• 29/03/2017

    Guarani e Kaiowá manifestam-se em Dourados e exigem do presidente da Funai a demarcação de suas terras


    Foto: Egon Heck/Cimi

    Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação

    Cerca de 200 indígenas Guarani e Kaiowá manifestaram-se nesta terça (28) em frente à sede do Ministério Público Federal (MPF) de Dourados, no Mato Grosso do Sul, durante reunião do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Antônio Costa, com procuradores federais e lideranças indígenas para discutir a demarcação das terras Guarani e Kaiowá no estado.

    Conselheiros da Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, participaram da reunião e entregaram uma carta ao presidente da Funai, na qual exigem que o Estado “pare o extermínio que pratica contra nosso povo através da negligência” e afirmam que “o movimento pela reconquista de nossos Tekoha não é negociável e nem poderá ser usado como condição para que o Estado cumpra com as obrigações que são constitucionais”.

    O presidente da Funai foi a Dourados para discutir o Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) assinado entre a Funai e o MPF no ano de 2007. O acordo, tentativa de superar a morosidade nas demarcações no Mato Grosso do Sul e de diminuir a crescente violência contra os indígenas, determinava que diversas terras tivessem seus relatórios publicados até o ano de 2009, sob pena de multa de mil reais por dia de atraso.

    Além dos Guarani e Kaiowá e dos estudantes indígenas da Universidade Federal da Grande Dourados, apoiaram a manifestação o movimento estudantil local, movimentos sindicais e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

    Em dez anos, apenas três das terras indígenas previstas pelo TAC tiveram o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) – primeira etapa do processo de demarcação – concluído pela Funai, que já acumula uma multa milionária em função do descumprimento do termo. Em junho de 2014, a multa acumulada já era de R$ 1,716 milhão, segundo o MPF, e segue contando.

    A situação se agrava porque, como indicam os Guarani e Kaiowá na carta, muitas terras indígenas e muitos tekoha – lugar onde se é – ficaram de fora do TAC, que previa originalmente a demarcação de 39 tekoha reunidos em sete terras indígenas nomeadas conforme as bacias dos rios da região – chamadas, em Guarani, de pegua.

    Uma das demarcações que saíram neste período – a da Terra Indígena (TI) Ypo’i/Triunfo, publicada em 19 de abril de 2016 – é um desmembramento da proposta dos pegua, o que significa que outros tekoha previstos pelo TAC para a mesma bacia desta TI continuam sem providência.


    Vídeo: Rafael de Abreu

    Marcas da violência

    Nas últimas páginas do TAC assinado em 2007, constam as assinaturas – e impressões digitais, no caso dos não letrados – das autoridades e lideranças que participaram do fechamento do acordo. Dentre elas, estão os nomes de Nísio Gomes e Ambrósio Vilhalva, duas das diversas lideranças Guarani e Kaiowá que foram assassinadas, desde o estabelecimento do termo, sem ver suas terras demarcadas.

    “Queremos lembrar que desde que o TAC foi assinado, e pelo motivo dele nunca ter sido cumprido, mais de dez lideranças foram assassinadas”, destaca a carta da Aty Guasu. “Essas pessoas não estão mais aqui para ver suas terras serem demarcadas e nem poderão pisar, dançar, cantar e rezar sobre elas no futuro”.

    Os Guarani e Kaiowá exigiram do MPF a cobrança da multa da Funai e dos responsáveis diretos pela morosidade e, se necessário, a reversão do valor da multa para a contratação de antropólogos com a finalidade de garantir a conclusão das demarcações paralisadas.

    Os indígenas também solicitaram ao MPF que “o Ministro da Justiça e o presidente da Funai sejam processados pelos crimes de negligência contra nosso povo”.

    Além da TI Ypo’i/Triunfo, outras duas terras do TAC tiveram seu relatório publicado desde 2007: a TI Iguatemipegua I, em 2013, e a TI Dourados-Amambaipegua I, em 2016, dentro de cujos limites ocorreu o massacre de Caarapó, em junho do ano passado, vitimando o indígena Clodiodi Aquileu de Souza.

    Além das terras contempladas pelo TAC, apenas uma outra, Panambi/Lagoa Rica, teve seu RCID publicado neste período, no ano de em 2012. Até hoje, nenhuma destas teve as contestações respondidas pela Funai, o que também foi cobrado pelos indígenas.


    Retorno em maio

    Como resultado da reunião, o presidente da Funai, Antônio Costa, firmou o compromisso de retornar a Dourados na segunda quinzena de maio, trazendo um diagnóstico técnico das demarcações de terras Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, com a finalidade de retomar os trabalhos paralisados, inclusive os não abarcados pelo TAC original.

    Em depoimento à mídia local, o presidente da autarquia afirmou que foram firmados compromissos quanto à “criação de grupos de trabalho e de uma força-tarefa para não deixar mais parado que precisa ser feito no Estado com relação as terras Guarani e Kaiowá”.

    Os indígenas também cobraram o presidente da Funai quanto ao recente corte de cargos no órgão, que teve 87 cargos comissionados de Direção e Assessoramento Superiores (DAS) extintos por decreto do governo federal publicado na última sexta (24).

    Costa respondeu aos indígenas que a Funai espera reverter a situação com a convocação de parte dos 200 servidores técnicos aprovados em concurso realizado no ano passado.


    Do lado de fora, indígenas cercam presidente da Funai em Dourados. Foto: Egon Heck/Cimi

    Sem terra, a fome

    O corte de cargos ocorreu poucas semanas depois do ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR), ter afirmado que “terra não enche barriga” e que os indígenas deviam deixar de lado a luta pela demarcação de seus territórios.

    A afirmação do ministro ruralista contradiz um estudo técnico realizado pela Fian Brasil em parceria com o Cimi, em 2016, e a posição de especialistas do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão ligado à Presidência da República, que evidenciam a relação direta entre a morosidade na demarcação de terras e a fome entre os Guarani e Kaiowá, agravada na enorme quantidade de acampamentos em que muitos dos indígenas vivem.

    Os três tekoha analisados no estudo da Fian com o Cimi – Guaiviry, Ypo’i e Kurusu Ambá – foram contemplados pelo TAC de 2007 e ainda aguardam a demarcação, com os indígenas vivendo em pequenas áreas de acampamento. Nos três, foi verificado um índice de insegurança alimentar e nutricional de 100%, com quase metade das crianças menores de cinco anos sofrendo de desnutrição crônica.

    “Nossa luta é uma luta de todos: Nhanderu, Nhandecy, Anciões, Homens, Mulheres, crianças… O Estado deve ter pressa de parar o extermínio que pratica contra nosso povo através da negligência. Até lá continuaremos morrendo se for preciso, na luta pelos nossos Tekoha”, afirma o documento da Aty Guasu.

    Leia a íntegra da carta da Aty Guasu

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  • 27/03/2017

    Para CNBB, Reforma da Previdência “escolhe o caminho da exclusão social”

    A Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou, nesta quinta-feira, dia 23 de março, uma nota sobre a Reforma da Previdência. No texto, aprovado pelo Conselho Permanente da entidade, os bispos elencam alguns pontos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, considerando que a mesma “escolhe o caminho da exclusão social” e convocam os cristãos e pessoas de boa vontade “a se mobilizarem para buscar o melhor para o povo brasileiro, principalmente os mais fragilizados”.

    Em entrevista coletiva à imprensa, também foram apresentadas outras duas notas. Uma sobre o foro privilegiado e outra em defesa da isenção das instituições filantrópicas. Na ocasião, a Presidência da CNBB falou das atividades e temas de discussão durante a reunião do Conselho Permanente, que teve início na terça-feira, dia 21 e terminou no fim da manhã desta quinta, 23.

    Apreensão

    Na nota sobre a PEC 287, a CNBB manifesta apreensão com relação ao projeto do Poder Executivo em tramitação no Congresso Nacional. “A previdência não é uma concessão governamental ou um privilégio. Os direitos Sociais no Brasil foram conquistados com intensa participação democrática; qualquer ameaça a eles merece imediato repúdio”, salientam os bispos.

    O Governo Federal argumenta que há um déficit previdenciário, justificativa questionada por entidades, parlamentares e até contestadas levando em consideração informações divulgadas por outros governamentais. Neste sentido, os bispos afirmam não ser possível “encaminhar solução de assunto tão complexo com informações inseguras, desencontradas e contraditórias”.

    A entidade valorizou iniciativas que visam conhecer a real situação do sistema previdenciário brasileiro com envolvimento da sociedade.

    Leia na íntegra:

    NOTA DA CNBB SOBRE A PEC 287/16 – “REFORMA DA PREVIDÊNCIA”

    “Ai dos que fazem do direito uma amargura e a justiça jogam no chão”

    (Amós 5,7)

    O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, dos dias 21 a 23 de março de 2017, em comunhão e solidariedade pastoral com o povo brasileiro, manifesta apreensão com relação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, de iniciativa do Poder Executivo, que tramita no Congresso Nacional.

    O Art. 6º. da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a Previdência seja um Direito Social dos brasileiros e brasileiras. Não é uma concessão governamental ou um privilégio. Os Direitos Sociais no Brasil foram conquistados com intensa participação democrática; qualquer ameaça a eles merece imediato repúdio.

    Abrangendo atualmente mais de 2/3 da população economicamente ativa, diante de um aumento da sua faixa etária e da diminuição do ingresso no mercado de trabalho, pode-se dizer que o sistema da Previdência precisa ser avaliado e, se necessário, posteriormente adequado à Seguridade Social.

    Os números do Governo Federal que apresentam um déficit previdenciário são diversos dos números apresentados por outras instituições, inclusive ligadas ao próprio governo. Não é possível encaminhar solução de assunto tão complexo com informações inseguras, desencontradas e contraditórias. É preciso conhecer a real situação da Previdência Social no Brasil. Iniciativas que visem ao conhecimento dessa realidade devem ser valorizadas e adotadas, particularmente pelo Congresso Nacional, com o total envolvimento da sociedade.

    O sistema da Previdência Social possui uma intrínseca matriz ética. Ele é criado para a proteção social de pessoas que, por vários motivos, ficam expostas à vulnerabilidade social (idade, enfermidades, acidentes, maternidade…), particularmente as mais pobres. Nenhuma solução para equilibrar um possível déficit pode prescindir de valores éticos-sociais e solidários. Na justificativa da PEC 287/2016 não existe nenhuma referência a esses valores, reduzindo a Previdência a uma questão econômica.

    Buscando diminuir gastos previdenciários, a PEC 287/2016 “soluciona o problema”, excluindo da proteção social os que têm direito a benefícios. Ao propor uma idade única de 65 anos para homens e mulheres, do campo ou da cidade; ao acabar com a aposentadoria especial para trabalhadores rurais; ao comprometer a assistência aos segurados especiais (indígenas, quilombolas, pescadores…); ao reduzir o valor da pensão para viúvas ou viúvos; ao desvincular o salário mínimo como referência para o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a PEC 287/2016 escolhe o caminho da exclusão social.

    A opção inclusiva que preserva direitos não é considerada na PEC. Faz-se necessário auditar a dívida pública, taxar rendimentos das instituições financeiras, rever a desoneração de exportação de commodities, identificar e cobrar os devedores da Previdência. Essas opções ajudariam a tornar realidade o Fundo de Reserva do Regime da Previdência Social – Emenda Constitucional 20/1998, que poderia provisionar recursos exclusivos para a Previdência.

    O debate sobre a Previdência não pode ficar restrito a uma disputa ideológico-partidária, sujeito a influências de grupos dos mais diversos interesses. Quando isso acontece, quem perde sempre é a verdade. O diálogo sincero e fundamentado entre governo e sociedade deve ser buscado até à exaustão.

    Às senhoras e aos senhores parlamentares, fazemos nossas as palavras do Papa Francisco: “A vossa difícil tarefa é contribuir a fim de que não faltem as subvenções indispensáveis para a subsistência dos trabalhadores desempregados e das suas famílias. Não falte entre as vossas prioridades uma atenção privilegiada para com o trabalho feminino, assim como a assistência à maternidade que sempre deve tutelar a vida que nasce e quem a serve quotidianamente. Tutelai as mulheres, o trabalho das mulheres! Nunca falte a garantia para a velhice, a enfermidade, os acidentes relacionados com o trabalho. Não falte o direito à aposentadoria, e sublinho: o direito — a aposentadoria é um direito! — porque disto é que se trata.”

    Convocamos os cristãos e pessoas de boa vontade, particularmente nossas comunidades, a se mobilizarem ao redor da atual Reforma da Previdência, a fim de buscar o melhor para o nosso povo, principalmente os mais fragilizados.

    Na celebração do Ano Mariano Nacional, confiamos o povo brasileiro à intercessão de Nossa Senhora Aparecida. Deus nos abençoe!

    Brasília, 23 de março de 2017.

    Cardeal Sergio da Rocha

    Arcebispo de Brasília

    Presidente da CNBB

    Dom Murilo S. R. Krieger, SCJ

    Arcebispo de São Salvador da Bahia

    Vice-Presidente da CNBB

    Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM

    Bispo Auxiliar de Brasília

    Secretário-Geral da CNBB

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  • 27/03/2017

    Brasília será palco do Acampamento Terra Livre, que reunirá mais de 1,5 mil indígenas


    O Acampamento Terra Livre (ATL) vai reunir mais de 1,5 mil lideranças indígenas de todo o país, em Brasília, de 24 a 28 de abril, em Brasília. A maior mobilização de povos indígenas do país será realizada em meio a uma grande ofensiva contra seus direitos, articulada nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Neste ano, o mote do acampamento é “Unificar as lutas em defesa do Brasil indígena” e seu objetivo é “reunir em grande assembleia lideranças dos povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil para discutir e se posicionar sobre a violação dos direitos constitucionais e originários dos povos indígenas e das políticas anti-indígenas do Estado brasileiro”.

    O ATL é um importante momento de articulação entre lideranças de todo país e de incidência política do movimento indígena. Estão na pauta da mobilização, entre outros temas, a paralisação das demarcações indígenas; o enfraquecimento das instituições e políticas públicas indigenistas; as iniciativas legislativas anti-indígenas que tramitam no Congresso; a tese do “Marco Temporal”, pela qual só devem ser consideradas Terras Indígenas as áreas que estavam de posse de comunidades indígenas na data de promulgação da Constituição (5/10/1988); os empreendimentos que impactam negativamente os territórios indígenas; a precarização da saúde e educação indígenas diferenciadas; a negação do acesso à Justiça e a criminalização das lideranças indígenas.

    Durante os três dias do ATL acontecerão marchas, atos públicos, audiências com autoridades dos três poderes, debates, palestras, grupos de discussão e atividades culturais. O ATL 2017 é promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) com apoio de organizações indígenas, indigenistas, da sociedade civil e movimentos sociais parceiros.

    A APIB vai disponibilizar condições de logística, infraestrutura e alimentação no acampamento. O transporte das delegações a Brasília fica a cargo das redes e organizações indígenas regionais e locais e de seus parceiros. A recepção está marcada para 24 de abril, a partir do horário do jantar. O encerramento das atividades será realizado na noite de 27 de abril. O retorno das delegações a seus estados deve ocorrer no dia 28.

    Para outras informações, entre em contato com a representação da Apib em Brasília: apibbsb@gmail.com (61) 3034-5548 /A convocatória do ATL 2017 está disponível em:
    http://apib.redelivre.org.br/2017/03/27/convocatoria-acampamento-terra-livre-2017

    APIB

    A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB é uma instância de aglutinação e referência nacional do movimento indígena no Brasil. A APIB foi criada pelo Acampamento Terra Livre (ATL) de 2005, a mobilização nacional que é realizado todo ano, a partir de 2004, para tornar visível a situação dos direitos indígenas e reivindicar do Estado brasileiro o atendimento das demandas e reivindicações dos povos indígenas. Fazem parte da APIB as seguintes organizações indígenas regionais: Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal e Região (ARPIPAN), Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE), Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL), Grande Assembléia do povo Guarani (ATY GUASU) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
                       
    Acampamento Terra Livre 2017
    Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena
    Quando: 24 a 28 de abril de 2017
    Onde: Brasília, local ainda a ser definido

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  • 27/03/2017

    STF mantém bloqueio de bens de desembargador por invasão à Terra Indígena Marãiwatsédé

    O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, nesta terça-feira (21), o bloqueio de “bens imóveis e veículos” contra o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), Manoel Ornellas de Almeida. O magistrado sofre uma ação ajuizada pela União por suposta invasão à Terra Indígena Marãiwatsede (na foto) entre os municípios de Alto da Boa Vista e São Félix do Araguaia.

    Ornellas havia protocolado uma reclamação no STF contra decisão da 1ª Vara Federal de Mato Grosso, alegando que o juízo havia afrontado a autoridade da instância máxima da justiça brasileira, além de proceder de forma diversa do que estabelece a Súmula Vinculante nº 3; nº 70 e nº 391/STF.

    Ornellas havia adquirido em 2008 uma propriedade rural localizada nos municípios de Alto da Boa Vista e São Félix do Araguaia, no extremo nordeste do Estado, numa região que é palco de disputa entre índios da etnia Marãiwatsede, e posseiros. Segundo o processo, o desembargador sabia da situação delicada em que a área se encontrava e, mesmo assim, “empreendeu melhorias e edificou benfeitorias”, uma vez que não havia restrições no Registro Geral de Imóveis (RGI).

    O magistrado afirma ainda que se tornou proprietário de uma área rural vizinha e que em 2011 recebeu a escritura do “proprietário da Fazenda Suia Missu” – área de 165 mil hectares, na região entre Alto da Boa Vista e São Félix do Araguaia, que foi demarcada como Terra Xavante em 1998 e que já contava com moradores e agricultores que foram despejados pela Polícia Federal entre o fim de 2012 e o início de 2013 num episódio que ganhou repercussão internacional em virtude da tensão entre as partes provocada pela possibilidade de um “massacre”.

    A referida área adquirida pelo magistrado, porém, já era alvo de sequestro judicial desde julho de 2009. O desembargador aposentado reclama que não integrou parte no processo do Ministério Público Federal (MPF) – que defendia o retorno da propriedade à comunidade indígena Xavante -, uma vez que a citação dos envolvidos ocorreu em 1995, quando “sequer sonhava em adquirir terra na região”.

    Mesmo sem a citação, o ex-magistrado alega que foi “despejado” de sua propriedade com uso de força policial, afirmando, ainda, que a ação de despejo seria ilegal pois seu nome não havia sido parte no processo, o que prejudicaria seu direito constitucional à ampla defesa. Ele também argumenta que foi atingido pela determinação de 1995, quando ainda não ocupava a região, e que o fato lhe casou prejuízos uma vez que todo seu patrimônio construído ali lhe foi retirado, restando “aguardar decisão final de um processo do qual não participou”.

    Ele também reclama de que foi alvo de uma ação da união que obrigava o reflorestamento da região onde era localizada sua propriedade, causando-lhe a cobrança de “elevadíssimas multas”, e que está sendo “submetido a um verdadeiro confisco de bens em evidente ofensa ao devido processo legal prescrito no artigo 5º, LIV da Carta Magna pátria”

    O desembargador aposentado se considera “vítima de uma política indígena exercida pela União, ao tempo, no firme propósito de instalar fontes de renda por meio de atos corruptivos, assim como foi o ‘Mensalão’ e a ‘Petrobrás’, estando, no caso, sujeito a atos arbitrários praticados pela Funai”.

    O ministro do STF, Dias Toffoli, entretanto, afirmou que a “reclamação constitucional” não é instrumento mais indicado para questionar uma suposta violação a dispositivos constitucionais e que o mecanismo utilizado pelo desembargador aposentado para o desbloqueio de seus bens não pode ser usado como recurso para “ações judiciais em geral”.

    Toffoli negou, ainda, o seguimento da reclamação, fato que prejudicou o pedido liminar de Ornellas pela liberação de seus bens.


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  • 26/03/2017

    Nota Pública: Em Defesa do Povo Kariri Xocó de Paulo Afonso (BA)


    Crédito das fotos: Renato Santana/Cimi


    A decisão da Justiça Federal pela reintegração de posse de área retomada pelos Kariri Xocó de Paulo Afonso (BA), na base das cachoeiras sagradas dos povos indígenas do rio São Francisco, silenciadas pelo complexo hidrelétrico construído na década de 1950, gerou profunda indignação de povos e organizações indígenas, entidades e movimentos sociais. O despejo está marcado para o próximo dia 30/03/2017.

    Há dez meses, 67 famílias Kariri Xocó – dispersas entre municípios do Submédio e Baixo São Francisco – atenderam o desejo dos mais velhos: o reencontro em comunidade no território tradicional onde pudessem viver de forma plena as práticas e costumes do povo; da mesma forma, garantir condições dignas para os 168 indígenas sobrevivendo sob severas privações nas periferias das cidades.

    Retomaram cerca de dois hectares de terras pertencentes à União, abandonadas há 30 anos sob os escombros de construções então usadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT). Mesmo diante do levantamento cartorial da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), o Juiz Federal Paulo João Paulo Pirôpo de Abreu concedeu à UZI Construtora LTDA a reintegração de posse tomando por base uma escritura.

    O juiz considerou apenas a suposta propriedade do bem, mesmo reconhecendo nos autos que a terra retomada pelos Kariri Xocó é da União. Em 2014, o DNIT manifestou à SPU não ter interesse nesta área chamada Cachoeira dos Veados, ao lado da Ponte Metálica da BR-423. No entanto, a construtora impetrou liminar pela reintegração da Fazenda Tapera de Paulo Afonso – não correspondente à terra retomada pelos indígenas.

    A decisão do juiz, em meio a dúvidas inquietantes quanto ao local a ser reintegrado, foi questionada pelo Ministério Público Federal (MPF), em agravo de instrumento ao Tribunal Regional Federal (TRF) 1, como um bem da União. A reintegração permite ainda o uso ostensivo de forças policiais e a destruição de roças e hortas que vem abastecendo as famílias com alimentos, casa de oração, moradias aprimoradas pelo povo e plantas medicinais essenciais à saúde e práticas religiosas.

    Para os Kariri Xocó, os últimos dias têm sido de grande tensão, pois no local encontraram condições dignas de sobrevivência plantando a própria comida, pescando nas águas do Velho Chico e atendendo a uma dimensão que infelizmente a Justiça Federal não costuma incluir em suas decisões: o Sagrado. O território tradicional encontra-se numa área considerado ‘Reinado Encantado das Cachoeiras Sagradas’ de Paulo Afonso.

    Se trata de um grave ataque aos direitos Constitucionais e ao Projeto de Vida do povo Kariri Xocó, tecido em fios de espiritualidade e reelaboração de uma convivência tradicional já interrompida anteriormente pelo Estado com os grandes empreendimentos hidrelétricos. Ataque, inclusive, cercado por incertezas latentes, presentes nos autos, e injustiça – chegando ao ponto de o juiz solicitar à CHESF (novamente) tratores para devastar o território indígena.

    Contra a reintegração de posse, manifestamos nosso apoio incondicional aos Kariri Xocó de Paulo Afonso em sua luta pela permanência na terra. Esperamos que o TRF-1 suspenda o despejo e evite mais uma cena de truculência do Estado usando de forte aparato bélico contra mulheres grávidas, crianças, anciãos e homens que antes viviam de incertezas e agora trabalham no chão que sempre lhes pertenceu.

    Os Kariri Xocó decidiram que não há mais lugares para onde ir, a não ser continuar no território tradicional de seus ancestrais.

    Paulo Afonso (BA), 24 de março de 2017

    ASSINAM A NOTA:

    Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste – Apoinme

    Articulação Popular São Francisco Vivo

    Associação Cultura de Preservação do Patrimônio Bantu – ACBATU

    Associação dos Professores Indígenas do Norte e Oeste da Bahia – APINOBA

    CÁRITAS Diocesana de Propriá

    Comissão Pastoral da Terra – CPT

    Comissão Pastoral dos Pescadores – CPP

    Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra – CEDITER

    Conselho dos Povos Indígenas da Bahia – COPIBA

    Conselho Indigenista Missionário – Cimi

    Instituto Acção

    Licenciatura Intercultural em Educação Escolar Indígena – LICEEI

    Movimento de Mulheres Camponesas – MMC

    Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA

    Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Baixo São Francisco – MPP

    Movimento Indígena da Bahia – MIBA

    Sociedade Brasileira de Ecologia Humana – SABEH


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  • 25/03/2017

    Kaingang denunciam comentários racistas no Ministério Público Federal


    Manifestação dos Kaingang de Campo do Meio. Foto: Alvandir Kaingang

    Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação

    Indígenas do povo Kaingang denunciaram ao Ministério Público Federal (MPF), na última segunda-feira (20), agressões e insultos racistas recebidos após manifestação contra a reforma da previdência na semana passada. A mobilização dos Kaingang da Terra Indígena Campo do Meio, no Rio Grande do Sul, foi coberta pela página do Facebook de uma rádio local, que recebeu diversos comentários racistas e preconceituosos.

    O que querem estes me dá me dá?” “Tinha q largar uma bomba e mada [matar] tudo”. Estes foram alguns dos comentários registrados pelos indígenas (reproduzidos abaixo) e levados em anexo à denúncia apresentada ao Ministério Público Federal (MPF).

    “Fizemos um ato com o objetivo de mostrar para a sociedade que somos contra a reforma, porque nós sofremos as consequências desse governo e também estamos sendo lesados por esta proposta”, explica Alvandir Kaingang, professor da escola indígena da retomada de Campo do Meio.

    “Estou trabalhando há muitos anos com uma escola indígena, então não sou preguiçoso, muito menos vagabundo. Estou prestando um serviço à sociedade, instruindo as nossas crianças para que elas tenham futuro. E o meu povo, todos eles são trabalhadores. Mas lutam por seus direitos, e aí vem pessoas dizer que somos vadios, vagabundos, que merecemos morrer, que nos resta nos bombardear. Então, esperamos uma posição do MPF”, prossegue o Kaingang.

    A exemplo de muitos povos e comunidades e em consonância com as manifestações que tomaram as ruas do país no último dia 15, os Kaingang de Campo do Meio realizaram uma manifestação na BR-285, no trevo de acesso aos municípios de Gentil e Água Santa, no Rio Grande do Sul, nas proximidades da terra indígena.

    A manifestação foi organizada pelos professores e estudantes da escola indígena, mas contou com a adesão de toda a comunidade. Os indígenas seguraram cartazes à beira do asfalto, sem sequer bloquear o trânsito da rodovia.

    “A gente foi xingado por certas pessoas que comentaram. Somos contra o racismo nesse país, é uma vergonha, as pessoas não entendem a nossa voz, estamos gritando pela sociedade inteira e elas vêm nos atribuir como baderneiros, vagabundos, preguiçosos. Nós não vamos nos calar diante disso”, continua Alvandir.

    No ofício entregue ao MPF de Passo Fundo, os indígenas denunciam as ofensas “de ódio, preconceito, racismo e cunho fascista” e pedem providências urgentes para responsabilizar civil e criminalmente os autores e indenizar a comunidade.

    “Lutaremos sempre pelo reconhecimento e garantia de nossos direitos e não aceitaremos que nos digam quem somos”, afirmam os Kaingang.

    Racismo recorrente na região sul

    Pouco mais de um mês atrás, o atropelamento de uma criança Kaingang no centro de Chapecó, no oeste de Santa Catarina, resultou numa situação semelhante. Além da dor da perda do pequeno Naman da Rosa, de apenas nove anos, os familiares da criança, natural da Terra Indígena Aldeia Condá, ainda tiveram que suportar comentários racistas e raivosos em portais locais.

    “Um bugre esmoleiro a menos”, “não são gente” diziam alguns dos comentários racistas, também denunciados pelos pais de Naman ao MPF. À época, o procurador da República de Chapecó, Carlos Humberto Prola, afirmou que os autores dos comentários poderão ser responsabilizados civil e criminalmente.

    No mesmo dia em que os indígenas de Campo do Meio se manifestavam no Rio Grande do Sul, o autor do assassinato de Vitor Kaingang, de apenas dois anos, era julgado em Imbituba, litoral de Santa Catarina. Matheus Ávila Silveira foi condenado a 19 anos de prisão em regime fechado pelo crime ocorrido em 30 de dezembro de 2015, quando degolou o bebê indígena no colo da mãe, na rodoviária do município.

    O caso foi um dos avaliados no relatório produzido pelo Grupo de Trabalho (GT) sobre os direitos dos povos indígenas da região Sul do Brasil, instituído pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e apresentado no ano passado.

    O relatório evidenciou uma situação de duras violações aos direitos dos povos indígenas no estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, destacando-se o forte racismo e a segregação social dos povos indígenas. Segundo o relatório, tal situação se agrava em função da desterritorialização e do confinamento a que estes povos, expulsos de suas terras, foram submetidos, e se torna ainda mais alarmante pelo fato de políticos locais, especialmente os ligados à bancada ruralista, fazerem do racismo e dos ataques aos povos indígenas da região sua plataforma política.

    A situação é histórica: também em Chapecó, em 2016, um jornal foi condenado por publicar uma charge racista, 14 anos antes, contra os Kaingang da Terra Indígena Toldo Chimbangue. À época, os indígenas lutavam pela demarcação de sua terra tradicional e foram duramente criminalizados, com apoio de vereadores locais e meios de comunicação.


    Foto: Alvandir Kaingang

    Reforma da Previdência é inconstitucional

    A participação de muitos povos e comunidades indígenas nas manifestações do último dia 15 de março são motivadas pelos retrocessos que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, a PEC da reforma da Previdência, representa também aos povos originários, inviabilizando, na prática, o acesso a seu direito de aposentadoria.

    “Nós aderimos ao movimento contra a reforma da previdência porque a gente sofre com as consequências de um sistema perverso implantado no país. Nós, indígenas, sempre fomos massacrados pelo Estado brasileiro, e não vamos rebaixar a guarda e ficar calados, até porque a proposta da reforma da previdência fere a constituição e vai prejudicar não somente a nós, mas a todo o Brasil”, explica Alvandir Kaingang.

    Os indígenas estão incluídos, hoje, no regime de aposentadoria rural, que garante um salário mínimo aos indígenas que completarem 60 anos, se homens, ou 55, se mulheres. A nova proposta prevê o fim da diferenciação entre homens e mulheres, estabelecendo a idade mínima de 65 anos para ambos e estabelece uma contribuição individual mensal para cada trabalhador ou trabalhadora, de uma taxa de 5% do salário mínimo.

    Segundo parecer produzido pela Assessoria Jurídica do Cimi, as mudanças propostas pela PEC 287 são inconstitucionais.

    “A coerção da contribuição mensal à previdência, para aquisição de direito previdenciário pelos índios, encontra óbice no art. 231 da CF/88: os povos indígenas têm direito constitucional de viver de acordo com seus usos, costumes e tradições, podendo não comercializar, se for próprio da sua organização social. Mesmo sem comercializar sua produção ou artesanatos, os índios têm direito ao benefício em comento”, afirma o documento.

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  • 24/03/2017

    APIB: Nota de repúdio sobre o loteamento de cargos na Coordenação Regional Nordeste 2 e contra o desmonte da Funai

    A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib, preocupada com o cenário de ofensivas contra os direitos dos povos indígenas do Brasil, sob o comando  de interesses políticos que tem tomado conta de diversos espaços institucionais, vem a público manifestar o seu repúdio contra a medida do Governo Federal em nomear no dia 16 de Fevereiro do presente a Senhora Tanúsia Maria Vieira para exercer o cargo de Coordenadora da Coordenação Regional (CR) Nordeste 02 da Fundação Nacional do Índio (Funai), localizada na cidade de Fortaleza (CE), responsável por assistir aos povos indígenas dos Estados de Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, conforme Portaria SE/MJSP nº 262, publicada no Diário Oficial da União.

    A nomeação ocorreu por indicação do Deputado Federal Aníbal Gomes (PMDM-CE), que mantém relações políticas e pessoais com supostos proprietários de terras retomadas pelo Povo Tapeba. Uma dessas retomadas é objeto de ação judicial em que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região determinou o despejo de 67 famílias indígenas da área, estando a comunidade disposta a ir para o enfrentamento. A indicação dessa senhora, configura uma afronta ao movimento indígena brasileiro.

    A referida nomeação ocorreu com a intervenção direta do Ministro Chefe da Casa Civil e do Ministério da Justiça e Cidadania, fato que justificou a ocupação da sede da CR Nordeste 2 pelos povos indígenas na semana de 21 a 23 de fevereiro. A desocupação do prédio somente ocorreu após o compromisso do presidente da Funai, Antonio Fernandes Toninho Costa, em garantir que a senhora Tanúzia não permaneceria no cargo. Na última quarta-feira, 15/03/2017, porém, o presidente da Funai, pressionado pelos ministros da Casa Civil e Ministro da Justiça e Cidadania, procedeu à assinatura do ato de posse da referida senhora, em Brasília, provocando uma nova ocupação iniciada no último dia 20 de março de 2017, e que ocorre por tempo indeterminado até que o Governo Brasileiro proceda à exoneração da referida coordenadora regional.

    A afronta aos Povos Indígenas da região de abrangência da CR Nordeste 02 acontece num contexto geral de rateio político de cargos, e ao mesmo tempo de desmonte do Estado, das instituições e políticas públicas voltadas aos povos indígenas, ao grau de o governo decidir no dia de hoje, 24/03, o corte de 347 cargos de DAS no órgão indigenista, atingindo principalmente as Coordenações Técnicas Locais (CTLs), o que implica no abandono total das comunidades nos territórios.

    A Apib repudia estas decisões e manifesta a sua solidariedade às lutas dos povos indígenas do Ceará bem como à de todos os povos do Brasil que ao longo de mais de cinco séculos de opressão tem resistido bravamente e continuam determinados a lutar pela garantia de seus direitos constitucionais e originários.

    Por uma Funai fortalecida e livre do loteamento de cargos!

    Brasília – 24 de março de 2017
    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib
    Mobilização Nacional Indígena

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  • 24/03/2017

    Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e presidente do STF reafirmam compromisso com agenda de direitos humanos no Brasil


    Foto: Cecília Bizerra de Sousa/CNDH

    Na noite desta quarta-feira (22), representantes do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) se reuniram com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, na sede do STF.

    Cármen Lúcia reafirmou sua atuação como defensora dos direitos humanos. “Eu fui de comissão e conselho de direitos humanos desde muito tempo, início da década de 90, logo depois da constituição, em Belo Horizonte”, afirma, destacando que também foi integrante da Pastoral Carcerária.

    Durante a audiência, que durou mais de duas horas, o presidente do CNDH, Darci Frigo, a ex-presidente Ivana Farina, e demais integrantes da Mesa Diretora do colegiado, pautaram temas relacionados às áreas onde há maior incidência de violações de direitos humanos no Brasil, como o sistema prisional e o sistema socioeducativo, e apresentaram relatórios e recomendações oficiais do colegiado relativos a estes e outros temas, como a criminalização de lideranças e movimentos sociais, conflitos agrários envolvendo povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, a lista suja do trabalho escravo e a reforma da previdência.

    Sistema carcerário

    O CNDH apresenta à ministra resultado de mapeamento realizado, em outubro de 2016, em reunião ampliada com conselhos estaduais e distrital de direitos humanos, que aponta o sistema prisional como área de maior incidência de violações de direitos humanos no Brasil.

    A ministra destaca que o sistema carcerário brasileiro está entre as quatro prioridades da sua gestão a frente do CNJ, e afirma que está em busca de alternativas. Ela menciona a necessidade de um cadastro de presos no Brasil – há uma estimativa que varia entre 600 e 750 mil presos – e informa que o CNJ está viabilizando levantamento preciso desse quantitativo.

    Reafirma compromisso de zerar o número de gestantes encarceradas em todo o país. “Não quero nenhum brasileirinho nascendo na prisão. Eles não têm culpa, não cometeram nenhum crime”, ressalta, mencionando também a luta para que mulheres encarceradas estejam em estabelecimentos feitos para mulheres, não para homens.

    O CNDH destaca a importância da adoção da perspectiva de direitos humanos no julgamento de presos e que esse olhar mais humanista chegue às bases do sistema de justiça. A ministra demonstra preocupação com a eficiência do Judiciário e com a necessidade de dar uma resposta à sociedade diante do quadro de insegurança no país. “Não contem comigo nem para prender geral, nem para desencarcerar geral. O meu trabalho é fazer julgar. Estou trabalhando para que ocorram os julgamentos, coerentes com os princípios constitucionais”, completa.

    Cármen Lúcia lembra o que Darcy Ribeiro disse em 1982. “Ele disse que se não construíssem escolas, precisaríamos construir presídios até não poder mais. Não construímos escolas, e agora estamos construindo cadeias. Estamos pagando o preço”, lamenta. Ela ressalta, entretanto, a necessidade de oferecer educação e oportunidade à população encarcerada. “Tem muita gente que tem formação. O terceiro lugar em mecatrônica do Enem, em Minas Gerais, é um preso. É preciso dar oportunidade de estudar, para que tenha esperança para sair. Não apenas mudar a estrutura”, destaca, informando que vai fazer voltar o Enem para os presos.

    Sistema Socioeducativo

    Quanto às violações de direitos dos adolescentes em conflito com a Lei, o CNDH expõe sua preocupação diante dos relatos de tortura e morte de adolescentes dentro das unidades e entrega à ministra os relatórios sobre o sistema socioeducativo do Estado do Ceará e de Pernambuco.

    A ministra informa ter proposto uma primeira experiência de Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) para jovens. “A reincidência no caso de adultos do sistema comum está mais de 90%. Na APAC é menos de 3%. Começou em Minas, com Dom Serafim, eu participei no início. Hoje temos 14 em Minas e agora vamos tentar a primeira APAC para jovens, porque estes têm recuperação total”, ressalta.

    Ela também menciona que foi instalado no CNJ o Fórum infância e Juventude, que fará um encontro em abril com todos os ministros e corregedores de infância e juventude, para tratar da questão. Segundo a ministra, a ideia é verificar mais possibilidades, como a extensão aos adolescentes de programas como o “Começar de novo”, e ampliação e fortalecimento do “Menor aprendiz”. “Só vejo como solução oferecer alternativa para eles. Dar educação, alguma formação técnica, possibilidade de trabalho”, afirma.

    Indígenas e quilombolas

    Em relação a conflitos agrários, o CNDH apresenta o relatório final do Grupo de Trabalho sobre Direitos dos Povos Indígenas e das Comunidades Quilombolas da Região Sul e do Grupo de Trabalho sobre defensores de Direitos Humanos ameaçados em Rondônia, enfatizando ainda o aumento no número de mortos e ameaçados por conflitos agrários.

    Sobre direitos dos povos indígenas e quilombolas, a ministra afirma que estão subordinados a um regime constitucional que depende do Estado, e que o Estado não cumpre a contento o papel que lhe cabe, o que faz a questão chegar ao Judiciário. “O Supremo tem hoje 53 casos de indígenas. Como esta é uma preocupação minha, eu estou tentando juntar tudo, pedindo aos relatores, na medida do possível, para levar à pauta ainda neste semestre”. A ministra destaca, entretanto, que mesmo com o julgamento dos casos, estes conflitos não vão acabar, pois é necessária uma política de Estado de direitos humanos efetiva voltada a indígenas e quilombolas.

    A ministra demonstra também preocupação com o tema de criminalização dos movimentos e lideranças sociais, a partir da entrega da nota do CNDH sobre o assunto.

    Para o presidente do CNDH, Darci Frigo, “o Estado tem lançado mão da Lei nº 12.850/2013, buscando enquadrar movimentos sociais legítimos e pacíficos como ‘organização criminosa’, mesmo diante da ausência de cometimento de crime”. Frigo lembra que esse contexto agrava a possibilidade de cumprimento da pena de prisão após decisão de segundo grau no Judiciário, pois esta interpretação acaba alcançando em primeiro lugar as pessoas mais pobres, negras e as/os representantes de movimentos sociais.

    Avaliação

    De acordo com o presidente do CNDH, é a primeira vez que há um dialogo aprofundado entre o CNDH e o STF, sobre matérias que o Conselho tem debatido com frequência e produzido documentos, como relatórios e recomendações.

    “O mais importante e positivo desse encontro foi, primeiro, o fato de ter estabelecido um canal aberto de diálogo com o poder judiciário, com o CNJ, para tratar de problemas da sociedade brasileira no olhar dos direitos humanos. Segundo, ter o comprometimento do STF e do CNJ com a agenda do Conselho, com a agenda dos direitos humanos”, afirma Frigo.

    “Tratamos de temas concretos de violações de direitos humanos e de medidas concretas que podem ser efetivadas. Essa reunião foi fundamental para a aproximação entre as diversas instituições de direitos humanos e atores do sistema de justiça com o objetivo de aprimorar as políticas de direitos humanos no Brasil”, completa a vice-presidente do CNDH, Fabiana Severo.

    Participaram da reunião pelo CNDH, além do presidente, Darci Frigo, sua vice-presidente, Fabiana Severo, o conselheiro Leonardo Pinho, a conselheira e secretária de direitos humanos Flávia Piovesan, e a ex-presidente do CNDH Ivana Farina. Os representantes do CNJ no Plenário do CNDH, ministro Mauro Campbell, e juízes Márcio Schiefler e Jaíza Fraxe também estavam presentes na audiência.

    Sobre o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH)

    O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) é um órgão de Estado com composição paritária – formado por 11 representantes do poder público e 11 da sociedade civil – que existe há mais de 50 anos para promover e defender os Direitos Humanos no Brasil. Atualmente, é presidido pelo conselheiro representante da Plataforma Dhesca Brasil (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), Darci Frigo.

    Instituído inicialmente pela Lei nº 4.319, de 16 de Março de 1964, que criou o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), ele foi transformado em Conselho Nacional dos Direitos Humanos pela Lei n° 12.986, de 2 de junho de 2014, que tornou o colegiado mais democrático, ampliando a participação da Sociedade Civil.

    O CNDH é o mais antigo colegiado do país que, em seus cinquenta anos existência, realizou mais de 200 reuniões ordinárias – espaço onde o Plenário do Conselho discute e encaminha ações voltadas para a promoção e defesa dos Direitos Humanos – e formou cerca de 100 comissões especiais e subcomissões para tratar de temáticas específicas. Atualmente, estão em funcionamento as seguintes comissões:

    – Comissão Permanente Direito da População em Situação de Rua
    – Comissão Permanente Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão
    – Comissão Permanente Defensores de Direitos Humanos e Enfrentamento da Criminalização dos Movimentos Sociais
    –  Comissão Permanente Direito à Cidade
    –  Comissão Permanente Direito Humano à Alimentação Adequada
    – Comissão Permanente de Direitos Humanos e Segurança Pública
    – Comissão Permanente dos Direitos dos Povos Indígenas, dos Quilombolas, dos Povos e Comunidades Tradicionais, de Populações Afetadas por Grandes Empreendimentos e dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Envolvidos em Conflitos Fundiários
    – Comissão Permanente Direito ao Trabalho, à Educação e à Seguridade Social
     
    Mais informações:
    Assessoria de Comunicação Social do CNDH
    (61) 2027-3348 / 98163-8375 / cndh@sdh.gov.br

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  • 24/03/2017

    MPF e DPU ajuízam ação para garantir cestas básicas a famílias indígenas de MS

    O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) em Mato Grosso do Sul ajuizaram ação judicial para garantir o fornecimento mensal de cestas básicas a famílias indígenas de todo o estado. O governo estadual e a União têm se negado, reiteradamente, a fornecer alimentos aos índios e está suspenso o cadastramento de novas famílias para o recebimento do benefício.

    Leis federais e estaduais obrigam os entes federados a adotar políticas públicas, como o Programa Vale-Renda, para garantir o direito de comunidades vulneráveis à alimentação adequada. Contudo, para o MPF e a DPU, o que se vê em MS é a negativa do poder público, desde 2008, em atender as comunidades indígenas, ora alegando indisponibilidade orçamentária, ora se esquivando da responsabilidade de fornecer os alimentos.

    A restrição atinge tantos os índios de áreas “não-regularizadas”, desconsiderados pelo poder público; quanto de terras regularizadas, que não têm acesso ao benefício, já que novos cadastros deixaram de ser realizados. “O sustento dos índios e de suas famílias sempre foi colocado à mercê das ‘vontades’ desses entes, o que os têm deixado, muitas vezes, desamparados, sem ter o que comer, ou, então, sem a possibilidade de utilizar os poucos recursos financeiros de que dispõem para suprir as demais necessidades básicas, por terem de empregá-los na aquisição de alimentos ou de fazer um planejamento para o consumo destes”, enfatiza a ação.

    Insegurança alimentar

    De acordo com levantamento da Funai, além das terras regularizadas, há em todo estado 75 acampamentos indígenas e terras de retomada, que abrigam aproximadamente 1750 famílias. Confinados em espaços territoriais pequenos e sem terra para cultivar alimentos, os índios assentados têm como único meio de sobrevivência as cestas básicas. “A falta de regularidade na entrega dos alimentos tem resultado em grave situação de insegurança alimentar e causado prejuízos à saúde dos indígenas, especialmente das crianças”.

    Na ação, o Ministério Público e a Defensoria querem, liminarmente, que o estado de Mato Grosso do Sul faça o cadastramento de todas as famílias indígenas, das áreas regularizadas ou não; analise o preenchimento, pelos índios, dos requisitos para a concessão do Vale-Renda; e entregue cestas básicas mensalmente a todas as famílias que dependam do alimento, sob pena de multa diária de R$ 5 mil. Caso o estado não consiga atender todas as comunidades, a União, complementarmente, deve assegurar o fornecimento das cestas.

    Ao final da ação, as instituições querem também que a Justiça obrigue os entes federados a manter atualizado, pelo menos a cada 5 anos, o cadastro das famílias indígenas de MS, de modo a analisar periodicamente o preenchimento dos requisitos para a concessão dos benefícios e garantir a segurança alimentar dos indígenas necessitados.


    Referência Processual na Justiça Federal de Campo Grande: Autos nº 0001975-84.2017.403.6000

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  • 23/03/2017

    Declaração Final do Encontro da Pastoral Indigenista do Cone Sul: “Nosso compromisso com os Povos Indígenas se renova”

    Crianças Kaiowá. Foto: Egon Heck / Cimi

    Crianças Kaiowá. Foto: Egon Heck / Cimi

     

    Entre os dias 13 e 17 de março ocorreu, em Santiago do Chile, o Encontro da Pastoral Indigenista do Cone Sul. Representantes de pastorais indigenistas do Brasil, Argentina, Paraguai e Chile participaram do encontro promovido pelo Conselho Episcopal Latino Americano (CELAM). Pelo Brasil, participaram do encontro o arcebispo de Porto Velho e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Roque Paloschi, e o secretário executivo da entidade, Cleber Buzatto.

    “Nosso compromisso com os Povos Indígenas se renova. Queremos permanecer próximos e acompanhar suas buscas, suas lutas e suas realizações. Ainda falta muito, mas estamos convencidos de que este tempo pode ser muito proveitoso para que todos os povos possamos alcançar, através do diálogo intercultural e inter-religioso, a plenitude da vida e paz”, afirma a declaração final do encontro.

    É o segundo encontro de pastorais indígenas realizado pela Celam. O primeiro ocorreu em outubro de 2016, com representantes do Panamá, América Central e México, e o terceiro ocorrerá em Lima, no Peru, reunindo pastorais de Bolivia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela.

    “Há muitos desafios que nos esperam e que teremos de enfrentar juntos”, afirma a declaração do encontro do Cone Sul, citando a luta pelo reconhecimento dos territórios tradicionais dos povos indígenas, o encontro e o diálogo entre culturas, o intercâmbio a partir da mística e da espiritualidade de cada povo e, “sobretudo, o dom da esperança, tão presente nas culturas originais e âncora segura da cosmovisão cristã”.

    A declaração também recupera a recente manifestação do Papa Francisco, que afirmou, dirigindo-se aos povos indígenas: “De vocês, temos muito a aprender”.

    “O caminho compartilhado nos oferece diferentes contribuições que nos enriquecem, nos desafiam e nos ajudam a recuperar valores não conhecidos ou que perdemos”, prossegue o documento. “É evidente que o modelo extrativista, dominante e devastador que a sociedade ocidental tem promovido, através de grandes corporações econômicas, levou-nos a um estado de mal estar. O mundo está doente. Estamos doentes e, infelizmente, somos nós a principal causa desta situação”.

    Registrando as recorrentes ameaças e violações que os povos indígenas ainda sofrem em todo o continente e a contínua falta de respeito por seus territórios, sua autodeterminação, seus direitos e sua cultura, a declaração final do encontro reafirma a solidariedade aos sofrimentos e às lutas dos povos indígenas.

    “Nos sentimos solidários e partícipes de seus sofrimentos e suas lutas. Nos doem o esquecimento a que são submetidos e a violência que têm sido e continuam a ser objetos, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento de seus territórios”.

    Leia, abaixo, a íntegra da declaração final do Encontro da Pastoral Indigenista do Cone Sul, em espanhol.

    ENCUENTRO DE LA REGIÓN CONO SUR SOBRE LA PASTORAL DE LOS PUEBLOS ORIGINARIOS
    Santiago, Chile, 13 al 17 de Marzo de 2017

    DECLARACIÓN FINAL:

    Reunidos los Obispos, Secretarios Ejecutivos y algunos Asesores Teológicos de las Comisiones Episcopales de Pastoral de Pueblos Originarios de los países del Cono Sur, y convocados por el Departamento de Cultura y Educación del CELAM, después de compartir experiencias, criterios y perspectivas en relación a los pueblos originarios, iluminados por el Magisterio Universal y Latinoamericano de la Iglesia, y convencidos de que Jesucristo Resucitado es quien conduce nuestra historia hacia la plenitud de la comunión, en la diversidad, queremos expresar lo siguiente:

    Agradecemos al Señor de la Vida que nos haya elegido para esta vocación de acompañar a los pueblos originarios, lo cual reconocemos como una gracia. Los pueblos originarios son, verdaderamente, un don para nuestra vida y un regalo para la vida de nuestros países. Ellos nos ofrecen una mirada simple y agradecida de la creación, nos permiten crecer con el aporte de su cultura, su cosmovisión, su horizonte de esperanza.

    En este acompañamiento, nos sentimos solidarios y partícipes de sus sufrimientos y sus luchas. Nos duelen las repetidas postergaciones que han sufrido y siguen padeciendo, el olvido al que son sometidos y la violencia de la que han sido y continúan siendo objetos, especialmente en lo referente al reconocimiento de sus territorios. Al problema de la tierra, se agregan otros no menos preocupantes, como la falta de respeto por su autodeterminación y sus derechos, el desprecio de su cultura, la pérdida de identidad, la migración forzada hacia las ciudades o el encierro de comunidades en centros urbanos, el descuido de los más jóvenes, quienes terminan siendo presa fácil de las adicciones.

    Por otra parte, no podemos dejar de reconocer que el camino compartido nos ofrece diferentes aportes que nos enriquecen, nos interpelan y nos ayudan a recuperar valores no conocidos o que hemos perdido. Es evidente que el modelo extractivista, dominante y devastador que la sociedad occidental ha promovido, a través de grandes corporaciones económicas, nos ha llevado a un estado de malestar. El mundo está enfermo. Nosotros estamos enfermos y, lamentablemente, somos nosotros la causa principal de esta situación. “De ustedes tenemos mucho que aprender”, les decía el Papa Francisco a los indígenas, poco tiempo atrás, en su visita a San Cristóbal de las Casas, México. En ellos podemos encontrar un nuevo modo de vincularnos con la creación y entre nosotros.

    Si miramos hacia adelante, son muchos los desafíos que nos esperan y que tenemos que afrontar juntos: el reclamo a los estados por los territorios que históricamente les corresponden, siempre en el marco de la justicia y de la paz; el encuentro y el diálogo entre culturas; el intercambio desde la mística, desde la espiritualidad de cada pueblo; y sobre todo, el don de la esperanza, tan presente en las culturas originarias, y ancla segura de la cosmovisión cristiana.

    Nuestro compromiso se renueva para con los Pueblos Originarios. Queremos seguir siendo cercanos y acompañarlos en sus búsquedas, sus luchas y sus logros. Es mucho lo que falta, pero estamos convencidos que este tiempo puede ser muy fecundo para que todos los pueblos podamos alcanzar, mediante el diálogo intercultural e interreligioso, la plenitud de la Vida y de la Paz.

    Jesucristo, Señor de la historia, te necesitamos. María de Guadalupe, Patrona de América Latina, ilumina nuestro camino.

     

    Santiago de Chile, 16 de Marzo de 2017

     

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