• 31/03/2017

    Vicente Kiwxi e a luta Enawenê Nawê

    Por Egon Dionisio Heck e Cimi Regional MT

    Em abril de 1987, um grupo de fazendeiros e pistoleiros chegavam sorrateiramente ao barraco de Vicente Cañas na beira do Rio Juruena, município de Juína (MT). Com pauladas na cabeça e uma facada, assassinaram friamente Vicente em seu barraco, conforme depoimento de indígenas.  Era o sangue de mais um missionário morto por defender a vida e os direitos dos povos indígenas, principalmente suas terras.

    Vicente, juntamente com Thomaz Lisboa e alguns indígenas, fizeram contato com os Enawenê em 1974. A partir de então ele esteve com esse povo, sendo os últimos dez anos de sua vida dedicados integralmente aos Enawenê.

    Hoje, 31 de março, estará iniciando um relevante encontro de partilha e reflexão sobre a memória da missão e do martírio desse missionário. O Cimi, os jesuítas e a Opan estão organizando esse encontro, do qual estarão participando lideranças indígenas do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, missionários indigenistas, pastorais, professores e membros de diversas entidades.

    No decorrer desses dias, será também lançado o livro sobre a memória, martírio e missão de Vicente Cañas. “Provocar Rupturas, construir o Reino” é mais um instrumento importe para celebrar a memória desse “missionário para o século 21”.

    “Sim, Vicente estava à frente de seu tempo, de sua Igreja e Congregação e, talvez à frente até do Cimi. Para colocar o martírio de Vicente Cañas no contexto amplo de nossa Ameríndia, quero parafrasear outro santo mártir, Dom Oscar Romero de San Salvador: ‘Alegro-me porque o Cimi é perseguido, justamente por sua opção preferencial pelos povos indígenas e pelo esforço de se encarnar nos desafios dos povos indígenas, na defesa de seus territórios, de seu Bem Viver, de suas culturas e do reconhecimento das poucas leis que protegem seu futuro’”, afirma o presidente do Cimi e Arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi, no prólogo ao livro.


    foto: Egon Heck/Cimi

    Será um momento forte para animar e reforçar a presença junto aos povos indígenas. “A Vicente Cañas e a todos aqueles que, como ele, fizeram germinar com seu sangue e sua radicalidade a semente da justiça em tantos povos indígenas de qualquer parte do mundo”, afirmam José Terol e José Carrion, autores de “Tras las huellas de Vicente Canãs”.

    No Seminário estarão grandes amigos de Kiwxi – nome que Vicente Cañas recebeu dos Myky, outro povo da bacia do rio Juruena com quem o jesuíta conviveu, que significa “doar-se todo” – como Thomás Lisboa, Egydio Schwade, Batomeu Melliá, dentre outros.

    Também estarão presentes índios Enawenê Nawê. Depois de 30 anos do assassinato, esse povo não apenas continua com a memória viva de Kiwixi, mas continuam afirmando que era um deles. Com certeza sentem muito a falta desse seu amigo nesses momentos difíceis por que estão passando, com ataques contra seus direitos e pressão sobre seus territórios.

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  • 31/03/2017

    Grupo Kaingang preso no norte do RS é solto por ordem do STJ; Cimi denuncia arrendamentos


    Terra Indígena Kandóia: na quarta, 29, pistoleiro atacou aldeia. Crédito das fotos: Renato Santana/Cimi


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi


    Depois de quase cinco meses de detenção, os indígenas Kaingang Marcelina da Silva, Adamor Franco, Ereni Adimo Franco, Laerte Franco, Davi  Feixe, Elias da Silva e Elizeu dos Santos foram soltos nesta quinta-feira, 30, e poderão responder ao processo em liberdade. Outros três indígenas seguem detidos, envolvidos em outras situações de criminalização. O ministro-relator Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu habeas corpus a favor de medida alternativa à prisão preventiva que vinha sendo cumprida pelos Kaingang no Presídio de Lagoa Vermelha.

    Na madrugada de 23 de novembro de 2016, uma operação de guerra acordou a comunidade da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha, em Sananduva (RS). Despachados pela Justiça Estadual, mandados de prisão foram cumpridos pela Polícia Federal sob a acusação de que o grupo Kaingang incendiou lavouras privadas e ameaçou cometer o mesmo crime contra a população local. Assista aqui.

    "(…) na leitura da decisão de primeiro grau não houve menção a nenhum ato específico que pudesse demonstrar a efetiva participação dos pacientes nos eventos criminosos", afirma o ministro-relator do caso, cujo voto foi acompanhado pela Sexta Turma do STJ em unanimidade. O ministro ressaltou que acompanha a alegação da Subprocuradora-Geral da República, Mônica Nicida Garcia, que diz:

    "No caso, verifica-se a falta de fundamentação concreta da conduta, de cada um dos pacientes, tanto nas representações quanto nas decisões que decretaram as priões preventivas, que narraram, de forma genérica, sem delimitação e individualização, os atos praticados pelos acusados". A Justiça Estadual limitou-se a dizer que os indígenas estariam constrangendo os agricultores "mediante violência ou grave ameaça".

    Para o Ministério Público Federal (MPF), se tratou de detenção “ilegal em massa, abuso de autoridade, violência, segregação e exposição vexatória”, acompanhando relatório organizado pela Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O coordenador do Cimi Regional Sul, Roberto Liebgott, salienta que "o inquérito foi conduzido pela Polícia Civil e os mandados de prisão feitos por uma juíza estadual a pedido da PF. Uma aberração jurídica".

    A advogada Caroline Dias Hilgert, da Assessoria Jurídica do Cimi, entidade que impetrou o habeas corpus junto ao STJ, fez a sustentação oral em defesa dos Kaingang, na Sexta Turma do STJ. Caroline sustentou aos ministros, entre os argumentos da linha de defesa, que o caso deveria ser alçado à esfera federal, mas o relator decidiu não abordar a questão em sua decisão.



    O norte do Rio Grande do Sul se tornou tão perigoso aos indígenas quanto áreas no Mato Grosso do Sul

    Norte do Rio Grande do Sul: arrendamentos e o crescimento da violência contra os povos indígenas

     

    Os Kaingang postos em liberdade vivem no norte do Rio Grande do Sul, região que registra crescente onda de violações e violências contra os povos indígenas. Nos últimos anos, conflitos fundiários têm repercutido na vida das aldeias e acampamentos com criminalização. Caciques e lideranças são envolvidos em crimes sem provas, sofrendo acusações vagas e subjetivas, além de campanha difamatória na mídia local. Conforme apuração do Cimi Regional Sul, a negativa em arrendar terras tradicionais está por trás da ofensiva.   

    Na noite desta quarta-feira, 29, a família de Deoclides Kaingang recebeu uma visita inesperada no acampamento da Terra Indígena Kandóia, município de Faxinalzinho. Um homem branco, não identificado, esmurrou a porta da casa do indígena exigindo que ele saísse. A esposa de Deoclides comunicou que ele não estava, então o homem ameaçou matá-la. Aos gritos, a indígena o obrigou a fugir temendo a chegada de outros Kaingang.  

    O Cimi Regional Sul orientou os Kaingang a registrar Boletim de Ocorrência, ao passo que informou o episódio ao Conselho Estadual de Defensores de Direitos Humanos. Deoclides Kaingang é atendido pelo Programa de Defensores; está entre os 111 indígenas protegidos pelo Estado brasileiro. "As câmeras instaladas na casa do Deoclides estão sem funcionar. Solicitamos a manutenção porque se elas estivessem operando, o pistoleiro teria sido identificado", diz Liebgott.

    Oito lideranças da comunidade encontram-se no programa de proteção do governo Federal. A comunidade está criminalizada desde 2014. Atribui-se a seus membros crimes de organização criminosa e, além disso, 19 homens da comunidade foram denunciados por duplo homicídio e roubo. A terra que a comunidade reivindica é de 2000 hectares, mas o procedimento de demarcação foi paralisado no ano de 2013.

    A Farsul

    “Considerando que o clima tenso e hostil provocados pelos atos dos indígenas, beirando as vias do conflito, o que pode resultar em eminente risco à segurança e a vida dos envolvidos, bem como da população sananduvense”, diz um trecho do decreto assinado pelo vice-prefeito de Sananduva, Leovir Fidêncio Antunes Benedetti, horas depois do incêndio cuja autoria recaiu sobre os Kaingang postos em liberdade nesta quinta, 30.

    Um organização ruralista participou ativamente de toda a articulação contra os Kaingang. A Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) acusou publicamente os Kaingang e alguns agricultores (que não fazem oposição aos indígenas) pelo fogo. Sem provas ou quaisquer investigações policiais, o vice-prefeito decretou Estado de Calamidade Pública, atendendo à Farsul.

    No dia seguinte a  PF já tinha solicitado à Justiça Estadual a prisão de seis indígenas e dois agricultores; no dia 23, a operação de guerra, que em tese levaria tempo a ser mobilizada, fez a invasão e as prisões.

    As plantações queimadas pertencem, coincidentemente, aos fazendeiros que não permitiram a Funai realizar o trabalho envolvendo a demarcação física da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha, que teve o Relatório Circunstanciado publicado pelo Ministério da Justiça em 25 de abril de 2011, com 1.916 hectares. Os Kaingang, que contam com o apoio dos agricultores, resistem a tentativas de arrendamento e invasões de terras na região.

    Em carta, o Cimi Regional Sul alertou nesta quinta, 30, autoridades de direitos humanos sobre as consequências aos indígenas que se opõem aos arrendamentos de terras tradicionais na região – e como os recentes fatos, envolvendo a criminalização dos Kaingang, podem estar envolvidos com tal negativa de participação naquilo que é considerado um crime pela Constituição (o usufruto de uma terra indígena é exclusivo ao povo que a ocupa).

    Leia na íntegra:  

    Carta do Cimi ao Conselho Estadual dos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos/RS; ao Programa Nacional de Proteção do Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos; ao Conselho Estadual de Direitos Humanos

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul vem, respeitosamente, apresentar alguns fatos, que no nosso modo de sentir são preocupantes, pois afetam comunidades e lideranças indígenas no Rio Grande do Sul.

    Como é de conhecimento público, as disputas pela terra e pelo seu usufruto são uma  constante no Rio Grande do Sul. Os fatos mais graves, envolvendo violências como ameaças, perseguições, criminalização, prisões e assassinatos ocorrem nas regiões norte e noroeste do estado.

    Há duas questões bem emblemáticas  e que merecem atenção e cuidado daqueles que lidam com as ferramentas públicas pela defesa dos direitos à vida e pela garantia dos demais direitos humanos:

    – Há terras que foram reservadas para comunidades indígenas no século XX e que hoje são cobiçadas por aqueles que pretendem obter lucros através de sua exploração através do plantio de produtos como soja, milho e trigo – e essa exploração se dá através de um esquema criminoso de arrendamento de terras e aliciamento de indígenas;

    – Há comunidades indígenas, pelo menos 60,  em todo o estado do Rio Grande do Sul, em luta pela demarcação e reconhecimento de suas terras como sendo de ocupação tradicional e que rompem, na prática, com o esquema dos arrendamentos de terras.

    Tendo presente estas duas realidades podemos então adentrar nas questões que envolvem o contexto indígena no Rio Grande do Sul.

    No que tange ao primeiro tópico é importante salientar que os fatos criminosos de arrendamento de terras (vedados pela Constituição Federal e Estatuto do Índio) são notórios, ou seja, são de conhecimento público e dos Poderes Públicos.

    Não se traz aqui nenhuma novidade política ou jurídica. Há acordos na Justiça Federal, pactuadas com o Ministério Público Federal, de que este processo – de arrendamentos – é ilegal e portanto deveria ser, de imediato, superados juridicamente. Optou-se por um acordo de que até no final ano de 2016 todos os arrendamentos seriam concluídos e, a partir de então, as terras deveriam, como prevê a lei, destinadas ao usufruto exclusivo das comunidades indígenas.

    Há, no entanto, que se levar em conta de que o arrendamento de terras indígenas envolve muita gente. Dentre estas gentes, muitas delas importantes do ponto de vista político, jurídico e econômico. Há, pelo que se vislumbra, além do aliciamento de índios, pessoas da sociedade envolvente – autoridades municipais, estaduais, federais e políticos – ganhando dinheiro com o arrendamento de terras. Movimenta-se nas regiões norte e noroeste do RS milhões e milhões de reais oriundos do plantio, colheita e comercialização de grãos, especialmente de soja.

    O acordo Judicial certamente não agradou a todos os interessados. O cacique de Serrinha, Antônio Mig, comprometido com o acordo judicial, decidiu estabelecer o acordo como o fim do arrendamento – perante aqueles que arrendavam as terras, passou a não atender mais aos interesses econômicos. Antônio foi assassinado com seis tiros, na semana passada. Os bandidos ainda não foram encontrados.

    No que se refere ao segundo tópico salientamos que as comunidades em luta pela demarcação de terras vêm, ao longo dos anos, se posicionando contra o arrendamento das áreas indígenas. No geral as comunidades vivem em acampamentos nas margens das cidades ou rodovias. Cada ação política que desenvolvem, no sentido de cobrar providência para que suas terras sejam efetivamente demarcadas e reconhecidas, as comunidades sofrem represálias, nem tanto da sociedade em geral, mas acabam sendo agredidos por políticos, autoridades municipais e estaduais e pela Polícia Federal e Poder  Judiciário-que na prática aceita as teses e as propostas – inquéritos policiais – que visam a criminalização das lutas pela demarcação de terras.

    Relatamos dois casos que nos parecem elucidativos:  

    Terra Indígena Kandóia:  

    Terra Indígena Kandóia, município de Faxinalzinho/RS, a comunidade Kaingang conta  com 80 famílias, mas de 200 pessoas que vivem em uma área de terra de aproximadamente quatro hectares, que foi cedida pelo estado do RS para uso por um período de 20 anos. A terra que a comunidade reivindica é de 2000 hectares, mas o procedimento de demarcação foi paralisado no ano de 2013. Foi publicado o relatório circunstanciado da terra e aguarda-se a publicação da portaria declaratória por parte do Ministério da Justiça.

    A comunidade está criminalizada desde 2014. Atribui-se a seus membros crimes de organização criminosa e, além disso, 19 homens da comunidade foram denunciados por duplo homicídio e roubo.

    Oito lideranças da comunidade encontram-se no programa de proteção do governo Federal – PPDDH -, no entanto a comunidade como um todo está vulnerável. O sistema de vigilância lá implementado, por falta de manutenção do sistema, está inoperante.

    Na noite do dia 28 de março um homem de cor branca não identificado se dirigiu à  casa do Deoclides e proferiu ameaças de morte. No entanto, ele não estava na casa, mas a esposa relatou os fatos: o sujeito disse que encheria o Deoclides de tiros. A comunidade registrou ocorrência na Polícia Civil e providenciou um esquema de vigilância interna.

    Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha:

    Passo Grande do Rio Forquilha, município de Sananduva-RS a Comunidade Kaingang, com 40 famílias e  cerca de 150 pessoas,  luta pela demarcação da terra há décadas. O procedimento de demarcação avançou até a fase da publicação da portaria declaratória pelo ministério da Justiça, fato que se deu em maio do ano de 2011. A área é de 1750 hectares. No entanto, não houve a desintrusão da terra, ou seja, os agricultores que lá residem não foram removidos permanecem ocupando a área indígena. As famílias de agricultores não receberam as indenizações pelas benfeitorias de boa-fé.

    No ano de 2015 a comunidade decidiu, para pressionar o governo federal, retomar partes da terra que estão sob a posse de agricultores. O conflito se intensificou, uma vez que o sindicato rural e alguns grandes proprietários da região, que também exploram parcelas da terra, passaram a atacar os indígenas. Houve alguns conflitos.

    Em 2016, com o intento de exigir que a demarcação fosse concluída e os agricultores devidamente indenizados, os Kaingang passaram a impedir que o usufruto da terra por não-índios. Isso gerou uma grande ofensiva política e jurídica contra a comunidade. Acabou que se abriu inquérito e houve mandados de prisão contra as lideranças da comunidades.

    Dez indígenas acabaram presos no dia 23 de novembro de 2016 e permaneceram encarcerados por crimes de organização criminosa, extorsão e ameaça, e crime contra a ordem pública. Os mandados de prisão foram expedidos pela justiça estadual, embora o inquérito todo tenha sido conduzido pela polícia federal, o que é fato no mínimo estranho.

    Através de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar um Habeas Corpus impetrado por advogados do Cimi, houve a liberação, no dia 29 de março,  de sete dos dez indígenas presos em Lagoa Vermelha.

    As prisões foram evidentemente para criminalizar os líderes da comunidade e seus familiares, tanto que, dentre os presos, estavam Leonir  Franco,  o cacique, seu pai e mãe Ereni Franco e Marcelina da Silva. Além deles,  os irmãos do Cacique Wilian Franco – eleito vereador pelo município de Cacique Doble nas últimas eleições –  Laerte Franco e o tio Adamor Franco, além dos professores Elias da Silva,  Davi Faix e Elizeu Santos.

    Pelos fatos acima relatados se pede:

    Acompanhamento de processos judiciais envolvendo o assassinato de Antônio Mig-cacique da Terra Serrinha;

    Fiscalizar e acompanhar o cumprimento da determinação judicial de que os arrendamentos de terras sejam definitivamente paralisados na região;

    Cobrar do Poder Público para que as comunidades indígenas  tenham efetivamente o acesso e usufruto as terras demarcadas;

    Acompanhar o desenvolvimento dos processos envolvendo a criminalização dos 19 indígenas de Kandóia denunciados pelos crimes de homicídios e roubo;

    Assegurar que em Kandóia seja reorganizado o procedimento de fiscalização e monitoramento da comunidade;

    Assegurar a proteção dos defensores e defensoras indígenas da comunidade Kandóia;

    Acompanhar os processo envolvendo a comunidade de Passo Grande do Rio Forquilha e suas lideranças criminalizadas;

    Propor que o Ministério Público Federal abra um procedimento de investigação sobre o arrendamento de terras indígenas na região norte, com o intento de investigar  os possíveis beneficiários destas ações criminosos na região norte e noroeste do Rio Grande do Sul;

    ​Assegurar que o Programa Nacional de Proteção dos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos atue junto às comunidades indígenas ameaçadas- especificamente Kandóia e Passo Grande do Rio Forquilha.

    Contando com a compreensão  e o atendimento das proposições nos despedimos.

    Atenciosamente

    Roberto Antonio Liebgott

    Coordenador do Conselho Indigenista Missionário Regional Sul


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  • 30/03/2017

    Insurgência Kaiowá e Guarani: dez anos de omissão e genocídio


    foto: Egon Heck/Cimi

    Por Egon Heck e Cimi – Regional MS

    Um início de semana em que Dourados, de cara lavada por intensas chuvas, poderia conspirar como apenas mais uma semana. Porém quando o presidente da Funai, Antonio Costa, desembarcou em Dourados, mais uma batalha de insurgência foi deflagrada. Os Kaiowá Guarani, em numero de mais de 200 indígenas, cobraram com vigor guerreiro o descumprimento da Constituição que ocasionou o assassinato de dezenas de indígenas nas últimas décadas no sul do cone sul do Mato Grosso do Sul.

    TAC Demarcação já

    A batalha travada nesta última semana se deu quando já se vão quase dez anos da assinatura de um Termo de Ajustamento de conduta (TAC) para que todas as terras e territórios indígenas fossem regularizadas. Estabeleceram-se prazos para que isso fosse realizado. Até 2009 as terras deveriam estar todas identificadas. Porém, isso não se concretizou. Prevaleceram mais uma vez os inimigos dos índios. O Estado brasileiro não apenas se omitiu e curvou ante essas forças, como as transformou em práticas de governo.

    Quando o procurador federal em Dourados, Charles Estevan Pessoa, estava participando de uma Grande Assembleia Aty Guasu na Terra Indígena Yvy Katu, em 2007, estupefato se referiu  à gravíssima situação das terras e direitos Kaiowá e Guarani. “Se o governo, através da Funai, assumiu os direitos do vosso povo como prioridade há cinco anos e neste período não regularizou nenhum palmo de terra ao vosso povo, então vamos pensar juntos o que podemos fazer para cobrar essa prioridade”.

    No debate que se seguiu com as lideranças indígenas foi definido o caminho da cobrança judicial, através de um Termo de Ajustamento de Conduta, que seria assinado Pelo Ministério Público Federal (MPF), Funai e lideranças Indígenas. Foi então escolhido uma delegação de 20 lideranças. No dia 7 de novembro o TAC foi assinado, na sede da Funai, em Brasília. Marcio Meira era o presidente do órgão indigenista.

    As lideranças indígenas, na época, não tinham a ilusão de que seria fácil fazer o que estavam no papel se transformar em realidade – no caso, o reconhecimento dos direitos às terras tradicionais e originárias. E junto com o MPF passaram a cobrar do governo a execução das demarcações dentro do prazo estabelecido.


    foto: Egon Heck/Cimi

    A violência contra o TAC

    Porém, não previam que as reações fossem tão virulentas, violentas e genocidas. Os governantes e poder econômico do Mato Grosso do Sul se alvoroçaram em campanhas mentirosas e reações judiciais. Afirmaram que mais de 20 municípios seriam extintos, pois se transformariam em territórios indígenas. Afirmaram que mais de 30% dos 36 milhões de hectares do estado do MS seriam destinados aos Kaiowa Guarani. Foram deflagrados muitos absurdos do gênero.

    Passaram então a paralisar as demarcações e trabalhos de identificação, judicialmente, pela violência e ameaças.
    Nesta semana tivemos portanto mais um lance dessa dramática e criminosa política.  O presidente da Funai, Ministério Público Federal e lideranças indígenas debateram e definiram a execução do TAC.  Frente aos indígenas, o novo presidente mais uma vez reafirmou o compromisso da Funai com o cumprimento dos termos do TAC. Elizeu Kaiowá sintetizou a angustia e a determinação dos Kaiowá e Guarani nas seguintes palavras: 

    “Mais uma vez a Aty Guasu veio receber o presidente da Funai e esperamos que ele não esteja mentindo desta vez, já foram tantos que passaram por aqui. Se não estivessem mentindo já teriam feito o que está no TAC. Desta vez, na presença do presidente da Funai nós, todas lideranças, jovens, rezadores, exigimos que a Funai demarque nossos territórios. Eles não nos enganam mais. Não queremos continuar vendo nossas lideranças serem assassinadas. Enquanto não demarcarem vamos continuar nossas retomadas”.


    foto: Egon Heck/Cimi

    A Funai, pelo descumprimento dos prazos, já deve às comunidades afetadas mais de dois milhões de reais. Porém não existem recursos que tragam de volta as vidas sacrificadas nesses dez anos. Os Kaiowá Guarani querem a imediata retomada das demarcações de seus territórios e que os responsáveis por essa omissão sejam punidos.

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  • 29/03/2017

    Terra da União ocupada pelos Kariri Xocó de Paulo Afonso (BA) tem reintegração suspensa pelo TRF-1

    Crédito das fotos: Renato Santana/Cimi

    Crédito das fotos: Renato Santana/Cimi

    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi | Enviado a Paulo Afonso (BA)

    Na manhã desta quarta-feira, dia 29, indígenas Kariri Xocó de Paulo Afonso acordaram com duas dezenas de viaturas policiais na porta da aldeia. Mais tarde, perto do meio-dia, dois indígenas foram detidos pela Polícia Federal por transportarem pneus num carrinho de mão – foram soltos no meio da tarde. As ações são um indicativo do que estava programado para acontecer nesta quinta, dia 30: o despejo da comunidade. A CHESF inclusive foi incumbida pela Justiça Federal de fornecer os tratores para destruir moradias, casa de reza e roças. Não havia conflito na área, antes usada por criminosos para estupros, assaltos e como estande de tiro – moradores evitavam passar na frente do local, diferente de hoje com os indígenas ali. Semanas atrás até um drone foi utilizado pela polícia para mapear o lugar; na sequência, uma viatura da Polícia Rodoviária Federal invadiu a aldeia e um dos agentes, sem identificação, ameaçou as lideranças – a ocorrência foi registrada junto ao MPF. 

    Dona Bernadete embala o sono da pequena Rafaela movimentando suavemente o maracá. Costuma buscar um novo ponto de toré a cada dia para entoar com a mesma voz aveludada, quase sussurrando. A cadeira de balanço movimenta-se de forma sideral, rangendo estrelas de ferro. Por alguns instantes não se sente na periferia da cidade de Paulo Afonso (BA), mas numa aldeia. A família reunida na terra tradicional.

    “Agora o maracá de minha avó balança em minha mão”, diz Rafaela Kariri Xocó. Mãe de dois filhos, a indígena lembra das lágrimas de Dona Bernadete e deixa verter as próprias. “Ela sofria muito com a gente crescendo na cidade, com costumes muito escondidos. Desejava ver toda a família junta, vivendo numa aldeia e praticando o ritual. Sempre lembrava quem somos”.

    Há dez meses, o cacique Jailson e o pajé José Francisco, sobrinhos de Dona Bernadete, lideraram a retomada de quase dois hectares de terra tradicional às margens do rio São Francisco – um lugar sagrado para os povos indígenas do Submédio e Baixo São Francisco: as cachoeiras sagradas de Paulo Afonso, interrompidas pela barragem do complexo hidrelétrico construído na década de 1950.

    Na terra encontraram escombros de uma antiga estrutura de alojamentos, barracões, torres, garagens e escritórios do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT), abandonada há três décadas. Nestas ruínas ergueram o antigo sonho de Dona Bernadete e reagruparam as famílias na aldeia Kariri Xocó de Paulo Afonso. “Sempre senti um vazio na minha vida. Essa batalha é o que me faltava”, afirma Rafaela.

    Nesta quarta-feira, 29, a comunidade amanheceu com mais de 20 viaturas das polícias Federal, Militar e Civil na entrada da aldeia. Estava programado para esta quinta, 30, o despejo dos Kariri Xocó do território. Pela tarde, o desembargador Kassio Marques do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, suspendeu a reintegração de posse. Dois pontos tornaram a decisão da Justiça federal de Paulo Afonso questionável: a área pertence à União – a impetrante da ação é uma empresa privada, a UZI Construtora – e a liminar de reintegração de posse não correspondente à terra retomada pelos indígenas.

    Para a Procuradoria-Geral da República (PGR) há “instabilidade no exame da questão” pela Justiça Federal, sendo que a melhor saída seria manter os indígenas na terra. “Há uma manifestação da Administração Pública (dotada de legitimidade) de que a área ocupada pelos indígenas pertence à União, e é diversa do imóvel indicado pela prova trazida aos autos pela autora da demanda. Evidencia-se aí, no mínimo, a necessidade de esclarecimento desta questão na fase de instrução, sendo precipitada a manutenção da liminar de reintegração de posse”, argumenta a PGR no processo.

    “Seria uma tragédia caso o despejo ocorresse. Os indígenas mostraram que são capazes de transformar escombros em vida, vida em abundância. Enquanto Cimi (Conselho Indigenista Missionário) os apoiamos de forma integral, aqui em Paulo Afonso e com a nossa Assessoria Jurídica, em Brasília. Estamos aqui com demais povos e organizações indígenas para dizer que vamos lutar, seguimos com o povo”, declara o missionário Ângelo Bueno – ao lado do também missionário Otto Mendes. ambos foram intimados a depor em outro processo de reintegração, indeferido, contra o povo Truká-Tupã (praticamente vizinho aos Kariri Xocó de Paulo Afonso).

    “Estamos falando de um processo que afeta toda a região da Bacia do São Francisco. Tenho certeza que não são apenas os indígenas que sofrem, mas os pescadores e pescadoras, quilombolas, sem-terras. Existe uma grande movimentação de especulação imobiliária, roubo de terras, investimentos privados e grandes empreendimentos do agronegócio com a Transposição do São Francisco. O que uma construtora de São Paulo faz com uma escritura de posse de uma terra propriedade da União ao lado do rio São Francisco, no sertão baiano?”, sintetiza Alzení Tomáz, integrante da Comissão Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP). 

    Reintegração de terra da União para empresa privada

    Em dezembro do ano passado, estavam reunidas 67 famílias na retomada – cerca de 170 indígenas entre crianças (quase 50), mulheres, homens e idosos. Conseguiram telhas e madeira para cobrir as estruturas transformadas em habitação, limparam o terreno e iniciaram o plantio de roças. No rio passaram a buscar o peixe. Mesmo vivendo nos últimos quatro meses sem receber cestas básicas, então fornecidas pela Funai, não passam fome.

    Naquele mesmo dezembro receberam uma notícia que assustou a todos e todas. O juiz João Paulo Pirôpo de Abreu, da Justiça Federal de Paulo Afonso, concedeu liminar de reintegração de posse para a UZI Construtora, sediada em São José dos Campos, interior de São Paulo. A empresa apresentou uma escritura de posse da área ocupada pelos Kariri Xocó, o suficiente para embasar a decisão do juiz pelo despejo.

    A Procuradoria da Funai recorreu ao TRF-1. O Ministério Público Federal (MPF), no entanto, entrou com um recurso na própria Justiça Federal, em janeiro deste ano, argumentando que conforme levantamento da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) a área ocupada pelos indígenas é da União.

    De acordo com documentos apresentados pelo MPF, em 2014 o DNIT manifestou à SPU não ter interesse nesta área chamada Cachoeira dos Veados, ao lado da Ponte Metálica da BR-423 – local da retomada Kariri Xocó. No entanto, a construtora impetrou liminar pela reintegração da Fazenda Tapera de Paulo Afonso. “Estou convicto e tenho total clareza de que a terra é da União. Da mesma forma que nos autos há dúvidas sobre qual a área a ser reintegrada”, afirma o Procurador da República, Bruno Jorge Rijo Lamenha Lins.

    O juiz João Paulo Pirôpo de Abreu manteve a posição e designou um verdadeiro aparato de guerra para o despejo. Solicitou ainda que a CHESF, empresa que administra o complexo hidrelétrico, tratores para destruição das moradias, roças e demais estruturas. Sem alternativa, o MPF pediu a suspensão da reintegração ao TRF-1 tão logo notificado da reiterada postura do juiz.

    “(…) o juiz foi de encontro aos fundamentos da própria decisão liminar que deferiu a reintegração, uma vez que, nesta, a prova da posse se fundou única e exclusivamente na suposta propriedade do bem”, argumentou o Procurador Regional da República, João Akira Omoto, aos desembargadores do TRF-1.

    Para o procurador, a “Justiça Federal, com o auxílio da Polícia Federal e da Polícia Militar, está na iminência (de) retirar os índios das áreas em voga, a fim de dar cumprimento ao mandado de reintegração de posse, embora o processo ora relacionado diga respeito à imóvel pertencente ao patrimônio público, ocupado por indígenas, os quais não possuem, caso removidos dessas terras, qualquer assistência por parte do Estado ou perspectiva de realocação em outras localidades”.

    O Relatório de ‘Fiscalização Ambiental – Fiscalização Preventiva Integrada na Bacia do Rio São Francisco’ está nos autos processuais como mais uma prova da controvérsia quanto a terra ser de posse da UZI Construtora. Razão pela qual, de acordo com o MPF, “a alegação da autora passaria por diversos prejuízos diante de propostas de negociações que não podem ser realizadas por conta da ocupação da tribo (termo de audiência)”.
    “As provas arroladas no presente feito superam em robustez e veracidade aquelas que embasaram a decisão judicial”, destaca o procurador Omoto. A área reivindicada pela construtora margeia o leito de rodagem da rodovia federal BR-425 (sub-trecho da BR 110), enquanto os Kariri Xocó estão em uma área limítrofe à BR-423.

    “São argumentos bem esmiuçados e comprovados. A terra é da União, não resta dúvidas. Existe ainda uma outra dimensão, porque se trata de um povo indígena. Os Kariri Xocó encontraram um lugar abandonado numa área considerada sagrada não apenas para eles, mas também para mais povos do São Francisco, e o transformaram numa aldeia próspera. Temos a certeza de que a reintegração não é a melhor solução”, destacou a Promotora Pública, Luciana Cury.

    Vida digna em risco

    Em reunião com os Kariri Xocó, na semana passada, e nos autos processuais, o juiz reconheceu a propriedade da União, mas afirmou que a função do juiz é decidir, “mesmo que seja uma decisão errada”. Ao passo que reconheceu a divergência atestada pelo MPF, desconsiderou o reagrupamento de famílias separadas por intervenções anteriores do Estado e o que conseguiram construir na aldeia formada.

    “Agora estamos tendo uma vida digna, com nossa plantação, melancia, abóbora, feijão, todo tipo de legumes, frutas, macaxeira e o rio pertinho para pegar peixe. Exercemos aqui nossa tradição, nossa cultura, nosso toré. Vivemos em paz e olhamos pros nossos filhos satisfeitos, vendo que eles estão mais felizes e aprendendo a plantar. Vão botar a polícia contra a gente por quê?”, questiona cacique Jailson kariri Xocó.

    Há pouco mais de 50 anos, famílias Kariri Xocó migraram para Paulo Afonso fugindo da seca e privações pela falta da terra tradicional na região de Porto Real do Colégio, em Alagoas. Buscavam uma vida melhor na região do ‘Reinado Encantado das Cachoeiras de Paulo Afonso’. Pouco depois de se fixarem, foram afetados pela construção do complexo hidrelétrico – são quatro barragens, uma delas na grande cachoeira.

    “Quando foram construídas, as barragens silenciaram grupos humanos, entre eles indígenas e quilombolas. A dispersão se deu na base da força. O impacto do empreendimento causa essa dispersão e retroalimenta novas dispersões entre os Pankararu, Kariri Xocó, Pankararé, Fulni-ô. Várias famílias só agora estão se reencontrando”, explica o professor Juracy Marques.

    Pesquisador da disciplina de Ecologia Humana da Universidade estadual da Bahia (Uneb), Marques estuda há dez anos os povos indígenas da Bacia do São Francisco. “A história exigiu um reencontro. Se trata de um momento único. Lamentável que a estrutura jurídica do país não consiga ler o que isso significa. A terra é da união, não é provada, mas para além disso se trata de um território tradicional”, defende o professor.

    Reinado encantado

    A cidade de Paulo Afonso, ou a região em que ela foi fundada, hoje e sempre significou para os povos indígenas um local de rituais, encontros com o sagrado, comunhão interétnica e por conta das cachoeiras reino de espíritos – quedas d’água são amiúde consideradas por povos de todo o país espaço do sagrado. De tal modo, Paulo Afonso sempre recebeu indígenas de Pernambuco, Bahia e Alagoas.

    “Foram décadas que passamos desaldeados na periferia da cidade. Então a gente foi casando com indígenas de outros povos, como Pankararu e Fulni-ô, que também chegavam aqui fugindo da fome, por falta de terra ou de passagem só. Filhos, netos. Foi nascendo, né. Mas isso é antigo também, sempre foi assim. Os mais velhos sempre disseram que ia chegar a hora de buscarmos nossa terra”, explica o cacique.

    O pajé José Francisco lembra que a escolha do lugar se deu pelo direcionamento dos Encantados – espíritos antiquíssimos presentes na cosmologia dos índios do Nordeste. Se para estudiosos a história explica a indicação um tanto quanto óbvia, outros elementos são detalhados pelo pajé e que pela legislação vigente no Brasil podem atestar a tradicionalidade da terra.

    “É lugar onde nossos guias vivem, nossos encantados. Isso muitos povos indígenas sabem. Cheguei aqui e achei caatinga de cheiro, emburana de cheiro, alecrim, catingueir. Tem uma porção de pé de pau que não cresce em qualquer lugar não. Essa é uma medicina indígena, uma ciência nossa. Tem a faveleira. É uma planta poderosa, oxe! Forte mesmo pra curar, pros guias”, diz o pajé.

    Sair da terra vai deixar “a gente desagasalhado”, explica. O temor do pajé é ainda maior porque caso a reintegração ocorresse, a casa de reza teria de ser desfeita. “Não posso colocar as ferramentas do reinado na rua, em qualquer lugar. Quando a gente vivia na periferia, olha, era dolorido de ver o quanto a gente era xingado por colocar um praiá na rua. A gente não quer mais isso”, revela o pajé.

    Reintegrações: fronteiras de resistência

    Na última semana, a Justiça Federal de Paulo Afonso não concedeu uma reintegração de posse contra os Truká-Tupã. Há quase dez anos, os indígenas retomaram uma fazenda incidente sobre área tradicional de um jeito pouco habitual: foram convidados a entrar pelo proprietário, interessado na indenização do Estado. O tempo passou e a Funai não pagou por possíveis benfeitorias.

    “O caso mostra como o governo é lento, moroso. Gerou um problema que não existia. É uma face dessa onda de reintegrações que no Governo da Bahia motivou a criação de um grupo só para tratar dessas situações. Acontece muito, por força de interesses privados, sobretudo com indígenas e quilombolas. O caso dos parentes Kariri Xocó de Paulo Afonso se insere em tal contexto”, analisa Jerry Matalawê Pataxó, da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia.

    O indígena é coordenador Executivo da Superintendência de Apoio e Defesa aos Direitos Humanos. “Entre o meu povo, o Pataxó, é quase uma dezena de reintegrações em curso. Isso no extremo sul baiano. Recentemente comemoramos o adiamento por 90 dias de um pacote de reintegrações. Foi uma vitória dentro de uma situação muito adversa, envolvendo mais de uma aldeia”, explica Matalawê.

    Para a liderança Pataxó, o temor é de conflito durante a ação de despejo. Os Kariri Xocó afirmam que não há mais para onde ir. Pretendem resistir. “Ouvindo os parentes a gente teme por um confronto desigual. Além de ajudá-los a tentar reverter a reintegração, porque no meu sangue corre sangue de índio, minha gestão no governo é de garantir que o contingente da Polícia Militar solicitada pela Justiça Federal não cometa excessos. Estarei junto dos meus parentes no dia 30, espero que para comemorar a suspensão da reintegração”.

    A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste (Apoinme) enviou representantes à aldeia Kariri Xocó de Paulo Afonso. Por telefone, Sarapó Pankararu, um dos coordenadores da Apoinme, afirmou que os demais povos da Bahia, Pernambuco e Alagoas estão mobilizados em apoio aos Kariri Xocó. “O momento é de unidade: a pancada que um povo leva todos sentem. Os parentes estão numa terra que é dos antigos, tá nos relatos dos avôs, bisavôs. Pankararu sempre andou ali”, diz.

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  • 29/03/2017

    Guarani e Kaiowá manifestam-se em Dourados e exigem do presidente da Funai a demarcação de suas terras


    Foto: Egon Heck/Cimi

    Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação

    Cerca de 200 indígenas Guarani e Kaiowá manifestaram-se nesta terça (28) em frente à sede do Ministério Público Federal (MPF) de Dourados, no Mato Grosso do Sul, durante reunião do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Antônio Costa, com procuradores federais e lideranças indígenas para discutir a demarcação das terras Guarani e Kaiowá no estado.

    Conselheiros da Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, participaram da reunião e entregaram uma carta ao presidente da Funai, na qual exigem que o Estado “pare o extermínio que pratica contra nosso povo através da negligência” e afirmam que “o movimento pela reconquista de nossos Tekoha não é negociável e nem poderá ser usado como condição para que o Estado cumpra com as obrigações que são constitucionais”.

    O presidente da Funai foi a Dourados para discutir o Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) assinado entre a Funai e o MPF no ano de 2007. O acordo, tentativa de superar a morosidade nas demarcações no Mato Grosso do Sul e de diminuir a crescente violência contra os indígenas, determinava que diversas terras tivessem seus relatórios publicados até o ano de 2009, sob pena de multa de mil reais por dia de atraso.

    Além dos Guarani e Kaiowá e dos estudantes indígenas da Universidade Federal da Grande Dourados, apoiaram a manifestação o movimento estudantil local, movimentos sindicais e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

    Em dez anos, apenas três das terras indígenas previstas pelo TAC tiveram o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) – primeira etapa do processo de demarcação – concluído pela Funai, que já acumula uma multa milionária em função do descumprimento do termo. Em junho de 2014, a multa acumulada já era de R$ 1,716 milhão, segundo o MPF, e segue contando.

    A situação se agrava porque, como indicam os Guarani e Kaiowá na carta, muitas terras indígenas e muitos tekoha – lugar onde se é – ficaram de fora do TAC, que previa originalmente a demarcação de 39 tekoha reunidos em sete terras indígenas nomeadas conforme as bacias dos rios da região – chamadas, em Guarani, de pegua.

    Uma das demarcações que saíram neste período – a da Terra Indígena (TI) Ypo’i/Triunfo, publicada em 19 de abril de 2016 – é um desmembramento da proposta dos pegua, o que significa que outros tekoha previstos pelo TAC para a mesma bacia desta TI continuam sem providência.


    Vídeo: Rafael de Abreu

    Marcas da violência

    Nas últimas páginas do TAC assinado em 2007, constam as assinaturas – e impressões digitais, no caso dos não letrados – das autoridades e lideranças que participaram do fechamento do acordo. Dentre elas, estão os nomes de Nísio Gomes e Ambrósio Vilhalva, duas das diversas lideranças Guarani e Kaiowá que foram assassinadas, desde o estabelecimento do termo, sem ver suas terras demarcadas.

    “Queremos lembrar que desde que o TAC foi assinado, e pelo motivo dele nunca ter sido cumprido, mais de dez lideranças foram assassinadas”, destaca a carta da Aty Guasu. “Essas pessoas não estão mais aqui para ver suas terras serem demarcadas e nem poderão pisar, dançar, cantar e rezar sobre elas no futuro”.

    Os Guarani e Kaiowá exigiram do MPF a cobrança da multa da Funai e dos responsáveis diretos pela morosidade e, se necessário, a reversão do valor da multa para a contratação de antropólogos com a finalidade de garantir a conclusão das demarcações paralisadas.

    Os indígenas também solicitaram ao MPF que “o Ministro da Justiça e o presidente da Funai sejam processados pelos crimes de negligência contra nosso povo”.

    Além da TI Ypo’i/Triunfo, outras duas terras do TAC tiveram seu relatório publicado desde 2007: a TI Iguatemipegua I, em 2013, e a TI Dourados-Amambaipegua I, em 2016, dentro de cujos limites ocorreu o massacre de Caarapó, em junho do ano passado, vitimando o indígena Clodiodi Aquileu de Souza.

    Além das terras contempladas pelo TAC, apenas uma outra, Panambi/Lagoa Rica, teve seu RCID publicado neste período, no ano de em 2012. Até hoje, nenhuma destas teve as contestações respondidas pela Funai, o que também foi cobrado pelos indígenas.


    Retorno em maio

    Como resultado da reunião, o presidente da Funai, Antônio Costa, firmou o compromisso de retornar a Dourados na segunda quinzena de maio, trazendo um diagnóstico técnico das demarcações de terras Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, com a finalidade de retomar os trabalhos paralisados, inclusive os não abarcados pelo TAC original.

    Em depoimento à mídia local, o presidente da autarquia afirmou que foram firmados compromissos quanto à “criação de grupos de trabalho e de uma força-tarefa para não deixar mais parado que precisa ser feito no Estado com relação as terras Guarani e Kaiowá”.

    Os indígenas também cobraram o presidente da Funai quanto ao recente corte de cargos no órgão, que teve 87 cargos comissionados de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) extintos por decreto do governo federal publicado na última sexta (24).

    Costa respondeu aos indígenas que a Funai espera reverter a situação com a convocação de parte dos 200 servidores técnicos aprovados em concurso realizado no ano passado.


    Do lado de fora, indígenas cercam presidente da Funai em Dourados. Foto: Egon Heck/Cimi

    Sem terra, a fome

    O corte de cargos ocorreu poucas semanas depois do ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR), ter afirmado que “terra não enche barriga” e que os indígenas deviam deixar de lado a luta pela demarcação de seus territórios.

    A afirmação do ministro ruralista contradiz um estudo técnico realizado pela Fian Brasil em parceria com o Cimi, em 2016, e a posição de especialistas do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão ligado à Presidência da República, que evidenciam a relação direta entre a morosidade na demarcação de terras e a fome entre os Guarani e Kaiowá, agravada na enorme quantidade de acampamentos em que muitos dos indígenas vivem.

    Os três tekoha analisados no estudo da Fian com o Cimi – Guaiviry, Ypo’i e Kurusu Ambá – foram contemplados pelo TAC de 2007 e ainda aguardam a demarcação, com os indígenas vivendo em pequenas áreas de acampamento. Nos três, foi verificado um índice de insegurança alimentar e nutricional de 100%, com quase metade das crianças menores de cinco anos sofrendo de desnutrição crônica.

    “Nossa luta é uma luta de todos: Nhanderu, Nhandecy, Anciões, Homens, Mulheres, crianças… O Estado deve ter pressa de parar o extermínio que pratica contra nosso povo através da negligência. Até lá continuaremos morrendo se for preciso, na luta pelos nossos Tekoha”, afirma o documento da Aty Guasu.

    Leia a íntegra da carta da Aty Guasu

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  • 27/03/2017

    Para CNBB, Reforma da Previdência “escolhe o caminho da exclusão social”

    A Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou, nesta quinta-feira, dia 23 de março, uma nota sobre a Reforma da Previdência. No texto, aprovado pelo Conselho Permanente da entidade, os bispos elencam alguns pontos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, considerando que a mesma “escolhe o caminho da exclusão social” e convocam os cristãos e pessoas de boa vontade “a se mobilizarem para buscar o melhor para o povo brasileiro, principalmente os mais fragilizados”.

    Em entrevista coletiva à imprensa, também foram apresentadas outras duas notas. Uma sobre o foro privilegiado e outra em defesa da isenção das instituições filantrópicas. Na ocasião, a Presidência da CNBB falou das atividades e temas de discussão durante a reunião do Conselho Permanente, que teve início na terça-feira, dia 21 e terminou no fim da manhã desta quinta, 23.

    Apreensão

    Na nota sobre a PEC 287, a CNBB manifesta apreensão com relação ao projeto do Poder Executivo em tramitação no Congresso Nacional. “A previdência não é uma concessão governamental ou um privilégio. Os direitos Sociais no Brasil foram conquistados com intensa participação democrática; qualquer ameaça a eles merece imediato repúdio”, salientam os bispos.

    O Governo Federal argumenta que há um déficit previdenciário, justificativa questionada por entidades, parlamentares e até contestadas levando em consideração informações divulgadas por outros governamentais. Neste sentido, os bispos afirmam não ser possível “encaminhar solução de assunto tão complexo com informações inseguras, desencontradas e contraditórias”.

    A entidade valorizou iniciativas que visam conhecer a real situação do sistema previdenciário brasileiro com envolvimento da sociedade.

    Leia na íntegra:

    NOTA DA CNBB SOBRE A PEC 287/16 – “REFORMA DA PREVIDÊNCIA”

    “Ai dos que fazem do direito uma amargura e a justiça jogam no chão”

    (Amós 5,7)

    O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, dos dias 21 a 23 de março de 2017, em comunhão e solidariedade pastoral com o povo brasileiro, manifesta apreensão com relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, de iniciativa do Poder Executivo, que tramita no Congresso Nacional.

    O Art. 6º. da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a Previdência seja um Direito Social dos brasileiros e brasileiras. Não é uma concessão governamental ou um privilégio. Os Direitos Sociais no Brasil foram conquistados com intensa participação democrática; qualquer ameaça a eles merece imediato repúdio.

    Abrangendo atualmente mais de 2/3 da população economicamente ativa, diante de um aumento da sua faixa etária e da diminuição do ingresso no mercado de trabalho, pode-se dizer que o sistema da Previdência precisa ser avaliado e, se necessário, posteriormente adequado à Seguridade Social.

    Os números do Governo Federal que apresentam um déficit previdenciário são diversos dos números apresentados por outras instituições, inclusive ligadas ao próprio governo. Não é possível encaminhar solução de assunto tão complexo com informações inseguras, desencontradas e contraditórias. É preciso conhecer a real situação da Previdência Social no Brasil. Iniciativas que visem ao conhecimento dessa realidade devem ser valorizadas e adotadas, particularmente pelo Congresso Nacional, com o total envolvimento da sociedade.

    O sistema da Previdência Social possui uma intrínseca matriz ética. Ele é criado para a proteção social de pessoas que, por vários motivos, ficam expostas à vulnerabilidade social (idade, enfermidades, acidentes, maternidade…), particularmente as mais pobres. Nenhuma solução para equilibrar um possível déficit pode prescindir de valores éticos-sociais e solidários. Na justificativa da PEC 287/2016 não existe nenhuma referência a esses valores, reduzindo a Previdência a uma questão econômica.

    Buscando diminuir gastos previdenciários, a PEC 287/2016 “soluciona o problema”, excluindo da proteção social os que têm direito a benefícios. Ao propor uma idade única de 65 anos para homens e mulheres, do campo ou da cidade; ao acabar com a aposentadoria especial para trabalhadores rurais; ao comprometer a assistência aos segurados especiais (indígenas, quilombolas, pescadores…); ao reduzir o valor da pensão para viúvas ou viúvos; ao desvincular o salário mínimo como referência para o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a PEC 287/2016 escolhe o caminho da exclusão social.

    A opção inclusiva que preserva direitos não é considerada na PEC. Faz-se necessário auditar a dívida pública, taxar rendimentos das instituições financeiras, rever a desoneração de exportação de commodities, identificar e cobrar os devedores da Previdência. Essas opções ajudariam a tornar realidade o Fundo de Reserva do Regime da Previdência Social – Emenda Constitucional 20/1998, que poderia provisionar recursos exclusivos para a Previdência.

    O debate sobre a Previdência não pode ficar restrito a uma disputa ideológico-partidária, sujeito a influências de grupos dos mais diversos interesses. Quando isso acontece, quem perde sempre é a verdade. O diálogo sincero e fundamentado entre governo e sociedade deve ser buscado até à exaustão.

    Às senhoras e aos senhores parlamentares, fazemos nossas as palavras do Papa Francisco: “A vossa difícil tarefa é contribuir a fim de que não faltem as subvenções indispensáveis para a subsistência dos trabalhadores desempregados e das suas famílias. Não falte entre as vossas prioridades uma atenção privilegiada para com o trabalho feminino, assim como a assistência à maternidade que sempre deve tutelar a vida que nasce e quem a serve quotidianamente. Tutelai as mulheres, o trabalho das mulheres! Nunca falte a garantia para a velhice, a enfermidade, os acidentes relacionados com o trabalho. Não falte o direito à aposentadoria, e sublinho: o direito — a aposentadoria é um direito! — porque disto é que se trata.”

    Convocamos os cristãos e pessoas de boa vontade, particularmente nossas comunidades, a se mobilizarem ao redor da atual Reforma da Previdência, a fim de buscar o melhor para o nosso povo, principalmente os mais fragilizados.

    Na celebração do Ano Mariano Nacional, confiamos o povo brasileiro à intercessão de Nossa Senhora Aparecida. Deus nos abençoe!

    Brasília, 23 de março de 2017.

    Cardeal Sergio da Rocha

    Arcebispo de Brasília

    Presidente da CNBB

    Dom Murilo S. R. Krieger, SCJ

    Arcebispo de São Salvador da Bahia

    Vice-Presidente da CNBB

    Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM

    Bispo Auxiliar de Brasília

    Secretário-Geral da CNBB

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  • 27/03/2017

    Brasília será palco do Acampamento Terra Livre, que reunirá mais de 1,5 mil indígenas


    O Acampamento Terra Livre (ATL) vai reunir mais de 1,5 mil lideranças indígenas de todo o país, em Brasília, de 24 a 28 de abril, em Brasília. A maior mobilização de povos indígenas do país será realizada em meio a uma grande ofensiva contra seus direitos, articulada nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Neste ano, o mote do acampamento é “Unificar as lutas em defesa do Brasil indígena” e seu objetivo é “reunir em grande assembleia lideranças dos povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil para discutir e se posicionar sobre a violação dos direitos constitucionais e originários dos povos indígenas e das políticas anti-indígenas do Estado brasileiro”.

    O ATL é um importante momento de articulação entre lideranças de todo país e de incidência política do movimento indígena. Estão na pauta da mobilização, entre outros temas, a paralisação das demarcações indígenas; o enfraquecimento das instituições e políticas públicas indigenistas; as iniciativas legislativas anti-indígenas que tramitam no Congresso; a tese do “Marco Temporal”, pela qual só devem ser consideradas Terras Indígenas as áreas que estavam de posse de comunidades indígenas na data de promulgação da Constituição (5/10/1988); os empreendimentos que impactam negativamente os territórios indígenas; a precarização da saúde e educação indígenas diferenciadas; a negação do acesso à Justiça e a criminalização das lideranças indígenas.

    Durante os três dias do ATL acontecerão marchas, atos públicos, audiências com autoridades dos três poderes, debates, palestras, grupos de discussão e atividades culturais. O ATL 2017 é promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) com apoio de organizações indígenas, indigenistas, da sociedade civil e movimentos sociais parceiros.

    A APIB vai disponibilizar condições de logística, infraestrutura e alimentação no acampamento. O transporte das delegações a Brasília fica a cargo das redes e organizações indígenas regionais e locais e de seus parceiros. A recepção está marcada para 24 de abril, a partir do horário do jantar. O encerramento das atividades será realizado na noite de 27 de abril. O retorno das delegações a seus estados deve ocorrer no dia 28.

    Para outras informações, entre em contato com a representação da Apib em Brasília: apibbsb@gmail.com (61) 3034-5548 /A convocatória do ATL 2017 está disponível em:
    http://apib.redelivre.org.br/2017/03/27/convocatoria-acampamento-terra-livre-2017

    APIB

    A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB é uma instância de aglutinação e referência nacional do movimento indígena no Brasil. A APIB foi criada pelo Acampamento Terra Livre (ATL) de 2005, a mobilização nacional que é realizado todo ano, a partir de 2004, para tornar visível a situação dos direitos indígenas e reivindicar do Estado brasileiro o atendimento das demandas e reivindicações dos povos indígenas. Fazem parte da APIB as seguintes organizações indígenas regionais: Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e Região (ARPIPAN), Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE), Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL), Grande Assembléia do povo Guarani (ATY GUASU) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
                       
    Acampamento Terra Livre 2017
    Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena
    Quando: 24 a 28 de abril de 2017
    Onde: Brasília, local ainda a ser definido

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  • 27/03/2017

    STF mantém bloqueio de bens de desembargador por invasão à Terra Indígena Marãiwatsédé

    O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, nesta terça-feira (21), o bloqueio de “bens imóveis e veículos” contra o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), Manoel Ornellas de Almeida. O magistrado sofre uma ação ajuizada pela União por suposta invasão à Terra Indígena Marãiwatsede (na foto) entre os municípios de Alto da Boa Vista e São Félix do Araguaia.

    Ornellas havia protocolado uma reclamação no STF contra decisão da 1ª Vara Federal de Mato Grosso, alegando que o juízo havia afrontado a autoridade da instância máxima da justiça brasileira, além de proceder de forma diversa do que estabelece a Súmula Vinculante nº 3; nº 70 e nº 391/STF.

    Ornellas havia adquirido em 2008 uma propriedade rural localizada nos municípios de Alto da Boa Vista e São Félix do Araguaia, no extremo nordeste do Estado, numa região que é palco de disputa entre índios da etnia Marãiwatsede, e posseiros. Segundo o processo, o desembargador sabia da situação delicada em que a área se encontrava e, mesmo assim, “empreendeu melhorias e edificou benfeitorias”, uma vez que não havia restrições no Registro Geral de Imóveis (RGI).

    O magistrado afirma ainda que se tornou proprietário de uma área rural vizinha e que em 2011 recebeu a escritura do “proprietário da Fazenda Suia Missu” – área de 165 mil hectares, na região entre Alto da Boa Vista e São Félix do Araguaia, que foi demarcada como Terra Xavante em 1998 e que já contava com moradores e agricultores que foram despejados pela Polícia Federal entre o fim de 2012 e o início de 2013 num episódio que ganhou repercussão internacional em virtude da tensão entre as partes provocada pela possibilidade de um “massacre”.

    A referida área adquirida pelo magistrado, porém, já era alvo de sequestro judicial desde julho de 2009. O desembargador aposentado reclama que não integrou parte no processo do Ministério Público Federal (MPF) – que defendia o retorno da propriedade à comunidade indígena Xavante -, uma vez que a citação dos envolvidos ocorreu em 1995, quando “sequer sonhava em adquirir terra na região”.

    Mesmo sem a citação, o ex-magistrado alega que foi “despejado” de sua propriedade com uso de força policial, afirmando, ainda, que a ação de despejo seria ilegal pois seu nome não havia sido parte no processo, o que prejudicaria seu direito constitucional à ampla defesa. Ele também argumenta que foi atingido pela determinação de 1995, quando ainda não ocupava a região, e que o fato lhe casou prejuízos uma vez que todo seu patrimônio construído ali lhe foi retirado, restando “aguardar decisão final de um processo do qual não participou”.

    Ele também reclama de que foi alvo de uma ação da união que obrigava o reflorestamento da região onde era localizada sua propriedade, causando-lhe a cobrança de “elevadíssimas multas”, e que está sendo “submetido a um verdadeiro confisco de bens em evidente ofensa ao devido processo legal prescrito no artigo 5º, LIV da Carta Magna pátria”

    O desembargador aposentado se considera “vítima de uma política indígena exercida pela União, ao tempo, no firme propósito de instalar fontes de renda por meio de atos corruptivos, assim como foi o ‘Mensalão’ e a ‘Petrobrás’, estando, no caso, sujeito a atos arbitrários praticados pela Funai”.

    O ministro do STF, Dias Toffoli, entretanto, afirmou que a “reclamação constitucional” não é instrumento mais indicado para questionar uma suposta violação a dispositivos constitucionais e que o mecanismo utilizado pelo desembargador aposentado para o desbloqueio de seus bens não pode ser usado como recurso para “ações judiciais em geral”.

    Toffoli negou, ainda, o seguimento da reclamação, fato que prejudicou o pedido liminar de Ornellas pela liberação de seus bens.


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  • 26/03/2017

    Nota Pública: Em Defesa do Povo Kariri Xocó de Paulo Afonso (BA)


    Crédito das fotos: Renato Santana/Cimi


    A decisão da Justiça Federal pela reintegração de posse de área retomada pelos Kariri Xocó de Paulo Afonso (BA), na base das cachoeiras sagradas dos povos indígenas do rio São Francisco, silenciadas pelo complexo hidrelétrico construído na década de 1950, gerou profunda indignação de povos e organizações indígenas, entidades e movimentos sociais. O despejo está marcado para o próximo dia 30/03/2017.

    Há dez meses, 67 famílias Kariri Xocó – dispersas entre municípios do Submédio e Baixo São Francisco – atenderam o desejo dos mais velhos: o reencontro em comunidade no território tradicional onde pudessem viver de forma plena as práticas e costumes do povo; da mesma forma, garantir condições dignas para os 168 indígenas sobrevivendo sob severas privações nas periferias das cidades.

    Retomaram cerca de dois hectares de terras pertencentes à União, abandonadas há 30 anos sob os escombros de construções então usadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT). Mesmo diante do levantamento cartorial da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), o Juiz Federal Paulo João Paulo Pirôpo de Abreu concedeu à UZI Construtora LTDA a reintegração de posse tomando por base uma escritura.

    O juiz considerou apenas a suposta propriedade do bem, mesmo reconhecendo nos autos que a terra retomada pelos Kariri Xocó é da União. Em 2014, o DNIT manifestou à SPU não ter interesse nesta área chamada Cachoeira dos Veados, ao lado da Ponte Metálica da BR-423. No entanto, a construtora impetrou liminar pela reintegração da Fazenda Tapera de Paulo Afonso – não correspondente à terra retomada pelos indígenas.

    A decisão do juiz, em meio a dúvidas inquietantes quanto ao local a ser reintegrado, foi questionada pelo Ministério Público Federal (MPF), em agravo de instrumento ao Tribunal Regional Federal (TRF) 1, como um bem da União. A reintegração permite ainda o uso ostensivo de forças policiais e a destruição de roças e hortas que vem abastecendo as famílias com alimentos, casa de oração, moradias aprimoradas pelo povo e plantas medicinais essenciais à saúde e práticas religiosas.

    Para os Kariri Xocó, os últimos dias têm sido de grande tensão, pois no local encontraram condições dignas de sobrevivência plantando a própria comida, pescando nas águas do Velho Chico e atendendo a uma dimensão que infelizmente a Justiça Federal não costuma incluir em suas decisões: o Sagrado. O território tradicional encontra-se numa área considerado ‘Reinado Encantado das Cachoeiras Sagradas’ de Paulo Afonso.

    Se trata de um grave ataque aos direitos Constitucionais e ao Projeto de Vida do povo Kariri Xocó, tecido em fios de espiritualidade e reelaboração de uma convivência tradicional já interrompida anteriormente pelo Estado com os grandes empreendimentos hidrelétricos. Ataque, inclusive, cercado por incertezas latentes, presentes nos autos, e injustiça – chegando ao ponto de o juiz solicitar à CHESF (novamente) tratores para devastar o território indígena.

    Contra a reintegração de posse, manifestamos nosso apoio incondicional aos Kariri Xocó de Paulo Afonso em sua luta pela permanência na terra. Esperamos que o TRF-1 suspenda o despejo e evite mais uma cena de truculência do Estado usando de forte aparato bélico contra mulheres grávidas, crianças, anciãos e homens que antes viviam de incertezas e agora trabalham no chão que sempre lhes pertenceu.

    Os Kariri Xocó decidiram que não há mais lugares para onde ir, a não ser continuar no território tradicional de seus ancestrais.

    Paulo Afonso (BA), 24 de março de 2017

    ASSINAM A NOTA:

    Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste – Apoinme

    Articulação Popular São Francisco Vivo

    Associação Cultura de Preservação do Patrimônio Bantu – ACBATU

    Associação dos Professores Indígenas do Norte e Oeste da Bahia – APINOBA

    CÁRITAS Diocesana de Propriá

    Comissão Pastoral da Terra – CPT

    Comissão Pastoral dos Pescadores – CPP

    Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra – CEDITER

    Conselho dos Povos Indígenas da Bahia – COPIBA

    Conselho Indigenista Missionário – Cimi

    Instituto Acção

    Licenciatura Intercultural em Educação Escolar Indígena – LICEEI

    Movimento de Mulheres Camponesas – MMC

    Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA

    Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Baixo São Francisco – MPP

    Movimento Indígena da Bahia – MIBA

    Sociedade Brasileira de Ecologia Humana – SABEH


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  • 25/03/2017

    Kaingang denunciam comentários racistas no Ministério Público Federal


    Manifestação dos Kaingang de Campo do Meio. Foto: Alvandir Kaingang

    Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação

    Indígenas do povo Kaingang denunciaram ao Ministério Público Federal (MPF), na última segunda-feira (20), agressões e insultos racistas recebidos após manifestação contra a reforma da previdência na semana passada. A mobilização dos Kaingang da Terra Indígena Campo do Meio, no Rio Grande do Sul, foi coberta pela página do Facebook de uma rádio local, que recebeu diversos comentários racistas e preconceituosos.

    O que querem estes me dá me dá?” “Tinha q largar uma bomba e mada [matar] tudo”. Estes foram alguns dos comentários registrados pelos indígenas (reproduzidos abaixo) e levados em anexo à denúncia apresentada ao Ministério Público Federal (MPF).

    “Fizemos um ato com o objetivo de mostrar para a sociedade que somos contra a reforma, porque nós sofremos as consequências desse governo e também estamos sendo lesados por esta proposta”, explica Alvandir Kaingang, professor da escola indígena da retomada de Campo do Meio.

    “Estou trabalhando há muitos anos com uma escola indígena, então não sou preguiçoso, muito menos vagabundo. Estou prestando um serviço à sociedade, instruindo as nossas crianças para que elas tenham futuro. E o meu povo, todos eles são trabalhadores. Mas lutam por seus direitos, e aí vem pessoas dizer que somos vadios, vagabundos, que merecemos morrer, que nos resta nos bombardear. Então, esperamos uma posição do MPF”, prossegue o Kaingang.

    A exemplo de muitos povos e comunidades e em consonância com as manifestações que tomaram as ruas do país no último dia 15, os Kaingang de Campo do Meio realizaram uma manifestação na BR-285, no trevo de acesso aos municípios de Gentil e Água Santa, no Rio Grande do Sul, nas proximidades da terra indígena.

    A manifestação foi organizada pelos professores e estudantes da escola indígena, mas contou com a adesão de toda a comunidade. Os indígenas seguraram cartazes à beira do asfalto, sem sequer bloquear o trânsito da rodovia.

    “A gente foi xingado por certas pessoas que comentaram. Somos contra o racismo nesse país, é uma vergonha, as pessoas não entendem a nossa voz, estamos gritando pela sociedade inteira e elas vêm nos atribuir como baderneiros, vagabundos, preguiçosos. Nós não vamos nos calar diante disso”, continua Alvandir.

    No ofício entregue ao MPF de Passo Fundo, os indígenas denunciam as ofensas “de ódio, preconceito, racismo e cunho fascista” e pedem providências urgentes para responsabilizar civil e criminalmente os autores e indenizar a comunidade.

    “Lutaremos sempre pelo reconhecimento e garantia de nossos direitos e não aceitaremos que nos digam quem somos”, afirmam os Kaingang.

    Racismo recorrente na região sul

    Pouco mais de um mês atrás, o atropelamento de uma criança Kaingang no centro de Chapecó, no oeste de Santa Catarina, resultou numa situação semelhante. Além da dor da perda do pequeno Naman da Rosa, de apenas nove anos, os familiares da criança, natural da Terra Indígena Aldeia Condá, ainda tiveram que suportar comentários racistas e raivosos em portais locais.

    “Um bugre esmoleiro a menos”, “não são gente” diziam alguns dos comentários racistas, também denunciados pelos pais de Naman ao MPF. À época, o procurador da República de Chapecó, Carlos Humberto Prola, afirmou que os autores dos comentários poderão ser responsabilizados civil e criminalmente.

    No mesmo dia em que os indígenas de Campo do Meio se manifestavam no Rio Grande do Sul, o autor do assassinato de Vitor Kaingang, de apenas dois anos, era julgado em Imbituba, litoral de Santa Catarina. Matheus Ávila Silveira foi condenado a 19 anos de prisão em regime fechado pelo crime ocorrido em 30 de dezembro de 2015, quando degolou o bebê indígena no colo da mãe, na rodoviária do município.

    O caso foi um dos avaliados no relatório produzido pelo Grupo de Trabalho (GT) sobre os direitos dos povos indígenas da região Sul do Brasil, instituído pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e apresentado no ano passado.

    O relatório evidenciou uma situação de duras violações aos direitos dos povos indígenas no estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, destacando-se o forte racismo e a segregação social dos povos indígenas. Segundo o relatório, tal situação se agrava em função da desterritorialização e do confinamento a que estes povos, expulsos de suas terras, foram submetidos, e se torna ainda mais alarmante pelo fato de políticos locais, especialmente os ligados à bancada ruralista, fazerem do racismo e dos ataques aos povos indígenas da região sua plataforma política.

    A situação é histórica: também em Chapecó, em 2016, um jornal foi condenado por publicar uma charge racista, 14 anos antes, contra os Kaingang da Terra Indígena Toldo Chimbangue. À época, os indígenas lutavam pela demarcação de sua terra tradicional e foram duramente criminalizados, com apoio de vereadores locais e meios de comunicação.


    Foto: Alvandir Kaingang

    Reforma da Previdência é inconstitucional

    A participação de muitos povos e comunidades indígenas nas manifestações do último dia 15 de março são motivadas pelos retrocessos que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, a PEC da reforma da Previdência, representa também aos povos originários, inviabilizando, na prática, o acesso a seu direito de aposentadoria.

    “Nós aderimos ao movimento contra a reforma da previdência porque a gente sofre com as consequências de um sistema perverso implantado no país. Nós, indígenas, sempre fomos massacrados pelo Estado brasileiro, e não vamos rebaixar a guarda e ficar calados, até porque a proposta da reforma da previdência fere a constituição e vai prejudicar não somente a nós, mas a todo o Brasil”, explica Alvandir Kaingang.

    Os indígenas estão incluídos, hoje, no regime de aposentadoria rural, que garante um salário mínimo aos indígenas que completarem 60 anos, se homens, ou 55, se mulheres. A nova proposta prevê o fim da diferenciação entre homens e mulheres, estabelecendo a idade mínima de 65 anos para ambos e estabelece uma contribuição individual mensal para cada trabalhador ou trabalhadora, de uma taxa de 5% do salário mínimo.

    Segundo parecer produzido pela Assessoria Jurídica do Cimi, as mudanças propostas pela PEC 287 são inconstitucionais.

    “A coerção da contribuição mensal à previdência, para aquisição de direito previdenciário pelos índios, encontra óbice no art. 231 da CF/88: os povos indígenas têm direito constitucional de viver de acordo com seus usos, costumes e tradições, podendo não comercializar, se for próprio da sua organização social. Mesmo sem comercializar sua produção ou artesanatos, os índios têm direito ao benefício em comento”, afirma o documento.

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