTI). Como a Comissão foi instaurada para investigar demarcações da Funai e Incra, as entidades não são objetos de investigação dos parlamentares – tampouco para terem dados sigilosos expostos.

    Para a sessão da CPI desta terça-feira, 14, uma nota da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) anunciou que a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Instituto Socioambiental (ISA) são os próximos alvos dos ruralistas. O presidente da FPA, não por coincidência relator da CPI, Nilson leitão, comunicou que os requerimentos para as quebras de sigilos fiscais e bancários das entidades serão colocados em votação.


    Na última sessão os ruralistas não conseguiram atingir quórum necessário para seguir adiante com os ataques. Pouco mais de uma semana depois, um dos integrantes da CPI – o deputado ruralista afastado Osmar Serraglio (PMDB/SC) – foi nomeado como ministro da Justiça. Dias atrás, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o agora ministro declarou que os indígenas "devem esquecer" as demarcações porque "terra não enche a barriga de ninguém".  


    As declarações geraram reações, incluindo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e entidades na alça de mira dos ruralistas, caso do Cimi e ISA. Como retaliação ao rechaço às palavras do ministro, a FPA publicou a nota informando que nesta terça haveria sessão e nela os requerimentos seriam votados para que os ruralistas tenham acesso às contabilizações fiscais e bancárias de ABA, Cimi e ISA – enfrentando assim duas decisões contrárias do STF.

    Read More
  • 14/03/2017

    Povo Xukuru-Kariri sofre novo ato de violência e jovem indígena acaba morto; é o segundo episódio em cinco meses



    Por Renato Santana, Assessoria de Comunicação – Cimi

    O jovem Xukuru-Kariri Damião Lima da Silva, de 28 anos, mais conhecido como Dão, foi assassinado na última quarta-feira, 08, em uma área sobreposta à terra indígena ocupada por posseiros, no município de Palmeira dos Índios (AL). Os autores do crime, executado com requintes de crueldade, ainda não foram identificados.

    De acordo com lideranças ouvidas, Dão trabalhava em uma lavoura do Sítio Bernadete quando foi morto – a área faz parte da Aldeia Coité. Ao anoitecer, a família do indígena estranhou a demora e ao chegar no local avistou o corpo com perfurações de bala e golpes de facão. O crime surpreendeu as cerca de 600 famílias Xukuru-Kariri.

    "Não tínhamos notícias de que Dão tivesse algum tipo de problema pessoal que levasse alguém a querer matá-lo. Também a região em que ele morreu, mesmo com posseiros presentes ali, estava pacificada. Mas de qualquer forma Dão era uma liderança atuante no povo Xukuru-Kariri", explica um indígena ouvido.

    O corpo de Dão foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) de Arapiraca, que confirmou as características peculiares atribuídas aos assassinos. A família registrou Boletim de Ocorrência. A equipe local da Fundação Nacional do Índio (Funai) acompanha o caso. Neste mês os Xukuru-Kariri estão no ritual do Ouricuri.

    Violência e demarcação

    Há cinco meses, João Natalício dos Santos Xukuru-Kariri, histórica liderança dos povos indígenas do Nordeste, também era assassinado a facadas na Aldeia Fazenda Canto. Não é possível fazer conexão entre os crimes, mas a violência na terra indígena envolve fatores como a demarcação paralisada e os vícios inerentes ao entorno.

    “A região tem um histórico de violência por conta da luta pela terra. Seu João era uma liderança antiga do povo”, afirmou è época uma liderança Xukuru-Kariri. Ele explicou que a aldeia Fazenda Canto é composta pelos 72 hectares demarcados em 1952 e por uma retomada – parte da demarcação em curso pela Funai, todavia paralisada.

    A luta pela terra é uma das principais pautas do povo. "Dar continuidade ao Levantamento fundiário, homologação e desintrusão da terra do Território Tradicional Indígena Xukuru-Kariri", por exemplo, foi a primeira deliberação da Assembleia geral do povo em 2014. O procedimento demarcatório teve início em 1988.

    O ano foi marcado pelo enfrentamento às mesas de diálogos instituídas pelo então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Já em fase de levantamento fundiário para o pagamento de indenizações, a Funai foi obrigada a paralisar o procedimento porque Cardozo, sem consultar os Xukuru-Kariri, estabeleceu uma destas mesas.

    No território Xukuru-Kariri existem, além de posseiros, fazendeiros com influência política reverberada em Brasília nas figuras dos senadores Fernando Collor e Renan Calheiros – e eles pessoalmente pediram ao ministro a paralisação dos trabalhos da Funai. Tal intervenção trouxe novamente insegurança aos indígenas.  

    Em março de 2015, o juiz federal titular da 8ª Vara Federal em Arapiraca, Antônio José de Carvalho Araújo, determinou um prazo de seis meses para a União Federal e a Funai conceder a posse definitiva da Terra Indígena, com 6.927 hectares, inclusive com a desintrusão dos atuais posseiros da área. A decisão ainda não foi cumprida.

    Andanças

    Segundo os estudos antropológicos citados na decisão do juiz, os "Xukuru teriam migrado da aldeia Cimbres, atual município de Pesqueira (PE) em 1740, e se estabelecido nas margens do ribeirão da Cafurna, entre as terras da Fazenda Olho d’Água do Acioly e a Serra da Palmeira, enquanto que os Cariris teriam vindo posteriormente da Aldeia do Colégio de São Francisco, atual município de Porto Real do Colégio, do povo Wakonã. Os sobreviventes Wakonã ou Aconã da Serra da Cafurna, em Palmeira dos Índios, já em 1938 atribuíram-se o nome Shucuru-Karirí".


    Read More
  • 13/03/2017

    Jovem Guarani Nhandeva é assassinado no norte do Paraná

    Na madrugada deste domingo (12) um jovem da Terra Indígena Laranjinha, localizado no município de Santa Amélia, no estado do Paraná foi covardemente assassinado com nove facadas no pescoço em uma vila próxima ao acesso à comunidade.

    O jovem era conhecido como Vaguinho, e era muito conhecido na cidade por sua simplicidade e porque convivia muito bem com todos. O crime abalou muito a comunidade. A revolta e indignação é grande entre os Guarani Nhandeva pela covardia e crueldade e porque ninguém ainda deu informações que explique a motivação do crime que aconteceu na rua da movimentada vila.

    A família, principalmente o vice-cacique, que é irmão da vítima, disse que quer primeiro entender a razão de uma pessoa tão simples e boa como seu irmão ser morto assim – e como ninguém sabe e viu nada. Disse que acha no mínimo estranho e quer que este ato de violência seja investigado e esclarecido para seu povo. E seja acima de tudo feito justiça.

    As lideranças da comunidade demonstraram muita preocupação com o aumento da violência nesta cidade e ainda mais porque há aproximadamente um ano outro parente foi assassinado nas proximidades da mesma cidade. Uma outra pessoa da cidade também foi encontrada morta com o jovem Guarani com sete facadas na região do pescoço e mais duas no abdômen.

    Todos esperam que o caso seja resolvido o mais breve possível para que seja pelo menos amenizada a dor desta comunidade.

    Fonte: Lideranças locais


    Read More
  • 13/03/2017

    Guarani Kaiowá é detido por carregar a própria geladeira no Mato Grosso do Sul


    Retomada de Kurusu Ambá. foto: Ruy Sposati

    Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação

    Na manhã de quarta-feira (8), o indígena Guarani Kaiowá Valtenir Lopes deixou sua morada no tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá, no Mato Grosso do Sul, com a finalidade de levar a geladeira de sua sogra para consertar. Comprado há doze anos no município de Amambai, o aparelho já não dava conta de refrigerar os alimentos e precisava ter o gás trocado, serviço disponível apenas no centro urbano mais próximo, no município de Coronel Sapucaia. No meio do percurso de 30 km entre o tekoha e a cidade, o indígena foi surpreendido por dois policiais que, de arma em punho, o detiveram agressivamente e o conduziram até a delegacia, sob a justificativa de que a geladeira que transportava fora furtada de uma fazenda.

    “Eu tava sozinho, eles estavam de carro e com a arma apontada na minha direção. Eu falei ‘o que tá acontecendo?’ e ele disse ‘você tá roubando o freezer da fazenda!’ e me bateu duas vezes com o revólver. Fiquei quieto, tremendo, fechei minha boca, fazer o que, né? Eles deram um tiro embaixo da uma perna, mas eu levantei e não pegou. Prenderam o carro e o freezer, que ainda estão na delegacia”, relata o indígena.

    “Eu nunca, desde criança, desde pequenininho, roubei ninguém. Eu não sei como que aconteceu uma coisa dessas comigo, foi a primeira vez. Fiquei com medo. Desde que eu nasci, minha mãe e meu pai me ensinaram a não roubar”, continua o Kaiowá.

    Chegando na delegacia, o indígena detido foi colocado numa cela, onde conta ter permanecido cerca de cinco horas, das dez da manhã até as três da tarde, quando finalmente os familiares e uma liderança do tekoha conseguiram convencer os policiais de que não se tratava de um furto e que a geladeira era própria.

    “Nós chegamos à uma hora da tarde e ficamos até as três horas para sermos atendidos. Tivemos que insistir muito tempo para atenderem a gente, e a família ficando desesperada”, relata Ismarth Martins Guarani Kaiowá, uma das liderança do tekoha que acompanhou os familiares de Valtenir à delegacia.

    “Falaram para nós que ele foi denunciado pelo roubo da geladeira e que amanhã já iriam encaminhar ele preso para [o presídio de] Amambai. Aí esperamos, falamos com Funai, denunciamos ao Ministério Público que estavam criminalizando ele. A agressividade foi muito horrível quando prenderam ele, atiraram, quase acertaram as pernas dele”, continua a liderança Kaiowá.

    Desfeito o erro e comprovada a improcedência da denúncia, o indígena foi liberado e levado para realizar o exame de corpo de delito. Os policiais que conduziram o indígena até o local do exame foram, justamente, os dois que o haviam abordado agressivamente, e ele conta que foi coagido a não se manifestar sobre as agressões.

    “Os policiais que me bateram foi que me levaram pro hospital. Me disseram que não podia falar que eles tinham me batido, que se eu falasse eu iria ficar preso. Aí eu fiquei calado, igual mudo, durante todo o exame”, conta Valtenir.

    Sem demarcação, contexto é de violência constante

    O tekoha Kurusu Ambá é uma área de retomada no sul do Mato Grosso do Sul, na região de fronteira com o Paraguai, e sofre constantemente com a pressão e os ataques paramilitares de fazendeiros e jagunços. Em 2016, foram registrados quatro ataques a tiros em seis meses, incluindo um ataque ocorrido poucas horas após a Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, ter visitado o acampamento onde vivem os indígenas.

    Trata-se de um dos muitos territórios retomados pelos indígenas Guarani e Kaiowá no contexto da luta pela demarcação de suas terras tradicionais no Mato Grosso do Sul. A negligência do Estado em demarcar as terras indígenas na região resulta na perpetuação dos acampamentos, onde os indígenas enfrentam constantemente a fome e a violência.

    Expulsos de suas terras, os Guarani Kaiowá nunca desistiram de retornar a seu território sagrado. A retomada onde atualmente existem três acampamentos começou a ser estabelecida em 2007, ano em que duas lideranças foram assassinadas. Entre 2009 e 2015, mais dois indígenas foram mortos em Kurusu e, em 2016, um acampamento chegou a ser totalmente queimado por jagunços.

    Kurusu Ambá foi um dos tekoha incluídos no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) estabelecido pelo Ministério Público Federal (MPF) com a Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2007. O TAC determinava o ano de 2009 como prazo para a conclusão de diversos Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação (RCID) no Mato Grosso do Sul, primeira etapa da demarcação de uma terra indígena.

    Apesar da multa de mil reais por dia de atraso e da dívida milionária que a Funai vem acumulando desde então, o estudo de Kurusu Ambá, assim como a maioria dos contemplados pelo TAC, foi interrompido em 2010, o que agravou ainda mais os conflitos e o preconceito sofrido pelos indígenas.

    “Para sair do tekoha e ir a qualquer lugar, temos que passar pelas fazendas. Eles monitoram nossa saída e entrada da retomada, os fazendeiros aqui da região não gostam de nós e tem essa perspectiva de criminalizar e perseguir”, afirma Elizeu Lopes, liderança de Kurusu Ambá e irmão do indígena injustamente detido.


    Visita da relatora da ONU a Kurusu Ambá, em 2016. foto: Ruy Sposati

    Falsa denúncia

    Conduzido à delegacia na viatura da polícia, Valtenir Kaiowá ficou sabendo que os policiais agiram com base numa denúncia telefônica anônima. “Eu vinha devagar, para não estragar a geladeira, e sei que me viram passando perto da fazenda”, conta o indígena.

    Questionado pela reportagem, o delegado Fabrício Dias dos Santos, responsável pela Delegacia de Polícia de Coronel Sapucaia (MS), afirmou que, além da denúncia anônima sobre o suposto furto da geladeira, uma adulteração no carro conduzido pelo indígena também teria embasado a averiguação policial.

    “De início houve a informação de que um indígena teria furtado um freezer e o estaria transportando. Além da denúncia, ele foi detido também em função da adulteração no sinal do veículo, situação que ainda está sendo averiguada”, afirmou o delegado.

    A reportagem também questionou se a polícia vai tomar providências para investigar a falsa denúncia contra o indígena, prevista como crime no artigo 340 do Código Penal. “Eu tenho essa perspectiva, mas adianto a dificuldade que tenho de identificar o comunicante”, respondeu o delegado. Dias dos Santos também confirmou que a denúncia foi recebida via telefone e que a polícia buscará meios para identificar sua autoria.

    O delegado afirmou que não tinha conhecimento das agressões e do disparo citados pelos indígenas e da coerção no momento em que foram conduzidos para o exame de corpo de delito.

    “Não recebi esse relato e até me causa estranheza, porque não é da prática, não tem porquê do disparo. São policiais que eu já conheço há algum tempo e nunca me deparei com essa situação. Lidamos com os mais diferentes graus de periculosidade, e não há motivação para esse tipo de abordagem, não vejo nem lógica”, respondeu.

    Criminalização e prisões em massa

    Um relatório produzido em 2016 pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, expôs o cenário de frequente criminalização vivenciado pelos indígenas no Mato Grosso do Sul, em especial dos povos Guarani e Kaiowá e Terena. Segundo o MNPCT, em dez anos a população carcerária indígena praticamente dobrou na Penitenciária Estadual de Dourados: passou de 69 indígenas, em 2006, para 110 em 2016.

    “Diversos relatos apontam para a utilização do sistema de justiça como forma de intimidação aos indígenas por sua luta por demarcação de suas terras: crimes seriam imputados a eles como forma de cercear suas atividades reivindicatórias e de marginalizá-los ainda mais. Além disso, mesmo nos casos de crimes efetivamente cometidos por indígenas, é impossível dissociar tais ocorrências da situação degradante em que se encontram”, afirma o relatório.

    “Na minha avaliação, ligaram só para criminalizar”, avalia o Kaiowá Ismarth Martins. “Os fazendeiros são acostumados a criminalizar os indígenas para jogar na prisão. Tem muitos indígenas presos, criminalizados, e jogados na cadeia sem saber se defender. Os fazendeiros gostam de tramar para isso acontecer. Por que se não for isso, quem denunciou, quem fez essa mentira? Agora a polícia tem que chegar no ponto final, não pode a denúncia chegar do nada e terminar em nada também”.

    “Terra não enche barriga”

    Na mesma semana em que Valtenir foi injustamente detido, o novo ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR), afirmou que é necessário “parar com essa discussão sobre terras”, porque “terra não enche a barriga de ninguém”.

    Kurusu Ambá, onde vive Valtenir, é uma das três aldeias que foram objeto de um estudo produzido pela Fian Brasil em parceria com o Cimi e lançado em 2016. Retrato de um cenário mais amplo, o relatório identificou nos três tekoha, todos com histórico de assassinato de lideranças, um índice de insegurança alimentar de 100%, com 42% das crianças menores de cinco anos sofrendo de desnutrição crônica.

    Uma das principais causas para a dificuldade no acesso à alimentação adequada, aponta o relatório, é o desrespeito ao direito dos indígenas às suas terras tradicionais.

    Read More
  • 10/03/2017

    Nota do Cimi sobre as declarações do ministro da Justiça Osmar Serraglio
















    O Cimi lamenta e repudia, com veemência, as declarações do novo ministro da Justiça Osmar Serraglio relativas aos povos indígenas. É vergonhoso que um ministro, ao assumir, venha a público desdenhar do direito fundamental dos povos indígenas às suas terras. Ao usar a expressão “terra não enche barriga” como argumento para justificar a não demarcação das terras indígenas no país, o ministro demonstra, no mínimo, um grau elevado de ignorância, que o descredencia para a função que assumiu.

    Para os povos indígenas, a terra é de importância fundamental não só para suprirem suas necessidades alimentares, mas também para preencherem de sentido e plenitude sua existência individual e coletiva.

    As declarações do ministro, dadas em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, causam forte preocupação já que servem de combustível que abastece motosserras e tratores daqueles que historicamente invadiram e continuam se apossando ilegal e criminosamente das terras indígenas no Brasil. Por evidente, tais declarações serão traduzidas no aumento das violações de direitos e da violência contra povos, comunidades e lideranças indígenas que lutam pela demarcação e/ou pela proteção de suas terras tradicionais.

    O ataque de Serraglio contra o direito dos povos originários às suas terras tradicionais está umbilicalmente conectado com as intenções e iniciativas ruralistas e do governo Temer em promover ampla e irrestrita mercantilização e concentração privada da terra, no Brasil, em benefício de interesses econômicos de capital nacional e internacional. Nesse contexto, a não demarcação das terras indígenas servirá para ampliar o alcance da pretendida venda de terras para estrangeiros (PL 4059/12), das alienações e concessões de terras públicas situadas em faixa de fronteira (Lei no. 13.178/15), da reconcentração de terras desapropriadas para a reforma agrária (MP 759/15), dentre outras.

    O Cimi se solidariza com os povos indígenas diante de tão grave ataque, reafirma o compromisso de continuar empenhado na defesa da vida dos povos e exorta as diferentes instâncias dos Três Poderes do Estado brasileiro a respeitar e cumprir os ditames constitucionais, segundo os quais “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (CF Art. 231).

    Brasília, DF, 10 de março de 2017

    Read More
  • 10/03/2017

    Reintegração de posse é adiada, mas ainda pode desalojar centenas de indígenas Pataxó na Bahia


    Pataxó comemoram adiamento da reintegração de posse. foto: Domingos Andrade/Cimi Regional Leste

    Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação

    Na semana passada, a notícia de uma reintegração de posse iminente surpreendeu cerca de 500 famílias Pataxó de cinco aldeias localizadas nos municípios de Santa Cruz de Cabrália e Porto Seguro, no extremo sul da Bahia. Preocupados com a ordem de despejo em massa, os indígenas realizaram uma manifestação, nesta terça-feira (7), em frente à Justiça Federal de Eunápolis, onde ocorreu uma audiência para discutir como se daria o cumprimento da sentença de reintegração.

    Por falta de precisão nos autos do processo, o juiz determinou que o autor da ação apresente novas informações, precisando os limites da área a ser reintegrada. Assim, o despejo acabou sendo adiado por até três meses para coleta de subsídios, mas não foi suspenso. A indicação, agora, é de que nem todas as cinco aldeias citadas inicialmente devem ser reintegradas nesta ação. A vitória, ainda que parcial, foi comemorada pelos indígenas.

    “Não existe nada de fazenda aqui. Essa área pertence aos indígenas, é uma área tradicional onde os indígenas ainda pescam, colhem fruta da mata nativa, onde tem mangaba, guaru, o coco do xandó e outras frutas da nossa alimentação. Ele [autor da ação] coloca que a terra é dele, mas não é. Essa área toda aqui praticamente não tem fazenda, é uma área de restinga, de lagoa, de mangue. E mesmo sendo área preservada, seguimos plantando mais árvores ainda, temos muito cuidado”, afirma Sinaldo Pataxó, cacique da aldeia Nova Coroa, uma das que constavam da primeira lista de áreas a serem despejadas.

    Imprecisão no processo

    A audiência realizada em Eunápolis deveria servir para que a Fundação Nacional do Índio (Funai) apresentasse um plano de desocupação das cerca de 500 famílias e mais de mil indígenas de uma área reivindicada pela empresa Góes Cohabita Administração, Consultoria e Planejamento Ltda., do setor imobiliário. Além do presidente e de procuradores da Funai, participaram da reunião representantes da Sexta Câmara do Ministério Público Federal (MPF), da Defensoria Pública da União (DPU) e da própria União, assim como lideranças Pataxó.

    Embora a decisão judicial inicialmente falasse na remoção de “400 famílias” Pataxó das “áreas invadidas” pelos indígenas, os representantes do MPF questionaram a falta de precisão sobre qual a área, exatamente, a Justiça determinou que seja reintegrada.

    Inicialmente, a informação era de que seriam despejadas as aldeias Nova Coroa, Novos Guerreiros, Mirapé, Txihi Kamayurá e Itapororoca, que compreendem uma grande área retomada pelos Pataxó a partir do ano de 2006.

    “A empresa é autora de outras ações de reintegração de posse e se diz proprietária de diversas áreas na região. Esta ação, entretanto, diz respeito apenas à Fazenda Ponta Grande e, assim, não compreenderia todas as aldeias citadas inicialmente. A reintegração, entretanto, ainda está mantida, mas talvez não para todas as aldeias”, explica Poliane Alves, assessora jurídica do Cimi – Regional Leste, que também acompanhou a reunião.


    Do lado de fora, indígenas acompanharam, mobilizados, a audiência na Justiça Federal de Eunápolis (BA). foto: Domingos Andrade/Cimi Regional Leste

    1.493 hectares para cinco mil indígenas

    Todas as aldeias citadas ficam em áreas que integram o território reivindicado pelos Pataxó como parte da Terra Indígena (TI) Coroa Vermelha, mas que acabaram ficando de fora da demarcação da terra feita em 1998 – na ocasião, foram demarcados apenas 1.444 hectares, dos mais de 20 mil reivindicados pelos indígenas. O equívoco gerou uma situação insustentável: atualmente, entre cinco e seis mil indígenas vivem na pequena área demarcada e em oito aldeias retomadas na parte do território que foi ignorada pelo Estado na primeira demarcação.

    “Desde que foram estabelecidos, os limites da demarcação foram questionados pelos indígenas. Um processo de revisão chegou a ser iniciado, mas foi interrompido em 2006. Com a interrupção da revisão de limites e sem espaço, os Pataxó resolveram retomar mais partes do território ignoradas pelo Estado”, explica Domingos Andrade, missionário do Cimi – Regional Leste.

    Foi no mesmo ano de 2006 que a empresa Góes Cohabita ingressou com uma ação de reintegração de posse e obteve decisão favorável da Justiça Federal de Eunápolis. Como a decisão nunca foi cumprida e o recurso da Funai não foi julgado pelo Tribunal Regional Federal (TRF), em 2016 a empresa solicitou à Justiça o cumprimento da sentença.

    “Todos os caciques estavam muito preocupados, porque a notícia que nós tivemos era que a Funai teria que tirar os indígenas e colocar em outras aldeias. Só que na área demarcada não tem espaço para colocar os indígenas, então nós iríamos ficar na beira da estrada”, afirma Sinaldo Pataxó, cacique da aldeia Nova Coroa, uma das áreas de retomada que integram o território reivindicado como parte da TI Coroa Vermelha.

    “Houve essa ocupação em 2006. Estamos aqui numa área de preservação ambiental, ao lado da reserva da Jaquira, porque a área demarcada foi muito pequena, muito abaixo do seu tamanho certo. Novoa Coroa já tem Luz para Todos, escola, água canalizada, ruas aterradas e vivem nela 182 famílias”, explica o cacique, salientando o desastre que seria a execução da reintegração na sua aldeia.

    Apesar do alívio temporário, as informações soliticitadas pelo juiz ainda podem resultar na reintegração de algumas das aldeias Pataxó inicialmente citadas na ação.


    Indígenas acompanharam, mobilizados, a audiência na Justiça Federal de Eunápolis (BA). foto: Domingos Andrade/Cimi Regional Leste

    “Não tem fazenda nenhuma lá”

    A região onde vivem os Pataxó é muito visada pelas empresas do ramo imobiliário e do turismo, e a especulação dos setores já gerou outros conflitos, invasões de terras indígenas e despejos na redondeza, a exemplo do ocorrido em outubro na aldeia Aratikum. Os indígenas questionam a existência de uma fazenda na área em disputa na Justiça Federal e afirmam que o objetivo da empresa é construir condomínios, destruindo a biodiversidade de uma área ainda preservada.

    “Essa empresa continua aterrando os lagos e os mangues, vendendo e fazendo condomínios em cima. É isso que eles querem fazer nesse lugar que eles chamam Fazenda Ponta Grande”, denuncia o cacique Sinaldo Pataxó. “Não tem fazenda nenhuma lá, dentro dessa área tem uma lagoa muito grande, de mais ou menos mil metros quadrados. A Justiça precisa fazer esse levantamento”.

    No despacho da audiência, o juiz determinou um prazo de 15 dias para que o autor da ação precise os limites da fazenda, 30 dias para que a Funai apresente um relatório sobre a ocupação indígena na área e um plano de desocupação, outros 30 dias para a União se manifestar, 15 dias para a DPU e outros 15 para o MPF, para que então ele volte a avaliar o caso.

    Read More
  • 09/03/2017

    Em busca de comida, mais de 100 índios venezuelanos Warao migram para Manaus


    Crédito da foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real


    Por Síntia Maciel, especial para a Amazônia Real

    Quem circula diariamente pelo entorno da Rodoviária de Manaus, nas ruas do Centro ou do bairro Educandos já percebeu homens, mulheres e crianças falando uma língua estrangeira desconhecida, ou um espanhol incompreensível. As mulheres chamam a atenção pelos longos cabelos escuros e saias e vestidos coloridas. Esses são os índios venezuelanos da etnia Warao, que estão migrando desde o mês de janeiro à capital amazonense em busca de comida.

    Eles, que falam a língua do mesmo nome da etnia, estão longe de casa a uma distância superior a 1.700 quilômetros. São os povos mais antigos do Delta do Orinoco, conhecidos também como “pessoas da canoa”.

    Segundo a Pastoral do Migrante, ligada à Arquidiocese de Manaus, um mapeamento identificou a presença de 130 índios Warao na cidade no mês de janeiro de 2017. Atualmente, eles somam 115 divididos em três grupos. Um deles, com 30 pessoas, está abrigado há mais de um mês no entorno da Rodoviária, que fica na zona centro-sul da cidade.

    No local, eles dormem em barracas de lona azul. Lavam as roupas e as penduram na cerca de arame farpado da rodoviária, como se fosse um gigante varal. Tudo que eles têm dentro das barracas são sacolas com alimentos, calçados, medicamentos, roupas, brinquedos, entre outros itens, doados pela população de Manaus; pessoas ligadas a igrejas, escolas e o cidadão comum que tem o sentimento humanitário e solidário.

    Como já publicou a agência Amazônia Real, os índios Warao fogem para cidades brasileiras do extremo Norte desde 2014, quando a crise política e econômica na Venezuela se agravou, provocando a falta de gêneros alimentícios, de higiene pessoal, remédios, atendimento de saúde e energia para a população.

    Os índios viajam das aldeias do Delta do Orinoco, no estado Delta Amacuro, no nordeste do país vizinho, em canoa, ônibus, pegando carona ou pagando táxi para fazer um percurso de 925 quilômetros até chegar à fronteira de Santa Elena do Uairén com Pacaraima, em Roraima.

    Mas em Roraima, os Warao foram hostilizados por parte da população. Entre 2014 e 2016, a Polícia Federal deportou 532 índios a pedido da Prefeitura de Boa Vista, que atendeu a uma solicitação de populares descontentes com os índios pedindo esmolas nos semáforos. Em 9 de dezembro do ano passado, a polícia tentou fazer uma deportação em massa de 450 indígenas, mas a Justiça Federal suspendeu a ação.

    A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF), em Brasília, e de mais 11 organizações signatárias dos Direitos Humanos, que defendem os direitos e a proteção dos povos indígenas e os direitos de migrantes e refugiados, entre elas a Conectas e a Cáritas Arquidiocesana, da Igreja Católica, protestaram contra as deportações em massa dos Warao pela PF.

    A polícia justificou as deportações sob o argumento de os índios Warao serem “estrangeiros que estão sem documentos regular de entrada ou vencido exercendo atividade artística remunerada, inclusive, pedindo esmolas ou vendendo artesanatos nas ruas e semáforos, o que é incompatível com a condição de turista”, diz uma nota divulgada pela PF de Roraima.

    Cruzando a floresta amazônica

    Para chegar a Manaus, os índios Warao partem de Boa Vista de ônibus e percorrem os 781 quilômetros da viagem pela rodovia BR 174 – que liga os estados do Amazonas e Roraima – a região mais preservada da floresta amazônica.

    Na rodoviária onde está abrigado em uma barraca de lona, o indígena Warao Elias Perez, 28 anos, disse em entrevista à Amazônia Real que viajou acompanhado da esposa grávida de cinco meses, Domidia, 25 anos. Ele contou que enfrentou três dias de viagem a bordo do ônibus. O objetivo da migração, segundo ele, foi a busca por comida.

    “Na Venezuela não temos emprego, não temos comida, não temos remédios, não temos esperanças de nada. A nossa única saída foi vir para o Brasil para conseguir alimentos, roupas, dinheiro e o mais que pudesse, para voltar e ajudar nossos irmãos. O governo [venezuelano] não nos ajuda em nada”, desabafa.

    Perez conta que na Venezuela trabalhava fazendo pequenos serviços, mas em virtude da crise que tomou conta do país não conseguiu nem mesmo quintais para capinar e, assim, sustentar a família. A expectativa dele é partir de Manaus para casa, no Delta do Orinoco, no próximo mês de abril. Para isso, eles pretendem arrecadar dinheiro para comprar as passagens de ônibus.

    As empresas que fazem o transporte interestadual entre Manaus e Boa Vista cobram pela passagem de ônibus de R$ 100 a R$ 164,00. As crianças com até 6 anos de idade não pagam. Os idosos com documentação do benefício da previdência social poder receber descontos e até a gratuidade da passagem, mas essa opção não inclui aos imigrantes.



    Crédito da foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

    Manauaras compram artesanatos

    Uma das formas que os índios Warao conseguem dinheiro para comprar as passagens de ônibus é vendendo artesanato, arte que predomina nas aldeias desse povo, também conhecido como ‘pessoas da canoa’, pois são exímios pescadores.

    A adolescente Siomara Moranera tem 17 anos. Ela, a mãe, Zulema Moranera, 35 anos, a avó, Cornotera Moranera, 65 anos, e dois irmãos, de cinco e sete anos de idade, estão abrigados na rodoviária de Manaus. Todas as mulheres são artesãs.

    “Faço colares, pulseiras, brincos e a minha mãe com a minha avó saem para vender diariamente no Centro de Manaus. As peças variam de R$ 2 a R$ 5. É a única forma que temos para levantar algum dinheiro para comprar nossas passagens de volta para casa”, destaca a jovem indígena Warao.

    Assim como Elias, Siomara reclamou da falta de oportunidades na Venezuela. “É grande o desemprego e o desespero entre os venezuelanos. Muitas pessoas estão passando fome por não conseguir uma ocupação remunerada”, diz.

    Apesar da ajuda que vem recebendo da população de Manaus, com doação de roupas, gêneros alimentícios, entre outros materiais, tanto Siomara quanto Elias não souberam dizer quando irão voltar para a casa. Eles dizem que não há perspectivas de uma vida melhor em seu país.

    Ajuda humanitária

    Na primeira quinzena de fevereiro deste ano, um grupo de 40 alunos da Escola Adventista realizou uma ação solidária na rodoviária de Manaus. Eles distribuíram alimentos não perecíveis, brinquedos e roupas aos indígenas Warao. Um levantamento preliminar, de acordo com a diretora-geral das Escolas Adventistas do Amazonas e Roraima, Edeíse Printes, identificou as necessidades do grupo.

    “Ao longo dos anos trabalhamos vários projetos de ação social e sempre envolvemos os jovens das nossas escolas. No levantamento feito aqui [Manaus], identificamos 30 pessoas e o que de mais urgente elas precisavam, como roupas e alimentos não perecíveis″, informa Printes. Segundo ela, uma ação semelhante também foi realizada pela igreja em Boa Vista.

    A chegada dos índios Warao a Manaus chamou a atenção da Pastoral do Migrante, ligada à Arquidiocese de Manaus. A coordenadora da instituição, Valdiza Carvalho, diz que é preocupante no grupo a falta de documentação de identificação e a vulnerabilidade de mulheres e crianças. Por isso, segundo ela, as ações humanitárias junto aos indígenas precisam ser feitas quando chegam na cidade.

    Desde o final de 201o o fluxo migratório de estrangeiros aumentou em Manaus. Os haitianos chegaram em massa após o terremoto que devastou Haiti. Entre 2011 e 2016 foram mais de 10 mil pedidos de refúgio solicitados pelos imigrantes na capital amazonense.

    Atualmente esse fluxo migratório de haitianos caiu, segundo a Pastoral. De dezembro de 2016 a fevereiro de 2017 chegaram apenas 154 haitianos.

    Conforme Valdiza Carvalho, um mapeamento realizado por instituições envolvidas com ações humanitárias identificou a imigração de 130 indígenas Warao desde o mês de janeiro de 2017. Desse número, porém, ao menos 15 Warao já retornaram para a Venezuela de ônibus, durante o período do Carnaval, restando na cidade 115 migrantes.

    No caso dos índios Warao, a coordenadora da Pastoral do Mirante constatou que eles não querem ir para um abrigo público. “Em virtude da questão cultural, os indígenas não quiseram ficar nos abrigos que conseguimos, por serem fechados. Eles preferirem locais abertos”, diz Valdiza Carvalho.

    Segundo ela, representantes da pastoral participaram de reuniões na Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc) do estado e na Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (Semasdh) nas quais foram traçadas algumas estratégias para a ajuda humanitária aos índios Warao. As pessoas doentes foram encaminhadas a unidades de saúde, diz. “A nossa preocupação maior é com as crianças que se encontram nas ruas, correndo riscos”, afirma Valdiza Carvalho.

    Ela disse que os indígenas migrantes da Venezuela que permanecem na cidade são acompanhados pela Pastoral do Migrante e pelas secretarias do governo e da prefeitura. No próximo dia 20 de março haverá uma nova reunião para avaliar a situação deles. “Essa será a quarta reunião em que será avaliado o que as duas secretarias [Sejusc e Semmasdh] podem fazer pelos indígenas que ainda estão aqui em Manaus”, diz Valdiza Carvalho.



    Crédito da foto: Marcelo Mora/Amazônia Real

    Pastoral descarta deportação

    Indagada pela Amazônia Real sobre as deportações que a Polícia Federal fez de índios Warao em Roraima e contestadas pelo Ministério Púbico Federal, a coordenadora da Pastoral do Migrante descartou uma ação semelhante da PF em Manaus.

    “Ao contrário do que ocorreu em Boa Vista, em Manaus não há esse risco. A Polícia Federal não tem dinheiro para custear as passagens para deportar essas pessoas. Eles não estão fornecendo formulários para quem precisa emitir alguns documentos, imagina pagar a passagem de volta dessas pessoas, ainda que seja via deportação”, afirma Valdiza Carvalho.

    A Amazônia Real procurou a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas para a Delegacia de Migração falar sobre os índios Warao. As perguntas foram enviadas por e-mail mas não foram respondidas até o momento, entre elas, sobre o número de imigrantes venezuelanos em Manaus, destacando o total de indígenas. A reportagem apurou que, por duas vezes, agentes federais estiveram no abrigo de índios na rodoviária da cidade, mas sem abordagem ostensiva.

    Em Boa Vista os Warao tem um abrigo

    Na capital de Roraima estão vivendo atualmente 209 índios Warao no abrigo administrado pelo Centro de Referência ao Imigrante (CRI), segundo a Coordenação do Gabinete Integrado de Gestão Migratória de Roraima (CAMs), ligado a Secretaria de Defesa Civil. A assessoria de imprensa do governo disse que não há uma estatística sobre o número de índios dessa etnia na cidade de Pacaraima.  

    Segundo a CAMs, 30 mil venezuelanos migraram para Roraima entre 2015 e 2016, sendo que mais de 900 eram índios Warao. A coordenação disse que a criação do Centro de Referência ao Imigrante (CRI) os migrantes indígenas passaram viver no abrigo, onde têm alimentação e atendimento médico. “Dessa forma reduziu-se a necessidade da mendicância. Além disso também houve uma campanha de conscientização da população no sentido de não estimular mais a mendicância. Assim muitos [ Warao] retornaram à Venezuela ou dirigiram-se para Manaus”, disse a assessoria

    Sobre o atual fluxo migratório de venezuelanos para Roraima, a assessoria da CAMs disse que está prosseguindo de forma constante. “Não há indicações de que essa situação irá se alterar”, informou a assessoria.

    Leia mais sobre a crise na Venezuela aqui: As migrantes mulheres

    Read More
Page 350 of 1204