• 03/04/2017

    Governo brasileiro não vê suicídios dos Guarani-Kaiowá como crise, diz jornal canadense


    Epidemia de suicídios não se trata de traço "cultural" do povo. Crédito da foto: Tiago Miotto/Cimi


    O jornal canadense The Globe and Mail divulgou a versão em português de reportagem sobre os suicídios entre os Guarani Kaiowá, 22 vezes maiores que no conjunto da população brasileira: “Os esquecidos: por dentro da crise de suicídios indígenas no Brasil“. A reportagem de Stephanie Nolen, publicada em inglês no dia 17, constatou que o governo brasileiro não vê nisso uma crise – como ocorre no caso canadense.

    Apesar da epidemia, dos enforcamentos seguidos, “os policiais nunca atendem a um chamado da aldeia rapidamente”, diz a reportagem. Com isso as crianças acabam vendo os corpos dos parentes pendurados. A maior parte dos casos ocorre entre adolescentes.

    Segundo a publicação, a situação no Brasil tem muitos paralelos com o fenômeno no Canadá. Mas lá os suicídios indígenas são definidos como “crise”. “O primeiro-ministro, Justin Trudeau, afirmou que adotará medidas urgentes contra o suicídio indígena”, escreve a repórter.  “Seus ministros prometeram uma intervenção em âmbito federal”.

    No Brasil, silêncio. A reportagem informa que, em 2015, o governo federal prometeu reduzir em 10% a taxa de suicídio na região, e anunciou um plano de prevenção para as aldeias mais afetadas. Mas sem informar o orçamento ou mesmo os locais específicos da ação. “A resposta tardia e imprecisa reflete, em parte, o fato de que o país, já atolado em uma turbulência econômica e política, tem cortado recursos e desviado o foco da maioria dos problemas sociais”, diz o The Globe and Mail.

    Segundo a reportagem, menos que uma dúzia de pesquisadores no Brasil estudam as taxas “astronômicas” de suicídio indígenas. Apenas 13 psicólogos atendem os 70 mil indígenas do Mato Grosso do Sul. E o país nem sabe quando o problema começou, porque o governo só coleta dados desde os anos 90. Pior: os números podem ser maiores, pois as mortes de indígenas “quase nunca são submetidas à análise de um legista, ou muitas vezes, simplesmente, não são registradas”.

    “Mais terra para as vacas”

    Este trecho da reportagem descreve a visão que a repórter canadense teve do agronegócio, em contraste com o confinamento dos povos indígenas:


    – No lado brasileiro da fronteira, os Guarani-Kaiowa contam com nove aldeias no sul do Mato Grosso do Sul, estado no coração do lucrativo agronegócio brasileiro. O território, cuja principal vocação é a produção de grãos, é um vasto mar de campos verdes de soja, cana de açúcar e milho que pertencem a algumas poucas empresas gigantes, muitas delas multinacionais. Enquanto o resto do Brasil cambaleia sob o peso de uma economia estagnada, ainda se faz muito dinheiro aqui: a fome do mercado asiático pela soja brasileira e pela carne bovina alimentada com soja não diminuiu. (…) Você pode dirigir durante 15, 20 minutos em linha reta e passar apenas por pastagens de gado Bhraman. Depois de um tempo, você percebe que muito mais terra aqui foi dada às vacas do que aos humanos indígenas.

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  • 03/04/2017

    Centro de pesquisa divulga nota em apoio ao povo Xavante da Terra Indígena Marãiwatsédé



    O Laboratório de Estudos e Pesquisas em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas e Indigenismo (Laepi) divulgou uma nota pública de apoio ao povo Xavante da Terra Indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso, por novos ataques à ocupação tradicional do território.   

    Desta vez, o ataque partiu do ex-secretário Especial de Saúde Indígena (Sesai), Rodrigo Rodrigues, que afirmou em encontro com empresários do setor do agronegócio que Maraiwãtsédé “nunca foi terra indígena”.

    Leia a nota na íntegra:

    Nota de apoio à luta Xavante pela Terra Indígena Marãiwatsédé

    Considerando as recentes declarações do ex-Secretário Especial de Saúde Indígena, Rodrigo Rodrigues, que afirmou em encontro com empresários do setor do agronegócio do Estado de Mato Grosso que Maraiwãtsédé “nunca foi terra indígena”, conforme reportagem (leia aqui), o LAEPI vem prestar o seu apoio aos Xavante de Marãiwatsédé na luta pela plena reocupação de seu território recentemente reconquistado e esclarecer à sociedade fatos relativos à história de violência contra essa comunidade.

    As violências sofridas pela comunidade Xavante de Marãiwatsédé datam da década de 1950, quando este povo teve o seu território invadido pelo grupo que instalou na região a Fazenda Suiá-Missu, culminando com a remoção forçada do grupo em avião da Força Aérea Brasileira (FAB), em 1966, e com a sua quase total aniquilação.

    A Terra Marãiwatsédé já foi declarada de ocupação tradicional do Povo Xavante, por meio da  Portaria nº 363, de 30/09/1993, do Ministério da Justiça.

    Em setembro de 2012, após longa disputa judicial, teve início a desintrusão do território indígena, em um percurso permeado por constantes re-invasões, razão pela qual só foi efetivamente concluída a total retirada dos invasores em meados de 2014.

    A demarcação oficial, no entanto, não reparou e não repara quase meio século de contínua desumanização, desenraizamento e humilhação social que levaram a um quadro de traumas psicossociais coletivos.

    A situação do Povo Xavante de Marãiwatsédé permanece incipiente e sob vigilância, dado que o território entregue à comunidade indígena encontra-se ambientalmente devastado e possui um entorno social no qual imperam a violência, a discriminação e o desrespeito às conquistas já consagradas por esse povo.

    A declaração do ex-secretário Rodrigo Rodrigues, que não é uma voz isolada, expõe os preconceitos e a intencional ignorância de indivíduos e grupos não indígenas sobre a identidade étnica e cultural dos povos indígenas, seus direitos e suas lutas pelo retorno às suas terras e reparação pelas violências protagonizadas pelo Estado Brasileiro ou com a sua conivência e omissão.

    O LAEPI coloca-se como frente de apoio para gerar conhecimento sobre a história, a vida e a luta do povo Xavante de Marãiwatsédé, que por meio de seu porta-voz, Rafael Weree e Ana Paula trouxeram as preocupações, receios e desafios do seu povo na busca de reparação pelas violências sofridas.

    O LAEPI reafirma seu compromisso com a luta dos povos indígenas no Brasil e manifesta profunda preocupação com o atual cenário político de retrocessos em particular na política governamental, atualmente sendo executada por pessoas que como o Senhor Rodrigo Rodrigues demonstra o descaso e o desrespeito pelos povos indígenas e seus direitos constitucionais.

    Brasilia,  03 de abril de 2017  – Abril Indígena


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  • 03/04/2017

    Encontro irá discutir estratégia de defesa integral dos indígenas em situação de isolamento na Amazônia


    Povo em situação de isolamento voluntário no Rio Envira (AC). Gleilson Miranda/Funai

    O Ministério Público Federal em Mato Grosso (MPF/MT) irá participar do Encontro para a construção de uma estratégia de defesa integral dos direitos dos povos indígenas em situação de isolamento na Amazônia. O evento será realizado entre os dias 3 e 5 de abril, das 8h30 às 18h, na Kolping Casa de Eventos e Retiros, localizada em Várzea Grande.

    O objetivo principal do evento é identificar casos de violação de direitos dos povos “isolados” na Pan Amazônia e organizar uma ação na Organização das Nações Unidas (ONU) com a finalidade de ajudar a criar uma jurisprudência que possa favorecer medidas de proteção por parte dos Estados nacionais.

    O encontro é organizado pela Rede Eclesial Pan Amazônica (Repam), com a participação de organismos como o Centro de Antropologia Aplicada da Amazônia Peruana (Caaap), Cáritas Equador, Conselho Indigenista Missionário no Brasil (Cimi), indígenas, além de especialistas, antropólogos e advogados.

    Conforme a programação, no dia 3 (segunda-feira) será realizada uma abordagem sobre a realidade em que se encontram os povos isolados no Equador, Peru, Brasil, Bolívia e Colômbia; no dia 4 (terça-feira), será feito um aprofundamento do tema com os especialistas, entre eles o procurador da República em Mato Grosso e titular do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, Ricardo Pael Ardenghi; e no dia 5 (quarta-feira), serão definidas as estratégias de ação.

    Confira a programação:

    Programação

    Segunda feira 03/abril

    8h – Mística/espiritualidade

    8h30 – Apresentação dos participantes e dos objetivos do encontro e da pauta.

    9hs – Visão geral da realidade Amazônica – Fernando Lopez.

    10h30 – Lanche

    11h – Contexto – Situação dos povos isolados e as políticas atuais dos estados nacionais. Equador, Peru, Brasil, Bolívia e Colômbia – relatos dos participantes dos países.

    12 h – Almoço

    14 h – Reinício – Continuação – Contexto

    15h30 – Lanche

    16h – Continuação – Contexto

    18h – Encerramento

    19h – Jantar

    Terça feira 04/abril

    8h – Mística/espiritualidade

    8h30 – Análise das experiências de contato com povos isolados – governamentais e de Igrejas – Pe Bartolomeu Meliá e Ir Elizabeth Amarante

    9h45 – Lanche

    10h15 – Povos indígenas “isolados”: Uma leitura antropológica – Lino João – UFAM/Brasil e Beatriz Huertas – Peru.

    12h – Almoço

    14h – Os povos isolados, marcos legais e políticas desenvolvimentistas na Amazônia – Dr Ricardo Pael Ardenghi (MPF/MT), Vanildo Pereira- Cimi, CAAAP/ Peru

    16h – Lanche

    16h30 – Os povos indígenas e o direito internacional Convenções, tratados e declarações no âmbito da ONU – Rocío Barahona (especialista do Equador)

    18h – Encerramento

    19h – Jantar

    Quarta feira 05/abril

    8h – Mística/espiritualidade

    8h30 – Incidência no âmbito da ONU – Rocío Barahona

    10h – Lanche

    10h30 – Identificação e análise dos casos, organização da documentação, prazos, distribuição de tarefas.

    12h – Almoço

    14h – Estratégias de articulação e outras estratégias de ação

    16h – encerramento – Lanche

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  • 31/03/2017

    Nota de falecimento de Isamani Kulina


    Rio Branco, 30 março de 2017

    Nesta quinta feira 30 de março foi encontrado morto o grande líder Isamani Kulina, na cidade de Feijó. Vítima de que?  Não se sabe. Há suspeitas ter ingerido muito álcool até sua morte. Fez sua passagem deixando esposa e filhos. Isamani Kulina destacava-se como liderança local na luta por uma saúde indígena de qualidade, orgulhava-se da conquista de ter conseguido a demarcação de terra para o seu povo no Alto Rio Envira.

    Defendia pessoas de povos isolados que apareciam em suas aldeias, pedindo para ter paciência. “Não matem parente brabo”.

    O Cimi Regional Amazônia Ocidental, e a equipe de Feijó estão presente  prestando solidariedade e apoio neste momento de pesar. Junto com os Madiha/Kulina a nossa solidariedade. Fica em nossas memórias a saudade deste grande líder que assim que o barco encostava-se ao porto de suas aldeias nos recebia com sorriso no rosto. Manako (trocar), hihipa (comida), mari (segurar, ensinar), bika (ser bom), nomi (está bem), pahisha (ser verdade). Ficava alegre, dizendo que tinha alguma coisa para trocar, para comer, para nos ensinar e assim nos permitia entrar no mundo Madiha. Os Madiha passam por situação difícil, sobre a questão de suicídio entre eles. A este povo nosso carinho e nossa solidariedade.

    Conselho Indigenista Missionário
    Regional Amazônia Ocidental



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  • 31/03/2017

    Vicente Kiwxi e a luta Enawenê Nawê

    Por Egon Dionisio Heck e Cimi Regional MT

    Em abril de 1987, um grupo de fazendeiros e pistoleiros chegavam sorrateiramente ao barraco de Vicente Cañas na beira do Rio Juruena, município de Juína (MT). Com pauladas na cabeça e uma facada, assassinaram friamente Vicente em seu barraco, conforme depoimento de indígenas.  Era o sangue de mais um missionário morto por defender a vida e os direitos dos povos indígenas, principalmente suas terras.

    Vicente, juntamente com Thomaz Lisboa e alguns indígenas, fizeram contato com os Enawenê em 1974. A partir de então ele esteve com esse povo, sendo os últimos dez anos de sua vida dedicados integralmente aos Enawenê.

    Hoje, 31 de março, estará iniciando um relevante encontro de partilha e reflexão sobre a memória da missão e do martírio desse missionário. O Cimi, os jesuítas e a Opan estão organizando esse encontro, do qual estarão participando lideranças indígenas do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, missionários indigenistas, pastorais, professores e membros de diversas entidades.

    No decorrer desses dias, será também lançado o livro sobre a memória, martírio e missão de Vicente Cañas. “Provocar Rupturas, construir o Reino” é mais um instrumento importe para celebrar a memória desse “missionário para o século 21”.

    “Sim, Vicente estava à frente de seu tempo, de sua Igreja e Congregação e, talvez à frente até do Cimi. Para colocar o martírio de Vicente Cañas no contexto amplo de nossa Ameríndia, quero parafrasear outro santo mártir, Dom Oscar Romero de San Salvador: ‘Alegro-me porque o Cimi é perseguido, justamente por sua opção preferencial pelos povos indígenas e pelo esforço de se encarnar nos desafios dos povos indígenas, na defesa de seus territórios, de seu Bem Viver, de suas culturas e do reconhecimento das poucas leis que protegem seu futuro’”, afirma o presidente do Cimi e Arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi, no prólogo ao livro.


    foto: Egon Heck/Cimi

    Será um momento forte para animar e reforçar a presença junto aos povos indígenas. “A Vicente Cañas e a todos aqueles que, como ele, fizeram germinar com seu sangue e sua radicalidade a semente da justiça em tantos povos indígenas de qualquer parte do mundo”, afirmam José Terol e José Carrion, autores de “Tras las huellas de Vicente Canãs”.

    No Seminário estarão grandes amigos de Kiwxi – nome que Vicente Cañas recebeu dos Myky, outro povo da bacia do rio Juruena com quem o jesuíta conviveu, que significa “doar-se todo” – como Thomás Lisboa, Egydio Schwade, Batomeu Melliá, dentre outros.

    Também estarão presentes índios Enawenê Nawê. Depois de 30 anos do assassinato, esse povo não apenas continua com a memória viva de Kiwixi, mas continuam afirmando que era um deles. Com certeza sentem muito a falta desse seu amigo nesses momentos difíceis por que estão passando, com ataques contra seus direitos e pressão sobre seus territórios.

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  • 31/03/2017

    Grupo Kaingang preso no norte do RS é solto por ordem do STJ; Cimi denuncia arrendamentos


    Terra Indígena Kandóia: na quarta, 29, pistoleiro atacou aldeia. Crédito das fotos: Renato Santana/Cimi


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi


    Depois de quase cinco meses de detenção, os indígenas Kaingang Marcelina da Silva, Adamor Franco, Ereni Adimo Franco, Laerte Franco, Davi  Feixe, Elias da Silva e Elizeu dos Santos foram soltos nesta quinta-feira, 30, e poderão responder ao processo em liberdade. Outros três indígenas seguem detidos, envolvidos em outras situações de criminalização. O ministro-relator Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu habeas corpus a favor de medida alternativa à prisão preventiva que vinha sendo cumprida pelos Kaingang no Presídio de Lagoa Vermelha.

    Na madrugada de 23 de novembro de 2016, uma operação de guerra acordou a comunidade da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha, em Sananduva (RS). Despachados pela Justiça Estadual, mandados de prisão foram cumpridos pela Polícia Federal sob a acusação de que o grupo Kaingang incendiou lavouras privadas e ameaçou cometer o mesmo crime contra a população local. Assista aqui.

    "(…) na leitura da decisão de primeiro grau não houve menção a nenhum ato específico que pudesse demonstrar a efetiva participação dos pacientes nos eventos criminosos", afirma o ministro-relator do caso, cujo voto foi acompanhado pela Sexta Turma do STJ em unanimidade. O ministro ressaltou que acompanha a alegação da Subprocuradora-Geral da República, Mônica Nicida Garcia, que diz:

    "No caso, verifica-se a falta de fundamentação concreta da conduta, de cada um dos pacientes, tanto nas representações quanto nas decisões que decretaram as priões preventivas, que narraram, de forma genérica, sem delimitação e individualização, os atos praticados pelos acusados". A Justiça Estadual limitou-se a dizer que os indígenas estariam constrangendo os agricultores "mediante violência ou grave ameaça".

    Para o Ministério Público Federal (MPF), se tratou de detenção “ilegal em massa, abuso de autoridade, violência, segregação e exposição vexatória”, acompanhando relatório organizado pela Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O coordenador do Cimi Regional Sul, Roberto Liebgott, salienta que "o inquérito foi conduzido pela Polícia Civil e os mandados de prisão feitos por uma juíza estadual a pedido da PF. Uma aberração jurídica".

    A advogada Caroline Dias Hilgert, da Assessoria Jurídica do Cimi, entidade que impetrou o habeas corpus junto ao STJ, fez a sustentação oral em defesa dos Kaingang, na Sexta Turma do STJ. Caroline sustentou aos ministros, entre os argumentos da linha de defesa, que o caso deveria ser alçado à esfera federal, mas o relator decidiu não abordar a questão em sua decisão.



    O norte do Rio Grande do Sul se tornou tão perigoso aos indígenas quanto áreas no Mato Grosso do Sul

    Norte do Rio Grande do Sul: arrendamentos e o crescimento da violência contra os povos indígenas

     

    Os Kaingang postos em liberdade vivem no norte do Rio Grande do Sul, região que registra crescente onda de violações e violências contra os povos indígenas. Nos últimos anos, conflitos fundiários têm repercutido na vida das aldeias e acampamentos com criminalização. Caciques e lideranças são envolvidos em crimes sem provas, sofrendo acusações vagas e subjetivas, além de campanha difamatória na mídia local. Conforme apuração do Cimi Regional Sul, a negativa em arrendar terras tradicionais está por trás da ofensiva.   

    Na noite desta quarta-feira, 29, a família de Deoclides Kaingang recebeu uma visita inesperada no acampamento da Terra Indígena Kandóia, município de Faxinalzinho. Um homem branco, não identificado, esmurrou a porta da casa do indígena exigindo que ele saísse. A esposa de Deoclides comunicou que ele não estava, então o homem ameaçou matá-la. Aos gritos, a indígena o obrigou a fugir temendo a chegada de outros Kaingang.  

    O Cimi Regional Sul orientou os Kaingang a registrar Boletim de Ocorrência, ao passo que informou o episódio ao Conselho Estadual de Defensores de Direitos Humanos. Deoclides Kaingang é atendido pelo Programa de Defensores; está entre os 111 indígenas protegidos pelo Estado brasileiro. "As câmeras instaladas na casa do Deoclides estão sem funcionar. Solicitamos a manutenção porque se elas estivessem operando, o pistoleiro teria sido identificado", diz Liebgott.

    Oito lideranças da comunidade encontram-se no programa de proteção do governo Federal. A comunidade está criminalizada desde 2014. Atribui-se a seus membros crimes de organização criminosa e, além disso, 19 homens da comunidade foram denunciados por duplo homicídio e roubo. A terra que a comunidade reivindica é de 2000 hectares, mas o procedimento de demarcação foi paralisado no ano de 2013.

    A Farsul

    “Considerando que o clima tenso e hostil provocados pelos atos dos indígenas, beirando as vias do conflito, o que pode resultar em eminente risco à segurança e a vida dos envolvidos, bem como da população sananduvense”, diz um trecho do decreto assinado pelo vice-prefeito de Sananduva, Leovir Fidêncio Antunes Benedetti, horas depois do incêndio cuja autoria recaiu sobre os Kaingang postos em liberdade nesta quinta, 30.

    Um organização ruralista participou ativamente de toda a articulação contra os Kaingang. A Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) acusou publicamente os Kaingang e alguns agricultores (que não fazem oposição aos indígenas) pelo fogo. Sem provas ou quaisquer investigações policiais, o vice-prefeito decretou Estado de Calamidade Pública, atendendo à Farsul.

    No dia seguinte a  PF já tinha solicitado à Justiça Estadual a prisão de seis indígenas e dois agricultores; no dia 23, a operação de guerra, que em tese levaria tempo a ser mobilizada, fez a invasão e as prisões.

    As plantações queimadas pertencem, coincidentemente, aos fazendeiros que não permitiram a Funai realizar o trabalho envolvendo a demarcação física da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha, que teve o Relatório Circunstanciado publicado pelo Ministério da Justiça em 25 de abril de 2011, com 1.916 hectares. Os Kaingang, que contam com o apoio dos agricultores, resistem a tentativas de arrendamento e invasões de terras na região.

    Em carta, o Cimi Regional Sul alertou nesta quinta, 30, autoridades de direitos humanos sobre as consequências aos indígenas que se opõem aos arrendamentos de terras tradicionais na região – e como os recentes fatos, envolvendo a criminalização dos Kaingang, podem estar envolvidos com tal negativa de participação naquilo que é considerado um crime pela Constituição (o usufruto de uma terra indígena é exclusivo ao povo que a ocupa).

    Leia na íntegra:  

    Carta do Cimi ao Conselho Estadual dos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos/RS; ao Programa Nacional de Proteção do Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos; ao Conselho Estadual de Direitos Humanos

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul vem, respeitosamente, apresentar alguns fatos, que no nosso modo de sentir são preocupantes, pois afetam comunidades e lideranças indígenas no Rio Grande do Sul.

    Como é de conhecimento público, as disputas pela terra e pelo seu usufruto são uma  constante no Rio Grande do Sul. Os fatos mais graves, envolvendo violências como ameaças, perseguições, criminalização, prisões e assassinatos ocorrem nas regiões norte e noroeste do estado.

    Há duas questões bem emblemáticas  e que merecem atenção e cuidado daqueles que lidam com as ferramentas públicas pela defesa dos direitos à vida e pela garantia dos demais direitos humanos:

    – Há terras que foram reservadas para comunidades indígenas no século XX e que hoje são cobiçadas por aqueles que pretendem obter lucros através de sua exploração através do plantio de produtos como soja, milho e trigo – e essa exploração se dá através de um esquema criminoso de arrendamento de terras e aliciamento de indígenas;

    – Há comunidades indígenas, pelo menos 60,  em todo o estado do Rio Grande do Sul, em luta pela demarcação e reconhecimento de suas terras como sendo de ocupação tradicional e que rompem, na prática, com o esquema dos arrendamentos de terras.

    Tendo presente estas duas realidades podemos então adentrar nas questões que envolvem o contexto indígena no Rio Grande do Sul.

    No que tange ao primeiro tópico é importante salientar que os fatos criminosos de arrendamento de terras (vedados pela Constituição Federal e Estatuto do Índio) são notórios, ou seja, são de conhecimento público e dos Poderes Públicos.

    Não se traz aqui nenhuma novidade política ou jurídica. Há acordos na Justiça Federal, pactuadas com o Ministério Público Federal, de que este processo – de arrendamentos – é ilegal e portanto deveria ser, de imediato, superados juridicamente. Optou-se por um acordo de que até no final ano de 2016 todos os arrendamentos seriam concluídos e, a partir de então, as terras deveriam, como prevê a lei, destinadas ao usufruto exclusivo das comunidades indígenas.

    Há, no entanto, que se levar em conta de que o arrendamento de terras indígenas envolve muita gente. Dentre estas gentes, muitas delas importantes do ponto de vista político, jurídico e econômico. Há, pelo que se vislumbra, além do aliciamento de índios, pessoas da sociedade envolvente – autoridades municipais, estaduais, federais e políticos – ganhando dinheiro com o arrendamento de terras. Movimenta-se nas regiões norte e noroeste do RS milhões e milhões de reais oriundos do plantio, colheita e comercialização de grãos, especialmente de soja.

    O acordo Judicial certamente não agradou a todos os interessados. O cacique de Serrinha, Antônio Mig, comprometido com o acordo judicial, decidiu estabelecer o acordo como o fim do arrendamento – perante aqueles que arrendavam as terras, passou a não atender mais aos interesses econômicos. Antônio foi assassinado com seis tiros, na semana passada. Os bandidos ainda não foram encontrados.

    No que se refere ao segundo tópico salientamos que as comunidades em luta pela demarcação de terras vêm, ao longo dos anos, se posicionando contra o arrendamento das áreas indígenas. No geral as comunidades vivem em acampamentos nas margens das cidades ou rodovias. Cada ação política que desenvolvem, no sentido de cobrar providência para que suas terras sejam efetivamente demarcadas e reconhecidas, as comunidades sofrem represálias, nem tanto da sociedade em geral, mas acabam sendo agredidos por políticos, autoridades municipais e estaduais e pela Polícia Federal e Poder  Judiciário-que na prática aceita as teses e as propostas – inquéritos policiais – que visam a criminalização das lutas pela demarcação de terras.

    Relatamos dois casos que nos parecem elucidativos:  

    Terra Indígena Kandóia:  

    Terra Indígena Kandóia, município de Faxinalzinho/RS, a comunidade Kaingang conta  com 80 famílias, mas de 200 pessoas que vivem em uma área de terra de aproximadamente quatro hectares, que foi cedida pelo estado do RS para uso por um período de 20 anos. A terra que a comunidade reivindica é de 2000 hectares, mas o procedimento de demarcação foi paralisado no ano de 2013. Foi publicado o relatório circunstanciado da terra e aguarda-se a publicação da portaria declaratória por parte do Ministério da Justiça.

    A comunidade está criminalizada desde 2014. Atribui-se a seus membros crimes de organização criminosa e, além disso, 19 homens da comunidade foram denunciados por duplo homicídio e roubo.

    Oito lideranças da comunidade encontram-se no programa de proteção do governo Federal – PPDDH -, no entanto a comunidade como um todo está vulnerável. O sistema de vigilância lá implementado, por falta de manutenção do sistema, está inoperante.

    Na noite do dia 28 de março um homem de cor branca não identificado se dirigiu à  casa do Deoclides e proferiu ameaças de morte. No entanto, ele não estava na casa, mas a esposa relatou os fatos: o sujeito disse que encheria o Deoclides de tiros. A comunidade registrou ocorrência na Polícia Civil e providenciou um esquema de vigilância interna.

    Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha:

    Passo Grande do Rio Forquilha, município de Sananduva-RS a Comunidade Kaingang, com 40 famílias e  cerca de 150 pessoas,  luta pela demarcação da terra há décadas. O procedimento de demarcação avançou até a fase da publicação da portaria declaratória pelo ministério da Justiça, fato que se deu em maio do ano de 2011. A área é de 1750 hectares. No entanto, não houve a desintrusão da terra, ou seja, os agricultores que lá residem não foram removidos permanecem ocupando a área indígena. As famílias de agricultores não receberam as indenizações pelas benfeitorias de boa-fé.

    No ano de 2015 a comunidade decidiu, para pressionar o governo federal, retomar partes da terra que estão sob a posse de agricultores. O conflito se intensificou, uma vez que o sindicato rural e alguns grandes proprietários da região, que também exploram parcelas da terra, passaram a atacar os indígenas. Houve alguns conflitos.

    Em 2016, com o intento de exigir que a demarcação fosse concluída e os agricultores devidamente indenizados, os Kaingang passaram a impedir que o usufruto da terra por não-índios. Isso gerou uma grande ofensiva política e jurídica contra a comunidade. Acabou que se abriu inquérito e houve mandados de prisão contra as lideranças da comunidades.

    Dez indígenas acabaram presos no dia 23 de novembro de 2016 e permaneceram encarcerados por crimes de organização criminosa, extorsão e ameaça, e crime contra a ordem pública. Os mandados de prisão foram expedidos pela justiça estadual, embora o inquérito todo tenha sido conduzido pela polícia federal, o que é fato no mínimo estranho.

    Através de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar um Habeas Corpus impetrado por advogados do Cimi, houve a liberação, no dia 29 de março,  de sete dos dez indígenas presos em Lagoa Vermelha.

    As prisões foram evidentemente para criminalizar os líderes da comunidade e seus familiares, tanto que, dentre os presos, estavam Leonir  Franco,  o cacique, seu pai e mãe Ereni Franco e Marcelina da Silva. Além deles,  os irmãos do Cacique Wilian Franco – eleito vereador pelo município de Cacique Doble nas últimas eleições –  Laerte Franco e o tio Adamor Franco, além dos professores Elias da Silva,  Davi Faix e Elizeu Santos.

    Pelos fatos acima relatados se pede:

    Acompanhamento de processos judiciais envolvendo o assassinato de Antônio Mig-cacique da Terra Serrinha;

    Fiscalizar e acompanhar o cumprimento da determinação judicial de que os arrendamentos de terras sejam definitivamente paralisados na região;

    Cobrar do Poder Público para que as comunidades indígenas  tenham efetivamente o acesso e usufruto as terras demarcadas;

    Acompanhar o desenvolvimento dos processos envolvendo a criminalização dos 19 indígenas de Kandóia denunciados pelos crimes de homicídios e roubo;

    Assegurar que em Kandóia seja reorganizado o procedimento de fiscalização e monitoramento da comunidade;

    Assegurar a proteção dos defensores e defensoras indígenas da comunidade Kandóia;

    Acompanhar os processo envolvendo a comunidade de Passo Grande do Rio Forquilha e suas lideranças criminalizadas;

    Propor que o Ministério Público Federal abra um procedimento de investigação sobre o arrendamento de terras indígenas na região norte, com o intento de investigar  os possíveis beneficiários destas ações criminosos na região norte e noroeste do Rio Grande do Sul;

    ​Assegurar que o Programa Nacional de Proteção dos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos atue junto às comunidades indígenas ameaçadas- especificamente Kandóia e Passo Grande do Rio Forquilha.

    Contando com a compreensão  e o atendimento das proposições nos despedimos.

    Atenciosamente

    Roberto Antonio Liebgott

    Coordenador do Conselho Indigenista Missionário Regional Sul


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  • 30/03/2017

    Insurgência Kaiowá e Guarani: dez anos de omissão e genocídio


    foto: Egon Heck/Cimi

    Por Egon Heck e Cimi – Regional MS

    Um início de semana em que Dourados, de cara lavada por intensas chuvas, poderia conspirar como apenas mais uma semana. Porém quando o presidente da Funai, Antonio Costa, desembarcou em Dourados, mais uma batalha de insurgência foi deflagrada. Os Kaiowá Guarani, em numero de mais de 200 indígenas, cobraram com vigor guerreiro o descumprimento da Constituição que ocasionou o assassinato de dezenas de indígenas nas últimas décadas no sul do cone sul do Mato Grosso do Sul.

    TAC Demarcação já

    A batalha travada nesta última semana se deu quando já se vão quase dez anos da assinatura de um Termo de Ajustamento de conduta (TAC) para que todas as terras e territórios indígenas fossem regularizadas. Estabeleceram-se prazos para que isso fosse realizado. Até 2009 as terras deveriam estar todas identificadas. Porém, isso não se concretizou. Prevaleceram mais uma vez os inimigos dos índios. O Estado brasileiro não apenas se omitiu e curvou ante essas forças, como as transformou em práticas de governo.

    Quando o procurador federal em Dourados, Charles Estevan Pessoa, estava participando de uma Grande Assembleia Aty Guasu na Terra Indígena Yvy Katu, em 2007, estupefato se referiu  à gravíssima situação das terras e direitos Kaiowá e Guarani. “Se o governo, através da Funai, assumiu os direitos do vosso povo como prioridade há cinco anos e neste período não regularizou nenhum palmo de terra ao vosso povo, então vamos pensar juntos o que podemos fazer para cobrar essa prioridade”.

    No debate que se seguiu com as lideranças indígenas foi definido o caminho da cobrança judicial, através de um Termo de Ajustamento de Conduta, que seria assinado Pelo Ministério Público Federal (MPF), Funai e lideranças Indígenas. Foi então escolhido uma delegação de 20 lideranças. No dia 7 de novembro o TAC foi assinado, na sede da Funai, em Brasília. Marcio Meira era o presidente do órgão indigenista.

    As lideranças indígenas, na época, não tinham a ilusão de que seria fácil fazer o que estavam no papel se transformar em realidade – no caso, o reconhecimento dos direitos às terras tradicionais e originárias. E junto com o MPF passaram a cobrar do governo a execução das demarcações dentro do prazo estabelecido.


    foto: Egon Heck/Cimi

    A violência contra o TAC

    Porém, não previam que as reações fossem tão virulentas, violentas e genocidas. Os governantes e poder econômico do Mato Grosso do Sul se alvoroçaram em campanhas mentirosas e reações judiciais. Afirmaram que mais de 20 municípios seriam extintos, pois se transformariam em territórios indígenas. Afirmaram que mais de 30% dos 36 milhões de hectares do estado do MS seriam destinados aos Kaiowa Guarani. Foram deflagrados muitos absurdos do gênero.

    Passaram então a paralisar as demarcações e trabalhos de identificação, judicialmente, pela violência e ameaças.
    Nesta semana tivemos portanto mais um lance dessa dramática e criminosa política.  O presidente da Funai, Ministério Público Federal e lideranças indígenas debateram e definiram a execução do TAC.  Frente aos indígenas, o novo presidente mais uma vez reafirmou o compromisso da Funai com o cumprimento dos termos do TAC. Elizeu Kaiowá sintetizou a angustia e a determinação dos Kaiowá e Guarani nas seguintes palavras: 

    “Mais uma vez a Aty Guasu veio receber o presidente da Funai e esperamos que ele não esteja mentindo desta vez, já foram tantos que passaram por aqui. Se não estivessem mentindo já teriam feito o que está no TAC. Desta vez, na presença do presidente da Funai nós, todas lideranças, jovens, rezadores, exigimos que a Funai demarque nossos territórios. Eles não nos enganam mais. Não queremos continuar vendo nossas lideranças serem assassinadas. Enquanto não demarcarem vamos continuar nossas retomadas”.


    foto: Egon Heck/Cimi

    A Funai, pelo descumprimento dos prazos, já deve às comunidades afetadas mais de dois milhões de reais. Porém não existem recursos que tragam de volta as vidas sacrificadas nesses dez anos. Os Kaiowá Guarani querem a imediata retomada das demarcações de seus territórios e que os responsáveis por essa omissão sejam punidos.

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  • 29/03/2017

    Terra da União ocupada pelos Kariri Xocó de Paulo Afonso (BA) tem reintegração suspensa pelo TRF-1

    Crédito das fotos: Renato Santana/Cimi

    Crédito das fotos: Renato Santana/Cimi

    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi | Enviado a Paulo Afonso (BA)

    Na manhã desta quarta-feira, dia 29, indígenas Kariri Xocó de Paulo Afonso acordaram com duas dezenas de viaturas policiais na porta da aldeia. Mais tarde, perto do meio-dia, dois indígenas foram detidos pela Polícia Federal por transportarem pneus num carrinho de mão – foram soltos no meio da tarde. As ações são um indicativo do que estava programado para acontecer nesta quinta, dia 30: o despejo da comunidade. A CHESF inclusive foi incumbida pela Justiça Federal de fornecer os tratores para destruir moradias, casa de reza e roças. Não havia conflito na área, antes usada por criminosos para estupros, assaltos e como estande de tiro – moradores evitavam passar na frente do local, diferente de hoje com os indígenas ali. Semanas atrás até um drone foi utilizado pela polícia para mapear o lugar; na sequência, uma viatura da Polícia Rodoviária Federal invadiu a aldeia e um dos agentes, sem identificação, ameaçou as lideranças – a ocorrência foi registrada junto ao MPF. 

    Dona Bernadete embala o sono da pequena Rafaela movimentando suavemente o maracá. Costuma buscar um novo ponto de toré a cada dia para entoar com a mesma voz aveludada, quase sussurrando. A cadeira de balanço movimenta-se de forma sideral, rangendo estrelas de ferro. Por alguns instantes não se sente na periferia da cidade de Paulo Afonso (BA), mas numa aldeia. A família reunida na terra tradicional.

    “Agora o maracá de minha avó balança em minha mão”, diz Rafaela Kariri Xocó. Mãe de dois filhos, a indígena lembra das lágrimas de Dona Bernadete e deixa verter as próprias. “Ela sofria muito com a gente crescendo na cidade, com costumes muito escondidos. Desejava ver toda a família junta, vivendo numa aldeia e praticando o ritual. Sempre lembrava quem somos”.

    Há dez meses, o cacique Jailson e o pajé José Francisco, sobrinhos de Dona Bernadete, lideraram a retomada de quase dois hectares de terra tradicional às margens do rio São Francisco – um lugar sagrado para os povos indígenas do Submédio e Baixo São Francisco: as cachoeiras sagradas de Paulo Afonso, interrompidas pela barragem do complexo hidrelétrico construído na década de 1950.

    Na terra encontraram escombros de uma antiga estrutura de alojamentos, barracões, torres, garagens e escritórios do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT), abandonada há três décadas. Nestas ruínas ergueram o antigo sonho de Dona Bernadete e reagruparam as famílias na aldeia Kariri Xocó de Paulo Afonso. “Sempre senti um vazio na minha vida. Essa batalha é o que me faltava”, afirma Rafaela.

    Nesta quarta-feira, 29, a comunidade amanheceu com mais de 20 viaturas das polícias Federal, Militar e Civil na entrada da aldeia. Estava programado para esta quinta, 30, o despejo dos Kariri Xocó do território. Pela tarde, o desembargador Kassio Marques do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, suspendeu a reintegração de posse. Dois pontos tornaram a decisão da Justiça federal de Paulo Afonso questionável: a área pertence à União – a impetrante da ação é uma empresa privada, a UZI Construtora – e a liminar de reintegração de posse não correspondente à terra retomada pelos indígenas.

    Para a Procuradoria-Geral da República (PGR) há “instabilidade no exame da questão” pela Justiça Federal, sendo que a melhor saída seria manter os indígenas na terra. “Há uma manifestação da Administração Pública (dotada de legitimidade) de que a área ocupada pelos indígenas pertence à União, e é diversa do imóvel indicado pela prova trazida aos autos pela autora da demanda. Evidencia-se aí, no mínimo, a necessidade de esclarecimento desta questão na fase de instrução, sendo precipitada a manutenção da liminar de reintegração de posse”, argumenta a PGR no processo.

    “Seria uma tragédia caso o despejo ocorresse. Os indígenas mostraram que são capazes de transformar escombros em vida, vida em abundância. Enquanto Cimi (Conselho Indigenista Missionário) os apoiamos de forma integral, aqui em Paulo Afonso e com a nossa Assessoria Jurídica, em Brasília. Estamos aqui com demais povos e organizações indígenas para dizer que vamos lutar, seguimos com o povo”, declara o missionário Ângelo Bueno – ao lado do também missionário Otto Mendes. ambos foram intimados a depor em outro processo de reintegração, indeferido, contra o povo Truká-Tupã (praticamente vizinho aos Kariri Xocó de Paulo Afonso).

    “Estamos falando de um processo que afeta toda a região da Bacia do São Francisco. Tenho certeza que não são apenas os indígenas que sofrem, mas os pescadores e pescadoras, quilombolas, sem-terras. Existe uma grande movimentação de especulação imobiliária, roubo de terras, investimentos privados e grandes empreendimentos do agronegócio com a Transposição do São Francisco. O que uma construtora de São Paulo faz com uma escritura de posse de uma terra propriedade da União ao lado do rio São Francisco, no sertão baiano?”, sintetiza Alzení Tomáz, integrante da Comissão Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP). 

    Reintegração de terra da União para empresa privada

    Em dezembro do ano passado, estavam reunidas 67 famílias na retomada – cerca de 170 indígenas entre crianças (quase 50), mulheres, homens e idosos. Conseguiram telhas e madeira para cobrir as estruturas transformadas em habitação, limparam o terreno e iniciaram o plantio de roças. No rio passaram a buscar o peixe. Mesmo vivendo nos últimos quatro meses sem receber cestas básicas, então fornecidas pela Funai, não passam fome.

    Naquele mesmo dezembro receberam uma notícia que assustou a todos e todas. O juiz João Paulo Pirôpo de Abreu, da Justiça Federal de Paulo Afonso, concedeu liminar de reintegração de posse para a UZI Construtora, sediada em São José dos Campos, interior de São Paulo. A empresa apresentou uma escritura de posse da área ocupada pelos Kariri Xocó, o suficiente para embasar a decisão do juiz pelo despejo.

    A Procuradoria da Funai recorreu ao TRF-1. O Ministério Público Federal (MPF), no entanto, entrou com um recurso na própria Justiça Federal, em janeiro deste ano, argumentando que conforme levantamento da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) a área ocupada pelos indígenas é da União.

    De acordo com documentos apresentados pelo MPF, em 2014 o DNIT manifestou à SPU não ter interesse nesta área chamada Cachoeira dos Veados, ao lado da Ponte Metálica da BR-423 – local da retomada Kariri Xocó. No entanto, a construtora impetrou liminar pela reintegração da Fazenda Tapera de Paulo Afonso. “Estou convicto e tenho total clareza de que a terra é da União. Da mesma forma que nos autos há dúvidas sobre qual a área a ser reintegrada”, afirma o Procurador da República, Bruno Jorge Rijo Lamenha Lins.

    O juiz João Paulo Pirôpo de Abreu manteve a posição e designou um verdadeiro aparato de guerra para o despejo. Solicitou ainda que a CHESF, empresa que administra o complexo hidrelétrico, tratores para destruição das moradias, roças e demais estruturas. Sem alternativa, o MPF pediu a suspensão da reintegração ao TRF-1 tão logo notificado da reiterada postura do juiz.

    “(…) o juiz foi de encontro aos fundamentos da própria decisão liminar que deferiu a reintegração, uma vez que, nesta, a prova da posse se fundou única e exclusivamente na suposta propriedade do bem”, argumentou o Procurador Regional da República, João Akira Omoto, aos desembargadores do TRF-1.

    Para o procurador, a “Justiça Federal, com o auxílio da Polícia Federal e da Polícia Militar, está na iminência (de) retirar os índios das áreas em voga, a fim de dar cumprimento ao mandado de reintegração de posse, embora o processo ora relacionado diga respeito à imóvel pertencente ao patrimônio público, ocupado por indígenas, os quais não possuem, caso removidos dessas terras, qualquer assistência por parte do Estado ou perspectiva de realocação em outras localidades”.

    O Relatório de ‘Fiscalização Ambiental – Fiscalização Preventiva Integrada na Bacia do Rio São Francisco’ está nos autos processuais como mais uma prova da controvérsia quanto a terra ser de posse da UZI Construtora. Razão pela qual, de acordo com o MPF, “a alegação da autora passaria por diversos prejuízos diante de propostas de negociações que não podem ser realizadas por conta da ocupação da tribo (termo de audiência)”.
    “As provas arroladas no presente feito superam em robustez e veracidade aquelas que embasaram a decisão judicial”, destaca o procurador Omoto. A área reivindicada pela construtora margeia o leito de rodagem da rodovia federal BR-425 (sub-trecho da BR 110), enquanto os Kariri Xocó estão em uma área limítrofe à BR-423.

    “São argumentos bem esmiuçados e comprovados. A terra é da União, não resta dúvidas. Existe ainda uma outra dimensão, porque se trata de um povo indígena. Os Kariri Xocó encontraram um lugar abandonado numa área considerada sagrada não apenas para eles, mas também para mais povos do São Francisco, e o transformaram numa aldeia próspera. Temos a certeza de que a reintegração não é a melhor solução”, destacou a Promotora Pública, Luciana Cury.

    Vida digna em risco

    Em reunião com os Kariri Xocó, na semana passada, e nos autos processuais, o juiz reconheceu a propriedade da União, mas afirmou que a função do juiz é decidir, “mesmo que seja uma decisão errada”. Ao passo que reconheceu a divergência atestada pelo MPF, desconsiderou o reagrupamento de famílias separadas por intervenções anteriores do Estado e o que conseguiram construir na aldeia formada.

    “Agora estamos tendo uma vida digna, com nossa plantação, melancia, abóbora, feijão, todo tipo de legumes, frutas, macaxeira e o rio pertinho para pegar peixe. Exercemos aqui nossa tradição, nossa cultura, nosso toré. Vivemos em paz e olhamos pros nossos filhos satisfeitos, vendo que eles estão mais felizes e aprendendo a plantar. Vão botar a polícia contra a gente por quê?”, questiona cacique Jailson kariri Xocó.

    Há pouco mais de 50 anos, famílias Kariri Xocó migraram para Paulo Afonso fugindo da seca e privações pela falta da terra tradicional na região de Porto Real do Colégio, em Alagoas. Buscavam uma vida melhor na região do ‘Reinado Encantado das Cachoeiras de Paulo Afonso’. Pouco depois de se fixarem, foram afetados pela construção do complexo hidrelétrico – são quatro barragens, uma delas na grande cachoeira.

    “Quando foram construídas, as barragens silenciaram grupos humanos, entre eles indígenas e quilombolas. A dispersão se deu na base da força. O impacto do empreendimento causa essa dispersão e retroalimenta novas dispersões entre os Pankararu, Kariri Xocó, Pankararé, Fulni-ô. Várias famílias só agora estão se reencontrando”, explica o professor Juracy Marques.

    Pesquisador da disciplina de Ecologia Humana da Universidade estadual da Bahia (Uneb), Marques estuda há dez anos os povos indígenas da Bacia do São Francisco. “A história exigiu um reencontro. Se trata de um momento único. Lamentável que a estrutura jurídica do país não consiga ler o que isso significa. A terra é da união, não é provada, mas para além disso se trata de um território tradicional”, defende o professor.

    Reinado encantado

    A cidade de Paulo Afonso, ou a região em que ela foi fundada, hoje e sempre significou para os povos indígenas um local de rituais, encontros com o sagrado, comunhão interétnica e por conta das cachoeiras reino de espíritos – quedas d’água são amiúde consideradas por povos de todo o país espaço do sagrado. De tal modo, Paulo Afonso sempre recebeu indígenas de Pernambuco, Bahia e Alagoas.

    “Foram décadas que passamos desaldeados na periferia da cidade. Então a gente foi casando com indígenas de outros povos, como Pankararu e Fulni-ô, que também chegavam aqui fugindo da fome, por falta de terra ou de passagem só. Filhos, netos. Foi nascendo, né. Mas isso é antigo também, sempre foi assim. Os mais velhos sempre disseram que ia chegar a hora de buscarmos nossa terra”, explica o cacique.

    O pajé José Francisco lembra que a escolha do lugar se deu pelo direcionamento dos Encantados – espíritos antiquíssimos presentes na cosmologia dos índios do Nordeste. Se para estudiosos a história explica a indicação um tanto quanto óbvia, outros elementos são detalhados pelo pajé e que pela legislação vigente no Brasil podem atestar a tradicionalidade da terra.

    “É lugar onde nossos guias vivem, nossos encantados. Isso muitos povos indígenas sabem. Cheguei aqui e achei caatinga de cheiro, emburana de cheiro, alecrim, catingueir. Tem uma porção de pé de pau que não cresce em qualquer lugar não. Essa é uma medicina indígena, uma ciência nossa. Tem a faveleira. É uma planta poderosa, oxe! Forte mesmo pra curar, pros guias”, diz o pajé.

    Sair da terra vai deixar “a gente desagasalhado”, explica. O temor do pajé é ainda maior porque caso a reintegração ocorresse, a casa de reza teria de ser desfeita. “Não posso colocar as ferramentas do reinado na rua, em qualquer lugar. Quando a gente vivia na periferia, olha, era dolorido de ver o quanto a gente era xingado por colocar um praiá na rua. A gente não quer mais isso”, revela o pajé.

    Reintegrações: fronteiras de resistência

    Na última semana, a Justiça Federal de Paulo Afonso não concedeu uma reintegração de posse contra os Truká-Tupã. Há quase dez anos, os indígenas retomaram uma fazenda incidente sobre área tradicional de um jeito pouco habitual: foram convidados a entrar pelo proprietário, interessado na indenização do Estado. O tempo passou e a Funai não pagou por possíveis benfeitorias.

    “O caso mostra como o governo é lento, moroso. Gerou um problema que não existia. É uma face dessa onda de reintegrações que no Governo da Bahia motivou a criação de um grupo só para tratar dessas situações. Acontece muito, por força de interesses privados, sobretudo com indígenas e quilombolas. O caso dos parentes Kariri Xocó de Paulo Afonso se insere em tal contexto”, analisa Jerry Matalawê Pataxó, da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia.

    O indígena é coordenador Executivo da Superintendência de Apoio e Defesa aos Direitos Humanos. “Entre o meu povo, o Pataxó, é quase uma dezena de reintegrações em curso. Isso no extremo sul baiano. Recentemente comemoramos o adiamento por 90 dias de um pacote de reintegrações. Foi uma vitória dentro de uma situação muito adversa, envolvendo mais de uma aldeia”, explica Matalawê.

    Para a liderança Pataxó, o temor é de conflito durante a ação de despejo. Os Kariri Xocó afirmam que não há mais para onde ir. Pretendem resistir. “Ouvindo os parentes a gente teme por um confronto desigual. Além de ajudá-los a tentar reverter a reintegração, porque no meu sangue corre sangue de índio, minha gestão no governo é de garantir que o contingente da Polícia Militar solicitada pela Justiça Federal não cometa excessos. Estarei junto dos meus parentes no dia 30, espero que para comemorar a suspensão da reintegração”.

    A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste (Apoinme) enviou representantes à aldeia Kariri Xocó de Paulo Afonso. Por telefone, Sarapó Pankararu, um dos coordenadores da Apoinme, afirmou que os demais povos da Bahia, Pernambuco e Alagoas estão mobilizados em apoio aos Kariri Xocó. “O momento é de unidade: a pancada que um povo leva todos sentem. Os parentes estão numa terra que é dos antigos, tá nos relatos dos avôs, bisavôs. Pankararu sempre andou ali”, diz.

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  • 29/03/2017

    Guarani e Kaiowá manifestam-se em Dourados e exigem do presidente da Funai a demarcação de suas terras


    Foto: Egon Heck/Cimi

    Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação

    Cerca de 200 indígenas Guarani e Kaiowá manifestaram-se nesta terça (28) em frente à sede do Ministério Público Federal (MPF) de Dourados, no Mato Grosso do Sul, durante reunião do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Antônio Costa, com procuradores federais e lideranças indígenas para discutir a demarcação das terras Guarani e Kaiowá no estado.

    Conselheiros da Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, participaram da reunião e entregaram uma carta ao presidente da Funai, na qual exigem que o Estado “pare o extermínio que pratica contra nosso povo através da negligência” e afirmam que “o movimento pela reconquista de nossos Tekoha não é negociável e nem poderá ser usado como condição para que o Estado cumpra com as obrigações que são constitucionais”.

    O presidente da Funai foi a Dourados para discutir o Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) assinado entre a Funai e o MPF no ano de 2007. O acordo, tentativa de superar a morosidade nas demarcações no Mato Grosso do Sul e de diminuir a crescente violência contra os indígenas, determinava que diversas terras tivessem seus relatórios publicados até o ano de 2009, sob pena de multa de mil reais por dia de atraso.

    Além dos Guarani e Kaiowá e dos estudantes indígenas da Universidade Federal da Grande Dourados, apoiaram a manifestação o movimento estudantil local, movimentos sindicais e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

    Em dez anos, apenas três das terras indígenas previstas pelo TAC tiveram o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) – primeira etapa do processo de demarcação – concluído pela Funai, que já acumula uma multa milionária em função do descumprimento do termo. Em junho de 2014, a multa acumulada já era de R$ 1,716 milhão, segundo o MPF, e segue contando.

    A situação se agrava porque, como indicam os Guarani e Kaiowá na carta, muitas terras indígenas e muitos tekoha – lugar onde se é – ficaram de fora do TAC, que previa originalmente a demarcação de 39 tekoha reunidos em sete terras indígenas nomeadas conforme as bacias dos rios da região – chamadas, em Guarani, de pegua.

    Uma das demarcações que saíram neste período – a da Terra Indígena (TI) Ypo’i/Triunfo, publicada em 19 de abril de 2016 – é um desmembramento da proposta dos pegua, o que significa que outros tekoha previstos pelo TAC para a mesma bacia desta TI continuam sem providência.


    Vídeo: Rafael de Abreu

    Marcas da violência

    Nas últimas páginas do TAC assinado em 2007, constam as assinaturas – e impressões digitais, no caso dos não letrados – das autoridades e lideranças que participaram do fechamento do acordo. Dentre elas, estão os nomes de Nísio Gomes e Ambrósio Vilhalva, duas das diversas lideranças Guarani e Kaiowá que foram assassinadas, desde o estabelecimento do termo, sem ver suas terras demarcadas.

    “Queremos lembrar que desde que o TAC foi assinado, e pelo motivo dele nunca ter sido cumprido, mais de dez lideranças foram assassinadas”, destaca a carta da Aty Guasu. “Essas pessoas não estão mais aqui para ver suas terras serem demarcadas e nem poderão pisar, dançar, cantar e rezar sobre elas no futuro”.

    Os Guarani e Kaiowá exigiram do MPF a cobrança da multa da Funai e dos responsáveis diretos pela morosidade e, se necessário, a reversão do valor da multa para a contratação de antropólogos com a finalidade de garantir a conclusão das demarcações paralisadas.

    Os indígenas também solicitaram ao MPF que “o Ministro da Justiça e o presidente da Funai sejam processados pelos crimes de negligência contra nosso povo”.

    Além da TI Ypo’i/Triunfo, outras duas terras do TAC tiveram seu relatório publicado desde 2007: a TI Iguatemipegua I, em 2013, e a TI Dourados-Amambaipegua I, em 2016, dentro de cujos limites ocorreu o massacre de Caarapó, em junho do ano passado, vitimando o indígena Clodiodi Aquileu de Souza.

    Além das terras contempladas pelo TAC, apenas uma outra, Panambi/Lagoa Rica, teve seu RCID publicado neste período, no ano de em 2012. Até hoje, nenhuma destas teve as contestações respondidas pela Funai, o que também foi cobrado pelos indígenas.


    Retorno em maio

    Como resultado da reunião, o presidente da Funai, Antônio Costa, firmou o compromisso de retornar a Dourados na segunda quinzena de maio, trazendo um diagnóstico técnico das demarcações de terras Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, com a finalidade de retomar os trabalhos paralisados, inclusive os não abarcados pelo TAC original.

    Em depoimento à mídia local, o presidente da autarquia afirmou que foram firmados compromissos quanto à “criação de grupos de trabalho e de uma força-tarefa para não deixar mais parado que precisa ser feito no Estado com relação as terras Guarani e Kaiowá”.

    Os indígenas também cobraram o presidente da Funai quanto ao recente corte de cargos no órgão, que teve 87 cargos comissionados de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) extintos por decreto do governo federal publicado na última sexta (24).

    Costa respondeu aos indígenas que a Funai espera reverter a situação com a convocação de parte dos 200 servidores técnicos aprovados em concurso realizado no ano passado.


    Do lado de fora, indígenas cercam presidente da Funai em Dourados. Foto: Egon Heck/Cimi

    Sem terra, a fome

    O corte de cargos ocorreu poucas semanas depois do ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR), ter afirmado que “terra não enche barriga” e que os indígenas deviam deixar de lado a luta pela demarcação de seus territórios.

    A afirmação do ministro ruralista contradiz um estudo técnico realizado pela Fian Brasil em parceria com o Cimi, em 2016, e a posição de especialistas do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão ligado à Presidência da República, que evidenciam a relação direta entre a morosidade na demarcação de terras e a fome entre os Guarani e Kaiowá, agravada na enorme quantidade de acampamentos em que muitos dos indígenas vivem.

    Os três tekoha analisados no estudo da Fian com o Cimi – Guaiviry, Ypo’i e Kurusu Ambá – foram contemplados pelo TAC de 2007 e ainda aguardam a demarcação, com os indígenas vivendo em pequenas áreas de acampamento. Nos três, foi verificado um índice de insegurança alimentar e nutricional de 100%, com quase metade das crianças menores de cinco anos sofrendo de desnutrição crônica.

    “Nossa luta é uma luta de todos: Nhanderu, Nhandecy, Anciões, Homens, Mulheres, crianças… O Estado deve ter pressa de parar o extermínio que pratica contra nosso povo através da negligência. Até lá continuaremos morrendo se for preciso, na luta pelos nossos Tekoha”, afirma o documento da Aty Guasu.

    Leia a íntegra da carta da Aty Guasu

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  • 27/03/2017

    Para CNBB, Reforma da Previdência “escolhe o caminho da exclusão social”

    A Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou, nesta quinta-feira, dia 23 de março, uma nota sobre a Reforma da Previdência. No texto, aprovado pelo Conselho Permanente da entidade, os bispos elencam alguns pontos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, considerando que a mesma “escolhe o caminho da exclusão social” e convocam os cristãos e pessoas de boa vontade “a se mobilizarem para buscar o melhor para o povo brasileiro, principalmente os mais fragilizados”.

    Em entrevista coletiva à imprensa, também foram apresentadas outras duas notas. Uma sobre o foro privilegiado e outra em defesa da isenção das instituições filantrópicas. Na ocasião, a Presidência da CNBB falou das atividades e temas de discussão durante a reunião do Conselho Permanente, que teve início na terça-feira, dia 21 e terminou no fim da manhã desta quinta, 23.

    Apreensão

    Na nota sobre a PEC 287, a CNBB manifesta apreensão com relação ao projeto do Poder Executivo em tramitação no Congresso Nacional. “A previdência não é uma concessão governamental ou um privilégio. Os direitos Sociais no Brasil foram conquistados com intensa participação democrática; qualquer ameaça a eles merece imediato repúdio”, salientam os bispos.

    O Governo Federal argumenta que há um déficit previdenciário, justificativa questionada por entidades, parlamentares e até contestadas levando em consideração informações divulgadas por outros governamentais. Neste sentido, os bispos afirmam não ser possível “encaminhar solução de assunto tão complexo com informações inseguras, desencontradas e contraditórias”.

    A entidade valorizou iniciativas que visam conhecer a real situação do sistema previdenciário brasileiro com envolvimento da sociedade.

    Leia na íntegra:

    NOTA DA CNBB SOBRE A PEC 287/16 – “REFORMA DA PREVIDÊNCIA”

    “Ai dos que fazem do direito uma amargura e a justiça jogam no chão”

    (Amós 5,7)

    O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, dos dias 21 a 23 de março de 2017, em comunhão e solidariedade pastoral com o povo brasileiro, manifesta apreensão com relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, de iniciativa do Poder Executivo, que tramita no Congresso Nacional.

    O Art. 6º. da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a Previdência seja um Direito Social dos brasileiros e brasileiras. Não é uma concessão governamental ou um privilégio. Os Direitos Sociais no Brasil foram conquistados com intensa participação democrática; qualquer ameaça a eles merece imediato repúdio.

    Abrangendo atualmente mais de 2/3 da população economicamente ativa, diante de um aumento da sua faixa etária e da diminuição do ingresso no mercado de trabalho, pode-se dizer que o sistema da Previdência precisa ser avaliado e, se necessário, posteriormente adequado à Seguridade Social.

    Os números do Governo Federal que apresentam um déficit previdenciário são diversos dos números apresentados por outras instituições, inclusive ligadas ao próprio governo. Não é possível encaminhar solução de assunto tão complexo com informações inseguras, desencontradas e contraditórias. É preciso conhecer a real situação da Previdência Social no Brasil. Iniciativas que visem ao conhecimento dessa realidade devem ser valorizadas e adotadas, particularmente pelo Congresso Nacional, com o total envolvimento da sociedade.

    O sistema da Previdência Social possui uma intrínseca matriz ética. Ele é criado para a proteção social de pessoas que, por vários motivos, ficam expostas à vulnerabilidade social (idade, enfermidades, acidentes, maternidade…), particularmente as mais pobres. Nenhuma solução para equilibrar um possível déficit pode prescindir de valores éticos-sociais e solidários. Na justificativa da PEC 287/2016 não existe nenhuma referência a esses valores, reduzindo a Previdência a uma questão econômica.

    Buscando diminuir gastos previdenciários, a PEC 287/2016 “soluciona o problema”, excluindo da proteção social os que têm direito a benefícios. Ao propor uma idade única de 65 anos para homens e mulheres, do campo ou da cidade; ao acabar com a aposentadoria especial para trabalhadores rurais; ao comprometer a assistência aos segurados especiais (indígenas, quilombolas, pescadores…); ao reduzir o valor da pensão para viúvas ou viúvos; ao desvincular o salário mínimo como referência para o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a PEC 287/2016 escolhe o caminho da exclusão social.

    A opção inclusiva que preserva direitos não é considerada na PEC. Faz-se necessário auditar a dívida pública, taxar rendimentos das instituições financeiras, rever a desoneração de exportação de commodities, identificar e cobrar os devedores da Previdência. Essas opções ajudariam a tornar realidade o Fundo de Reserva do Regime da Previdência Social – Emenda Constitucional 20/1998, que poderia provisionar recursos exclusivos para a Previdência.

    O debate sobre a Previdência não pode ficar restrito a uma disputa ideológico-partidária, sujeito a influências de grupos dos mais diversos interesses. Quando isso acontece, quem perde sempre é a verdade. O diálogo sincero e fundamentado entre governo e sociedade deve ser buscado até à exaustão.

    Às senhoras e aos senhores parlamentares, fazemos nossas as palavras do Papa Francisco: “A vossa difícil tarefa é contribuir a fim de que não faltem as subvenções indispensáveis para a subsistência dos trabalhadores desempregados e das suas famílias. Não falte entre as vossas prioridades uma atenção privilegiada para com o trabalho feminino, assim como a assistência à maternidade que sempre deve tutelar a vida que nasce e quem a serve quotidianamente. Tutelai as mulheres, o trabalho das mulheres! Nunca falte a garantia para a velhice, a enfermidade, os acidentes relacionados com o trabalho. Não falte o direito à aposentadoria, e sublinho: o direito — a aposentadoria é um direito! — porque disto é que se trata.”

    Convocamos os cristãos e pessoas de boa vontade, particularmente nossas comunidades, a se mobilizarem ao redor da atual Reforma da Previdência, a fim de buscar o melhor para o nosso povo, principalmente os mais fragilizados.

    Na celebração do Ano Mariano Nacional, confiamos o povo brasileiro à intercessão de Nossa Senhora Aparecida. Deus nos abençoe!

    Brasília, 23 de março de 2017.

    Cardeal Sergio da Rocha

    Arcebispo de Brasília

    Presidente da CNBB

    Dom Murilo S. R. Krieger, SCJ

    Arcebispo de São Salvador da Bahia

    Vice-Presidente da CNBB

    Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM

    Bispo Auxiliar de Brasília

    Secretário-Geral da CNBB

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