02/06/2017

10ª Assembleia Terena ocorre em terra alvo do marco temporal e onde Oziel Gabriel foi assassinado

 

     

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi | Fotos: Divulgação/Apib

Há exatos quatro anos, a reintegração de posse de uma fazenda incidente sobre a Terra Indígena Burity, no município de Sidrolândia (MS), terminou fracassada diante da resistência do povo Terena. Todavia, um tiro de arma de fogo disparado do meio das forças policiais atingiu e matou Oziel Gabriel Terena. Ninguém foi punido, o inquérito acabou arquivado. A Polícia Militar alegou ter usado apenas balas de borracha; já a Polícia Federal, não negou aquilo que chamou de revide. O delegado que chefiou a operação, Alcídio de Souza Araújo, virou vedete dos ruralistas e o caso estopim para a criminalização de indígenas e indigenistas.

Na época não estávamos sob os desmandos de um governo que loteou a Fundação Nacional do Índio (Funai) para a bancada ruralista, responsável por duas edições seguidas de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) usadas para justificar ataques ao órgão estatal, profissionais de antropologia e organizações indigenistas. Quando Oziel Terena foi assassinado, o trágico sinal parece não ter sido decifrado: a vida política do país piorava de forma rápida e letal para as populações mais vulneráveis. Não por coincidência, meses antes, os povos indígenas ocuparam a Câmara Federal contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215.

“Hoje não falamos mais em bancada ruralista, mas sim em governo ruralista”, declara o advogado e assessor jurídico da Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Eloy Terena. Este é o contexto da 10ª Assembleia do Povo Terena – Hánaiti Ho’únevo Têrenoe, que termina neste sábado, 3. Com uma programação plural, o encontro buscou envolver os demais povos do Mato Grosso do Sul: Guarani e Kaiowá, Kinikinau e Kadiwéu. As mesas de diálogos e os debates, iniciados na quarta-feira, 31, trataram de temas comuns a estes povos: direitos territoriais, meio ambiente, política, saúde, sustentabilidade, educação e a questão das mulheres indígenas. “A data da morte do Oziel nunca será esquecida. Tem um significado grande nessa caminhada de luta. O momento era decisivo, não tínhamos como recuar. Infelizmente veio a reintegração. O tiro que matou o Oziel partiu do Estado, que deveria dar uma solução, mas preferiu fazer o massacre”, defende o professor Alberto Terena.

A liderança Terena ressalta que o episódio serve para sempre lembrar ao povo: é preciso seguir na luta pela demarcação das terras. A luta pela qual Oziel foi derrubado não está nem perto de acabar. Depois da morte do indígena, com o governo do PT impondo mesas de diálogo no lugar de consolidar as demarcações, a tese do Marco Temporal ganhou força entre os aliados do ruralismo no Judiciário. As terras indígenas Burity, declarada em setembro de 2010, e Limão Verde, já homologada e registrada, estão enquadradas em processos da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no Marco Temporal. Nelas vivem mais de 5 mil Terena. A tese busca consolidar como terra indígena a ser demarcada apenas as ocupadas pelos indígenas na ocasião da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Enquanto estava como ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio afirmou que apenas terras fechadas no Marco Temporal poderiam ser demarcadas; as demais, não.

“É uma covardia sem tamanho porque nos tiraram destas terras à força. Mesmo assim ficamos em algumas porções delas. O que a gente percebe é um momento de perda de direitos, então a gente bate muito na questão da CPI da Funai/Incra, na do Cimi aqui no Mato Grosso do Sul, que na verdade servem apenas para enfraquecer as nossas demandas territoriais. O Marco Temporal serve para acabar com as demarcações e é cruel porque todo mundo sabe a razão do povo indígena não estar sobre a sua terra, que é a expulsão, a violência”, ressalta Alberto Terena. O tema discutido na assembleia serviu também para o fortalecimento de alianças.

Kretã Kaingang, da Coordenação Executiva pela Região Sul da Apib, participou da Assembleia. “Viemos para deixar firmado o espírito de unidade e compromisso que a luta precisa no Brasil. As bases que não se atentaram ainda precisam se atentar. Nem as terras homologadas estão garantidas com esse quadro. Tem muita gente se mobilizando, e precisa cada vez de mais. Porque tão mexendo ainda com áreas de conservação ambiental, entregando milhões de hectares para a grilagem, tem ataques contra os quilombolas, massacres contra camponeses. Temos de nos unir numa força popular nacional”, destaca.

A realidade vivenciada pelo Kaingang na região Sul ganhou contornos dramáticos nesta semana. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região anulou as portarias declaratórias de quatro terras indígenas no norte de Santa Catarina: Pindoty, Tarumã, Piraí e Morro Alto, todas do povo Guarani Mbya. “Conheço aquela região e é uma catástrofe a decisão do TRF-4. São dezenas de famílias que podem ir pra rua, daí. No Sul são poucas e pequenas áreas, tem reservas também pequenas, mas nem isso querem garantir pra povos que vivem ali milenarmente, caso dos Guarani e da gente Kaingang”, pontua Kretã.

O indígena afirma que o Marco Temporal é uma afronta não apenas contra os direitos dos povos, mas “contra o futuro dos nossos filhos e filhas. E isso pra mim não tem outro nome a não ser genocídio, que é quando se tenta de todas as formas fazer com que um povo deixe de existir ou agora ou pra frente”. Além dos casos de Burity e Limão Verde, o STF deverá receber o recurso envolvendo as quatro terras indígenas de Santa Catarina. A situação da Terra Indígena Burity chega a ser emblemática: o dono da Fazenda Burity, local onde Oziel estava ao ser morto, chegou a pedir R$ 200 milhões de indenização pelas benfeitorias – quantia muito acima do valor da terra no MS.

Alberto Terena, no entanto, explica que não apenas a questão territorial foi abordada na 10ª Assembleia. “Nosso sistema de  saúde anda muito precário, gestão ruim e tocamos muito na questão com a Sesai (que teve representantes no encontro)”, afirma. A Rede de Juventude Indígena (Rejuind) organizou atividades para o público jovem que preenche frações censitárias consideráveis não apenas entre o povo Terena, mas de uma forma geral nos demais povos do país – a população indígena é integrada proporcionalmente por mais jovens se comparada com a sociedade envolvente (IBGE, 2010). Desta forma, ações envolvendo cinema, música, cultura, religiosidade e cosmologia foram discutidas.

Os debates contaram com a presença de lideranças indígenas, especialistas e indigenistas de organizações e organizações em defesa dos direitos indígenas, caso da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Ministério Público Federal (MPF) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Pelo governo federal, representantes da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Ministério da Justiça marcaram presença, além da Defensoria Pública da União (DPU) e Advocacia-Geral da União (AGU) – Procuradoria Especializada da Funai.

Revista Terena Vukápanavo

Durante o encontro foi lançada a Revista Terena Vukápanavo, organizada por pesquisadores, mestres e doutores terena, com conselho editorial também de pesquisadores Terena e pesquisadores e estudiosos indígenas e indigenistas, dentre os quais Boaventura de Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e doutor em Direito dos Oprimidos, João Pacheco de Oliveira, antropólogo do Museu Nacional (RJ) com trabalho voltado aos povos indígenas, Antônio Carlos de Souza, antropólogo especializado em indigenismo, política indigenista e antropologia histórica, além de Luís Roberto Cardoso de Oliveira, doutor em antropologia pela Harvard University (EUA) e especialista em administração de conflitos.

 

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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