• 26/04/2017

    Lideranças Munduruku e Yanomami denunciam violações na ONU e se encontram com indígenas de Standing Rock


    Lideranças Munduruku (à esquerda) e Yanomami (à direita) com Todadaho Sid Hill, do povo Onondaga. Foto: Fernanda Moreira/Cimi


    Por Fernanda Moreira, Cimi Regional Norte II – De Nova York (EUA)

    Em mais uma incidência internacional para denunciar violações de direitos cometidas pelo governo brasileiro, povos indígenas participam do Fórum Permanente de Assuntos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU). O encontro teve início no dia 22, em Nova York (EUA), e segue até o dia 1º de maio. Os povos Munduruku e Yanomami fazem parte da delegação da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) do Brasil.

    A delegação da Repam, composta ainda por organizações e povos indígenas de países da Amazônia latino-americana, chegou ao Fórum com o objetivo de "Amazonizar o mundo" e logo cuidou de marcar presença na abertura do encontro, que ocorreu nesta terça-feira, 24. Para Juarez Saw Munduruku foi "muito importante um parente indígena falar em sua língua e trazer a espiritualidade de seu povo" na abertura do Fórum, onde estavam representantes de governos de todo o mundo que vêm destruindo lugares sagrados de vários povos indígenas.

    Para a liderança Yanomami Armindo Góes, chamou a atenção a fala de Lakshmi Puri, membro da Direção Executiva da ONU Mulheres, por lembrar que pensar direitos indígenas exige pensar o direito e a participação das mulheres, já que para os Yanomami "não há divisão ou exclusão de qualquer pessoa. Todos são importantes para a comunidade, como as mulheres mais velhas – sábias muito respeitadas e ouvidas", conforme Góes.

    Na terça-feira, dia 25, as lideranças encontraram-se com indígenas norte-americanos e com representantes do Comitê das ONGs para os povos indígenas das Nações Unidas e partilharam experiências, espiritualidades e perspectivas de lutas. Esteve presente Chase Iron Eyes, importante liderança de Standing Rock, Lakota, que se emocionou com a força dos cantos das lideranças Sul-americanas que abriram o evento.

    "Enquanto vocês cantavam, eu ouvia pássaros por todos os cantos dessa sala. Nós temos a mesma cosmovisão, a mesma conexão com as estrelas, com os lugares sagrados e nós consideramos a água o sangue de nossos espíritos ancestrais. É por isso que colocamos nossa vida em risco para proteger nossos rios", disse Eyes. Os indígenas de Standing Rock lutam contra a construção de um grande empreendimento dentro do território do povo.

    Estiveram presentes diversas lideranças dos Estados Unidos e do Canadá e, assim como os indígenas do Peru e Brasil, reforçaram o imperativo de estabelecerem alianças entre os povos e de conectarem-se para gritar com uma só voz contra a destruição de seus territórios, de suas vidas e de todo o planeta.

    Depois de contar sobre os planos do governo brasileiro para construir 43 hidrelétricas na Bacia do Tapajós, e a violência inerente a estes projetos, militarizando o território Munduruku, cacique Juarez Saw conclui sua fala chamando os indígenas presentes para "lutarem juntos". "Nós viemos aqui para ouvir os parentes dos EUA e para que eles abracem nossa causa também e assim fazermos da luta uma só".

    Muitos dos presentes concordaram e aclamaram a fala de Armindo Góes Yanomami, que confronta a identificação de mudanças climáticas por parte da ciência dos brancos e o que os Yanomami sabem ser a reação da Terra: "É a Terra que está sentindo dor e que está reagindo, não são mudanças climáticas, é a reação da natureza que está querendo se defender".

    Na sexta-feira, dia 28, os representantes Munduruku e Yanomami terão um encontro com a Relatora Especial das Nações Unidas (ONU) para os Direitos dos Povos Indígena, Victoria Tauli-Corpuz. Durante o ano passado, no mês de março, a Relatora esteve no Brasil, onde visitou aldeias no Mato Grosso do Sul, Bahia e Pará. Em setembro, publicou um relatório com recomendações ao governo brasileiro. No mesmo período, recomendou o protocolo de consulta feito pelo povo Munduruku aos demais povos com territórios na rota de grandes empreendimentos.

    Os Munduruku levaram à ONU e entregarão à Victoria uma carta redigida pelo povo por intermédio da Associação Indígena Pariri e do Movimento Ipereg Ayu.

    Leia a carta na íntegra:




    Carta do povo Munduruku

    Nós, o povo Munduruku, queremos fazer chegar até vocês, das terras distantes, o nosso pensamento e nossas palavras. E fazer ecoar o grito de socorro (Odaxijom!) da floresta, nossa mãe, e de todos os povos indígenas que vivem no Brasil.

    Evocamos nosso deus Karosakaybu, Karodaybi, nosso guerreiro maior,  a força dos nossos guerreiros, guerreiras, pajés, cantores, cantoras, caciques, cacicas e dos mais de treze mil de nós que desenham as linhas da Mundurukânia. Essa é a terra de onde viemos e a que pertencemos – todo o rio Tapajós, o nosso Idixidi, que corre ameaçado junto às águas do Jamanxim, Teles Pires e Juruena.

    Somos lideranças homens e mulheres, guerreiros e guerreiras.

    Nós, mulheres Munduruku, estamos nos fortalecendo a cada dia.

    Onde o governo planta as sementes da destruição, nós mulheres geramos e cultivamos a vida. Nós somos as guardiãs de nosso território e sustentamos nossa luta.

    Realizamos grandes reuniões onde nossas cacicas, parteiras, professoras e outras mulheres discutem, ao lado dos homens, nossos planos de vida.

    Para sermos ouvidos, nós, homens e mulheres, sempre saímos de nossas aldeias e viajamos longos dias e horas. Já estivemos em muitas cidades e muitos países. Quando viajamos, deixamos nossas roças, nosso peixe, nosso povo, para mostrar para o governo brasileiro e para o mundo todo que nós somos os resistentes.

    Nesse fim de abril, estamos indo a Brasília, no Acampamento Terra Livre, onde estarão muitos povos indígenas. Dois grandes caciques estão indo para Nova Iorque, no fórum da ONU, para reunir com outros parentes dos vários continentes, ouvir eles e mostrar o que se passa aqui.

    Agora também mandamos nossa mensagem para esse jornal.

    Vemos uma grande fumaça de Djurupari (espírito ruim) que chega às nossas terras e vai acabar com tudo e também com os pariwat (brancos) que a estão provocando.

    Acordamos todos os dias com novos alertas de morte. Todos os dias nascem nossas crianças e não sabemos onde e como vão viver, porque já não cabem nos mapas que os governos e os donos do dinheiro querem desenhar e nem mais nas leis que querem reescrever.

    Enquanto dormimos, prepara novas leis para paralisar de vez a demarcação de terras indígenas e reduz áreas protegidas, entregando tudo na mão dos empresários e dos saqueadores – garimpeiros, madeireiros, palmiteiros, grileiros – que nos intimidam e ameaçam dentro de nossas próprias casas. Ao mesmo tempo, o governo ataca também os nossos parceiros que nos ajudam a lutar pelos nossos direitos.

    O governo Brasileiro está desmontando de vez a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena). Corta os recursos, demite funcionários e ainda nomeia para FUNAI um presidente que quer converter nossas terras em fontes de dinheiro, plantação grãos, criação de gado, tirando madeira e minério. Ainda coloca no Ministério da Justiça, que decide sobre as demarcações de terras indígenas, um político ligado aos ruralistas, que faz lei contra nós e diz que “terra não enche barriga”.

    Esse governo, que deveria proteger nossas terras e nossa vida para construir outro futuro, diz que Sawre Muybu não é terra tradicional do povo Munduruku. Isso coloca em risco a nossa vida, os nossos antepassados, os nossos lugares sagrados, as nossas aldeias e a nossa alimentação.

    Os pariwat querem apagar a nossa história, que é muito mais antiga que a história dos brancos aqui. Ele nega que fomos nós que construímos a floresta e não entende que fomos nós que fizemos a terra preta (katõ).

    As cachoeiras do rio Tapajós nos protegeram dos pariwat por muito tempo. Mas o governo brasileiro quer construir mais 40 hidrelétricas na bacia do Tapajós, uma hidrovia e outros grandes projetos. Isso vai destruir as cachoeiras.

    Elas são também as nossas bibliotecas, guardam a nossa história. Se construírem as hidrelétricas de São Luiz, Jatobá e Chacorão, as cachoeiras, ilhas e pedrais não vão mais existir e não teremos mais memória e nem proteção.

    Esse desastre já aconteceu uma vez em Teles Pires, onde o governo e as empresas explodiram a nossa cachoeira, Sete Quedas. Isso deixou os espíritos de nossos mortos sem rumo, matou a mãe dos peixes e provocou muitos acidentes e doenças entre nós. O que vocês diriam se explodíssemos os seus cemitérios, o Vaticano ou Jerusalém?

    O governo e as empresas dizem que essas hidrelétricas são energia limpa. Mas limpa elas nunca serão, porque só podem ser construídas se forem misturadas com o sangue do povo Munduruku e de nossos vizinhos e amigos ribeirinhos.   

    Sabemos também que sob nossos pés há grande riqueza para o pariwat: ouro, minerais e diamantes – estes, especialmente, levam o sofrimento do nosso povo para terras distantes. Empresas australianas e brasileiras, como Vale S/A, farão qualquer coisa para extrair esses minerais de nossas terras. Eles só pensam em seus lucros e contam com políticos que estão prestes a aprovar uma lei para autorizar a mineração em Terras Indígenas.

    A extração de diamantes em Sawre Muybu já está ameaçando outro dos nossos mais importantes locais sagrados, Os Fechos (Dajekapap). Esse lugar não deveria ser frequentado. Ele conta sobre nossa origem e guarda a pegada do nosso deus Karosakaybu.

    Os projetos de extração de madeira estão acontecendo e estão destruindo os lugares que os pariwat chamam de Florestas Nacionais, mas que são as nossas terras, onde nós já vivíamos muito antes de inventarem essas Florestas Nacionais. Estão cheios das nossas agũkabuk, as aldeias abandonadas que são os sítios arqueológicos. Foi por isso que nossos guerreiros do Médio Tapajós, junto com os ribeirinhos, impediram o governo de fazer audiência pública para discutir essa exploração que não aceitamos, no início do mês de abril.   

    Temos o nosso governo, a nossa forma de ensinar e aprender e, principalmente, de cuidar da floresta. Fazemos isso tudo há mais de 500 anos. Mas temos que lembrar os brancos sobre as leis deles também. Existe um capítulo para os povos indígenas na Constituição Federal de 1988, o Brasil assinou a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU para o Direito dos Povos Indígenas.

    Essas são somente palavras mortas?

    Nós queremos que essas leis sejam cumpridas. Nunca fomos consultados sobre as hidrelétricas que o governo brasileiro construiu e está construindo no rio Teles Pires com ajuda de empresa chinesa. Nunca nos perguntaram sobre os portos que Cargill, Bunge e outras empresas levantaram bem em frente às nossas aldeias, que vêm acabando com nosso sossego, empurrando nosso peixe para longe e servindo para exportar a soja que devasta o Mato Grosso e seus povos indígenas e comunidades tradicionais.

    Tivemos que fazer a autodemarcação do nosso território quando cansamos de esperar o governo cumprir com seu dever. Temos também o nosso Protocolo de Consulta, para explicar para os brancos como conversar com os Munduruku com respeito. Exigimos que isso seja cumprido.

    Contamos com o apoio de pessoas e entidades que constroem dia a dia outros mundos possíveis.

    Clamamos à sociedade civil internacional que deixe de consumir produtos agropecuários, madeira, diamante, ouro e tudo que vem do Brasil e derrama sangue indígena, saqueia nossas terras e viola os nossos direitos. Que a China, os países da Europa, a Austrália, o Canadá e outros países não coloquem mais seu dinheiro e suas máquinas para ajudar o governo brasileiro e as empresas do Brasil a triturarem nossos corpos, espíritos e todas as formas de vida que existem na Amazônia.

    Denunciamos o governo brasileiro, que é um governo da morte.

    Mesmo com todo o esforço para nos exterminar, nós, povos indígenas, estamos mais fortes e seguimos juntos nossos diversos caminhos.

    Desviamos do único caminho para que tentam nos empurrar os colonizadores desde que invadiram nossas terras. Estamos aqui para dizer que não deixaremos que acabem com as nossas vidas e que nos matem também por dentro.

    Nós somos o povo Munduruku. Estamos prontos para impedir que o governo acabe com nosso pen okabapap iat (nosso modo de ser, nosso corpo, nosso estômago). Nós somos conhecidos e temidos como cortadores de cabeça.

    O sangue dos nossos antepassados corre em nossas veias. Em sua memória e por nossos filhos NÃO ADMITIREMOS QUE OS PARIWAT CONTINUEM EXTERMINANDO INDÍGENAS. NÃO SEREMOS CALADOS E ATROPELADOS DIANTE DE TANTA VIOLAÇÃO DE NOSSOS DIREITOS!

    Há muitas gerações nos preparamos para defender nossas terras e nosso povo e declaramos de novo: RESISTIREMOS ATÉ O ÚLTIMO MUNDURUKU!

    Desde o rio Tapajós, Pará, Amazônia.

    Sawe,

    Associação Indígena Pariri

    Movimento Ipereg Ayu

    http://www.aipariri.org/

    aiparirip@gmail.com

    iperegayu@gmail.com

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  • 26/04/2017

    Mulheres Indígenas: a força do 14º Acampamento Terra Livre

    Quem viu a multidão indígena tomar a Esplanada dos Ministérios, na tarde de ontem (25/4), talvez não tenha notado que quatro mulheres estavam à frente da marcha: Sonia Guajajara, Nara Baré, Angela Katxuyana e Pui Tembé.

    Esta cena é apenas um reflexo da importância da luta das mulheres indígenas neste 14º Acampamento Terra Livre: estima-se que pelo menos mil mulheres estejam na mobilização. Elas se reuniram em uma grande plenária na noite desta terça-feira, para discutir a saúde da mulher indígena e a articulação nacional da luta das mulheres indígenas.


    Plenária discutiu saúde indígena e conferência de mulheres indígenas. Mídia Ninja / MNI

    A primeira pauta da plenária foi a proposta para 1ª Conferência Livre da Saúde das Mulheres Indígenas, antes da 2ª Conferência Nacional de Saúde, em outubro. A proposta foi preparada por 36 mulheres de todos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), está sendo discutida e será levada para as aldeias pelas participantes deste ATL.

    “A saúde da mulher indígena tem deixado muito a desejar”, sintetizou Letícia Yawanawa, do Acre, pontuando problemas de saúde específicos das mulheres e lembrando da importância das parteiras indígenas e suas plantas medicinais. Dorinha Pankará (PE) reforçou a mensagem: “Mulher tem que ficar onde ela quiser; não é só ficar fazendo comida. Queremos discutir políticas públicas voltadas para as mulheres!”.


    Presença de mulheres no ATL é marcante. Foto: Mídia Ninja / MNI

    Tsitsina Xavante (MT) fechou a plenária convocando as mulheres e homens presentes para uma homenagem: “Não tem como falar sobre mulheres e sobre Acampamento Terra Livre, sem falar de Rosane Kaingang”. Nos últimos quatorze anos, Rosane foi uma das grandes apoiadoras das delegações indígenas nos acampamentos em Brasília, garantindo que todos tivessem seu momento de incidência política. Este é o primeiro ATL desde seu falecimento, no ano passado.

    Elas dançaram para lembrar Rosane, ao som das mulheres xinguanas, que entoaram cantos do ritual Yamiricumã, passado de mãe para filhas no Território Indígena do Xingu (MT). “Essa música é de irmã; estamos oferecendo pra essa grande guerreira”, contou uma guerreira.

    Também foi apresentada na plenária a proposta de organização de uma assembleia nacional das mulheres indígenas, para dezembro deste ano.


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  • 26/04/2017

    “Nossos direitos originários são imprescritíveis, por isso o marco temporal é inconstitucional”

    A oficina “Diálogos entre o Direito Constitucional, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Antropologia” aconteceu, ontem (24/4), no auditório da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Com a participação do Ministério Público Federal (MPF), lideranças indígenas, pesquisadores e entidades da sociedade civil, a atividade integra o seminário “Povos indígenas e os direitos originários”, proposta pelo MPF com apoio dada Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Instituto Socioambiental (ISA) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).


    Evento debateu ameaças aos direitos indígenas no Judiciário. Foto: MNI

    Uma das pautas em discussão foi o “marco temporal”, uma das principais ameaças aos direitos constitucionais indígenas. Esta tese jurídica propõe uma interpretação restritiva dos direitos indígenas, ao definir que só poderiam ser consideradas terras tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos indígenas na data de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

    “Nós estamos defendendo direitos que foram consagrados com o custo de vidas”, afirma Joênia Wapichana, advogada indígena que integrou uma das mesas do seminário. “Nossos direitos originários são imprescritíveis, por isso o marco temporal é inconstitucional”, alertou.

    Bandeira de grupos anti-indígenas, como a bancada ruralista, o marco temporal vem sendo utilizado como instrumento para anular a demarcação de Terras Indígenas no Poder Judiciário, especialmente a partir de decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Diversos juristas e o próprio MPF vêm se manifestando seguidamente pela inconstitucionalidade do marco temporal.

    A tese do “marco temporal” foi utilizada no processo que decidiu a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), em 2009. Depois disso, foi utilizada pela Segunda Turma do STF para anular a demarcação das Terras Indígenas (Tis) Guyraroka, do povo Guarani e Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena, ambas no Mato Grosso do Sul.

    “Em nenhum desses processos houve a presença das comunidades indígenas. Claramente se diz que eles não têm possibilidade de agir por si sós, estão representados pela Funai, o que mostra o quanto há de desconhecimento ou de intencionalidade da recusa dos direitos que vêm com a Constituição de 1988”, criticou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat.

    O “marco temporal” também foi incorporado ao relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, aprovado na Comissão Especial da Câmara, outra das principais ameaças aos direitos indígenas no Poder Legislativo. O relator da proposta foi o então deputado e agora ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR).

    Um dos principais problemas da tese é que ela desconsidera todas as expulsões e retiradas forçadas sofridas pelos povos indígenas antes e durante a Ditadura Militar e ignora o fato de que, até então, os indígenas não tinham sequer sua autonomia reconhecida pelo Estado brasileiro. O marco temporal considera que poderiam ser demarcadas terras que não estivessem sob posse dos indígenas em outubro de 1988, mas que estivessem sob disputa – física ou judicial – naquela data. A tese desconsidera que, antes da Constituição de 1988, os indígenas eram “tutelados”, o que significava, entre outras coisas, que dependiam da ação do Estado para exigir seus direitos perante à Justiça.

    O risco representado pelo marco temporal é agravado pelo fato de que, até a década de 1980, muitas comunidades tinham sua identidade negada pelo Estado brasileiro, de modo que não haveria como comprovar sua posse nas áreas em questão.

    “O direito dos indígenas às suas terras não pode se perder se o Estado não teve aptidão ou não soube defender esse direito indígena por todos os seus meios e modos”, criticou Deborah Duprat. “O marco de 1988 é algo que não existe no texto constitucional e não se pode inferir do texto sequer por interpretação, porque nós estamos diante de uma constituição que amplia direitos e não podemos retroceder”, concluiu.

    “Precisamos dizer que é absolutamente incoerente, absolutamente incompatível com a ideia de reconhecer como originários os direitos dizer que eles desapareceram em 5 de outubro de 1988 se não estivessem os índios ali”, afirmou o subprocurador-geral da República e coordenador da Sexta Câmara do MPF, Luciano Maia.


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  • 26/04/2017

    Seminário em Bruxelas debate Violação de Direitos Humanos dos Povos Indígenas do Brasil


    Delegação brasileira com apoiadores internacionais para o Debate Bilateral com a União Europeia. Foto: Divulgação/Fian


    O “Seminário da Sociedade Civil União Europeia-Brasil em Direitos Humanos”, que acontece na cidade de Bruxelas, Bélgica, neste dia 26 de abril, reunirá representantes de organizações brasileiras e europeias para um diálogo sobre a situação vivida pelos povos indígenas, população privada de liberdade, migração e discriminação Racial e intolerância religiosa.

    O evento é preparatório ao Diálogo oficial entre a União Europeia e o Brasil sobre direitos humanos, que ocorre no dia 27 de abril, também em Bruxelas. Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, que representa a entidade no Seminário, “trata-se de uma importante oportunidade de fortalecer o engajamento e a articulação da sociedade civil brasileira e europeia a fim de que os direitos humanos sejam melhor protegidos e promovidos em ambas realidades geográficas”.


    As conclusões do Seminário da sociedade civil serão levadas e consideradas como parte do Diálogo Bilateral, que contará com a participação do corpo diplomático da União Europeia, representada pela Comissão Europeia, e do Brasil, representado pelo Ministério das Relações Exteriores.

    Em sua 6ª. Rodada, pela primeira vez o tema “Povos Indígenas” entrou na pauta do Diálogo Oficial bilateral EU-Brasil sobre direitos humanos.  A visibilidade internacional relativa à situação caótica enfrentada pelos povos indígenas no Brasil certamente contribuiu para a inclusão do tema na pauta do Diálogo bilateral neste ano de 2017. “Os povos indígenas, seus direitos e aliados estão sob violento e sistemático ataque por parte de setores político-econômicos vinculados ao agronegócio no Brasil. O agronegócio produz commodities e a União Europeia importa parte dessa produção", denuncia Buzatto.


    Para o missionário indigenista, "é importante que a sociedade civil e a Comissão Europeia estejam cientes das violações de direitos humanos dos povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais e camponeses decorrentes da produção dessas commodities no Brasil e como sua importação e consumo, pelos Europeus, pode estar contribuindo nesse processo”.

    Na ocasião, serão apresentados casos concretos de violações de direitos humanos de povos indígenas no Brasil, a exemplo do que ocorre com os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. O massacre de camponeses em Colniza, no Mato Grosso, ocorrido no último 19 de abril, também será retratado no Seminário. Por fim, serão aportadas recomendações a serem adotadas pela União Europeia e seus Estados Membro e pelo Estado brasileiro.


    Do Brasil, além do Cimi, participam, dentre outros, representantes da Associação Nacional de Organizações Não Governamentais (Abong), Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Movimento Nacional de População de Rua e FASE. Da Europa, dentre outros, participam representantes da Anistia Internacional, FIAN Internacional, AVSI Fundation e Povo Saami.

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  • 25/04/2017

    “Estavam atirando em nós como se fôssemos criminosos”

    Na tarde desta terça-feira (25), mais de três mil indígenas que participam do 14º Acampamento Terra Livre tomaram as ruas da Esplanada dos Ministérios, em Brasília.Depois de realizar uma espécie de grande marcha fúnebre, eles acabaram sendo reprimidos ao tentar depositar quase 200 caixões no espelho de água do Congresso. Os policiais utilizaram gás lacrimogênio e spray de pimenta contra os manifestantes. Havia mulheres, crianças e idosos no ato.

    “Essa marcha simboliza o genocídio que o governo, junto ao parlamento e a Justiça, estão fazendo com os direitos dos povos indígenas. Queremos mostrar para o Brasil e o mundo o quanto a legislação indigenista brasileira está sendo atacada”, diz Kleber Karipuna, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).


    Manifestante protege-se de ataque da polícia. Foto: Mídia Ninja / MNI

    “A nossa principal pauta é pela demarcação das Terras Indígenas. É a primeira vez que se reúnem mais de três mil indígenas em Brasília nos últimos anos”, comenta Eunice Kerexu Guarani Mbya, da TI Morro dos Cavalos.

    Saindo do acampamento, ao lado do Teatro Nacional Cláudio Santoro, a manifestação caminhou tranquilamente durante cerca de 40 minutos, quando chegou ao Congresso. A ação pacífica foi dispersada pelas polícias militar e legislativa.


    Protesto foi pacífico até intervenção da polícia. Mídia Ninja / MNI

    Angela Katxuyana, liderança indígena do norte do Pará, repudia a ação da polícia: “Cada dia a gente vem sofrendo, vem sendo massacrado, e quando a gente vem dialogar com o Estado, acontece isso. A violência contra os povos indígenas continua tanto no papel quanto aqui”, diz.

    José Uirakitã, do povo Tingui Botó (AL), testemunhou a repressão, que se seguiu por mais de 1h, coletou artefatos utilizados pela polícia: “Eles estavam atirando como se fossemos criminosos”, revela.

    De Pernambuco, Cida Atikum, uma das quase mil mulheres que participavam da ação, também se indignou: “Nós queremos o que é nosso por direito. Por isso que nós vamos mostrar que ‘pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro!”

    Cartucho de bomba de gás recolhido. Foto: Rafael Nakamura / MNI

    Após a primeira dispersão, os indígenas tentaram continuar em frente ao Congresso, porém foram atacados seguidamente por novas levas de bombas de gás lacrimogêneo. Com a suspeita de que algum indígena pudesse ter sido detido, diversos manifestantes permaneceram no local com seus cantos e rezas. Ao fim do ato nenhum indígena foi preso.

    Deputados da bancada do PT e do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) reuniram-se com os indígenas para manifestar sua solidariedade ao ato. Na tarde de amanhã, uma delegação de indígenas será recebida em uma sessão especial da Comissão Especial de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.


    Manifestante recolhe cápsulas de borracha atiradas pela polícia. Mídia Ninja / MNI


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  • 25/04/2017

    Protesto pacífico de indígenas é atacado pela polícia na frente do Congresso Nacional


    Crédito das fotos: Mídia Ninja/Mobilização Nacional Indígena

    Um protesto pacífico de mais de três mil indígenas foi atacado com bombas de efeito moral e gás pela policia na frente do Congresso, na tarde de hoje (25/4). Os manifestantes foram dispersados após tentarem deixar quase 200 caixões no espelho de água do Congresso. Vários manifestantes passaram mal por causa do gás. No protesto, havia centenas de crianças, idosos e mulheres.

    Um gigantesco cortejo fúnebre tomou conta da Esplanada dos Ministérios por volta das 15h. Os manifestantes saíram do acampamento onde estão, ao lado do Teatro de Nacional de Brasília, levando os caixões e um banner com a expressão “Demarcação Já”. Eles seguiram tranquilamente até o Congresso.

    Os caixões representavam líderes indígenas assassinados por causa dos conflitos de terra em todo país – 54 indígenas foram assassinados em todo o país por causa de conflitos de Terra, só em 2015, segundo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

    “São nossos parentes assassinados pelas políticas retrógradas de parlamentares que não respeitam a Constituição Federal”, explica a liderança Sônia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

    Até o fechamento desta notícia, os manifestantes seguiam cantando e dançando em frente ao Congresso. Eles prometem permanecer até um pouco mais tarde no local.

    Os indígenas participam da 14ª edição do Acampamento Terra Livre, a maior mobilização indígena dos últimos anos. O evento vai até esta sexta (28/4) e protesta contra a paralisação das demarcações de Terras Indígenas, a nomeação do deputado ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR) com ministro da Justiça, o enfraquecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e as várias propostas em tramitação no Congresso contra os direitos indígenas.

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  • 25/04/2017

    NOTA PÚBLICA PASTORAIS DO CAMPO – Omissão e impunidade geram mais um massacre

    As Pastorais do Campo do Brasil divulgam Nota Pública sobre o Massacre de Colniza em que destacam que "o assassinato destes companheiros não significa simplesmente uma violência contra cada um deles, mas também contra suas famílias, contra a comunidade de Taquaruçu e contra toda a humanidade. Um ataque direto à luta pela terra, pelos territórios, pela água, pelo trabalho, à luta por todos os direitos e pela dignidade das comunidades e dos povos do campo". A foto reproduz trecho do vídeo feito pelo Centro Popular de Audiovisual. Assista aqui.


    “Mas você não tem olhos nem coração,

    a não ser para seu lucro,

    para derramar sangue inocente

    e para praticar a opressão e a violência”.

    (Jr 22, 16-17)

    As Pastorais do Campo receberam com muita tristeza e indignação a notícia do massacre de 09 camponeses – número confirmado até o momento – na linha 15 da Gleba Taquaruçu do Norte, localizada na área rural do município de Colniza (1.065 quilômetros de Cuiabá), região noroeste do Mato Grosso, ocorrido no último dia 19 de abril, justamente na semana em que se completam 21 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, que vitimou 19 pessoas e continua impune.

    Por meio desta, solidarizamo-nos com as famílias das vítimas: Aldo Aparecido Carlini, Edison Alves Antunes, Ezequias Santos de Oliveira, Fábio Rodrigues dos Santos, Francisco Chaves da Silva, Izau Brito dos Santos, Samuel Antônio da Cunha, Sebastião Ferreira de Souza e Valmir Rangeu do Nascimento, todos trabalhadores rurais.

    Este massacre é mais um capítulo de uma longa história que se iniciou em 2004, quando 185 famílias de agricultores foram expulsas de suas posses por pretensos proprietários. Mesmo o juiz tendo concedido reintegração de posse às famílias, os conflitos continuaram. Em 2007, uma dezena de agricultores foi vítima de torturas e de cárcere privado, e meses depois três foram assassinados. Os suspeitos pelas violências eram fazendeiros em associação com uma organização de extração ilegal de madeira. O local da chacina fica em uma área de interesse para madeireiros e mineradoras. Mesmo depois da intervenção da polícia e prisão de algumas pessoas, os conflitos não cessaram. Em 2011, mais de 700 pessoas ainda estavam acampadas na entrada da Fazenda Estrela, aguardando para retornarem à sua terra. E agora este bárbaro desfecho que repudiamos com veemência.

    A chacina se deu com requintes de crueldade inimagináveis. Todos os corpos apresentavam sinais de tortura. O assassinato destes companheiros não significa simplesmente uma violência contra cada um deles, mas também contra suas famílias, contra a comunidade de Taquaruçu e contra toda a humanidade. Um ataque direto à luta pela terra, pelos territórios, pela água, pelo trabalho, à luta por todos os direitos e pela dignidade das comunidades e dos povos do campo.

    No último dia 17 de abril, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou, em Brasília, sua publicação anual Conflitos no Campo Brasil 2016, que denuncia o aumento alarmante destes conflitos, com um número absurdo de 61 assassinatos em 2016 – o maior número registrado desde 2003, 11 a mais que em 2015. O ano de 2017 já começou violento, com 20 assassinatos em três meses e meio.

    Este massacre não é um fato isolado. Acontece numa região de fronteira agrícola e de muitos conflitos, com outras áreas em tensão. Em 2014, o casal de agricultores José Paulino de Castro e Ireni da Silva Castro foi assassinado na região de Guariba, Colniza, por conta das denúncias que fizeram contra a extração ilegal de madeira e vários outros crimes. A região tem infraestrutura muito precária, de difícil acesso, as pessoas vivem inseguras, estão sofrendo novas ameaças e por isso abandonando sua área.

    Este massacre acontece também num momento difícil para o Brasil, com ataques cotidianos aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, em específico os do campo, perpetrados pelo Executivo e Legislativo, com um Judiciário omisso e, em muitas situações, conivente com latifundiários, empresários e grandes corporações, que estão invadindo territórios de povos do campo, assassinando pessoas e aterrorizando comunidades.

    Se fosse somente uma pessoa assassinada já seria um absurdo, um fato inaceitável. Quanto mais 09 camponeses que estão lutando por um direito sagrado e constitucional do acesso à terra, essencial à sua vida. Não é possível ficarmos calados diante desses ataques frontais à pessoa humana e seus direitos, que atingem a todos e todas nós.

    Convocamos a todas as pessoas, organizações nacionais e internacionais, a denunciar esse crime hediondo, para que a Justiça seja feita, neste país da impunidade. E exigimos que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário cumpram a sua obrigação de garantir os direitos dos cidadãos e cidadãs do campo, pois sua simples omissão permite o avanço da violência. Exigimos também que os responsáveis por este massacre sejam identificados e punidos exemplarmente. Estamos alertas para que outras versões do crime não venham  descaracterizar o ocorrido, inclusive e, sobretudo, quanto à responsabilidade do Estado pela omissão frente aos conflitos na região.

    Reafirmamos nosso compromisso irrenunciável de estar ao lado dos que sofrem violência e rogamos ao Deus da Vida que conceda força às famílias de Taquaruçu do Norte e coragem a todas as pessoas que lutam pelos seus direitos.

    Comissão Pastoral da Terra (CPT)

    Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)

    Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

    Serviço Pastoral do Migrante (SPM)

    Cáritas Brasileira

    Goiânia / Brasília, 25 de abril de 2017.

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  • 25/04/2017

    Debates movimentam o segundo dia do ATL/2017 antes de marcha pela Esplanada dos Ministérios

    O dia amanheceu movimentado no 14º Acampamento Terra Livre, em Brasília. Logo cedo, ocorreram apresentações de danças e cantos tradicionais dos mais de cem povos acampados ao lado do Teatro Nacional Claudio Santoro.

    Ontem (24), o presidente da Funai publicou o relatório de identificação e delimitação de uma Terra Indígena do povo Guarani no Rio de Janeiro e, hoje, foram publicadas outras quatro, três no Vale do Ribeira (SP), do povo Guarani Mbya, e uma do povo Pipipã, no Vale do São Francisco (PE).

    À tarde, os participantes do Acampamento Terra Livre seguem em marcha rumo ao Congresso Nacional como parte da programação que acontece em Brasília até sexta-feira (28).


    Líderes indígenas na plenária da manhã de hoje no ATL. Foto: Mídia Ninja / MNI

    Delegações estrangeiras

    Delegações de povos indígenas da Indonésia, Guatemala, Equador e Bolívia também estiveram na tenda principal para se unir ao coro e demonstrar solidariedade. “Lutamos pelos direitos dos povos indígenas. Estou muito feliz em conhecer tantos povos diferentes no Brasil”, diz Devi Aggraini, da Organização das Mulheres Indígenas da Indonésia.

    Por volta das 10h30, foram iniciados os debates com mesas temáticas que discutiram as ameaças aos direitos indígenas nos três poderes do Estado.

    A primeira reuniu lideranças indígenas das diversas regiões do Brasil.  “Vamos escrever uma carta e entregar pessoalmente para os chefes de Estado para ver se, dessa vez, vão nos ouvir”, disse Raoni Kayapó.

    Um ponto comum nas falas de várias lideranças foi a falta de representatividade dos povos indígenas na política institucional. “O retrocesso está aí porque temos uma bancada ruralista. Cadê a bancada indígena?”, questiona Telma Marques Taurepang.


    Acampamento Terra Livre ao lado do Teatro Nacional, em Brasília. Foto: Mídia Ninja / MNI

    “Precisamos eleger nossos indígenas no Congresso Nacional. Não temos nenhum político que nos represente e que fale por nós”, diz Almerinda Tariana, da região do Alto Rio Negro (AM).

    Na visão dos debatedores, os atuais representantes nos três poderes personificam as principais ameaças sofridas pelos povos indígenas em seus territórios.

    “Cada dia estamos sendo mais encurralados por este governo”, diz Antônio da Silva Awá, da aldeia Renascer em Ubatuba, litoral de São Paulo.

    “Os deputados, senadores, governadores não nos conhecem. Eles dizem que não trabalhamos, mas só ficam dentro de uma sala escrevendo no papel leis para nos prejudicar”, completa Kuiussi Kisedje, liderança do Território Indígena do Xingu.

    “Nossas vozes indígenas, que são de muitas línguas, não podem ser ignoradas”, comenta Alvaro Tukano.

    Ataques nos três poderes

    Ao meio dia, na segunda mesa temática, participaram membros das organizações de apoio ao ATL, que falaram principalmente sobre o papel do judiciário e do legislativo nos recentes ataques aos direitos dos povos indígenas.

    “Quando o poder judiciário impõe o marco temporal de 1988 ele muda a constituição sem consultar os povos indígenas”, diz Valéria Buriti.

    Adelar Cupsinski, assessor jurídico do Conselho indigenista Missionário, avaliou que o Estado que sistematicamente ignora as constantes denúncias feitas sobre a situação povos indígenas no Brasil. “Levar a questão indígena para os organismos internacionais é uma estratégia importante no momento político que o Brasil está passando”, disse.

    Sonia Guajajara, da coordenadora da Apib, finalizou os debates fazendo um chamado à mobilização: “Estamos aqui para dizer ao Estado brasileiro que não vamos permitir o desmonte de nossos direitos. Estamos aqui para dizer que existimos”.


    Participantes do acampamento almoçam. Foto: Mídia Ninja / MNI


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  • 25/04/2017

    Relatórios lançados no ATL escancaram violação de direitos indígenas

    Na noite de ontem (24/4), a plenária de abertura do 14º Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena dos últimos anos, foi o espaço para o lançamento de um conjunto de documentos sobre a situação dos direitos indígenas no País.

    A Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma de Direitos Humanos (Dhesca Brasil) reuniu em um só documento três relatórios: o Relatório da Missão ao Brasil da Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos dos povos indígenas, o Relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) sobre a situação dos povos indígenas no sul do Brasil e o Relatório da Coalizão de defesa dos Direitos Indígenas para a Revisão Periódica Universal (RPU/ONU).

    “Apesar de termos uma constituição protetiva, ela está sob ataque, tanto do Legislativo, como do Executivo e do próprio Judiciário. Esse ataque se materializa na paralisação de demarcação de terras indígenas, na impunidade com relação aos crimes e violências de todos os tipos cometidos contra povos e comunidades indígenas e na crescente criminalização das lideranças e comunidades que resistem e lutam por seus direitos”, afirma Érika Yamada, relatora da Plataforma Dhesca. Ela avalia que há um padrão de graves violações de direitos humanos que o Estado brasileiro ainda precisa reconhecer.


    Participantes da plenária de recepção do ATL. Fotos: Mídia Ninja / MNI

    Uma das questões centrais abordadas nos relatórios, todos elaborados com a participação de povos e organizações indígenas, é o forte racismo que persiste contra os indígenas no Brasil.

    “Há um racismo institucional, que impede a garantia do acesso à justiça aos povos indígenas, que faz perdurar processos de demarcação sob crescente insegurança jurídica e que deixa impune aqueles que praticam crimes contra as comunidades. Esse racismo que também está na fala de autoridades públicas, quando dizem que os índios e outros grupos não prestam, que terra não enche barriga de índio, quando dizem que o índio não pode ficar parado no tempo, ou que é inútil e preguiçoso, que não haverá terra demarcada, e claro que compara indígenas ou quilombolas a gado”, avalia a relatora.

    O cenário político do início de 2017 e as ações contrárias aos povos indígenas adotadas pelo governo Temer também são abordadas no documento, como a Portaria 80 do Ministério da Justiça, publicada em janeiro. A norma cria um Grupo Técnico Especial (GTE) na pasta para analisar os relatórios de identificação e delimitação das terras indígenas produzidos pela Fundação Nacional do Índio (Funai). A portaria foi duramente criticada por indígenas e indigenistas por criar, na prática, uma nova instância com a finalidade de dificultar as demarcações de terras.

    Além destes pontos, a publicação analisa ainda a efetivação do direito de Consulta Prévia, Livre e Informada sobre projetos que afetem os povos indígenas, as políticas de saúde, educação e serviços sociais, a atuação da Funai, o acesso dos indígenas à Justiça e o as ameaças representadas por megaprojetos econômicos.

    Segregação dos indígenas no Sul

    “A situação que encontramos nos três estados da região Sul é muito dramática. É uma situação de confinamento, na qual nem sequer os direitos sociais mínimos, como bolsa-família, estão sendo assegurados aos indígenas. Esse confinamento se dá em locais nos quais os indígenas não tem nem sequer espaço para construir casas ou enterrar os mortos”, explica Adelar Cupsinski, assessor jurídico do Cimi e coordenador do grupo de trabalho que elaborou o relatório sobre a Região Sul.

    “Esses relatórios são importantes porque são um momento em que nossa fala é mostrada, o que fortalece nossa luta. A sociedade tenta invisibilizar a nós, indígenas, todo o tempo, especialmente na região Sul, em que todo o tempo os políticos estão falando que não tem indígenas lá”, afirma Kerexu Yxatyry, liderança Guarani Mbya da Terra Indígena (TI) Morro dos Cavalos, uma das abordadas pelo relatório do CNDH.

    Exemplo da situação enfrentada por vários povos indígenas do Brasil, os Guarani Mbya lutam pela demarcação de da TI Morro dos Cavalos há 24 anos. Desde 2008, os indígenas aguardam a homologação da TI, última etapa formal de reconhecimento de uma terra indígena.

    “A não demarcação atrapalha todo o modo de vida Guarani, principalmente na questão do plantio, da caça e do acesso à matéria-prima para fazer nossas casas e artesanatos. De 1988 hectares, ocupamos menos de um quarto da terra indígena, um espaço bem pequeno. A maioria das casas dos indígenas estão concentradas próximas da rodovia BR-101 e as partes melhores ainda estão ocupadas por posseiros”, explica a indígena.

    Recomendações ignoradas e direitos não efetivados

    No relatório divulgado em setembro de 2016 a respeito de sua visita ao Brasil, ocorrida meses antes, a relatora especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, caracterizou a situação dos povos indígenas no Brasil como a mais grave desde a adoção da Constituição Federal de 1988.

    Tauli-Corpuz apresentou uma série de recomendações ao Estado brasileiro para superar a grave situação que a relatora da ONU verificou durante sua passagem pelo Brasil. Um ano depois de sua visita, entretanto, nenhuma das recomendações foi cumprida, conforme denunciaram ao Alto Comissariado da ONU a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e outras 30 organizações no início de abril.

    “O Brasil será sabatinado no dia 5 de maio na ONU. Como agora ele é membro do Conselho de Direitos Humanos, isso deveria forçá-lo a arcar de forma mais firme com esses compromissos. Depois da sabatina, espera-se que o governo faça uma apresentação das recomendações recebidas”, afirma Yamada.

    “Olhando para o cenário político, eu vejo um cenário desesperador. É um trator passando por cima de todo o Brasil, especialmente dos indígenas. Mas, por outro lado, vejo que hoje os indígenas tomaram posse dessa questão da luta pelos direitos, como foi na década dos anos 1980 pela Constituinte. Infelizmente, hoje deveríamos estar usufruindo daquela luta do passado, mas estamos lutando para garantir que permaneçam esses direitos”, conclui Kerexu Yxatyry.


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  • 25/04/2017

    Lideranças indígenas se reúnem com Lula

    Atendendo a convite feito pelo Instituto Lula, lideranças indígenas de diversas regiões do país se reuniram com o ex-presidente Lula, na noite desta segunda-feira (24). Os indígenas falaram sobre demandas que estão sendo discutidas no Acampamento Terra Livre 2017, que vai até esta sexta (28), em Brasília. Foto: Alan Azevedo/MNI

    A conversa aconteceu no Centro Internacional de Convenções do Brasil, em Brasília, durante agenda do ex-presidente no seminário “Estratégias para Economia Brasileira”.

    Sônia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirmou que a demarcação das terras indígenas durante os governos do PT foi insatisfatória, mas avaliou que a situação piorou com o governo Temer.

    “O mais grave agora é que o relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, Osmar Serraglio, foi nomeado ministro da Justiça. Agora não é só mais uma ameaça de retrocesso, mas já é o retrocesso em execução”, afirmou Sônia. A PEC tramita na Câmara e transfere do governo federal para o Congresso a última palavra sobre as demarcações. Se o projeto for aprovado, as demarcações devem ser paralisadas definitivamente.

    O cacique Babau Tupinambá chamou atenção para as poucas demarcações na região nordeste e o aumento da criminalização das lideranças indígenas. Eliseu Lopes, do Conselho Aty Guasu, relatou a situação de luta pela terra vivida pelo povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do sul, onde enfrentam inúmeras violências. O cacique Marcos Xukuru ressaltou que é preciso participação indígena na política.

    Lula fez diversas perguntas às lideranças em relação às suas demandas e participação em programas como Prouni. Destacou a importância de se fazer articulações nos Estados para eleger pessoas alinhadas com os movimentos indígenas no sentido de fortalecer a luta por seus direitos com adesão entre vereadores e deputados.

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