• 31/05/2017

    1o Acampamento dos Povos Indígenas da Bahia recupera frente de ação em defesa de direitos territoriais e humanos


    Crédito das fotos: Cleber Buzatto/Cimi



    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

     

    Se encerrou na tarde desta quarta-feira, 31, o 1o Acampamento dos Povos Indígenas da Bahia, com um ato público no Largo do Campo Grande, na capital Salvador, dando início a um novo momento para o movimento no estado: uma frente de ação em defesa dos direitos indígenas. "Foi importante para a nossa unidade diante do que consideramos uma das piores conjunturas para a gente. Vamos numa frente de luta travar essa batalha por nossos direitos", explica Aguinaldo Pataxó Hã-hã-hãe. A mobilização teve início na segunda, 29, e reuniu cerca de 600 indígenas de 23 povos de todo o estado organizados pelo Movimento dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba).

     

    A estrutura do acampamento esteve instalada ao lado da Assembleia Legislativa baiana, onde ontem os indígenas estiveram em protesto e reivindicando providências diante do que os povos vêm sofrendo no estado, com destaque para as violações de direitos humanos. "Temos vários parentes ameaçados de morte, milícias organizadas que a gente identifica e uma articulação para se forjar flagrantes contra lideranças. O que a gente entende que não é só uma questão federal, porque a polícia militar e civil são do estado", destaca Aguinaldo Pataxó Hã-hã-hãe, que é coordenador do Mupoiba no sul da Bahia.  

     

    Nos últimos casos de prisões de lideranças, a Polícia Militar esteve envolvida em flagrantes rechaçados pelos indígenas e por organizações indigenistas e de direitos humanos que os apoiam. Conforme o presidente do Mupoiba, Kahú Pataxó, o contexto de violência – até mesmo institucional – se deve ao fato de que os direitos constitucionais aos povos indígenas não são garantidos, sobretudo à terra. "A demarcação dos nossos territórios não está ocorrendo e ao mesmo tempo nossos direitos estão sendo retirados pelo governo ilegítimo do Michel Temer. Isso afeta ainda as políticas públicas de educação escolar diferenciada, saúde", enfatiza.

     

    Houve reuniões de trabalho de representantes do acampamento com secretarias que desempenham incidências públicas nas terras indígenas e nesta quarta uma audiência com o governador do estado, Rui Costa (PT). Para 2018, revela Kahú Pataxó, haverá a continuidade do acampamento com a "intenção de aumentar os representantes indígenas e definimos que cada região pode se organizar e realizar seus acampamentos para a continuidade da articulação e mobilização". O primeiro deverá ser organizado pelos Pataxó, Pataxó Hã hã hãe e Tupinambá de Olivença ainda no final de agosto deste ano.

     

    Sob os gritos de ‘Fora Temer!’ e ‘Nenhum Direito a Menos!’ os povos indígenas da Bahia encerraram seu encontro histórico, durante a tarde de hoje.   

     

    Reintegrações e criminalizações

     

    Os povos indígenas da Bahia têm sofrido ainda um ataque de decisões judiciais de primeira instância pelas reintegrações de posse. O caso mais recente aconteceu com o povo Kariri Xocó de Paulo Afonso, no sertão baiano. Cerca de 170 indígenas, um total de 67 famílias, foram retiradas na última semana pela Polícia Rodoviária Federal de uma área de dois hectares de terras da União, às margens das Cachoeiras Sagradas do Rio São Francisco. O despejo beneficiou a UZI Construtora, que alega ter a posse do terreno abandonado há 30 anos.  

     

    “Nesse momento me sinto muito triste. O despejo é triste. Você ver a casa, o seu teto, uma vida feliz sendo acabada. A gente passar mais uma vez um sufoco desse. Não é a primeira vez. No dia anterior, contamos por volta de uns 80 policiais, retroescavadeira. Tudo para demolir uma aldeia numa terra da União. Esse governo, essa Justiça. Todo mundo vê o que está acontecendo, quem são eles. Se pensa que vai ter Brasil fazendo isso com o povo indígena, se engana”, diz Antonio Santos Kariri Xocó de Paulo Afonso.

     

    Situação semelhante ocorre periodicamente com os Pataxó e tupinambá do sul da Bahia. No dia 10 de março deste ano, por exemplo, os Pataxó comemoraram o adiamento do despejo de cinco aldeias nos municípios de Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro. Em outubro do ano passado, famílias Pataxó foram retiradas à fotça da aldeia Aratikum. Em abril de 2016 uma reintegração de posse foi suspensa no último dia dado aos indígenas Pataxó para que saíssem de uma área da Terra Indígena Comexatiba, onde incide o Parque Nacional do Descobrimento (PND), e ao lado da Terra Indígena Barra Velha, também Pataxó e com ordens de despejos recorrentes. Em 2015 e 2014, outras reintegrações foram executadas ou suspensas perto de serem cumpridas.

     

    Em agosto de 2015, homens armados invadiram a aldeia Cahy e queimaram uma maloca que continha artesanatos e objetos de uso tradicional e religioso. Em seguida, ocorreram uma série de ataques de pistoleiros e os indígenas chegaram ao ponto de esconder seus filhos em caixas d’água à noite, com medo dos tiros. No interior da terra Indígena Comexatiba, os Pataxó flagaram a retirada de madeira mesmo com toda a fiscalização do Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental (ICMBio), que, por outro lado, tenta na Justiça Federal retirar os Pataxó do território tradicional.  

     

    Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau Tupinambá, e o irmão, José Aelson Jesus da Silva, o Teity Tupinambá, foram presos na manhã de 7 de abril de 2016 pela Polícia Militar no município de Olivença. Ambos tinham passado momentos antes pela aldeia Gravatá, Terra Indígena Tupinambá de Olivença, no extremo sul baiano, onde indígenas Tupinambá denunciavam o crime ambiental da retirada ilegal de areia – depois de terem sofrido despejo no dia anterior. Babau e o irmão foram encaminhados para a sede da Polícia Federal, em Ilhéus. Conforme o cacique afirmou em sua defesa, ele e o irmão foram à aldeia Gravatá para averiguar a quebra de um acordo por parte do Comando da Polícia Militar da Bahia de suspensão da execução da reintegração de posse ocorrida. A história desencadeada deixa indícios de que Babau e o irmão caíram em uma arapuca.

     

    "Reintegração, ameaças, processos judiciais, flagrantes, milícias. Tudo isso aí é uma articulação contra a gente. Então a gente unido como foi nesse acampamento fica mais forte pra enfrentar", diz cacique Babau Tupinambá.  


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  • 31/05/2017

    NOTA PÚBLICA – Sem direito à terra em vida, massacre e morte indigna

    As Pastorais do Campo divulgaram nesta quarta-feira (31) Nota Pública condenando o aumento dos massacres e da violência contra os povos do campo. O documento destaca que "É evidente que esta exacerbação dos conflitos agrários em número e violência, tem ligação com a crise política e com o avanço das forças do agronegócio sobre os Poderes do Estado brasileiro. Os desmandos autoritários da cúpula da República, com seu jogo de poder servil aos interesses da minoria do Capital, vilipendiam os direitos sociais e relativizam os direitos humanos". Confira na íntegra:

    NOTA PÚBLICA
    Sem direito à terra em vida, massacre e morte indigna

    "Guardai o juízo e fazei justiça. Porque a minha salvação está prestes a vir,
    e a minha justiça para se manifestar. (BÍBLIA, Isaías 56,1)"

    As Pastorais Sociais do Campo subscritas vimos mais uma vez a público denunciar e clamar por justiça diante da trágica e assustadora escalada da violência no campo. Em 35 dias, foram três massacres concretizados e uma tentativa, quase um por semana, com 22 trabalhadores em luta pela terra mortos.

    O primeiro foi em Colniza – MT, em 20 de abril, com 09 torturados e mortos por jagunços encapuzados, sendo o líder dos posseiros degolado. Em Vilhena – RO, no dia 29 de abril, foram encontrados 03 corpos carbonizados dentro de um carro, na mesma fazenda em que 05 trabalhadores foram mortos e três dos quais queimados ainda vivos em 2015, um crime impune. O ataque aos índios Gamela aconteceu no dia 30 de abril, em Viana – MA, com 22 feridos, 02 com mãos decepadas, por populares insuflados por ruralistas e políticos, com envolvimento da Polícia Militar, conforme registro de uma viatura na ação.

    O mais recente foi o que aconteceu em Pau d’Arco, no sul do Pará, no dia 24 de maio, quando foram mortos 09 homens e 01 mulher, esta liderança de um movimento, pelas Polícias Civil e Militar.

    A versão oficial dos órgãos públicos do estado foi a de que as mortes ocorreram em confronto armado, pois os policiais teriam sido recebidos à bala. Esta versão pretende fazer crer que o povo brasileiro é imbecil e que não tem capacidade de discernimento. Como num confronto armado, nenhum dos 29 policiais envolvidos na ação, sequer foi ferido? Por que a cena do crime foi desmontada, com os próprios policiais transportando os corpos para a cidade?

    Estas circunstâncias, bem como o depoimento de alguns sobreviventes do massacre, feita a integrantes do Ministério Público e a outras entidades que investigam o ocorrido, indicam que houve uma execução fria e planejada.

    Não há outro modo de interpretar a fragilidade na tentativa de revestir a chacina de Pau d’Arco de alguma legalidade de “cumprimento de mandados de prisão” e de “prestação de socorro” à retirada dos corpos das vítimas. Na verdade, o que se fez foi apagar vestígios e encobrir um massacre premeditado e cruelmente realizado, às gargalhadas, conforme testemunhas. A barbárie se consumou com o tratamento dispensado aos corpos das vítimas jogados como animais em carrocerias de camionetes, levados a distâncias de até 350 km para perícias e devolvidos do mesmo modo aos familiares, largados ao chão de uma funerária, já putrefatos, para serem enterrados às pressas e à custa deles, sem chance nem de um mínimo velório.

    A diversidade dos autores revela a barbárie generalizada provocada pela irresolução da questão da terra, com agravamento brutal de suas consequências, sobretudo nos últimos três anos. O ano de 2017 promete superar 2016, que foi recordista em ocorrências de conflitos por terra no Brasil nos últimos 32 anos. Foram 1.079 ocorrências desse  tipo de conflito, quase três por dia, o maior número desde 1985, quando a CPT começou a publicar sistematicamente este registro. Camponeses assassinados já são 37 nestes cinco meses de 2017, 08 a mais que em igual período no ano passado, quando houve o registro de 29 assassinatos. Qual será o próximo caso? Outro massacre?

    É evidente que esta exacerbação dos conflitos agrários em número e violência, tem ligação com a crise política e com o avanço das forças do agronegócio sobre os Poderes do Estado brasileiro. Os desmandos autoritários da cúpula da República, com seu jogo de poder servil aos interesses da minoria do Capital, vilipendiam os direitos sociais e relativizam os direitos humanos. O Estado brasileiro tem conseguido ultrapassar os limites do desrespeito à cidadania e aos interesses do povo, numa democracia de fachada, cinismo e desfaçatez, que se alimenta de desmandos criminosos impunes. A desobediência ou manipulação da legalidade é senha para os excessos, para o descaramento na repressão aos pobres, é licença para matar e tripudiar sobre eles. Uma violência extrema que, neste clima reinante, torna-se funcional, pedagógica. Nega-se aos camponeses, sem-terra, pescadores, quilombolas, indígenas, o mínimo de dignidade e qualquer traço de igualdade, de pertença à humanidade. Para o lavrador, como canta Chico Buarque, “é a terra que querias ver dividida”.

    O fascismo, que fermentava nos subterrâneos das relações públicas no Brasil, veio à tona. É o que se comprova em falas e atos, como a manifestação de ruralistas e parlamentares, no dia 29 de maio, em Redenção, no sul do Pará, em solidariedade aos policiais que praticaram o massacre, proclamados heróis da causa ruralista.

    Felizmente a maioria das pessoas em nosso país está se dando conta de que o Agro é homicídio, como o comprovam os crescentes números de assassinatos registrados. É massacre, é suicídio, provocado, sobretudo, pelo uso irracional de agrotóxicos. É ecocídio, pois é responsável pela crescente e veloz destruição do meio ambiente. É hidrocídio, pois é responsável pelo secamento de milhares de fontes de água.

    Diante das evidências do massacre perpetrado, reconhecido pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos, pela investigação do Ministério Público, e por órgãos da imprensa que se deslocaram ao local do conflito, o Estado decidiu afastar de suas funções os policiais envolvidos. Mas o que a sociedade espera é que sejam presos e processados por crime contra a humanidade, tanto pela morte das pessoas quanto pelo tratamento dispensado aos corpos das vítimas.

    Conhecendo de longa data como o Pará tem tratado casos semelhantes exigimos que o caso seja federalizado, para que se possa fazer justiça.

    Contamos com todos que se compadecem com os que, na cidade e no campo, são os que mais sofrem com o descalabro desta situação. Juntos exijamos e cobremos que aconteçam o direito, a justiça e a dignidade em defesa da Vida e do Bem Viver de todos. Deus nos proteja e ajude!

    Brasília, 31 de maio de 2017.

    Comissão Pastoral da Terra – CPT
    Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
    Serviço Pastoral do Migrante – SPM
    Cáritas Brasileira
    Conselho Indigenista Missionário – CIMI

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  • 31/05/2017

    Últimos dias para realizar inscrição no curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas


    Inscrições encerram amanhã, quinta-feira (01/06).

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Universidade da Integração Latino Americana (Unila) realizarão, em julho de 2017, a segunda edição do curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas. O curso é gratuito e voltado especialmente para movimentos e pastorais sociais, professores (as) de educação básica, pedagogos (as) e diretores (as) de escola, educadores (as) populares e tem a finalidade de qualificar as pessoas para a abordagem, em seus contextos de atuação, de questões ligadas aos Povos Indígenas.

    O curso tem 50 vagas disponíveis e será ministrado entre os dias 10 a 28 de julho no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO). A carga horária será de 188h horas, sendo 140 horas de aulas presenciais e 48 horas de atividades complementares. As inscrições estão abertas até o dia 01 de junho de 2017. No dia 8 de junho será divulgada a primeira chamada de selecionadas (os) e, no dia 15, a segunda chamada.

    O Cimi oferece acomodações no Centro de Formação Vicente Cañas, local do curso. Para os que desejarem, será cobrado um valor de contribuição referente a hospedagem e alimentação.

    Para Clovis Antonio Brighenti, coordenador do curso, a segunda edição é organizada devido ao número de inscrições recebidas no ano passado. A formação, para o professor da Unila, busca compreender as relações indígenas e apontar novos caminhos para a sociedade moderna, assumindo uma lógica menos predatória e perversa. “Os povos indígenas apontam caminhos, perspectivas diferentes de soluções para os desafios dos limites da sociedade ocidental, seja na relação com a terra, na convivência religiosa, nas formas simples de viver”, comenta. “Os povos originários são sujeitos históricos das transformações e devem inspirar os processos contemporâneos para uma sociedade do Bem Viver”.

    Entre os tópicos abordados no cronograma do curso, estão:
    – História e Resistência Indígena;
    – Antropologia Indígena – marcos conceituais referentes à diversidade sociocultural;
    – Terra, Território e Territorialidade e sua relação com práticas e saberes ambientais;
    – Direitos Indígenas: legislação e mobilização política dos Povos Indígenas;
    – Projetos de Bem viver como crítica radical ao capitalismo;
    – Conjuntura Político Indigenista, espaços de controle social e protagonismo;
    – Orientação metodológica do ensino da História indígena.

    Ao final do curso, como atividade complementar, é pedida a elaboração de um artigo, para o qual os (as) participantes contam com a orientação dos (as) professores(as).

    SERVIÇO – Curso de extensão em Histórias e Culturas Indígenas
    Realização: Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Universidade Federal da Integração Latino Americana (Unila)
    Data: de 10 a 28 de julho
    Local: Centro de Formação Vicente Cañas,  Luziânia (GO)
    Inscrições: até dia 01 de junho, responder inscrição abaixo
    Caso encontre problema com a inscrição, enviar e-mail para curso.indigenismo@cimi.org.br ou extensao.indigenismo@unila.edu.br
    Hospedagem: O Cimi oferece hospedagem no Centro de Formação Vicente Cañas. Quem desejar, pode fazer contato pelo telefone (61) 99696 4843 ou pelo email curso.indigenismo@cimi.org.br.
    Custo: o curso é gratuito. Será cobrado um valor de contribuição referente a hospedagem e alimentação. O deslocamento do Aeroporto de Brasília (DF) para a localidade do curso é responsabilidade de cada participante. O trajeto é de aproximadamente 50 km e conta com transporte público.
    Mais informações: Cimi: (61) 2106­1650 ­ ou  ­ curso.indigenismo@cimi.org.br
                                     UNILA: (45) 9807­6716 ou ­ extensao.indigenismo@unila.edu.br

    Inscrições abaixo:

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  • 30/05/2017

    Carta dos Povos e Comunidades Tradicionais Pelo Bem Viver



    "Somos contra esse modelo de morte que impera no país, que retira diretos dos menos favorecidos para sustentar a ganância do capital".

    Quilombolas, geraiseiros, pescadores, índios, entre outros povos tradicionais, estiveram reunidos entre os dias 22 e 24 de maio de 2017, em Luziânia (GO), no II Encontro Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais para discutir o contexto político atual do país.

    Em carta divulgada ao final do Encontro, os povos denunciam a violência enfrentada pelas comunidades e apontam o Estado brasileiro como um dos principais opressores e causadores dessa violência. O documento também critica a criminalização sofrida por funcionários da FUNAI, do INCRA e pelos missionários do CIMI, devido aos indiciamentos da CPI FUNAI/INCRA.

    Os participantes reforçam a necessidade de fortalecer a articulação entre os povos como único caminho para garantir o Bem Viver e para combater a violência sofrida.

    Confira a Carta na íntegra:

    II Encontro Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais
    22 A 24/05/2017 – Luziânia (GO)
    Carta dos Povos e Comunidades Tradicionais Pelo Bem Viver

    Nós, quilombolas, indígenas, pescadores, sertanejos, geraiseiros, faxinais, agentes da CPT, do CPP e do CIMI, ribeirinhos, seringueiros e outros irmãos, reunidos no II Encontro Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, entre os dias 22 e 24 de maio de 2017, em Luziânia (GO), manifestamos publicamente nosso repúdio a todo tipo de violência sofrida pelo nosso povo, especialmente nos últimos tempos, em que testemunhamos massacres, como o ocorrido com o povo Gamela em Viana (MA), no dia 30 de abril e aquele ocorrido hoje pela manhã, no estado do Pará em que dez vidas de trabalhadores rurais foram ceifadas violentamente numa desastrosa ação da polícia.

    A violência contra o nosso povo só tem crescido. Os casos notificados não são capazes de contabilizar nosso sofrimento, as estatísticas não dão conta de expressar as nossas perdas. Convivemos diariamente com ameaças de morte, assassinatos de nossos irmãos e irmãs, atentados contra a vida, negação e violação dos nossos direitos, desrespeito à nossa cultura e ao nosso modo de viver e todo tipo de agressão, preconceito e discriminação. Temos sido vistos como vilões por lutarmos pelo direito de permanecer na terra, que é nossa, cultivando nosso alimento, fortalecendo e garantindo a manutenção da nossa cultura. 

    O Estado brasileiro, aliado aos interesses dos opressores e sendo ele também um opressor, sempre negou nossos direitos, e, por muitas vezes, esteve à frente dos atos de violência contra nós. Nossos territórios foram invadidos, nossa luta criminalizada e nosso direito de viver arrancado pelas mãos de fazendeiros, latifundiários, empresas, grileiros, grandes empreendimentos econômicos, grandes projetos de “desenvolvimento”, entre muitos outros.

    Os dados recentemente apresentados pela CPT denunciam um cenário de massacre contra indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras, sertanejos, quebradeiras de coco, faxinais, assentados, ribeirinhos, seringueiros e muitos outros irmãos. Do ano de 2014 até hoje foram registrados 173 assassinatos no campo no Brasil, a maioria, sem esclarecimentos e punição aos culpados. Impera a impunidade. Não podemos mais aceitar essa situação.

    Somos contra esse modelo de morte que impera no país, que retira diretos dos menos favorecidos para sustentar a ganância do capital. Que criminaliza aqueles que lutam pela justiça social e ambiental em favor daqueles que destroem a vida. A CPI da FUNAI e INCRA, proposta, presidida e relatada por latifundiários, demonstra um sistema politico subserviente aos caprichos dos “poderosos”, sem o mínimo de respeito ou preocupação com o povo que sofre.

    Por isso propomos e lutamos por um modelo de vida. Por isso, mais uma vez, denunciamos toda violência sofrida por nosso povo. Por isso nos articulamos e nos organizamos em luta permanente. Não aceitamos mais esse violento projeto colonizador, escravista e explorador. Não aceitamos mais ser massacrados. Não aceitamos abrir mão dos nossos territórios de vida. Não aceitamos ver tombar nossos irmãos e irmãs, nem sermos assombrados por ameaças de morte, atentados e atos de violência orquestrados pelo latifúndio, por empresas ou quem quer que seja.

    Reforçamos aqui a necessidade de deixar florescer nossa articulação, fortalecer esta luta, pois ela é nosso único caminho. Acreditamos na força da união do nosso povo, que sempre lutou, sempre resistiu e sempre resistirá contra todos os grilhões, toda forma de violência. Queremos viver. Queremos territórios livres pelo BEM VIVER dos povos e comunidades tradicionais.

    Luziânia (GO), 24 de maio de 2017.

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  • 30/05/2017

    Crise na Venezuela: Dos 500 índios Warao refugiados metade vive embaixo de viadutos em Manaus

    Dos cerca de 500 índios Warao que migraram nos últimos cinco meses da Venezuela para Manaus, metade mora em barracas de lona em ruas e embaixo dos viadutos que ficam no entorno do Terminal Rodoviária, na zona centro-sul da capital amazonense. A falta de acolhimento humanitário, como prevê a nova Lei da Migração, criou um drama sem precedentes na cidade cuja economia vem das ricas indústrias da Zona Franca. Quem passa de ônibus ou de carro pelas vias a imagem que se vê é similar das favelas que surgiram quando Calaís, na França, abrigou refugiados sírios.

    Nas barracas de lonas azul ou preta espalhadas embaixo do viaduto Governador Plínio Ramos Coelho vivem cerca de 250 indígenas da Venezuela. Destes, 113 são crianças. Muitas delas apresentam sinais de doenças de pele, como escabiose, desnutrição e sintomas de problemas respiratórios.

    A alimentação dos refugiados, na maioria das vezes, vem de doadores anônimos e igrejas, que levam produtos como frango, macarrão, arroz, pão, biscoitos, refrigerante, fraldas descartáveis e material de higiene pessoal. Muitas mulheres pedem dinheiro nos semáforos da cidade, sempre acompanhadas das crianças, mas elas interpretam essa prática como uma atividade laboral. É com a doação que recebem que as famílias compram comida e mantimentos. Eles dizem, contudo, que a ajuda nas ruas têm diminuído.

    As autoridades não conseguem dar uma resposta humanitária aos migrantes que chegam todos os dias na cidade. O Ministério Público Federal (MPF) enviou este mês uma recomendação aos governos federal, estadual e ao município pedindo auxílio social, humanitário e de saúde aos migrantes Warao. Na ocasião duas crianças morreram: uma por catapora e a outra por pneumonia. Um homem morreu por infarto.

    Outra preocupação das instituições é com o anúncio do 1o. Plano de Contingência que o governo do presidente Michel Temer (PMDB) organiza na fronteira do Brasil com a Venezuela, que pode causar restrições a vinda de refugiados índios e não índios para Manaus. Autoridades como o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), defendem a instalação de “um campo de refugiados e uma barreira” na fronteira para impedir a chegada de mais índios Warao na capital amazonense.

    A família do professor Aníbal José Cardona, 29 anos, é uma das que vivem debaixo do viaduto Governador Plínio Governador Plínio Coelho, do Complexo Viário de Flores, zona Centro-Sul de Manaus. Ele disse à Amazônia Real que chegou a Manaus no dia 15 de abril, junto com a mulher, Rosaura Maya, 25, e dos dois filhos, Anison, de 3 anos, e Disaure, de 1 ano e sete meses. A viagem começou da comunidade Mariusa, no estado de Delta Amacuro, na região do Delta do Orinoco, no litoral caribenho, até a cidade de Santa Elena do Uairén, na Venezuela; são mais de 1.700 quilômetros de distância.

    A família entrou no território brasileiro pelas serras de Pacaraima para driblar as deportações da Polícia Federal. Depois seguiu mais 220 quilômetros até Boa Vista pagando por pessoa (R$ 60 a viagem de carro), onde morou num galpão.

    “Nessa época, a Polícia Federal não estava deixando a gente entrar de maneira legal. Antes, havia permissão. Depois, parou. Falaram que já tinha muito Warao em Boa Vista. Então, entramos por uma outra área, a área verde, caminhando até 30 quilômetros. Éramos 20 famílias. Sofremos muito subindo e descendo a serra. Não foi fácil. Nossa perna ficava muito cansada”, contou Cardona.

    Família de Aníbal José Perez Cardona vivendo no viaduto (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

    Família de Aníbal José Perez Cardona vivendo no viaduto (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

    No período em que ficou em Boa Vista, ele disse que conseguiu vender artesanato, o que não é mais possível por falta de matéria-prima. Decidiu migrar para Manaus para tentar outra fonte de renda ou alternativa de apoio para suas necessidades. A família não tem certeza se quer fixar residência permanente no Brasil, mas diz que “ainda não é o momento para voltar à Venezuela”.

    “A situação lá só tem piorado. Tem muita violência, matança. Passamos muita fome. Somos um povo pesqueiro, não temos mais peixe. E não tem sido fácil encontrar trabalho. Aqui no Brasil eu gostaria de trabalhar. Na minha comunidade, eu era professor de escola para criança. Era do governo. Agora não posso mais. O governo não tem recurso. Nosso trabalho não tem valor. E não sabemos quanto tempo vai durar essa crise”, disse Aníbal Cardona, que diz que é formado por uma universidade indígena localizada no estado de Delta Amacuro.

    Apesar da expectativa de continuar morando no Brasil, ele sente necessidade de retornar ao seu país para ajudar a família que ficou. No período em que esteve em Boa Vista, conseguiu ir uma vez a Venezuela e ajudar a família com o dinheiro da venda de artesanato. Em Manaus, ele não sabe quando conseguirá viajar novamente.

    “Eu penso em ficar aqui [Manaus], mas tenho que levar alguma coisa para minha família. Levar roupa. Na Venezuela, é quase impossível comprar roupa. Não sei quando vou conseguir”, diz ele, que considera o povo brasileiro “solidário e carinhoso”, apesar dos episódios de preconceito que alguns grupos vivem frequentemente, além de assaltos de não-índios de alimentos e até de fraldas.

    Recentemente, os Warao foram abordados por policiais militares após uma denúncia de que eles teriam reagido à atitude de uma mulher na Rodoviária que teria tomado de uma criança um filhote de cachorro. A mulher alegou que a criança estava maltratando o animal. À reportagem, Aníbal negou a versão da mulher.

    “Ela viu uma criança nossa brincando com o cachorro, se enamorou do animal e fez uma denúncia falsa. A criança chorou, querendo recuperar o cachorro. A mulher chamou a polícia e falou que a criança estava maltratando o cachorro, o que não era verdade. Chegou patrulha da política e nos ameaçou”, diz Aníbal Cardona.

    O caso acabou tento grande repercussão nas redes sociais. O indígena disse que a mulher, que ele não soube identificar, ficou com o cachorrinho.

    Morrendo por falta de comida

    Evélio Jesus Manziano, 40 anos e sua mulher Cacilda Mata, 36, cunhada Rafaela Mata e sobrinha Alexandra 2 anos. (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

    Evélio Jesus Manziano, 40 anos e sua mulher Cacilda Mata, 36, cunhada Rafaela Mata e sobrinha Alexandra, 2 anos. (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

    Evélio Mariano, 40 anos, chegou a Manaus no último dia 13 de maio, acompanhado da mulher Cacilda Malta, 36, e outros familiares. Ele estava em Boa Vista desde dezembro e também decidiu seguir viagem até a capital amazonense.

    “Em Boa Vista não temos trabalho. Eu tenho documentos do Brasil, de imigrante, tenho protocolo, cartão de SUS, Carteira de Trabalho. Tenho experiência de motorista de lancha. Tenho meu currículo. Gostaria de trabalhar”, disse Evélio.

    Nascido em Delta Amacuro, ele conta que não quer voltar para Venezuela. “Na Venezuela não tem nada. Está morrendo muita gente. Morrendo por falta de alimento, falta de medicina. O governo está matando muitas pessoas na rua. E os índios sofrem mais. Se eu conseguir trabalho, não volto mais. Já passei muita necessidade”, conta Evélio, que deseja conseguir recursos financeiros para ajudar a família que ficou na Venezuela.

    Devido à dificuldade de trabalho, ele e a mulher planejam conseguir meios para comprar material de artesanato para vender. “Não quero ficar pedindo na rua”, disse.

    Insegurança preocupa Cáritas

    Viaduto governador Plínio Coelho serve de moradia para refugiados (Foto:Alberto César Araújo/Amazônia Real)

    Viaduto governador Plínio Coelho serve de moradia para refugiados (Foto:Alberto César Araújo/Amazônia Real)

    Representante da Cáritas no acompanhamento aos Warao em Manaus, o padre Joaquim Hudson Ribeiro mostra-se preocupado com a opção do poder público em transferir apenas os indígenas que estão no Terminal Rodoviário de Manaus para o abrigo na zona leste de Manaus.

    “As condições das casas no centro da cidade são péssimas. E eles não têm mais condições de pagar o aluguel. As doações nas ruas têm diminuído. Parte da população vizinha também começa a se incomodar e ali é uma área considerada ‘vermelha’, perigosa. Se a situação dos que estão no Centro também não for resolvida, vai ter problema. E a Cáritas não tem condições de assumir os aluguéis dos demais meses”, conta.

    Padre Joaquim Hudson disse que o primeiro contato que teve com os índios Warao aconteceu no dia 2 de abril, quando um grupo esteve na missa na Capital Metropolitana de Manaus. O grupo procurou a Igreja Católica voluntariamente.

    “Eles nos procuraram logo depois que houve o anúncio do governo de fazer o transporte deles de volta para Venezuela, de ônibus. Disseram que não queriam ir. Pediram ajuda, comida e alojamento. Então, a gente começou a acompanhar, a olhar a situação de saúde, eles vivendo em uma situação muito insalubre. Conseguimos levar uma equipe de médicos e enfermeiros porque estávamos vendo a morosidade da Semsa (Secretaria Municipal de Saúde)”, relata. A Semsa, até então, vinha realizando apenas atendimentos esporádicos.

    No mesmo período, a Cáritas também precisou bancar um aluguel de outro prédio no valor de R$ 2.500 para abrigar as famílias que perderam seus pertences após um incêndio no local onde viviam.

    Após conversa com a Semsa, a sede da Cáritas recebeu no último dia 16 de abril uma equipe de médicos e enfermeiros para os Warao, em uma primeira ação efetiva de atendimento à saúde por parte da prefeitura. Um segundo atendimento aconteceu no Terminal Rodoviário, dois dias depois.

    A mesma avaliação sobre a destinação dos Warao ao abrigo tem o procurador da República Fernando Merloto Soave, do MPF do Amazonas. Ele afirma que é preciso contemplar todos os grupos e sugeriu que se construa “soluções sustentáveis” a longo prazo para que os próprios indígenas consigam “caminhar com suas próprias pernas”.

    “A ideia é que o abrigo sirva também como ponto de referência, mas que aos poucos vá se conquistando a autonomia deles. Muitos falam que gostariam de um espaço onde possam plantar, por exemplo”, disse.

    A Arquidiocese de Manaus tem um histórico de auxílio a imigrantes através da Pastoral do Migrante. A atuação se intensificou com a chegada em massa de mais de 10 mil haitianos na capital, a partir de 2011. Em Manaus, segundo o padre Valdeci Molinari, que esteve à frente no apoio aos haitianos, a Igreja Católica acaba assumindo a tarefa porque o poder público se omite.

    “Isso aconteceu com os haitianos. Quando pedimos ajuda do governo e nunca conseguimos. Não podíamos cruzar os braços. Buscamos fazer o que foi possível [com os haitianos]. A ajuda foi fruto da solidariedade da sociedade, de igrejas evangélicas e católica, de empresas”, afirma.

    O padre conta que a situação dos indígenas venezuelanos tem outra característica e precisa ser tratada de forma específica. Ele enfatiza, porém, que a Pastoral do Migrante não tem condições de receber mais imigrantes devido à lotação do seus dois abrigos. Um localizado no bairro Zumbi, na zona leste, e outro no bairro Santo Antônio, na zona centro-oeste.

    “Eles [Warao] chegaram e ficaram acampados. Chamou atenção, ficou notório, mas o poder público estava muito devagar. Os índios têm uma característica diferente e precisam de uma forma diferente de trabalhar com eles. Tem a questão cultural. Continuamos batendo na tecla de que é o poder público que tem que prover. Tivemos uma postura de receber imigrantes, mas não podemos manter o trabalho por causa da omissão do Estado”, afirmou.

    A origem e a migração dos Warao

    Acampamento embaixo do viaduto existe há 4 meses (Foto:Alberto César Araújo/Amazônia Real)

    Acampamento embaixo do viaduto existe há 4 meses (Foto:Alberto César Araújo/Amazônia Real)

    Os Warao formam a segunda maior população indígena da Venezuela, com 49 mil pessoas distribuídas em comunidades da região caribenha do delta do rio Orinoco, no litoral do país. Há também populações que vivem em cidades do estado de Delta Amacuro, cuja capital é Tucupita. Também há registro de Warao em comunidades da Guiana e Suriname, indicando um deslocamento pelo mar em períodos pré-coloniais, por serem secularmente hábeis canoeiros.

    Os dados fazem parte do parecer técnico do Ministério Público Federal de Roraima produzido após uma reunião ocorrida na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em 14 de dezembro de 2016, com o objetivo de tratar da situação migratória de índios venezuelanos no Brasil.

    Os estudos apontam que os Warao sofreram vários impactos em seu território. Um dos registros mais graves aconteceu na década de 1960, quando o rio Manamo, afluente do rio Orinoco, foi barrado para atividades de agropecuária. Os Warao não foram ouvidos nem consultados. O território também passou a ser ocupado por não-indígenas. Todas as atividades de subsistência dos Warao foram afetadas. Impactados, muitos grupos se dispersaram ou foram removidos, passando a viver em áreas urbanas.

    Em 1976, uma enchente no rio Manamo, provavelmente causado pela barragem, matou entre mil e três mil Warao. Foi neste momento que eles iniciaram o processo de migração temporária ou permanente, inserindo-se no mercado terciário como mão de obra de baixa qualificação ou como pedintes.

    O ato de pedir, contudo, segundo o parecer, opera com um significado próprio, pois para os indígenas isso também é considerado um “trabalho”.

    “Quando ocorre a necessidade de se ‘tornarem pedintes’, eles passam a viver temporariamente (porque também retornam periodicamente aos seus locais de origem) em situação de rua e, consequentemente, os problemas próprios deste contexto, sobretudo quando em centros maiores. Apesar de riscos da vida urbana, eles têm conseguido se garantir economicamente e se manter enquanto grupo, realizando as expedições sempre de modo coletivo e com características próprias”, diz trecho do parecer.

    Segundo o documento, os Warao afirmaram que não dispõem do uso exclusivo de seu território histórico e do qual necessitam, pois ele está partilhado com os que eles chamam de Hotarao (habitantes das terras altas: crioulos e estrangeiros). Também não há registro de titulação de um território continuo dos Warao.

    A entrada dos Warao no Brasil começou em 2014, no contexto da crise que atingiu a Venezuela. O motivo foi a fome, a falta de recursos e o corte de benefícios sociais promovido pelo governo de Nicolás Maduro. Sua principal fonte de renda, o pescado, também entrou em crise com a baixa procura.

    Conforme o parecer, os indígenas chegam ao Brasil em grupos familiares e que muitos deles já se conheciam nas regiões de origem; outros passaram a se conhecer no trajeto. O processo de mobilidade dos Warao consiste na vinda de uma parte da família e outra que aguarda na Venezuela. Ocasionalmente, caso decidam, o que ficou decide se juntar aos que vieram antes.

    Nesta segunda-feira (29), o Ministério Público Federal do Amazonas divulgou um parecer antropológico sobre os Warao, sua etnografia, migração e presença em Manaus. Leia o parecer do MPF do Amazonas.


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  • 30/05/2017

    Protocolado Estudo de Impacto Ambiental do “Projeto Atlântico Energia” que afetará terras indígenas e UCs


    Imagem aérea dos limites da Terra Indígena Piaçaguera. Crédito da Foto: Carlos Penteado/CPI-SP

     

    O licenciamento ambiental do Projeto Atlântico Energia avança e preocupa os índios, organizações indigenistas e ambientalistas. No último dia 5 de abril, o Estudo de Impacto Ambiental foi protocolado na Cetesb, órgão responsável pelo licenciamento ambiental. “Fomos pegos de surpresa, essa bomba estourou agora, a gente não sabe ao certo o que está acontecendo. Estamos muito preocupados”, afirma Lilian Gomes, liderança da Terra Indígena Piaçaguera, localizada no Município de Peruíbe, a quatro quilômetros da área onde a Gastrading pretende construir uma usina termelétrica.

     

    O Projeto Atlântico Energia da Gastrading Comercializadora de Energia S.A prevê a implantação de uma usina termelétrica e de um terminal marítimo para recebimento de gás natural ambos em Peruíbe. Está planejada também a construção de gasodutos e linha de transmissão que cortarão o litoral sul de São Paulo, chegando até a região de Santos e Cubatão.

     

    Dados obtidos junto aos órgãos de licenciamento ambiental indicam que o empreendimento terá impactos sobre terras indígenas e unidades de conservação federais e estaduais. O coordenador da regional Litoral Sudeste da Funai, Cristiano Hutter, confirma os riscos “o estrago vai ser de São Vicente até Peruíbe, pegando todas as terras indígenas da região”.

     

    Os ambientalistas também se preocupam. “Trata-se de um empreendimento gigantesco em uma área ambiental extremamente sensível” afirma Plínio Melo, presidente da organização Mongue Proteção ao Sistema Costeiro.

     

    Falta de informação preocupa os índios

     

    O processo de licenciamento ambiental foi aberto em 2016 e a Funai em Brasília já foi comunicada sobre o empreendimento. No entanto, até o momento, para os índios não houve comunicação oficial, como alerta Lilian Gomes da TI Piaçaguera. “Nunca fomos oficialmente informados de nada, só soubemos via imprensa, tem várias ONGs alertando sobre os problemas e o impacto. Não sabíamos dessa dimensão toda de uma termelétrica, aí vimos que é bem preocupante pelo impacto ambiental, estamos apreensivos pelas nossas comunidades e terras”.

     

    Para Otávio Penteado, assessor de programas da Comissão Pró-Índio de São Paulo a falta de esclarecimentos é preocupante. “O diálogo com os índios já deveria ter sido iniciado. Esperamos que agora, com a protocolização do EIA/Rima, a Funai proceda à avaliação dos impactos para as terras indígenas e que os índios sejam propriamente informados e consultados sobre o prosseguimento do processo, seguindo as regras da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho”.

     

    Catarina Delfina, cacique da aldeia Piaçaguera expressa sua preocupação com os possíveis impactos. “A gente está preocupada, todo mundo está, porque a tubulação vai passar por baixo, dá doença, é um perigo com a saúde de todo mundo. Estamos pedindo para Nhandareu que não aconteça, mas não dá para saber”.

     

    Segundo avaliação de Cristiano Hutter da Funai, o complexo deverá impactar as Terras Indígenas Piaçaguera e Bananal (Peruíbe), Paranapuã (São Vicente), Tekóa Mirim (Praia Grande), Itaóca e Aguapeú (Mongaguá), Rio Branco e Tanguará (Itanhaém). O Ibama também cita possíveis impactos à TI Tenondé Porã (São Paulo, São Bernardo do Campo, São Vicente e Mongaguá).

     

    Ambientalistas alertam para os impactos socioambientais

     

    A área de impacto do empreendimento também abarca diversas unidades de conservação municipais, estaduais e federais: Parque Municipal Piaçabuçu; Parque Estadual da Serra do Mar, Parque Estadual Xixová-Japuí;  Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Centro; Estação Ecológica Juréia Itatins, Estação Ecológica do Tupiniquins; Refúgio de Vida Silvestre das Ilhas Abrigo e Guararitama, Área de Relevante Interesse Ecológico das Ilhas Queimada Grande e Queimada Pequena; e Área de Proteção Ambiental Cananéia-Iguape-Peruíbe.

     

    Ambientalistas da região alertam para os impactos do empreendimento. Plínio Melo avalia que “a emissão de gases formadores do efeito estufa em uma atividade contínua com previsão de funcionamento de 24 horas diárias trará efeitos nocivos ao meio ambiente e às populações indígenas que vivem na área diretamente afetada”. E ressalta o presidente da ONG “que os dois bairros mais populosos e carentes de Peruíbe (Caraguava e Vila Erminda) sofrerão danos irreversíveis com a poluição aumentando”.

     

    O diretor executivo da Ong Ecosurf, João Malavolta, complementa: “avaliamos empreendimentos dessa natureza como involutivos. Os principais cientistas da comunidade internacional já manifestam que o modelo de desenvolvimento energético deve ser substituído imediatamente por fontes de energia limpa, sobretudo renováveis”.

     

    A sociedade civil da região está se mobilizando para pressionar que o projeto não seja implementado. “Cerca de 40 organizações ambientalistas, coletivos e movimentos sociais de atuação local e nacional, subscrevem uma carta que pede o cancelamento imediato do empreendimento”.

     

    O projeto não trará desenvolvimento para a região, de acordo com a avaliação de João Malavolta. “Exemplos não faltam no Brasil de projetos que são anunciados como oportunidade de desenvolvimento e que na verdade levam estragos muitas vezes irremediáveis para os locais onde são implantados. Basta analisar o caso de Belo Monte, a cidade de Cubatão, que tem um dos maiores PIB do país devido ao seu pólo industrial e ainda possui inúmeros bolsões de pobreza”.

     

    Licenciamento Ambiental iniciado

     

    O processo de licenciamento ambiental está sob a responsabilidade da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), vinculada à Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.  O Ibama firmou termo de compromisso com o órgão estadual e delegou a ele a responsabilidade pelo licenciamento.

     

    Com a protocolização do EIA/Rima, a Cetesb deverá avaliar os impactos detalhados no relatório e marcar audiência pública para discussão do empreendimento com a população.

     

    Já a Funai deverá emitir parecer favorável ou contrário à instalação de todo o complexo na região além de realizar a consulta livre, prévia e informada. A sede do órgão indigenista confirmou à CPI-SP que que aguardava o acesso ao EIA/RIMA para dar encaminhamento a avaliação. “No que diz respeito à atuação da Funai, há o receio de que o recente corte nos quadros do seu setor de licenciamento comprometa as possibilidades do órgão acompanhar adequadamente o processo ”, pontua Otavio Penteado, se referindo ao decreto de Michel Temer que extinguiu diversos cargos na Funai, principalmente, na área de análise de licenciamentos ambientais de obras que afetam Terras Indígenas.

     

    O Ministério Público Estadual de São Paulo, por meio do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) da Baixada Santista, em março de 2017, abriu Inquérito Civil para acompanhar o processo de licenciamento do empreendimento.

     

    O empreendimento

     

    O empreendimento da empresa Gastrading Comercializadora de Energia S.A., do Grupo Leros conhecido como “Projeto Atlântico Energias” é composto por diversas estruturas. A usina termelétrica, com capacidade de produzir 1.700 MW, é a principal instalação do complexo. Localizada em Peruíbe, a usina será abastecida por gás natural que ficará estocado em um terminal marítimo a cerca de 10 quilômetros da costa do mesmo município.

     

    O gás será transportado à usina através de um gasoduto marítimo e terrestre. A energia produzida será escoada por uma linha de transmissão até a Subestação Baixada Santista e ligará a termelétrica ao Sistema Interligado Nacional. Com 90 quilômetros de extensão, a linha atravessará sete municípios da Baixada Santista: Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá, Praia Grande, São Vicente, Santos e Cubatão. Segundo informações do Relatório de Impacto Ambiental do empreendimento, a energia produzida será fornecida para as nove cidades da região da Baixada Santista.

     

    Além de abastecer a termelétrica, o gás natural estocado no terminal marítimo também será comercializado pela empresa. Está prevista a construção de um gasoduto com o traçado utilizando as faixas de domínio das rodovias BR 101 (Rio-Santos) e SP-055 (Rodovia Padre Manoel da Nóbrega) que ligará o terminal a uma instalação da COMGÁS situada em Cubatão.

     

    Área de impacto do Projeto Atlântico Energias (Fonte: RIMA)

     

    O diretor presidente da Gastrading, Alexandre Chiofetti, através de sua assessoria de imprensa, informou à Comissão Pró-Índio que o empreendimento só será instalado após o leilão de energia, previsto para acontecer em 2018, "como é previsto no mercado de geração de energia".

     

    Acesse o Relatório de Impacto Ambiental – Rima

     

    A prefeitura de Peruíbe não retornou a solicitação de entrevista até o fechamento desta matéria.


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  • 30/05/2017

    Nota da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão acerca das investigações sobre a chacina em Pau d´Arco, no Pará


    Enterro de vítima do massacre em Redenção (Pará) onde dez pessoas foram mortas por policiais civis e militares. Foto: Repórter Brasil

    A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, integrou uma missão emergencial que esteve no município de Redenção (Pará), onde, na última quarta-feira (24), dez pessoas foram mortas por policiais civis e militares. Além da procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, a missão emergencial que esteve na região de Pau d’Arco contou com a participação do procurador da República na localidade, Igor Spíndola; do presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Darci Frigo; e do procurador-geral de Justiça do Estado do Pará, Gilberto Martins, além de outras instituições locais.

    Diante dos fatos observados, a PFDC apresentou indagações, que acredita serem respondidas no curso das investigações:

    1) Por que a Secretaria Estadual de Segurança Pública endossou tão prontamente a versão de que os policiais foram recebidos a tiros, por ocasião do cumprimento dos mandados de prisão e de busca e apreensão na fazenda Santa Lúcia, município de Pau d’Arco, e a morte das dez pessoas foi resultado de reação legítima?

    2) Considerando que a ação da polícia deve ser orientada no sentido de assegurar o cumprimento da ordem com o menor dano possível, como foi o planejamento para a execução dos mandados? Assinale-se, quanto a esse ponto, que o delegado Valdivino Miranda da Silva Júnior, da Delegacia de Conflitos Agrários, ao representar por prisões preventivas e temporárias e por busca e apreensão, informou que havia pessoas portando armas na área.

    3) Como explicar o fato de que a polícia, sabendo da circunstância de que há alvos armados, ingressa em área de difícil acesso, pouca visibilidade e extensão de aproximadamente 2km, expondo-se a ataque imprevisto e inesperado?
    4) Em tais condições, de ampla vantagem para os ocupantes que estão escondidos na área, como justificar a versão da troca de tiros, em que nenhum policial é ferido e 10 pessoas são mortas?

    5) Por que integrantes da empresa que fornecia segurança privada à fazenda Santa Lúcia acompanharam a equipe policial que foi em busca das pessoas a serem presas? A empresa de segurança Elmo está em situação regular? Quem são seus sócios controladores?

    6) Por que os corpos foram removidos, adulterando a cena dos fatos? Havia dúvida sobre a morte das dez pessoas? Então, o que explica o longo período transcorrido (quase três horas) desde os disparos até a chegada ao hospital Iraci, em Redenção, e a forma como os “feridos” foram transportados, empilhados na caçamba de caminhonetes?

    7) Foram localizados projéteis na área e devidamente periciados? 8) Considerando, por fim, que há sobreviventes cujos testemunhos dão conta de tortura e execução, a PFDC quer acreditar que a preservação de sua integridade seja de interesse geral.

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  • 29/05/2017

    A Teia poupa vidas


    Crédito da foto: Pablo Albarenga/Cimi Regional Maranhão



    Por Ana Mendes, colaboração para a Assessoria de Comunicação – Cimi | De Cidade de Brejo, Maranhão


    Choveu a cântaros no dia 26 de maio no Quilombo Alto Bonito, Cidade de Brejo, no Maranhão. “O dia amanheceu mais leve”, comenta feliz um indígena que teve o sono interrompido por causa do temporal na madrugada. Mais leve o dia, mais forte o tecido da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão que realizou o VI Encontrão de Povos e Comunidades Tradicionais entre os dias 25 e 28 de maio de 2017, sob o tema “Não estamos extintos, estamos de pé, em luta. Essa terra é nossa!”.

     

    A Teia Maranhense, formada oficialmente em 2013, tem o intuito de discutir demandas comuns às diversas populações tradicionais do estado. O Encontrão que acontece semestralmente conta, por enquanto, com a articulação de camponeses, sertanejos, quilombolas, indígenas, geraizeiros, pescadores artesanais, quebradeiras de coco e povo de terreiro. Possuem, respectivamente, suas próprias teias. O movimento tem um caráter pioneiro no Brasil, ao menos outros quatro estados brasileiros já têm composições neste mesmo formato, como por exemplo a Bahia e o Sergipe. A tendência é crescer. O nome do grupo é autoexplicativo: os povos e comunidades são os fios de uma teia tridimensional. Fios entrecruzados, compartilhando pontos em comum, mas mantendo trajetórias autônomas.

     

    A ‘diferença’ é a essência das teias. Entretanto, há muito em comum entre as cerca de 600 pessoas reunidas no Quilombo Alto Alegre. A principal delas é o combate ao modelo desenvolvimentista imposto aos territórios tradicionais pelo binômio Capital-Estado. Conforme o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) com dados sistematizados de 2016 – lançado neste mês de maio – houve 194 conflitos no campo maranhense. O estado lidera este ranking há pelo menos seis anos. O número de ameaçados de morte atingiu a marca de 72 casos. A violência inerente a estes dados decorre da impossibilidade de acesso ao território. A proteção oferecida por parte dos órgãos governamentais durante os ataques é parca – e até mesmo nula em alguns casos. O recente massacre sofrido pelo povo Akroá Gamella, no município de Viana, reforça tal argumento: 22 indígenas gravemente feridos, uns com requinte de crueldade, sob o olhar passivo da Polícia Militar.  

     

    Além disso, no caso dos Gamella, a ausência do Estado é ampla: o procedimento demarcatório está parado na qualificação de demanda, não há atendimento de saúde e educação diferenciadas e os indígenas acessam apenas políticas públicas assistenciais comuns à sociedade envolvente. Izabel Gamella conta: “A gente está se organizando do nosso jeito. A Funai vai lá, dá doação e pronto esquece de nós. O que a Funai deveria fazer é dar andamento. Várias denúncias a gente já fez, vários boletins de ocorrência nós já registramos, mas eles esperaram acontecer o massacre pra poder aparecer. E se a gente tivesse morrido? Não é que a gente não tenha medo, mas recuar agora seria dizer: estamos no fundo da sepultura”.  

     

    A Teia, portanto, serve também como proteção coletiva, apoio e reforço aos povos ameaçados física e simbolicamente. Conforme Chico Severo, pedagogo e camponês da Comunidade Santo Antônio, de Pedro Rosário, o importante da Teia é que “aqui não se identifica o sujeito. O quilombola, o trabalhador rural e o indígena é um conjunto de gente de todas as categorias. Para você trabalhar a abelha tem que conhecer a rainha. Sem identificar o sujeito, a gente poupa vida. Aqui não se conhece nem o zangão nem a rainha”.

     

    Esta edição do encontro foi premiada com a presença de Osmarino Amâncio (na foto ao lado/crédito: Ana Mendes), líder seringueiro que ao lado de Chico Mendes lutou pela sobrevivência da Floresta Amazônica. Osmarino vive no Acre e completou 60 anos de vida em terras maranhenses, durante o encontro. Ele veio com a missão de ver de perto a mobilização da Teia que, para ele, se assemelha à união dos povos da floresta no período em que cerca de 40 mil pessoas foram expulsas dos seringais por projetos madeireiros e pecuários. “Nós perdemos lá nessa guerra 172 pessoas que foram assassinadas. Foram incendiadas 3.992 casas no meio daquela floresta. Foram expulsas milhares de pessoas pra Bolívia e pessoas para as periferias do estado do Acre, mas esse povo se levantou contra tudo isso. A casa do meu pai foi incendiada 3 vezes. Eu sobrevivi a seis atentados. Se eu tirar minha blusa vocês vão ver as marcas de toda aquela luta", diz.

     

    A violência empregada contra os seringueiros e demais lutadores levou a mortes, caso do assassinato de Chico Mendes, em 22 de dezembro de 1988 na cidade de Xapuri.    Com tamanha experiência, Amâncio ressalta que não adianta "a gente fazer um encontro belíssimo desse e deixar o Inaldo [Gamella] ser assassinado. Nós lá dissemos chega de velório, chega de missa e de a gente levar pras estatísticas os companheiros e a gente ver eles tombando. A gente não tinha força política, não tinha entidade sindical, associação, cooperativa e mesmo assim esse povo pra defender seu território se juntou e disse: É muito melhor a gente morrer no enfrentamento do que morrer ajoelhado na cidade pedindo esmola”.



    Crédito da foto: Pablo Albarenga/Cimi Regional Maranhão

     

    Teias compartilhadas

     

    Não apenas do Acre, mas também da Bahia se deslocaram representantes de povos e comunidades tradicionais. A Teia baiana enviou integrantes para o Encontrão dando seguimento às articulações entre as experiências. Em abril, representantes da Teia maranhense estiveram em Porto Seguro e na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, próxima a Ilhéus, por ocasião de um encontro de agroecologia. Na aldeia Serra do Padeiro, ouviram a experiência de indígenas ameaçados, que contabilizam parentes assassinados, sofreram tortura e todo tipo de viol6encia estatal.

     

    O agricultor Joelson Ferreira, que veio acompanhado do cacique Nailton Pataxó Hã-hã-hãe, vive no Assentamento Terra Vista, em Arataca, na Bahia, pontua a importância da terra livre: “Para o quilombola viver, o latifúndio tem que morrer. Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. O transgênico, por exemplo, vai ter um dia que ninguém mais vai conseguir colher. E o agrotóxico vai matar nossas áreas, nossos rios. Você tem coragem de envenenar a sua mãe? A terra é nossa mãe. E quem sabe disso muito bem é o povo indígena e o povo preto. A terra não é nossa, estamos aqui de passagem”.

     

    Guiada pelo princípio do Bem Viver, a Teia acredita que com base na educação, agroecologia e espiritualidade pode-se construir modelos de vida que garantam autonomia e soberania alimentar. Um pensamento que perpassa a atuação das experi6encia em Teia país afora. Cacique Nailton Pataxó Hã-hã-hãe afirma que os povos e comunidades tradicionais precisam plantar. Para a experiente liderança, o problema de todo o dia é a comida – inclusive para que os grupos estejam preparados para os desafios da luta pela terra.  

     

    "Temos que estar preparados. Porque do jeito que está andando as coisas no país é o caminho de uma revolução. E guerra não é brincadeira. Esse encontro aqui é o caminho que nós temos para iniciar uma nova cara de luta. Isso que está acontecendo aqui é muito rico. Vamos nos preparar para dar uma resposta pra as pessoas que fizeram aquilo com os Gamella. O que fizeram com eles hoje, fazem amanhã com qualquer um de nós. Vamos nos organizar”, enfatiza cacique Nailton.



    Crédito da foto: Pablo Albarenga/Cimi Regional Maranhão

     

    Experiências de vida

     

    Entre trocas e toques de sementes e tambor, rezas e danças/rituais algumas experiências positivas nas terras tradicionais foram apresentadas. O projeto de educação do Quilombo Nazaré, em Serrano do Maranhão, é um exemplo de mudança metodológica que deu certo por persistência de professores e integrantes das comunidades. Em 2014, eles impediram que as crianças do 6º ano saíssem do território para estudar na cidade. Quatro professores quilombolas fundaram uma turma e começaram a trabalhar, sem salários, colocando em prática a lei 11.645, que inclui o conteúdo de história afro e indígena no currículo. Um ano depois, o município os contratou. “A gente tem que se impor, e não ficar com medo, para desconstruir a ideologia racista dos livros didáticos. Esses livros ferem a nossa cultura”, afirma Gil Quilombola.

     

    Ao final do encontro, foi aprovada uma Moção de Repúdio ao massacre de dez trabalhadores e trabalhadoras rurais no município de Pau D’arco (PA), ocorrido em 24 de maio, na fazenda Santa Luzia, assassinados pelas polícias Militar e Civil que ainda deixou dezenas de feridos. Além da moção, os participantes leram a Carta Final do VI Encontrão da Teia. Confira a carta na íntegra:  

     

    VI ENCONTRÃO DA TEIA DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO MARANHÃO

     

    Território Quilombola Alto Bonito, 25 a 28 de maio de 2017.

     

    DOCUMENTO FINAL

     

    “NÃO ESTAMOS EXTINTOS. ESTAMOS DE PÉ, EM LUTA. ESTA TERRA É NOSSA!

     

    Nós, povos indígenas Akroá Gamella, Krenyê, Krikati, Gavião, Krepym Katejê, Pataxó Hã Hã Hãe da Bahia, comunidades quilombolas, quebradeiras de coco, sertanejos, geraizeiros, pescadores artesanais, ribeirinhos, camponeses e seringueiros do Acre, com o apoio solidário e militante da Comissão Pastoral da Terra/CPT, do Conselho Indigenista Missionário/CIMI, do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco/MIQCB, Irmãs de Notre Dame, Movimento de Comunidades Populares/MCP, Teia de Povos da Bahia, Diocese de Brejo, Núcleo de Estudos e Pesquisa em questão Agrária/NERA, CSP Conlutas, Coletivo Nódua, Centro de Defesa de Açailândia, Grupo de Estudo em Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente/GEDMMA, Núcleo de Estudos Geográficos/UFMA, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia/Campus Pinheiro, Rede de Agroecologia do Maranhão/RAMA, nos reunimos no território quilombola Alto Bonito, Brejo/MA, nos dias 25 a 28 de maio de 2017, para o VI Encontro da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão.

     

    Bebendo da experiência dos seringueiros de Xapuri (Acre), dos povos da Bahia, e dos muitos relatos da nossa gente, afirmamos a nossa autonomia na segurança, na educação, na produção, na autogestão e no Bem Viver!

     

    Denunciamos o modelo de desenvolvimento que tem se perpetuado no Brasil, explorador e concentrador de riquezas que, para alcançar o máximo de exploração da natureza precisa negar nossa existência, nossa cultura e nossos modos de vida, atuando violentamente no extermínio de povos e comunidades, como ocorrera com camponeses em Colniza no Mato Grosso, com o Povo Akroá-Gamella no Maranhão e com os camponeses em Pau D’arco, no Pará.

     

    Reafirmamos a luta no enfrentamento com o agro-hidro-minero-negócio, o Parque Eólico nos Lençóis Maranhenses, gaúchos, fazendeiros, madeireiros, empresas nacionais e internacionais (mineradora Vale, Suzano Papel e Celulose S. A., WPR Gestão de Portos e Logísticas de São Luís, WTorre, Grupo Maratá, Grupo FC Oliveira, e outras). Nossos inimigos contam o aparato do Estado brasileiro, tais como o Executivo, Legislativo e Judiciário, o ICMBio, em todas suas esferas, além do braço armado do Estado – Polícia Militar, Civil e Federal -, que historicamente são instrumentos de repressão de nossos povos e a criminalização de nossas lutas, além da uso permanente de jagunços e pistoleiros.

     

    Reafirmamos os princípios do Bem Viver, que passa pela retomada dos nossos territórios, da nossa autonomia, pela garantia da soberania alimentar, manutenção da nossa cultura e modo de vida.

     

    Nossa força vem dos encantados, vem dos nossos antepassados, vem dos nossos mártires, de sentir a força da mãe-terra quando pisamos em nosso chão. É uma força que jamais será silenciada, que permanece sempre viva quando nos encontramos e nos sentimos.

     

    A partilha das experiências de insurgências alimenta o nosso espírito e reafirma a luta pela terra e pelo território e os laços entre povos estabelece novos vínculos históricos de resistência.

    Esse governo que está destruindo o Brasil não nos representa! Fora Temer! Fora todos eles!

     

     

    ESTA TERRA TEM DONO! (Sepé Tiaraju)

     

    Quilombo Alto Bonito, Brejo dos Maypurá, 28 de maio de 2017.

     

    MOÇÃO DE REPÚDIO

     

     


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  • 29/05/2017

    Um grito contra o massacre no Pará, um canto para nossos mártires

    Um grito contra o massacre no Pará, um canto para nossos mártires

    Nós, povos e comunidades tradicionais reunidos neste VI Encontrão de Povos e Comunidades Tradicionais, manifestamos nossa indignação e repúdio ao massacre que derrubou dez trabalhadores, podendo aumentar este número, pois feriu gravemente mais 18 camponeses e camponesas, ocorrido no dia 24 de maio, fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco, no estado do Pará, executado pela Polícia Militar do governo de Simão Jatene, do PSDB. Este mesmo partido, em 1996 comandou o massacre em Eldorados dos Carajás no Pará, que assassinou 19 sem terras.

     

    Esse ataque se insere numa sequência de massacres cometidos pelo Estado Brasileiro contra os nossos povos e comunidades tradicionais. Uma trágica história que se repete no nosso dia a dia, numa tentativa de silenciar a nossa história.


    Todo sangue já derramado de nossos irmãos e irmãs permanecem em nossa memória alimentando nossa luta. Cada vez que um de nós cai muitos outros se levantam. A nossa força sobrevive para além da brutalidade da bala contra nossos povos.


    Diante dessa barbárie, nós, povos e comunidades tradicionais, exigimos do Estado a punição dos policiais e latifundiários envolvidos; o apoio aos familiares que perderam seus entes queridos; a regularização da terra aos camponeses para evitar que massacres como esses continuem acontecendo.

     

    “Maldita toda violência que destrói a vida pela repressão”.

     

     

    Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão

    Teia de Povos da Bahia

     

     


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  • 29/05/2017

    Encontrão da Teia reúne povos e comunidades tradicionais do Maranhão


    Crédito da foto: Teia dos Povos e Comunidades Tradicionais


    Ao som de tambores, maracas, atabaques, pandeiros, triângulo e cantos ocorreu neste final de semana, entre os dias 26 e 28, na Comunidade Quilombola de Alto Bonito, a 11 km da cidade de Brejo na região leste do Maranhão, a VI edição do Encontrão da Teia, que é formada pelos Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão. Ao todo participaram cerca de 400 pessoas entre indígenas, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, geraiseiros, sertanejos, quebradeiras de coco e outros aliados da causa.

     

    Para a reflexão deste encontro, os povos presentes discutiram o tema: “Não estamos extintos, estamos de pé, em luta” sob o lema “Essa terra é nossa”. O encontro é uma forma de reafirmar mais uma vez o território dos povos para a garantia de todos os projetos de vida das comunidades.

     

    Um dos objetivos da Teia é a articulação da luta dos povos, em direção da garantia do Bem Viver, da autonomia dos territórios e da soberania educacional e produtiva, que são as expressões da forma de produção das comunidades.

     

    Para Adriano Guileto do povo Gavião (Caw Cree), que faz parte da articulação do encontro, “a teia veio para fortalecer a cultura e a luta de todos povos tradicionais do Maranhão”. No final de abril, o povo Gamela sofreu um massacre no município de Viana – 22 indígenas foram feridos: cinco a tiros, dois tiveram as mãos amputadas e entre os demais machucados estão três crianças. Para os representantes dos povos e comunidades no encontro, a Teia deve agir de forma unitária para enfrentar uma conjuntura de massacres e chacinas – na semana passada, dez trabalhadores e trabalhadora rural foram assassinados pelas polícias Militar e Civil de Redenção, no Pará.

     

    Rosemeire Diniz, coordenadora do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão, ressalta que “o VI encontro da Teia do Maranhão vem trazer a discussão do que os povos e comunidades tradicionais vem enfrentando atualmente no Brasil, que é a questão da invisibilidade desses povos, aonde a quem diga que não há indígenas em algumas regiões, mas supostos indígenas”.

     

    A missionária explica que “os encontros da Teia que reúne diferentes povos vem reafirmar que os povos tradicionais não estão extintos, mas estão de pé em luta pelos seus direitos porque é da territorialidade que esses povos tiram sua própria existência, não só da sobrevivência física, mas, é toda uma reprodução de vivência cultural e de modo de vida”.

     

    Segundo com Dom Valdeci, Bispo da Diocese de Brejo, que acolhe a VI edição do encontrão da teia, “um dos pontos mais importantes dos encontros é o fortalecimento das comunidades tradicionais, para a permanência na terra, na luta pela conquista de direitos, o espírito de partilha e a solidariedade que a teia vem fomentando, em forma de encorajamento das comunidades”.

     

    Ainda de acordo Dom Valdeci, na região leste do Maranhão, que abrange os municípios que fazem parte da Diocese de Brejo, existem atualmente 14 comunidades quilombolas que já têm a certificação da Fundação Palmares, e outras comunidades que ainda não foram atendidas, sendo que em todo o estado do Maranhão há aproximadamente 336 processos pendentes no INCRA-MA.

    Gil Quilombola, uma das lideranças do Quilombo Nazaré de Serrano, destaca o fortalecimento das comunidades através da partilha dos diferentes métodos de luta das várias comunidades, valorizando e respeitando os saberes, os modos de vida e a cultura de cada povo. Para que assim juntos possam lutar contra esse sistema opressor que está aí oprimindo as comunidades de todas as formas.

     

    O encontro seguiu com denúncias das violências sofridas pelos povos e comunidades, pela omissão do Estado no cumprimento dos direitos constitucionais. É o momento de unificação dos diferentes povos que resistem ao sistema capitalista.


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