• 06/06/2017

    Habeas Corpus pede uso do idioma e tradução do processo para 19 Kaingang em julgamento


    Crédito da foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

     

    Está reservado aos indígenas o direito de se dirigir ao Poder Judiciário expressando-se no próprio idioma, e de ter a tradução do processo penal. Assim determina a Constituição Federal, Código Penal, tratados de direitos humanos e a Convenção 169. Reivindicando tais garantias a 19 indígenas Kaingang, em julgamento na Justiça Federal de Erechim (RS), um Habeas Corpus será apreciado na tarde desta terça-feira, 6, pela 8a Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4a Região.

     

    No Habeas Corpus se solicita a tradução do processo penal, ou pelo menos dos trechos envolvendo a denúncia e as partes principais; a presença de intérprete em todos os atos do processo, além do laudo antropológico para realizar a ponte de compreensão entre as culturas indígenas e não-indígenas e para entender a cosmovisão Kaingang. Caso o Habeas Corpus seja indeferido pelo desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da peça, a defesa dos 19 Kaingang recorrerá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

     

    A Justiça Federal, onde o julgamento de mérito tramita, indeferiu a tradução e a presença de intérprete para os réus (os 19 Kaingang) e às testemunhas indígenas da defesa, alertando que analisará caso a caso a necessidade da aplicação ou não do direito. Para o juiz do caso, "os indígenas expressam-se plenamente em português uma vez que se utilizaram do direito ao silêncio na delegacia, disseram ao oficial de justiça que tinham advogado constituído e já são integrados".

     

    O juiz ainda indeferiu o laudo pericial antropológico tendo em vista que "se trata de indígenas que não são isolados, por isso desnecessário aferir o grau de discernimento dos mesmos". A defesa dos Kaingang, composta por advogados da Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), contrapõe os argumentos entendendo que a Constituição de 1988 não traz em si o discurso integracionista reconhecendo a língua, cultura e organização social dos povos.

     

    "A comunidade está muito preocupada, porque o juiz está marcando as audiências de oitiva das testemunhas de defesa e estão com muito medo de ter que falar em português num ambiente atípico como o de uma audiência criminal. Talvez, diante da história de criminalização dos povos indígenas, principalmente ali na região sul, o maior símbolo de resistência Kaingang é a própria língua", argumenta a advogada do Cimi, Caroline Hilgert.

     

    Para Kretã Kaingang, da Coordenação sul da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), os indígenas estiveram proibidos de falar a própria língua por conta de projetos de integração e emancipação dos povos, impedimento que deveria ter acabado em 1988. "Indígenas foram presos e até mortos. Existem regiões do país que perderam a língua, o idioma, por conta dessas proibições. Então negar isso faz parte de uma ideia de genocídio do povo indígena. No caso, da gente Kaingang daí".  

     

    Para o Ministério Público Federal (MPF), os indígenas argumentam que "a ampla defesa e o contraditório só estarão preservados com a presença, em todos os atos processuais, de um intérprete que seja capaz de narrar os acontecimentos no idioma nativo".  Da mesma forma, os procuradores da República argumentam que a defesa entende "o laudo antropológico como essencial para esclarecer o contexto da ação penal e buscar compreender o universo e a cultura do povo Kaingang".

     

    Entenda o caso

     

    Residentes das terras indígenas Votouro e Kandoia, os 19 Kaingang respondem pela morte de dois agricultores que atacaram, em 28 de abril de 2014, um bloqueio realizado pelos indígenas em trecho de estrada vicinal no município de Faxinalzinho (RS). Os Kaingang reivindicavam a demarcação completa do território tradicional, que se arrasta há 17 anos. Na ocasião, cinco indígenas chegaram a ser presos e sequer estavam presentes na hora e local do conflito – todavia, seguem inscritos nos crimes dos quais são acusados no processo penal.

     

    O pano de fundo do conflito envolve a morosidade do Estado em finalizar a demarcação das terras indígenas. Após a publicação no Diário Oficial da União, em 7 de dezembro de 2009, do relatório circunstanciado o procedimento acabou paralisado. Indenizações e reassentamentos de não-indígenas não ocorreram. A tensão aumentou. O bloqueio dos Kaingang, em abril de 2014, buscava exatamente pressionar uma solução, mas acabou atacado pelos dois agricultores a tiros.

     

    A presença Kaingang fez o governo do Rio Grande do Sul reconhecer, em 1918, a terra indígena de 31 mil hectares então liderada pelo cacique Votouro, a leste do Rio Passo Fundo. Após inúmeras distribuições de terras em projetos de colonização, o relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Votouro/Kandoia, da Fundação Nacional do Índio (Funai), determinou apenas 5.977 hectares: 3.100 hectares foram demarcados para a área de Votouro, restam os 2.877 hectares de Kandoia.

     

    Em nota pública, divulgada no dia 29 de abril de 2014, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Conselho de Missão entre os Povos Indígenas (Comin) e a Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas/RS afirmaram: “Responsabilizamos o governo pelas violências em função de sua omissão e negligência, uma vez que as autoridades eram sabedoras da situação de conflito e nada fizeram, a não ser protelar suas decisões”. O caso trouxe consigo uma tensão gerada na região dos fatos.

     

    Durante discursos realizados em Vicente Dutra, a apenas 123 km de Faxinalzinho, em dezembro de 2013, os deputados federais Alceu Moreira (PMDB/RS) e Luiz Carlos Heinze (PP/RS), durante audiência pública financiada com recursos públicos, incitaram os agricultores contra as populações indígenas e quilombolas. "Não deixe que um canalha desses ponha os pés nas propriedades de vocês", disse o parlamentar ruralista Alceu Moreira. O deputado incentivou que os presentes se armassem e criassem grupos para proteger as terras dos indígenas e quilombolas.



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  • 06/06/2017

    Fim da Reforma Agrária e grilagem de terras legalizadas na Amazônia

    Mais uma vez a Diretoria e a Coordenação Executiva Nacional da CPT vêm a público para denunciar a dilapidação dos direitos dos povos indígenas e comunidades camponesas. Na noite do dia 31 de maio, o plenário do Senado aprovou, por 47 votos a 12, a Medida Provisória – MP 759, que se tornou o Projeto de Lei de Conversão, PLV 12/2017, ao serem introduzidas pelo relator mudanças na redação original. Trata-se da regularização fundiária e de alterações estruturais em legislações sobre terra rural e solo urbano, visando favorecer os interesses da bancada ruralista e do capital imobiliário e retirar empecilhos para que áreas sejam subtraídas ao mercado.

     

    No apagar das luzes de 2016, no dia 23 de dezembro, quase na surdina, o governo de Michel Temer havia baixado a MP 759, um grande presente de Natal para os ruralistas, base de sua sustentação no Congresso Nacional. A MP possibilitava o pagamento em dinheiro de terras desapropriadas para Reforma Agrária, quando a legislação vigente determinava o pagamento em títulos da dívida agrária, a serem pagos em até 20 anos e permitia regularizar áreas até 2,5 mil hectares, quando o limite era de 1,5 mil hectares.

     

    O foco da mudança é favorecer o mercado de terras, inclusive com as áreas de Reforma Agrária, ao impor a liquidação dos créditos concedidos às famílias assentadas. É o que está por trás do objetivo de facilitar a titulação da propriedade. Mais uma página da Constituição Federal de 1988 está sendo rasgada, aquela que estabelece a “função social da terra” (CF art. 5º, XXIII e art. 170, III) e se busca impedir a participação dos movimentos sociais no processo de democratização da terra, o que – todos sabem – é decisivo para que alguma reforma agrária aconteça. Com o mesmo fim, o PLV 12/2017 consolida a legalização da grilagem de terras na Amazônia que já vinha sendo feita pelo Programa Terra Legal. Como tal põe em risco o patrimônio ambiental e hídrico do país e do planeta.

     

    A Medida havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados, em votação-relâmpago, que durou menos de 10 minutos, no dia 24 de maio, dia das manifestações em Brasília, quando os deputados da oposição se retiraram do plenário em protesto contra o decreto do governo autorizando o emprego das Forças Armadas “para garantia da Lei e da Ordem” na repressão aos manifestantes. Aproveitando-se da ausência da oposição esta e outras MPs foram aprovadas naquele dia. Uma semana depois o Senado consagra o esbulho. Agora só falta a assinatura do Presidente da República ilegítimo para se tornar lei.

     

    Em meio à crise político-social em que o país está imerso, não se poderia esperar outro comportamento de um Congresso Nacional dominado pelas forças mais retrógradas e violentas, que afastou com base em acusações infundadas uma presidenta eleita pelo voto popular, e que se aproveita do caos instalado para garantir e fortalecer interesses e privilégios de uma oligarquia rural que sempre dominou a nação, agora aliada à elite empresarial-financeira globalizada.

     

    Os pequenos avanços, duramente conquistados, com suor e sangue, pelos povos indígenas e comunidades camponesas, são desmontados e tornados pó.

     

    A CPT e as comunidades do campo sonham e já antevêem que este Congresso golpista e este Governo usurpador em breve serão jogados na lata do lixo da história. E a democracia será restabelecida através de Eleições Diretas já e uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva e soberana. Como diz o profeta Isaías, “Ai dos que subornados, absolvem o criminoso, negando ao justo um direito que é seu. Por isso como a labareda queima o graveto e a palha desaparece na chama, assim a raiz deles apodrecerá” (Is 5, 33-34).

     

    Goiânia, 06 de junho de 2017, Semana do Meio Ambiente.

    Direção e Coordenação Executiva Nacional da CPT

     

    Mais informações:

    Cristiane Passos (assessoria de comunicação CPT) – (62) 4008-6406 / 9 9307-4305

    Elvis Marques (assessoria de comunicação CPT) – (62) 4008-6414 / 9 9309-6781


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  • 02/06/2017

    10ª Assembleia Terena ocorre em terra alvo do marco temporal e onde Oziel Gabriel foi assassinado

     

         

    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi | Fotos: Divulgação/Apib

    Há exatos quatro anos, a reintegração de posse de uma fazenda incidente sobre a Terra Indígena Burity, no município de Sidrolândia (MS), terminou fracassada diante da resistência do povo Terena. Todavia, um tiro de arma de fogo disparado do meio das forças policiais atingiu e matou Oziel Gabriel Terena. Ninguém foi punido, o inquérito acabou arquivado. A Polícia Militar alegou ter usado apenas balas de borracha; já a Polícia Federal, não negou aquilo que chamou de revide. O delegado que chefiou a operação, Alcídio de Souza Araújo, virou vedete dos ruralistas e o caso estopim para a criminalização de indígenas e indigenistas.

    Na época não estávamos sob os desmandos de um governo que loteou a Fundação Nacional do Índio (Funai) para a bancada ruralista, responsável por duas edições seguidas de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) usadas para justificar ataques ao órgão estatal, profissionais de antropologia e organizações indigenistas. Quando Oziel Terena foi assassinado, o trágico sinal parece não ter sido decifrado: a vida política do país piorava de forma rápida e letal para as populações mais vulneráveis. Não por coincidência, meses antes, os povos indígenas ocuparam a Câmara Federal contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215.

    “Hoje não falamos mais em bancada ruralista, mas sim em governo ruralista”, declara o advogado e assessor jurídico da Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Eloy Terena. Este é o contexto da 10ª Assembleia do Povo Terena – Hánaiti Ho’únevo Têrenoe, que termina neste sábado, 3. Com uma programação plural, o encontro buscou envolver os demais povos do Mato Grosso do Sul: Guarani e Kaiowá, Kinikinau e Kadiwéu. As mesas de diálogos e os debates, iniciados na quarta-feira, 31, trataram de temas comuns a estes povos: direitos territoriais, meio ambiente, política, saúde, sustentabilidade, educação e a questão das mulheres indígenas. “A data da morte do Oziel nunca será esquecida. Tem um significado grande nessa caminhada de luta. O momento era decisivo, não tínhamos como recuar. Infelizmente veio a reintegração. O tiro que matou o Oziel partiu do Estado, que deveria dar uma solução, mas preferiu fazer o massacre”, defende o professor Alberto Terena.

    A liderança Terena ressalta que o episódio serve para sempre lembrar ao povo: é preciso seguir na luta pela demarcação das terras. A luta pela qual Oziel foi derrubado não está nem perto de acabar. Depois da morte do indígena, com o governo do PT impondo mesas de diálogo no lugar de consolidar as demarcações, a tese do Marco Temporal ganhou força entre os aliados do ruralismo no Judiciário. As terras indígenas Burity, declarada em setembro de 2010, e Limão Verde, já homologada e registrada, estão enquadradas em processos da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no Marco Temporal. Nelas vivem mais de 5 mil Terena. A tese busca consolidar como terra indígena a ser demarcada apenas as ocupadas pelos indígenas na ocasião da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Enquanto estava como ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio afirmou que apenas terras fechadas no Marco Temporal poderiam ser demarcadas; as demais, não.

    “É uma covardia sem tamanho porque nos tiraram destas terras à força. Mesmo assim ficamos em algumas porções delas. O que a gente percebe é um momento de perda de direitos, então a gente bate muito na questão da CPI da Funai/Incra, na do Cimi aqui no Mato Grosso do Sul, que na verdade servem apenas para enfraquecer as nossas demandas territoriais. O Marco Temporal serve para acabar com as demarcações e é cruel porque todo mundo sabe a razão do povo indígena não estar sobre a sua terra, que é a expulsão, a violência”, ressalta Alberto Terena. O tema discutido na assembleia serviu também para o fortalecimento de alianças.

    Kretã Kaingang, da Coordenação Executiva pela Região Sul da Apib, participou da Assembleia. “Viemos para deixar firmado o espírito de unidade e compromisso que a luta precisa no Brasil. As bases que não se atentaram ainda precisam se atentar. Nem as terras homologadas estão garantidas com esse quadro. Tem muita gente se mobilizando, e precisa cada vez de mais. Porque tão mexendo ainda com áreas de conservação ambiental, entregando milhões de hectares para a grilagem, tem ataques contra os quilombolas, massacres contra camponeses. Temos de nos unir numa força popular nacional”, destaca.

    A realidade vivenciada pelo Kaingang na região Sul ganhou contornos dramáticos nesta semana. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região anulou as portarias declaratórias de quatro terras indígenas no norte de Santa Catarina: Pindoty, Tarumã, Piraí e Morro Alto, todas do povo Guarani Mbya. “Conheço aquela região e é uma catástrofe a decisão do TRF-4. São dezenas de famílias que podem ir pra rua, daí. No Sul são poucas e pequenas áreas, tem reservas também pequenas, mas nem isso querem garantir pra povos que vivem ali milenarmente, caso dos Guarani e da gente Kaingang”, pontua Kretã.

    O indígena afirma que o Marco Temporal é uma afronta não apenas contra os direitos dos povos, mas “contra o futuro dos nossos filhos e filhas. E isso pra mim não tem outro nome a não ser genocídio, que é quando se tenta de todas as formas fazer com que um povo deixe de existir ou agora ou pra frente”. Além dos casos de Burity e Limão Verde, o STF deverá receber o recurso envolvendo as quatro terras indígenas de Santa Catarina. A situação da Terra Indígena Burity chega a ser emblemática: o dono da Fazenda Burity, local onde Oziel estava ao ser morto, chegou a pedir R$ 200 milhões de indenização pelas benfeitorias – quantia muito acima do valor da terra no MS.

    Alberto Terena, no entanto, explica que não apenas a questão territorial foi abordada na 10ª Assembleia. “Nosso sistema de  saúde anda muito precário, gestão ruim e tocamos muito na questão com a Sesai (que teve representantes no encontro)”, afirma. A Rede de Juventude Indígena (Rejuind) organizou atividades para o público jovem que preenche frações censitárias consideráveis não apenas entre o povo Terena, mas de uma forma geral nos demais povos do país – a população indígena é integrada proporcionalmente por mais jovens se comparada com a sociedade envolvente (IBGE, 2010). Desta forma, ações envolvendo cinema, música, cultura, religiosidade e cosmologia foram discutidas.

    Os debates contaram com a presença de lideranças indígenas, especialistas e indigenistas de organizações e organizações em defesa dos direitos indígenas, caso da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Ministério Público Federal (MPF) e Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Pelo governo federal, representantes da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Ministério da Justiça marcaram presença, além da Defensoria Pública da União (DPU) e Advocacia-Geral da União (AGU) – Procuradoria Especializada da Funai.

    Revista Terena Vukápanavo

    Durante o encontro foi lançada a Revista Terena Vukápanavo, organizada por pesquisadores, mestres e doutores terena, com conselho editorial também de pesquisadores Terena e pesquisadores e estudiosos indígenas e indigenistas, dentre os quais Boaventura de Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e doutor em Direito dos Oprimidos, João Pacheco de Oliveira, antropólogo do Museu Nacional (RJ) com trabalho voltado aos povos indígenas, Antônio Carlos de Souza, antropólogo especializado em indigenismo, política indigenista e antropologia histórica, além de Luís Roberto Cardoso de Oliveira, doutor em antropologia pela Harvard University (EUA) e especialista em administração de conflitos.

     

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  • 02/06/2017

    JBS: PP concentra metade das doações para deputados ruralistas

    Por Alceu Luís Castilho

    De R$ 31 milhões nas eleições de 2014, R$ 15 milhões foram para o partido; somados, PP, PR, PMDB, PTB e SD concentram 95% das doações para a Câmara.

    A bancada da JBS na Câmara tem suas siglas de preferência. E elas passam longe do PT e do PSDB. Entre R$ 31 milhões doados pela JBS – conforme as delações na Lava-Jato – nas eleições de 2014, 95% (R$ 29 milhões) concentraram-se em apenas cinco partidos: PP, PR, PMDB, PTB e SD. Pelo relato de Joesley Batista, um dos dois controladores da empresa, e do presidente Ricardo Saud, somente o PP reuniu praticamente a metade das oferendas, com R$ 15 milhões.

    De Olho nos Ruralistas mostrou nesta quarta-feira (31/05) que 99 deputados ruralistas foram financiados pela JBS, legal ou ilegalmente, de acordo com as delações. E que 66 desses deputados pertencem à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Entre eles, constata agora o observatório, PP e PR concentram R$ 14,8 milhões dos R$ 21,6 milhões doados pelo frigorífico:


    O PP é o atual partido do ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Antes ele era do PR. Uma de suas figuras mais conhecidas é o deputado paulista Paulo Maluf, ex-prefeito, ex-governador e candidato à Presidência nas eleições indiretas de 1984, contra Tancredo Neves.

    Na lista da JBS, mas não da FPA

    Lembremos que nem todos os deputados que representam os interesses de grandes fazendeiros fazem parte da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Entre 99 políticos ruralistas na planilha da JBS, 23 não fazem parte dessa frente, diretamente financiada pelo agronegócio.

    Entre esses 23 deputados, os nove políticos do PP receberam muito mais verbas do frigorífico que os demais:


    Mesmo os deputados do PMDB, PTB e SD são coadjuvantes do PP e do PR, entre os ruralistas financiados pela JBS nas eleições para a Câmara. E não somente porque os valores totais são menores. Mas porque as doações para deputados do PR e, principalmente, do PP, têm valores maiores.

    E isso pode ser constatado numericamente – conforme mais um levantamento feito pelo De Olho nos Ruralistas. Entre os 22 deputados ruralistas do PP (13 deles da Frente Parlamentar da Agropecuária) que, segundo os chefes do frigorífico, receberam dinheiro da JBS em 2014, apenas 2 receberam abaixo de R$ 500 mil. Vejamos:



    Muito além do PT x PSDB

    Isso não acontece com os outros partidos. Em todos os casos a proporção é inversa: uma minoria recebeu acima de R$ 500 mil. O PTB, por exemplo, só aparece no topo da lista dos agraciados pela JBS por causa da doação de R$ 1,8 milhão para a deputada fluminense Cristiane Brasil. Ela faz parte da FPA, mas não é conhecida pela atividade ruralista – e sim por ser filha do presidente nacional do partido, o ex-deputado Roberto Jefferson.

    Em alguns poucos casos, como o da deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), a planilha da JBS indica a doação de valores irrisórios para os padrões das campanhas eleitorais, abaixo até de R$ 1 mil, mas isso não acontece com o PP – que funciona quase como um partido do agronegócio no Congresso.

    A relação da JBS com a Câmara, portanto, nada tem a ver com a injeção de dinheiro nos candidatos majoritários, PT e PSDB no caso de 2014. Em relação ao Senado o quadro só se altera porque um dos senadores financiados, Aécio Neves, foi justamente o candidato tucano à Presidência.

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  • 02/06/2017

    Direitos ameaçados: orçamento do Incra inviabiliza titulação de terras quilombolas


    A comunidade Patauá do Umirizal (Óbidos – PA) é uma das que teve seu processo de titulação paralisado pelo corte de orçamento. Foto: Carlos Penteado/CPI-SP

    O corte orçamentário do Incra ameaça a efetividade dos direitos dos quilombolas. Em 2017, um terço das Superintendências do Incra conta com orçamento anual inferior à 10 mil reais para conduzir os processos

    Os sucessivos cortes no orçamento ameaçam a política de regularização de terras quilombolas. Em sete anos, o orçamento do Incra apresentou uma queda de 94%. Para 2017, o órgão dispõe de apenas R$ 4 milhões para encaminhar mais de 1.600 processos de titulação. Em 2010, eram 64 milhões. Este é o menor orçamento para a titulação de terras quilombolas desde 2003, ano em que o órgão reassumiu a responsabilidade por encaminhar a regularização das áreas.

    Dados obtidos pela Comissão Pró-Índio junto ao Incra indicam que 09 das 30 Superintendências Regionais do órgão têm verba inferior a R$ 10 mil para a regularização de terras quilombolas esse ano. A SR do Mato Grosso, por exemplo, conta com R$ 6.844,00 para conduzir 73 processos. O menor orçamento é da SR de Alagoas de apenas R$ 3.948,00 para encaminhar 17 processos.

    As Superintendências Regionais são responsáveis pela condução dos processos de identificação dos limites do território que resultam nos Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID). São processos de longa duração que exigem recursos humanos (técnicos de diferentes áreas do órgão, como antropólogos e agrônomos) e financeiros. Há necessidade de diversas viagens às comunidades para o levantamento de dados.  Os custos e tempo gasto variam conforme a região do país, comunidades de difícil acesso no interior da Amazônia demandam custos mais elevados, por exemplo.

    A Comissão Pró-Índio apurou que a SR do Incra de São Paulo gasta em média 60 mil reais para a elaboração de um relatório (RTID) e 2 anos para finalizá-lo. Nesta SR, há 50 processos abertos e o orçamento disponível para 2017 é de 30 mil reais.

    As limitações orçamentárias das Superintendências representam um sério gargalo para a continuidade da maior parte dos processos, já que 87% dos 1.675 processos não tiveram o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) publicado.

    Antônio Oliveira Santos, coordenador de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra, confirma a gravidade da situação em entrevista à Comissão Pró-Índio: “Nós estamos evitando abrir novas frentes de trabalho. Estamos priorizando os mais urgentes, o que é possível aguardar, vamos segurando”. Para superar essa situação, o coordenador informou que estão buscando parcerias. Segundo Oliveira, o Incra e a Secretaria Especial de Política Pública e Igualdade Racial acordaram a transferência de recursos para a elaboração de cinco relatórios de identificação de limites nos estados de Alagoas e de Rondônia.

    Direito inviabilizado

    Completamente defasado em relação à demanda, o recurso disponível no Incra acaba por inviabilizar a efetivação a titulação das terras quilombolas, direito essencial para o futuro das comunidades. Assim avalia o procurador da República Luciano Mariz Maia, coordenador da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, “O que se vê é uma redução orçamentária que termina por anular um direito fundamental, não se revoga o direito, mas inviabiliza o seu cumprimento efetivo. Trata-se de retrocesso em matéria de direitos humanos que viola, além de vários tratados internacionais, a própria Constituição”.

    Os quilombolas também se preocupam. “O corte de orçamento foi muito grande, já com aquele orçamento não titulava, imagina com esse corte imenso então? ”, questiona Hilário Moraes, coordenador regional da Malungu – Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará. “O processo das comunidades do Marajó já completou 13 anos aberto e não temos nem resposta do que aconteceu. Isso tira o sono das pessoas, todos ficam sofrendo e a violência se acirra, já teve morte de quilombola, criminalização dos movimentos que lutam pela terra”, relata Hilário sobre a dramática situação vivida em sua região.

    Cleone de Souza Matos, coordenador da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do município de Óbidos (ARQMOB), no oeste do Pará, reforça o sentimento de desesperança: “para a gente o impacto foi grande, teve processo que tínhamos esperanças que seria publicado e que está parado. Sentimos que os funcionários da casa querem fazer, mas sem dinheiro fica muito difícil. Com certeza, é muito desanimador paras comunidades que já enfrentam muitos problemas e pressões”. 

     “O orçamento não impacta apenas as metas desse ano do Incra, mas coloca em cheque o futuro das comunidades quilombolas” alerta Lúcia M. M. de Andrade, coordenadora da Comissão Pró-Índio de São Paulo. “A insegurança para as comunidades quilombolas é enorme. O artigo 68 da ADCT da Constituição Federal está sendo inviabilizado”, complementa.

    Até hoje, quase 30 anos após a Constituição de 1988 garantir o direito dos quilombolas à propriedade de seus territórios, o governo federal titulou somente 37 terras, sendo que 11 delas apenas parcialmente. Em 2016, apenas Tabacaria (AL) foi titulada, e em 2017 uma terra recebeu título até o momento – Invernada dos Negros (SC), em janeiro. O total de 168 terras quilombolas tituladas hoje no Brasil foi garantido em grande parte pelas regularizações realizadas pelos governos estaduais.

    Cenário nacional – cortes nas políticas sociais

    A regularização de terras quilombolas não é a única política social inviabilizada pelos cortes orçamentários. No final de março, o governo Temer anunciou um corte de R$ 42,1 bilhões no orçamento público federal, afetando gravemente o Ministério do Meio Ambiente e a Fundação Nacional do Índio (Funai). O recurso disponível para os dois órgãos em 2017 foi cortado pela metade.

    Alessandra Cardoso, assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) alerta que “Além do corte de orçamento, MMA, Funai e Incra passaram por cortes graves de pessoal que impactam diretamente a capacidade do governo de cumprir e executar suas políticas”. O resultado, na avaliação do Inesc, é um aumento nas violações de direitos e acentuação das desigualdades.


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  • 02/06/2017

    Créditos de poluição e colonialismo climático


    Fotos: Daniel Santini e Gerhard Dilger

    Por Daniel Santini, de Xapuri, Acre

    Em encontro em Xapuri, no Acre, povos da floresta criticam políticas de economia verde e demonstram preocupação com novos acordos discutidos entre o governo e a indústria de aviação. Em declaração conjunta, exigem demarcação e reconhecimento de territórios e direitos

    Praticamente ao mesmo tempo em que, em Rio Branco, capital do Acre, empresários e representantes do governo estadual realizaram um encontro para discutir novas fórmulas para compensação do aumento da emissão de poluentes, em Xapuri, cidade de Chico Mendes, representantes de cinco povos indígenas e de comunidades que vivem e trabalham na floresta, apresentaram denúncias de impactos de projetos de economia verde. O Acre é considerado um laboratório para implementação de políticas baseadas na ideia de que é possível compensar poluição gerada em determinadas regiões com a manutenção de florestas em outras regiões.

    Em Rio Branco, o encontro foi realizado dias 25 e 26 de maio no Auditório da Procuradoria Geral do Estado, e teve como principal tema a possibilidade de implementação do esquema “Compensação e Redução de Carbono para a Aviação Internacional”, conhecido como Corsia. Apesar de o nome mencionar redução, o mecanismo em discussão não prevê uma diminuição das emissões dos aviões. Pelo contrário, trata-se de uma alternativa defendida pela Organização da Aviação Civil Internacional (Oaci) para justificar aumento da poluição em troca do não-desmatamento de florestas. Tais mecanismos preveem restrições às comunidades tradicionais, como limitações para práticas de agricultura, pesca, caça e uso de bens florestais. O encontro foi realizado pelo grupo de trabalho Offsets de Carbono Florestal do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e contou com a participação do senador Jorge Viana (PT-AC), presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas no Congresso Nacional.

    Em Xapuri, o evento ocorreu de 26 a 28 de maio com boa parte das discussões realizadas embaixo de árvores do quintal de uma pousada local. Intitulado “Os efeitos das políticas ambientais/climáticas para as populações tradicionais”, o encontro reuniu indígenas Apurinã, Huni Kui, Jaminawa, Manchineri e Shawadawa, e representantes de comunidades tradicionais do interior do Acre, além de seringueiros e seringueiras de Xapuri. Frente aos projetos governamentais, marcados pela pouca participação social e transparência, os participantes denunciaram o que chamam de colonialismo climático. Foram criticadas as limitações dos modelos que tentam mensurar impactos ambientais a partir de estimativas de concentração de carbono e de previsões sobre desmatamento, e questionado o real impacto ambiental das atividades e modos de vida dos diferentes povos da floresta.


    Os presentes também defenderam o uso “créditos de poluição” em vez de “créditos de carbono”, termo utilizado nos mercados de compra e venda de poluentes estabelecidos com base em projetos de tipo REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Evitados). Em vez de políticas fundamentadas em restrições ao modo de vida dos povos tradicionais, os participantes defenderam que seja alterado o modelo político-econômico de ocupação da região, com suspensão dos generosos financiamentos públicos para expansão da agropecuária, e projetos de manejo industrial de florestas e monocultivo de árvores.

    Neoaviamento
    Em meio à discussões sobre as propostas de novas políticas para o Acre, estado considerado chave para a expansão de políticas de economia verde, houve espaço para denúncias sobre invasões de terras indígenas, agravadas por políticas públicas desastradas, muitas das quais com apoio internacional, e relatos de violações de direitos e territórios. As denúncias, que indicam a necessidade de maior presença e atenção do poder público em áreas de difícil acesso, foram apresentados em rodas de conversa, com momentos para danças e cantos dos diferentes povos da região.

    Os debates resultaram em um documento conjunto, intitulado Declaração de Xapuri. O encontro foi uma continuidade do trabalho de observação e denúncia de impactos da economia verde no Acre. Em 2013, a Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma de Direitos Humanos-Dhesca Brasil, publicou o relatório Economia Verde, Povos das Florestas e Territórios: violações de direitos no Estado do Acre, que denunciou, entre outros, sobre três projetos de REDD no estado . Em 2016, novas inspeções resultaram em outras denúncias envolvendo agências de cooperação internacional alemã.

    O evento em Xapuri foi realizado com apoio das organizações Amigos da Terra Internacional, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Fundação Rosa Luxemburgo e Movimento Mundial pelas Florestas Mundiais (WRM, da sigla em inglês). 

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  • 02/06/2017

    Indígenas do Araça’í falam sobre a luta no Oeste Catarinense


    Foto: Desacato.info

    Sábado, dia 27 de maio, na Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS) de Chapecó/SC, os indígenas Guarani João Barbosa, junto com seu filho Adilson e o Educador de língua Portuguesa João Batista (Kaingang), participaram de um momento de diálogo no Curso Realidade Brasileira, para falar sobre o tema: “Terra Sem Males”, que foi escolhido posteriormente como sendo o nome dessa turma.

    “Dom José Gomes na luta por uma terra sem males”, assim ficou o nome que carrega também o contexto de memória em homenagem à Dom José, líder religioso que pela sua luta em favor dos pobres foi perseguido e ameaçado no período da ditadura militar no Brasil. Em Chapecó/SC onde teve atuação como Bispo, chegou a ser assunto na Câmara de Vereadores, onde a elite conservadora exigiu sua saída da cidade. Mas ele continuou fazendo luta até encantar.

    Durante a noite de sábado então, Jacson Santana, que é representante do CIMI Sul e vive em Chapecó, foi a pessoa que apresentou os representantes indígenas à turma do Curso Realidade Brasileira. O Cacique Guarani João Barbosa falou sobre a situação que passa o Brasil e especialmente, mencionou sobre as condições que vivem as 30 famílias Guarani nas terras do Toldo Chimbangue, em Chapecó-SC, um acampamento que foi cedido pelos indígenas Kaingang que ocupam essa mesma região até que os Guarani consigam garantir a conquista de seu território, que são as terras tradicionais do Araça’í, entre os municípios de Cunha Porã e Saudades, no Oeste do Estado.

    Barbosa falou que no acampamento as famílias vivem desassistidas, como é a realidade da grande maioria dos povos indígenas que foram expulsos das terras, quando da invasão europeia. O processo de colonização ocorrido em meados do século XX, tratou de afastar sistematicamente esses habitantes da terra historicamente ocupada. A implantação de uma cultura capitalista pela colonização gerou uma transformação social, cultural e econômica desse espaço, entre as quais a destituição dos nativos das terras ocupadas. Decorrido menos de um século da privatização do território regional, as populações pré-capitalista reivindicam o direito constitucional pela retomada da terra.

    O Cacique João Barbosa chegou a falar sobre esse sentimento de tristeza, pelos golpes que as populações indígenas vem sofrendo. “Se olhar para mim parece que estou meio feliz mas as vezes estamos tristes. A vida de um cacique as vezes é bem cruel, pode perder até a vida. A sede que eu tenho você também tem, sinto canseira, é a mesma coisa que você sente e por isso eu preciso de apoio, de ajuda”, disse ele.

    João Barbosa falou sobre o sonho da conquista pelas terras tradicionais e disse que esse sempre foi o desejo de muitos Guarani que já encantaram. “Meu pai morreu aos 98 anos com esse sonho, ele não conseguiu, eu estou confiando e desconfiando que vamos conseguir, com o apoio que vocês dão, queremos ter esse direito de viver”, mencionou.

    João Batista que é Educador de língua Portuguesa no Toldo Chimbangue, e já viveu experiências ao ensinar a língua portuguesa em escolas fora da comunidade indígena, também falou sobre essa necessidade de lutar permanentemente pelo território. Batista nasceu no ano de 1979 e em 1985 ocorreu a reconquista do território Kaingang, o Toldo Chimbangue, o nome dessa terra indígena é proveniente de Antônio Chimbangue, que foi o primeiro cacique nesse local.

    Em sua fala, Batista menciona a Lei de Terras, um período onde a terra tornou-se mercadoria, cujos participantes de sua compra, eram pessoas que tinham poder econômico para obtê-la. Diferentemente das populações nativas, que passaram a ter a sua força de trabalho explorada pelos imigrantes europeus e muitos se afugentaram. “Entendo que nosso espaço vai além dos limites da aldeia. Tenho familiares no Rio Grande do Sul, no Paraná, não existe essa delimitação, temos o direito de ir e vi para qualquer lugar. Nós Kaingang quando tínhamos vontade sair do lugar para outro, saía e voltava, meses depois”.

    O Educador ainda comentou sobre a invisibilidade das populações indígenas perante a sociedade. “Somos um povo sofrido, visto como minoria porque é uma sociedade que vive na invisibilidade do poder público que nunca pensa um projeto de acordo com a necessidade dos indígenas. Cada conquista precisa de um movimento, trancar rodovia, precisa que a gente dance, que grite, para que a mídia perceba e o poder público se sinta obrigado a construir projetos, um mínimo de apoio”.


    Bandeirantes/SC

    Os indígenas Guarani viviam nas terras do Araça’í, localizadas entre os municípios de Cunha Porã e Saudades. Com a vinda de colonos europeus, um longo processo de conflitos movimentou esta região. Houve a expulsão dos nativos que passaram a dividir as terras do Toldo Chimbangue, em Chapecó, junto aos Kaigang.

    Em Cunha Porã e Saudades, centenas de agricultores se instalaram e recomeçaram suas vidas. Compraram as terras das empresas colonizadoras, constituíram família e também, construíram a sua história na localidade. No entanto, não conformados com a expulsão, os indígenas Guarani depois de longos anos, retomaram a luta pela demarcação de terras no Araça’í.

    Para resolver a questão sem causar danos aos agricultores, o Governo do Estado propôs no ano de 2012, a compra de uma área de terra no município de Bandeirante, porém, a proposta não foi entendida com naturalidade e tranquilidade por líderes políticos e parte da população de Bandeirante. Uma parte da imprensa local exerceu a função de aprofundar o conflito entre indígenas e não indígenas, divulgando matérias com os seguintes elementos:

    Em Bandeirante, a ideia da instalação da aldeia indígena gerou controvérsias. Para o prefeito eleito, José Carlos Berti, além do choque cultural, outros problemas surgiriam com a vinda dos índios. Ele desafia que alguém lhe apresente um município que desenvolveu e conquistou avanços por ter aldeia indígena. Defende que a área pretendida em Bandeirante não possui nenhum estudo arqueológico apontando que algum povo indígena habitou a área. Berti entende que o povo indígena deve ser levado para onde é seu lugar de origem, e não para Bandeirante. O prefeito eleito acrescenta que o interesse é usar a área para reforma agrária, abrigando agricultores de Bandeirante e região que ainda não possuem terra (RESERVA INDÍGENA, p. 5, 2012c).

    No depoimento do prefeito José Carlos Berti, está evidente o pensamento destacado por Bauman (1998), ao referir-se ao sonho da Pureza. Segundo o autor, toda ação ou condição que ofereça perigo a ordem estabelecida socialmente é vista como negativa, como algo que precisa ser eliminado, que está de fora do plano até então construído. Os indígenas neste contexto, seriam seres impuros, incivilizados, incapazes de manter uma relação de proximidade com a comunidade colonizadora. São neste espaço, excluídos e impossibilitados de defender-se, porque é o sentimento de pureza, de continuidade de uma maneira de vida uniformizada que é colocada em questionamento.

    Os indígenas Guarani seguem na luta pela reconquista de seu território no Araça’í. Depois de inúmeras jogadas políticas pautadas por deputados da região, para que os Guarani fossem à Bandeirante e assim ‘liberassem’ as terras tradicionais para os agricultores, eleitores certos, os indígenas resolveram por bem, permanecer junto ao Toldo Chimbangue e em luta pelas terras entre Cunha Porã e Saudades.

    BAUMANN, Zigmunn. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia M. Gama, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

    RESERVA INDÍGENA: Cacique afirma que aldeia não virá para o município. Gazeta Catarinense, São Miguel do Oeste, p. 5, 7 dez. 2012c.

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  • 01/06/2017

    JBS: delações apontam R$ 31 milhões para 99 deputados ruralistas


    Segundo os delatores, a maior parte das doações feitas a políticos e declarada ao TSE era propina. Foto: Antonio Augusto/Câmara dos Deputados

    Por Alceu Castilho

    Pelo menos 165 deputados federais em exercício receberam dinheiro – a maior parte de propina – da JBS nas eleições de 2014. Isto segundo as delações de Joesley Batista e de Ricardo Saud, presidente da J&F. De Olho nos Ruralistas fez um levantamento dos membros da Câmara que fazem parte da bancada ruralista, membros ou não da Frente Parlamentar da Agropecuária. Constatação: 99 desses 165 deputados são ruralistas. Eles receberam R$ 31 milhões de um total de R$ 49 milhões.

    A lista divulgada pelo site Congresso em Foco traz o nome de 167 políticos (mais um suplente e um candidato não eleito), 165 deles deputados, que receberam doações da JBS. Segundo os delatores, a maior parte das doações era propina. Mesmo aquelas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Um dos donos da empresa, Joesley Batista, explicou em vídeo como funciona o esquema:

    – Normalmente acontece o seguinte: se combina o ilícito, se combina o ato de corrupção com o político, com o dirigente do poder público, e daí pra frente se procede o pagamento. Os pagamentos são feitos das mais diversas maneiras. Seja nota fiscal fria, seja dinheiro, caixa 2, até mesmo doação política oficial.

    Cinco partidos concentram 95% das doações. “JBS: PP concentra metade das doações para deputados ruralistas“.

    Heinze e seus colegas

    Entre os membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), 66 estão na lista divulgada pelos delatores. Isso significa 1/3 dos 202 deputados que compõem a frente na Câmara. Segundo a JBS, eles receberam R$ 21,6 milhões. Entre os 66 deputados listados, 21 ficaram com a maior parte desse valor: R$ 16,3 milhões. Vejamos a lista desses 21 parlamentares, organizada pelo observatório:


    Entre esses 21 deputados está um expoente da FPA, o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), primeiro vice-presidente da CPI da Funai e do Incra, encerrada esta semana na Câmara. Dilceu Sperafico (PP-PR) também era membro titular da CPI. Heinze ficou famoso por ter se referido a indígenas, gays, lésbicas e quilombolas, durante uma audiência pública no Rio Grande do Sul, como “tudo que não presta”.

    Também na Lava-Jato

    Heinze, Sperafico, Arthur Lira (PP-AL), Dilceu Sperafico (PP-PR), Jerônimo Goergen (PP-RS), Lázaro Botelho (PP-TO), Renato Molling (PP-RS) e Roberto Balestra (PP-GO) apareceram em 2015 na lista de 48 deputados investigados na Lava-Jato, conforme inquérito aberto pelo então ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF). A maioria desses deputados era ruralista, conforme levantou o Instituto Socioambiental (ISA).

    Outros 15 deputados da FPA receberam, segundo os delatores da JBS, entre R$ 200 e R$ 500 mil nas eleições de 2014. São eles: Geraldo Resende (PMDB-MS), R$ 450 mil; Luiz Nishimori (PR-PR), Marinha Raupp (PMDB-RO) e Milton Monti (PR-SP), R$ 400 mil cada. Nishimori também integrou a CPI da Funai, que indiciou indígenas, antropólogos, indigenistas e procuradores.

    A planilha divulgada pelos delatores da JBS continua com José Rocha (PR-BA) e Jorginho Mello (PR-SC), R$ 300 mil cada; Benito Gama (PTB-BA), R$ 285 mil; Benjamin Maranhão (SD-PB), Daniel Vilela (PMDB-GO), Giacobo (PR-PR), Nilton Capixaba (PTB-RO), Pedro Chaves (PMDB-GO) e Sergio Vidigal (PDT-ES), R$ 250 mil; Elcione Barbalho (PMDB-PA) e Lucio Vieira Lima (PMDB-BA), R$ 200 mil.

    Mais 14 deputados receberam entre R$ 100 mil e R$ 170 mil. Entre eles se destaca a deputada Tereza Cristina (PSB-MS), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e uma das mais ativas da bancada ruralista. Ela também integrou a CPI da Funai. Outro nome que se destaca nessa faixa de doações é o do deputado Carlos Marun (PMDB-MS), aliado do presidente Michel Temer e do ex-deputado Eduardo Cunha. Marun presidiu a Comissão Especial da Reforma da Previdência.

    Por fim, 15 deputados da FPA receberam R$ 50 mil ou menos, de acordo com os delatores. Entre eles, três com valores irrisórios, abaixo de R$ 1 mil. Um dos três que receberam R$ 50 mil, Valtenir Pereira (Pros-MT), era membro titular da CPI da Funai. Os delatores não informaram de quanto foi a doação para o deputado Diego Andrade (PSD-MG).

    Outros Ruralistas

    Nem todo deputado ruralista faz parte da Frente Parlamentar da Agropecuária. Alguns já fizeram parte, outros preferem ficar de fora, por motivos diversos – mas são notórios defensores do agronegócio e de grandes proprietários. De Olho nos Ruralistas identificou outros 23 ruralistas da Câmara na lista da JBS. Eles receberam, no total, R$ 9,1 milhões.

    Entre eles, nove parlamentares foram agraciados, segundo os delatores, com a maior parte dessa fatia: R$ 7,9 milhões. São aqueles que receberam valores acima de R$ 500 mil. Vejamos:


    Outros seis deputados ruralistas – mas que não integram a FPA – receberam pelo menos R$ 100 mil. São eles: Alfredo Nascimento (PR-AM), R$ 307 mil; Walter Ihoshi (PSD-SP), R$ 250 mil; Jair Bolsonaro (PP-RJ), R$ 200 mil; Sergio Moraes (PTB-RS), R$ 110 mil; Damião Feliciano (PDT-PB) e Paulo Azi (DEM-BA), R$ 100 mil cada.

    Bolsonaro costuma esbravejar contra sem-terra e indígenas, em defesa aberta da violência: “Na Paraíba, Bolsonaro diz que vai dar fuzil contra ‘marginais do MST’“.

    Outro Lado

    O site Congresso em Foco, que divulgou a lista completa, tentou ouvir todos os políticos listados pelos delatores. Entre os 99 deputados ruralistas, 27 responderam.

    São eles: Adail Carneiro (PP-CE, eleito pelo PHS), Aelton Freitas (PR-MG), Alfredo Nascimento (PR-AM), Beto Mansur (PRB-SP), Beto Rosado (PP-RN), Bilac Pinto (PR-MG), Daniel Vilela (PMDB-GO), Diego Andrade (PSD-MG), Dimas Fabiano (PP-MG), Eduardo Barbosa (PSDB-MG), Elcione Barbalho (PMDB-PA), Elizeu Dionizio (SD-MS), Geraldo Resende (PMDB-MS), Guilherme Mussi (PP-SP), Heitor Schuch (PSB-RS), Iracema Portella (PP-PI), Jerônimo Goergen (PP-RS), Lázaro Botelho (PP-TO), Luis Carlos Heinze (PP-RS),  Mário Heringer (PDT-MG), Nilton Capixaba (PTB-RO), Renato Andrade (PP-MG), Renzo Braz (PP-SP), Saraiva Felipe (PR-MG), Sergio Vidigal (PDT-ES), Valtenir Pereira (Pros-MT) e Zé Silva (SD-MG).

    Os deputados Adail Carneiro (PP-CE), Beto Mansur (PRB-SP), Bilac Pinto (PR-MG), Beto Rosado (PP-RN), Elcione Barbalho (PMDB-MG), Elizeu Dionizio (SD-MS), Geraldo Resende (PMDB-MS), Guilherme Mussi (PP-SP), Heitor Schuch (PSB-RS), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Renato Andrade (PP-MG), Sergio Vidigal (PDT-ES) e Valtenir Pereira (Pros-MT), disseram que as doações da JBS foram legais. Alfredo Nascimento (PR-AM), Iracema Portela (PP-PI) afirmaram que todas as doações de campanha foram declaradas. Diego Andrade (PSD-MG), Eduardo Barbosa (PSDB-MG) e Renzo Braz (PP-SP) sustentam que não receberam recursos da JBS na campanha de 2014. Mário Heringer (PDT-MG) e Saraiva Felipe (PR-MG), que receberam somente material de propaganda eleitoral.

    Zé Silva (SD-MG) definiu a citação de seu nome na delação como caluniosa. Lázaro Botelho (PP-TO) informou que deve haver um equívoco na citação de seu nome na lista. Dimas Fabiano, que não tem qualquer relacionamento com a JBS e sequer conhece seus diretores e acionistas. Nilton Capixaba (PTB-RO) afirmou que recebeu verba do partido sem saber quem era o doador. Daniel Vilela (PMDB-GO) contou que a doação de R$ 250 mil foi declarada e que sua relação era com José Batista Júnior, irmão de Joesley Batista e seu aliado político. Aelton Freitas (PR-MG) divulgou esta nota. Jerônimo Goergen (PP-RS) negou ter recebido repasse ilegal e contou que sua aproximação com o grupo empresarial se deu através do ex-ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, a quem assessorou no ministério e que se tornou diretor da JBS.

    A defesa completa dos deputados pode ser vista aqui.

    Senadores

    A planilha de doações divulgada pelos delatores inclui também 28 senadores que receberam R$ 58 milhões. Pelo menos 22 deles são ruralistas. O valor é maior que a soma das doações para todos os deputados, mas principalmente pela presença na lista do senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato a presidente em 2014.

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  • 01/06/2017

    III Fórum Nacional de Museus Indígenas do Brasil acontece no sertão do Piauí, aldeia do povo Tabajara



    Depois de acontecer nos estados do Ceará (Museu dos Kanindé, aldeia Sítio Fernandes, Aratuba-CE, maio de 2015) e de Pernambuco (Museu Kapinawá, aldeia Mina Grande, Buíque-PE, agosto de 2016), a terceira edição do Fórum Nacional de Museus Indígenas ocorrerá na comunidade Nazaré do povo Tabajara, no município de Lagoa de São Francisco, localizado no sertão do Piauí, o último Estado brasileiro no qual o silenciamento sobre a presença indígena foi quebrado pelas vozes dissonantes que bradaram pela resistência e continuidade de uma presença secular.

     

    Embora os primeiros contatos entre os invasores e as sociedades indígenas no Piauí tenham ocorrido ainda no século XVI, a região foi uma das últimas áreas de mais antiga colonização no atual território brasileiro no qual avançou e se estabeleceu o impacto da ação colonizadora, através das fazendas de gado, principalmente a partir da segunda metade do século XVII. Em meados do século XIX, a exemplo de outras, foi uma das primeiras províncias a afirmar a inexistência de populações indígenas em seu território, dadas como extintas e assimiladas na massa da população dita civilizada.

     

    Embora existam abundantes e antiquíssimos registros históricos da presença de populações indígenas em todo o atual território piauiense, como atestam, por exemplo, os diversos relatos de cronistas sobre a presença de em diversos pontos do litoral e do sertão, e também da grande quantidade de inscrições rupestres e de material arqueológico, desde o Norte e o Centro até o Sul do Estado; a existência contemporânea de indígenas ainda é alvo de polêmicas, tendo em vista uma visão genérica que predomina entre o senso comum, baseada em estereótipos, preconceitos e em uma perspectiva folclórica que pouco condiz com a dinâmica realidade destas populações. Nos últimos anos surgiram várias reivindicações por direitos específicos oriundas de organizações indígenas junto ao Ministério Público Federal. Destaca-se a reivindicação da Associação Indígena Itacoatiara de Piripiri e o ressurgimento de grupos étnicos indígenas na região da Serra Grande (Ibiapaba) e no município de Queimada Nova, região Sudeste do Estado.

     

    Atualmente, existem cinco reivindicações por reconhecimento étnico, na região Norte e no Sudeste do Piauí. Destacam-se as mobilizações dos Cariris da Serra Grande (Queimada Nova), dos Codó Cabeludo (Brasileira e Pedro II) e dos Tabajaras de Piripiri organizados na Associação Itacoatiara, fundada em 2005 e, na localidade Canto da Várzea, com a organização indígena Associação Tabajara Y-pi. Além desta, a comunidade indígena Tabajara de Nazaré, no município de Lagoa de São Francisco, na região norte do Estado, nos últimos anos protagoniza um crescente processo de organização em torno do reconhecimento étnico.

     

    Com o objetivo de fortalecer a luta dos povos indígenas do Piauí na construção de uma nova história que parte do ponto de vista das populações que habitavam este território antes da chegada dos invasores europeus, o III Fórum Nacional de Museus Indígenas ocorrerá no Estado, reunindo representantes indígenas e parceiros que desenvolvem processos museológicos e de registro da memória em seus territórios no Brasil, a fim de dar continuidade às trocas de experiências e saberes, articulação interinstitucional e formação em rede, propiciados pela Rede Indígena de Memória e Museologia Social desde 2014.

     

    No II Fórum Nacional de Museus Indígenas, em 2016, foi criada uma comissão de coordenação e elaborado um documento com o objetivo de nortear a atuação nacional da Rede Indígena de Memória e Museologia Social. Através da realização de encontros periódicos em diversos estados brasileiros, a aproximação que gerou o conhecimento mútuo entre as diferentes iniciativas de museus indígenas, casas e espaços de memória nas cinco regiões do país, suscitou o surgimento de novas demandas, que serão discutidas neste Fórum: como avançar de ações isoladas para a realização de uma agenda comum de trabalhos que incluam ações colaborativas em memória, patrimônio e museologia comunitária? Qual a posição da Rede perante a crise de representatividade em voga na política partidária brasileira e à perda de direitos sociais duramente conquistados pela população? Um dos principais objetivos deste encontro é avançar na consolidação de núcleos locais atuantes em estados e municípios das cinco regiões do país, concomitantemente à manutenção das atividades nacionais, que tornam atualmente a Rede Indígena de Memória e Museologia social como a mais atuante no cenário da museologia comunitária no Brasil.

     

    Data: 19 a 21 de outubro de 2017

    Local: Comunidade indígena de Nazaré, povo Tabajara (Lagoa de São Francisco, Piauí)

    Realização: Rede Indígena de Memória e Museologia Social do Brasil

    Apoio: Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade/Universidade Federal de Pernambuco (NEPE-UFPE), Rede Cearense de Museus Comunitários, Associação Nacional de Ação Indigenista/ANAÍ-BA, Governo do Estado do Piauí, Instituto de Pesquisa e Formação Indígena-IEPE.

    Contatos e informações: redememoriaindigena@gmail.com ;

    https://www.facebook.com/redeindigenamemoria/


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  • 31/05/2017

    Indígenas ficam sem atendimento de saúde por falta do Rani


    Crédito da foto: J.Rosha/Cimi Regional Norte I


    Por J.Rosha, da Assessoria de Comunicação – Cimi Norte I

     

    Há cerca de um ano, o tuxaua da aldeia Cacoal, Carlos Barbosa Freire, perdeu esposa e a filha. A primeira, vítima de doença grave. A segunda, de complicações no parto.  “Se elas tivessem sido removidas a tempo, teriam chance de sobreviver!”, diz o tuxaua.


    Os moradores de Cacoal são indígenas do povo Maraguá. Esse povo vive em aldeias nos rios Abacaxis e Paracuni, na região do rio Madeira, município de Nova Olinda do Norte – situado a 134 quilômetros em linha reta de Manaus, a capital do Amazonas. Daquela aldeia até a sede de Nova Olinda do Norte, em barco de 22 hp, a viagem demora até 16 horas.   

     

    A filha do tuxaua, Selma dos Santos Freire, de 34 anos, foi transportada às pressas, em junho do ano passado, para Nova Olinda do Norte, em um fim de tarde, numa viagem que se estendeu até às 10 horas do dia seguinte. “Quando chegou na cidade, ela já estava morta”, relata o tuxaua Carlos.

     

    Todos os Maraguá do rio Paracuni padecem da falta de atendimento por parte do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei). O órgão não reconhece os Maraguá daquela localidade como indígenas por falta do Registro Administrativo de Nascimento Indígena (Rani).

     

    O Rani é um documento administrativo que deve ser fornecido pela Funai, conforme previsto pela  Lei nº 6.001 de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio). No entanto, a Coordenação Técnica Local (CTL) da Funai em Nova Olinda do Norte não atende os Maraguá e remete a solução para a Coordenação Regional, com sede em Manaus. O tuxaua Carlos esteve várias vezes frente ao coordenador local em Nova Olinda do Norte, Gilmar Palheta Assunção, que o orientou a comparecer ao escritório da CTL munido de documentos pessoais e declaração de autorreconhecimento. Porém, em diversas ocasiões, o tuxaua levou a documentação exigida e mesmo assim lhe foi negado o Rani.  

     

    Temendo que outras pessoas venham a falecer por falta de atendimento, lideranças das comunidades Tabocal, Cacoal, Miriti, Fortaleza e Cawé protocolaram denúncia no Ministério Público Federal (MPF). Na sede da Funai, em Manaus, eles foram informados que faltam recursos para deslocamento de servidores às aldeias para que seja feito o devido reconhecimento.

     

    Invasões

     

    Os representantes do povo Maraguá  também pediram ao MPF que intervenha junto aos órgãos de assistência aos indígenas pela realização de fiscalização. Segundo denunciaram, o território deles vem sendo constantemente invadido por madeireiros, pescadores, caçadores que comercializam carne de animais silvestres, garimpeiros e de traficantes. Há pelo menos dois anos não é realizada fiscalização na área.


    Os indígenas já tentaram por conta própria por fim às invasões, mas muitos foram ameaçados de morte, razão pela qual eles esperam que a Funai e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tenham atuação mais frequente e eficiente.


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