• 05/04/2017

    Contra decreto de desmanche da Funai, povos indígenas ocupam sedes do órgão no RN e CE


    Ocupação da CTL/Funai, em Natal (RN). Crédito da foto: Daniela Rodrigues/CRP-RN

     

     


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

    As sedes da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Rio Grande do Norte e Ceará estão ocupadas por mais de uma dezena de povos indígenas. Os protestos, iniciados na última semana, são contra o Decreto 9.010/17, publicado em 23 de março, que fechou coordenações técnicas locais (CTL’s), exonerou servidores e forçou nomeações políticas, inclusive com ligações ruralistas, às estruturas remanescentes do órgão.

    O decreto extinguiu 347 cargos da Funai e 50 CTL’s em todo o Brasil, entre elas as coordenações que atendem povos no Piauí e Rio Grande do Norte. Ambas estão ligadas à Coordenação Regional Nordeste II, com sede em Fortaleza (CE), ocupada desde o dia 20 em contrariedade à nomeação política da coordenadora Tanúsia Maria Vieira – depois de pressão política do deputado federal Aníbal Gomes (PMDB/CE).  

     

    Conforme lideranças indígenas, Tanúsia é esposa de um conhecido opositor à demarcação da Terra Indígena Tapeba. "Se trata de um total desrespeito do governo federal ao Artigo 6º da Convenção 169 (da Organização Internacional do Trabalho – OIT), que trata do direito à consulta livre, prévia e informada. O governo não nos ouviu ao tomar medidas que afetam diretamente as nossas vidas", declarou Weibe Tapeba.

    Na segunda-feira, 3, os povos Potiguara, Tapuia e Tapuia Paiacú ocuparam em Natal (RN) a sede da CTL. Antes de 2011, ano em que a Funai passou atender com um escritório os povos do estado, nenhum procedimento demarcatório estava em curso. Os indígenas não eram atendidos pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e tampouco tinham Educação Escolar Indígena Diferenciada.

    Com a chegada da CTL, um Grupo de Trabalho está em curso para a identificação da Terra Indígena Sagi-Trabanda/Baía Formosa, do povo Potiguara, e outros quatro territórios já estão com relatórios de qualificação de demanda prontos. "Depois que a Funai chegou, veio a Sesai e um articulação de parcerias para o etnodesenvolvimento das aldeias e educação diferenciada", explica Tayse Potiguara.

    A liderança indígena destaca que havia "preconceito institucional em todos os lugares contra a gente. Uma consulta no hospital pediam pra gente a comprovação de que somos indígenas. A Funai aqui trabalhou bastante esse aspecto esclarecendo as instituições da Constituição, Convenção 169", diz a Potiguara. A chegada da Funai ao RN é considerada pelos povos indígenas uma importante conquista.

    Os Potiguara, Tapuia e Tapuia Paiacú estão espalhados nos territórios de Sagi-Trabanda/Baía Formosa, Catu/Canguaretama-Goianinha, Tapará/Macaíba-São Gonçalo do Amarante, Mendonças do Amarelão, Serrote de São Bento e Assentamento Santa Terezinha/João Câmara, Caboclos/Assú e Apodi. A aldeia mais afastada fica na divisa com o Ceará, a 600 km de Natal.

    São pouco mais de 5 mil indígenas no RN, divididos em 1.132 famílias, que agora podem ficar sem o órgão indigenista. "Falam em cortar recursos, mas aqui só trabalhavam dois servidores. Indigenistas de verdade, que estão com a gente sempre. Muitas vezes tiram do próprio bolso para garantir o que precisamos. E para eles também: até a água da sede são os dois que bancam", revela a Potiguara.

    Sem recursos, a liderança indígena explica que os servidores necessitam fazer parceiras com o governo estadual, universidades e demais parceiros para garantir atividades tradicionais dos povos e o atendimento básico às aldeias. "Combustível, alimentação. Coisas básicas a CTL precisa de apoio porque não tem verba. Então o governo quer cortar o que já estava precário", afirma.

    Além da ocupação da CTL, os povos do RN estão realizando outras mobilizações pelo estado incluindo a possibilidade de fechamento de rodovias. "A gente sente que estão usando um momento do país para desmantelar a Funai. É um outro golpe. Mesmo funcionando aos trancos e barrancos, a Funai é importante pra gente. Aqui no RN temos esse exemplo. O que nossos inimigos desejam é o fim da Funai".



    Ocupação à sede da Funai Nordeste II, em Fortaleza. Crédito da Foto: Caroline Leal/Grupo de Pesquisa-Unilab

     


    Funai sob ataque do ministro ruralista         

    O Decreto 9.010/17 foi assinado pelo ministro ruralista da Justiça, Osmar Serraglio. Conhecido por sua militância, na Câmara Federal, contra o direito à terra dos povos indígenas, sendo um dos articuladores da PEC 215 e da CPI da Funai/Incra, Serraglio declarou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo que os indígenas deveriam esquecer as demarcações de territórios tradicionais.

    A Articulação dos Povos e Organizações do Nordeste (Apoinme) divulgou um vídeo denunciando o governo federal. Outras organizações indígenas lançaram notas contra o decreto. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) denunciou o fechamento de três CTL’s na região. A Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas (Opiroma) tomou a mesma postura.

    "Não vamos aceitar que a FUNAI sirva apenas como órgão indigenista de manobra e oficializar a violação dos direitos humanos dos povos indígenas, a usurpação dos recursos naturais e minerais das terras indígenas para as empresas mineradoras e madeireiras. Não vamos permitir que os direitos dos povos indígenas sejam violados", diz trecho da nota divulgada pela Opiroma.

    Demais entidades da sociedade têm demonstrado apoio aos povos indígenas em protesto contra o desmonte da Funai. Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, o objetivo do governo Michel Temer é transformar a Funai num órgão de assistência social precarizado rebaixando a política indigenista a um contexto semelhante ao da ditadura militar quando o órgão indigenista servia apenas para balizar a política genocida e assimilacionista do regime.  

    "O próprio ministro ruralista disse que terra não enche barriga de ninguém. A intenção é não demarcar, não ter estrutura estatal para isso", afirma o missionário indigenista.


    Para o Conselho Regional de Psicologia (CRP) do Rio Grande do Norte se trata de "um evidente processo de desmonte da política indigenista no país, permeada por interesses comerciais nas terras e recursos naturais das comunidades indígenas", conforme trecho de nota pública divulgada. O CRP possui trabalhos juntos aos povos do RN e pela vulnerabilidade dos indígenas sem a Funai no estado.  

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  • 04/04/2017

    MPF realiza ações pelo fortalecimento dos direitos dos índios e para combater retrocessos na política indigenista


    Protesto indígena no Palácio do Planalto. Crédito: Marcelo Camargo/ABr


    Para celebrar o mês do índio e discutir os principais problemas que afetam essas populações, o Ministério Público Federal, por meio da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) e os vários procuradores com atuação na temática, realiza a campanha #ABRILindígena. Até o fim do mês, estão previstas ações como a divulgação de números relativos à ação coordenada do MPF em defesa dos povos indígenas, a realização de eventos e debates sobre a temática em vários estados brasileiros, a publicação de artigos e postagens nas redes sociais da instituição, para reforçar a necessidade de proteção e fortalecimento dos direitos dos povos povos indígenas, valorizar sua diversidade e relevância, discutir as formas de garantir seus direitos, bem como combater os retrocessos na política indigenista brasileira.

    “Teremos o mês inteiro para realçar a importância dos primeiros e originários habitantes do nosso país, que, com sua diversidade e pluralidade, são motivo de orgulho e luta para o Ministério Público Federal”, explica o coordenador da 6CCR, o subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia. “Essa diversidade humana embeleza nosso país e nossa vida”.

    Direito à terra e marco temporal – “Índio é terra; terra é justiça para o índio. E, com justiça, obtém-se a paz para todos nós”, explica Luciano. O direito originário dos indígenas às suas terras tradicionais será o tema principal do #ABRILindígena deste ano. Em Brasília, acontecerá a Oficina “Povos Indígenas e Direitos Originários”, no dia 25 de abril, das 9h às 13h, no auditório JK da Procuradoria-Geral da República. Especialistas convidados irão debater os direitos originários dos povos indígenas à terra e o sistema internacional de proteção de direitos humanos em três mesas temáticas: “Terras Indígenas nas Constituições Brasileiras”, “Etnografia nas Terras Indígenas” e “Terras Indígenas na Jurisprudência do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Indígenas”.  

    Promovida pela 6CCR com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Instituto Socioambiental (Isa), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Plataforma Dhesca, a oficina é aberta ao público, e as inscrições podem ser feitas até 20 de abril, pelo e-mail [email protected].  Clique para mais informações.

    O MPF também recebe, até o dia 25 de abril, artigos jurídicos e acadêmicos que abordem o tema demarcação de terras indígenas e marco temporal, para inclusão em coletânea a ser produzida pela 6CCR. O objetivo da publicação é contribuir com a pesquisa e a atuação profissional na temática e os artigos podem ser de autoria de membros do MPF ou de colaboradores externos à instituição. Os textos devem ser enviados para o e-mail [email protected]. Saiba mais

    Durante todo o mês, as redes sociais do MPF discutirão a temática indígena, com vídeos e postagens sobre diversos assuntos. Acompanhe: https://www.facebook.com/MPFederal/

    Outros eventos – Em todo o país, as unidades promoverão eventos sobre a temática indígena. Membros do MPF também participarão como debatedores em eventos promovidos por parceiros. Veja abaixo a agenda completa de eventos do #ABRILindígena (programação em constante atualização):

    AGENDA DE EVENTOS #ABRIL INDÍGENA

    # 3 a 5 de abril de 2017

    Encontro sobre povos indígenas em situação de isolamento na Amazônia

    Participação: PR/MT

    Horário: 8h – 18h

    Local: Cuiabá / MT

    # 5 de abril de 2017

    Palestra “Direito dos índios à luz da antropologia e história do Oeste de Santa Catarina”

    Participação:  PRM-Chapecó (SC)

    Horários: 19:00 h

    Local: Salão de atos da Unochapecó – Universidade Comunitária da Região de Chapecó

    # 10 de abril de 2017

    Seminário “Povos indígenas e proteção ao Meio Ambiente no Oeste Catarinense”

    Participação:  PRM-Chapecó (SC)

    Horários: 14h às 17h

    Local: Escola Cacique Vahnkre – TI Xapecó

    # 18 e 19 de abril de 2017

    Semana dos Povos Indígenas – 2017

    Realizador:  PR/MT

    Horário: 19h

    Local: Auditório da ADUFMAT – UFMT

    #19 de abril de 2017

    Direitos Indígenas: Panorama Atual

    Realizador: Procuradoria Regional da República 3ª Região (SP)

    Horário: 10h

    Local: Auditório PRR3 ( Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 2020, São Paulo, SP)

    # 19 de abril de 2017

    Evento comemorativo ao dia do índio

    Realizador:  PRM-Chapecó (SC)

    Horários: 14h às 17h

    Local: Praça Coronel Bertaso

    # 19 de abril de 2017

    Audiência Pública: Desafios atuais dos povos indígenas do Oeste de Santa Catarina

    Realizador:  PRM-Chapecó (SC)

    Horários: 17h ás 20:30

    Local: Auditório da Câmara de Vereadores de Chapecó

    # 20 de abril de 2017

    Audiência Pública – Agressões aos direitos dos povos indígenas durante a ditadura militar

    Realizador: Senado Federal

    Horário: 9 h

    Local: Comissão de Direitos Humanos – Senado (DF)

    Com a participação do coordenador da 6ª CCR como debatedor, subprocurador-geral da República Luciano Maia

    # 24 de abril de 2017

    Workshop: Sistemas de alerta precoce e resposta rápida: experiências da América Latina

    Realizador: 6ª Câmara de Coordenação e Revisão

    Horário: 9h – 18h

    Local: Auditório JK – PGR (DF)

    # 25 de abril de 2017

    Oficina “Os Povos Indígenas e os Direitos Originários” (DF)

    Realizador: 6ª Câmara de Coordenação e Revisão MPF

    Horário: 9h às 13h

    Local: Auditório JK – PGR  

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    # 27 e 28 de abril de 2017

    Seminário Regional: Desafios da Educação Escolar Indígena (SC)

    Realizador: GT Educação Indígena da 6CCR, em parceria com a Assembleia Legislativa de Santa Catarina

    Horários: das 13h às 18h30 (27/04) – das 8h30 às 12h (28/04).

    Local: Auditório da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina – Florianópolis/SC

    EVENTOS JÁ REALIZADOS

    # 29 e 30 de março de 2017 – (veja como foi o evento: primeiro dia e segundo dia)

    Curso para servidores públicos em Santarém (PA) busca combater racismo contra indígenas

    Realizador: PRM/Santarém

    Horário: 8h – 18h

    Local: auditório Maestro Wilson Fonseca, do campus Rondon da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa)

    # 31 de março de 2017 – (Realizado – saiba como foi)

    Audiência Pública sobre os impactos das instalações de empreendimentos para as comunidades indígenas de Aracruz (ES)

    Participação: PR/ES

    Horário: das 16h às 20h

    Local: Escola Municipal de Ensino Fundamental Indígena Caieiras Velha (Rodovia Primo Bitti, s/nº, Aldeia Caieiras Velha, Aracruz)

    #31 de março de 2017 (Realizado)

    Reunião para tratar do caso da TI Jaraguá (SP)

    Participação da PR/SP

    Foram discutidas estratégias para atuação coordenada para a solução dos problemas enfrentados pela Terra Indígena Jaraguá

    Horário: 9h 16h

    Local: Procuradoria da República em São Paulo

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  • 04/04/2017

    Nossas lutas, nossos mártires


    Por Egon Heck e Cimi Regional MT

    “Vicente lutou também contra os neobandeirantes, como se autodenominam os fazendeiros que invadem a Amazônia Legal. Vicente morreu para que os Enawenê-Nawê continuem vivos, acompanhados, a partir de agora, por outros companheiros de trabalho e de ideal”. (Thomaz Lisboa)

    No início do momento celebrativo e de memória os que conviveram com Vicente destacaram algumas impressões e sentimentos sobre a vida e testemunho do mártir. Bartolomeu Meliá ressaltou que Vicente foi uma pessoa fora do comum, admirada mas nem sempre imitada. Ele tinha uma enorme capacidade de escutar e de estar sozinho. Nem tudo e nem sempre era fácil a convivência. Não era um santo clássico. Tem que acabar com essa civilização (da desigualdade), repetia.

    Para Egydio Schwade, ele foi um dos maiores indigenistas que o país conheceu. Ele foi um grande mestre da inculturação, afirmou Elisabeth Aracy Rondon, colocando uma interrogação: “o que diria Vicente sobre a realidade que vivem hoje esses povos?”. Para Vanda, ele foi seu guru, inspirando confiança. Ele tinha uma enorme admiração pelos Enawenê. Era uma pessoa imensamente livre, disse Sebastião Carlos Moreira, que esteve com os amigos na hora que encontramos o corpo de Vicente, no dia 16 de maio. Tinha ideias muito transformadoras e práticas radicais. Thomaz tem “grande admiração por esse seu melhor amigo, que tanto o ajudou nas horas difíceis de discernimento e decisões”. Respeitava profundamente o outro, em especial os povos indígenas.

    D. Roque, presidente do Cimi, veio trazer sua palavra de ânimo aos lutadores e lutadoras que, como Vicente assumem a causa dos povos indígenas e da transformação social.

    Foram três dias de intensas celebrações em sintonia com a mãe terra, a irmã água, o vento e o fogo. Sentimos a presença de Vicente e os milhares de guerreiros e guerreiras indígenas e missionários que foram assassinados nas últimas décadas, que deram suas vidas para que prevaleçam as forças da Vida sobre os projetos de morte.

    Os povos indígenas presentes destacaram a importância de pessoas comprometidas com a causa indígena, como Vicente. Chamaram atenção para o cuidado necessário, por parte dos missionários, pois existem muitas ameaças de assassinato daqueles que apoiam a causa indígena.

    “Vivenciamos neste encontro de memória, saudade e partilha momentos celebrativos que nos ajudaram a reavivar nossa fé, esperança e utopia. Os testemunhos das pessoas que conviveram com o Ir. Vicente foram momentos marcantes”, afirma a mensagem do encontro da memória dos 30 anos do assassinato de Vicente Kiwxi.

    Vivenciamos aspectos simbolicamente muito fortes. Estiveram presentes os Myky, os Enawenê Nawê e Thomaz Lisboa, que juntamente com Vicente fez os primeiros contatos com esses povos. Thomaz também estava junto aos que encontraram o corpo de seu melhor amigo, assassinado em 16 de abril de 1987.


    Genito Guarani Kaiowá, filho do cacique Nísio Gomes, veio para trazer a solidariedade de seu povo e falar da dramática situação pela qual está passando o povo Guarani nas últimas décadas. Denunciou a violência e criminalização, pois após seis anos do assassinato de seu pai, o corpo ainda não foi localizado e os responsáveis por tal barbárie continuam sem punição.

    Na mensagem final do encontro ficaram assumidos alguns compromissos e exigências:

    – A necessidade das entidades envolvidas com a questão indígena busquem formas concretas de realizar trabalhos em rede, com uma presença na aldeia Enawenê-Nawê contribuindo para a garantia de bem viver frente às várias ameaças das PCHs, BR 174, mineração e agronegócio.

    Novo júri popular, não apenas para que seja feito justiça no assassinato de Ir. Vicente Cañas, mas naquilo em que ele representará para a garantia dos direitos dos povos indígenas e a segurança para aqueles que, em apoio a esses povos se colocam ao seu lado contra projetos que põem em risco suas vidas, seus costumes e seus territórios no Brasil.

    Para manter viva a memória do Ir. Vicente Cañas, durante o Seminário, foi lançado o livro “Provocar rupturas, construir o Reino: memória, martírio e missão de Vicente Cañas”, organizado pelo Cimi e publicado pela editora Loyola. Um documentário sobre o seminário também está sendo preparado.

    “Chega de tanta violência, basta de tanta morte! Convocamos todos à luta contra esta barbárie e perversidade que ceifa a vida de nossos irmãos e irmãs. Apesar do risco de morte, jamais deixaremos de lutar”. (D. Erwin Kräutler, 24 de maio de 1987)

    “Obrigado Ir. Vicente Cañas por deixar-te amassar e germinar pela Amazônia e seus povos. Obrigado por teu túmulo florido, por doar-te todo, por teu martírio e transformação profética, irmão jesuíta, em (Kiwxi) irmão dos índios!” (Fernando Lopez)

    Aguaçu, Cuiabá, 04 de abril de 2017

    Fotos: Marinelis

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  • 03/04/2017

    “O testemunho e a coerência de Vicente Cañas nos interpelam e questionam”


    Os participantes do Seminário Vicente Cañas, realizado entre 31 de março e 2 de abril no distrito de Aguaçu, no Mato Grosso, divulgaram a mensagem do encontro que resgatou a memória da vida e da trajetória do missionário. O seminário marcou o lançamento do livro “Provocar rupturas, construir o Reino: memória, martírio e missão de Vicente Cañas”, organizado pelo Cimi, e a memória dos 30 anos do assassinato de Kiwxi, como foi batizado pelos indígenas Myky.

    “Seu testemunho e coerência de vida nos interpelam e questionam diante do atual contexto sócio-político-econômico em que vivemos. Vivenciamos neste encontro de memória, saudade e partilha momentos celebrativos que nos ajudaram a reavivar nossa fé, esperança e utopia”, afirma a mensagem dos participantes.

    O documento também reafirma a necessidade da construção de uma rede em defesa do Bem Viver dos Enawenê-Nawê, povo ao qual Vicente dedicou importante parte de sua vida, e a relevância do novo júri popular “para a garantia dos direitos dos povos indígenas e a segurança para aqueles que, em apoio a esses povos, se colocam ao seu lado contra projetos que põem em risco as vidas, os costumes e as terras indígenas no Brasil”.

    Leia a íntegra do documento abaixo:



    MENSAGEM DO SEMINÁRIO Ir. VICENTE CAÑAS, SJ.

    “O Colaborador do Reino, necessariamente, será um provocador de rupturas. Vicente Cañas foi este colaborador” (Paulo Suess)

    Nós, vindos de Mato Grosso, Roraima, Tocantins, Amazonas, Maranhão, Pará, Rondônia, Acre, Brasília, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Equador, Porto Rico, Paraguai… participantes do CIMI, OPAN, REPAM, Comitê pela Memória, Verdade e Justiça da Amazônia, Casa da Cultura do Urubuí, CEB´s, Jesuítas  outras Congregações Religiosas e representantes dos povos Indígenas: Enawenê-Nawê, Rikbaktsa, Kawaiwete (Kayabi), Guarani Kaiowá e Myky, nos dias 31 de março, 01 e 02 de abril de 2017, ouvimos os relatos e refletimos sobre os testemunhos das pessoas que conheceram, conviveram, sentiram o assassinato e martírio de Vicente Cañas, há 30 anos. Até os dias de hoje, infelizmente, o crime continua em total impunidade, assim como tantos outros crimes impetrados contra os povos originários.

    Durante o Seminário foi feita uma retrospectiva histórica sobre a vida do Ir. Vicente Cañas, que foi assassinado em 06 de abril de 1987, abaixo do lugar chamado Caixão de Pedra, no Rio Juruena, Território Indígena Enawenê-Nawê. Seu corpo foi encontrado, quarenta dias depois, mumificado e preservado, ao lado do barraco que usava como espaço de apoio.

    Ele passou a conviver entre os Enawenê-Nawê em 1977, trabalhando pela garantia de seus direitos e pela demarcação de seu território tradicional. Seu testemunho e coerência de vida nos interpelam e questionam diante do atual contexto sócio-político-econômico em que vivemos.

    Vivenciamos neste encontro de memória, saudade e partilha momentos celebrativos que nos ajudaram a reavivar nossa fé, esperança e utopia. Os testemunhos das pessoas que conviveram com o Ir. Vicente foram momentos marcantes.

    Nesses dias de afirmação do compromisso com a causa indígena, duas questões centrais foram reafirmadas:

    – a necessidade das entidades envolvidas com a questão indígena buscarem formas concretas de realizar trabalhos em rede assim como efetivar presença na aldeia Enawenê-Nawê contribuindo para a garantia do bem viver frente às várias ameaças das PCHs, BR 174, mineração e agronegócio.

    – a importância de se buscar uma articulação para acompanhar e participar de maneira efetiva no novo júri popular, não apenas para que seja feita justiça no assassinato de Ir. Vicente Cañas, mas naquilo em que esse júri representará para a garantia dos direitos dos povos indígenas e a segurança para aqueles que, em apoio a esses povos, se colocam ao seu lado contra projetos que põem em risco as vidas, os costumes e as terras indígenas no Brasil.

    Para manter viva a memória do Ir. Vicente Cañas, durante o Seminário, foi lançado o livro: “Provocar rupturas, construir o Reino: memória, martírio e missão de Vicente Cañas”, organizado pelo CIMI (Loyola, 2017). A Verbo Filmes esteve presente registrando o Seminário e será preparado um documentário em parceria com o CIMI, REPAM e SIGNIS do Brasil.

    “Obrigado Ir. Vicente Cañas por deixar-te amassar e germinar pela Amazônia e seus povos. Obrigado por teu túmulo florido, por doar-te todo, por teu martírio e transformação profética, irmão jesuíta, em (Kiwxi) irmão dos índios!” (Fernando Lopez)

    Aguaçu, Cuiabá, 02 de abril de 2017


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  • 03/04/2017

    Governo brasileiro não vê suicídios dos Guarani-Kaiowá como crise, diz jornal canadense


    Epidemia de suicídios não se trata de traço "cultural" do povo. Crédito da foto: Tiago Miotto/Cimi


    O jornal canadense The Globe and Mail divulgou a versão em português de reportagem sobre os suicídios entre os Guarani Kaiowá, 22 vezes maiores que no conjunto da população brasileira: “Os esquecidos: por dentro da crise de suicídios indígenas no Brasil“. A reportagem de Stephanie Nolen, publicada em inglês no dia 17, constatou que o governo brasileiro não vê nisso uma crise – como ocorre no caso canadense.

    Apesar da epidemia, dos enforcamentos seguidos, “os policiais nunca atendem a um chamado da aldeia rapidamente”, diz a reportagem. Com isso as crianças acabam vendo os corpos dos parentes pendurados. A maior parte dos casos ocorre entre adolescentes.

    Segundo a publicação, a situação no Brasil tem muitos paralelos com o fenômeno no Canadá. Mas lá os suicídios indígenas são definidos como “crise”. “O primeiro-ministro, Justin Trudeau, afirmou que adotará medidas urgentes contra o suicídio indígena”, escreve a repórter.  “Seus ministros prometeram uma intervenção em âmbito federal”.

    No Brasil, silêncio. A reportagem informa que, em 2015, o governo federal prometeu reduzir em 10% a taxa de suicídio na região, e anunciou um plano de prevenção para as aldeias mais afetadas. Mas sem informar o orçamento ou mesmo os locais específicos da ação. “A resposta tardia e imprecisa reflete, em parte, o fato de que o país, já atolado em uma turbulência econômica e política, tem cortado recursos e desviado o foco da maioria dos problemas sociais”, diz o The Globe and Mail.

    Segundo a reportagem, menos que uma dúzia de pesquisadores no Brasil estudam as taxas “astronômicas” de suicídio indígenas. Apenas 13 psicólogos atendem os 70 mil indígenas do Mato Grosso do Sul. E o país nem sabe quando o problema começou, porque o governo só coleta dados desde os anos 90. Pior: os números podem ser maiores, pois as mortes de indígenas “quase nunca são submetidas à análise de um legista, ou muitas vezes, simplesmente, não são registradas”.

    “Mais terra para as vacas”

    Este trecho da reportagem descreve a visão que a repórter canadense teve do agronegócio, em contraste com o confinamento dos povos indígenas:


    – No lado brasileiro da fronteira, os Guarani-Kaiowa contam com nove aldeias no sul do Mato Grosso do Sul, estado no coração do lucrativo agronegócio brasileiro. O território, cuja principal vocação é a produção de grãos, é um vasto mar de campos verdes de soja, cana de açúcar e milho que pertencem a algumas poucas empresas gigantes, muitas delas multinacionais. Enquanto o resto do Brasil cambaleia sob o peso de uma economia estagnada, ainda se faz muito dinheiro aqui: a fome do mercado asiático pela soja brasileira e pela carne bovina alimentada com soja não diminuiu. (…) Você pode dirigir durante 15, 20 minutos em linha reta e passar apenas por pastagens de gado Bhraman. Depois de um tempo, você percebe que muito mais terra aqui foi dada às vacas do que aos humanos indígenas.

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  • 03/04/2017

    Centro de pesquisa divulga nota em apoio ao povo Xavante da Terra Indígena Marãiwatsédé



    O Laboratório de Estudos e Pesquisas em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas e Indigenismo (Laepi) divulgou uma nota pública de apoio ao povo Xavante da Terra Indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso, por novos ataques à ocupação tradicional do território.   

    Desta vez, o ataque partiu do ex-secretário Especial de Saúde Indígena (Sesai), Rodrigo Rodrigues, que afirmou em encontro com empresários do setor do agronegócio que Maraiwãtsédé “nunca foi terra indígena”.

    Leia a nota na íntegra:

    Nota de apoio à luta Xavante pela Terra Indígena Marãiwatsédé

    Considerando as recentes declarações do ex-Secretário Especial de Saúde Indígena, Rodrigo Rodrigues, que afirmou em encontro com empresários do setor do agronegócio do Estado de Mato Grosso que Maraiwãtsédé “nunca foi terra indígena”, conforme reportagem (leia aqui), o LAEPI vem prestar o seu apoio aos Xavante de Marãiwatsédé na luta pela plena reocupação de seu território recentemente reconquistado e esclarecer à sociedade fatos relativos à história de violência contra essa comunidade.

    As violências sofridas pela comunidade Xavante de Marãiwatsédé datam da década de 1950, quando este povo teve o seu território invadido pelo grupo que instalou na região a Fazenda Suiá-Missu, culminando com a remoção forçada do grupo em avião da Força Aérea Brasileira (FAB), em 1966, e com a sua quase total aniquilação.

    A Terra Marãiwatsédé já foi declarada de ocupação tradicional do Povo Xavante, por meio da  Portaria nº 363, de 30/09/1993, do Ministério da Justiça.

    Em setembro de 2012, após longa disputa judicial, teve início a desintrusão do território indígena, em um percurso permeado por constantes re-invasões, razão pela qual só foi efetivamente concluída a total retirada dos invasores em meados de 2014.

    A demarcação oficial, no entanto, não reparou e não repara quase meio século de contínua desumanização, desenraizamento e humilhação social que levaram a um quadro de traumas psicossociais coletivos.

    A situação do Povo Xavante de Marãiwatsédé permanece incipiente e sob vigilância, dado que o território entregue à comunidade indígena encontra-se ambientalmente devastado e possui um entorno social no qual imperam a violência, a discriminação e o desrespeito às conquistas já consagradas por esse povo.

    A declaração do ex-secretário Rodrigo Rodrigues, que não é uma voz isolada, expõe os preconceitos e a intencional ignorância de indivíduos e grupos não indígenas sobre a identidade étnica e cultural dos povos indígenas, seus direitos e suas lutas pelo retorno às suas terras e reparação pelas violências protagonizadas pelo Estado Brasileiro ou com a sua conivência e omissão.

    O LAEPI coloca-se como frente de apoio para gerar conhecimento sobre a história, a vida e a luta do povo Xavante de Marãiwatsédé, que por meio de seu porta-voz, Rafael Weree e Ana Paula trouxeram as preocupações, receios e desafios do seu povo na busca de reparação pelas violências sofridas.

    O LAEPI reafirma seu compromisso com a luta dos povos indígenas no Brasil e manifesta profunda preocupação com o atual cenário político de retrocessos em particular na política governamental, atualmente sendo executada por pessoas que como o Senhor Rodrigo Rodrigues demonstra o descaso e o desrespeito pelos povos indígenas e seus direitos constitucionais.

    Brasilia,  03 de abril de 2017  – Abril Indígena


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  • 03/04/2017

    Encontro irá discutir estratégia de defesa integral dos indígenas em situação de isolamento na Amazônia


    Povo em situação de isolamento voluntário no Rio Envira (AC). Gleilson Miranda/Funai

    O Ministério Público Federal em Mato Grosso (MPF/MT) irá participar do Encontro para a construção de uma estratégia de defesa integral dos direitos dos povos indígenas em situação de isolamento na Amazônia. O evento será realizado entre os dias 3 e 5 de abril, das 8h30 às 18h, na Kolping Casa de Eventos e Retiros, localizada em Várzea Grande.

    O objetivo principal do evento é identificar casos de violação de direitos dos povos “isolados” na Pan Amazônia e organizar uma ação na Organização das Nações Unidas (ONU) com a finalidade de ajudar a criar uma jurisprudência que possa favorecer medidas de proteção por parte dos Estados nacionais.

    O encontro é organizado pela Rede Eclesial Pan Amazônica (Repam), com a participação de organismos como o Centro de Antropologia Aplicada da Amazônia Peruana (Caaap), Cáritas Equador, Conselho Indigenista Missionário no Brasil (Cimi), indígenas, além de especialistas, antropólogos e advogados.

    Conforme a programação, no dia 3 (segunda-feira) será realizada uma abordagem sobre a realidade em que se encontram os povos isolados no Equador, Peru, Brasil, Bolívia e Colômbia; no dia 4 (terça-feira), será feito um aprofundamento do tema com os especialistas, entre eles o procurador da República em Mato Grosso e titular do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, Ricardo Pael Ardenghi; e no dia 5 (quarta-feira), serão definidas as estratégias de ação.

    Confira a programação:

    Programação

    Segunda feira 03/abril

    8h – Mística/espiritualidade

    8h30 – Apresentação dos participantes e dos objetivos do encontro e da pauta.

    9hs – Visão geral da realidade Amazônica – Fernando Lopez.

    10h30 – Lanche

    11h – Contexto – Situação dos povos isolados e as políticas atuais dos estados nacionais. Equador, Peru, Brasil, Bolívia e Colômbia – relatos dos participantes dos países.

    12 h – Almoço

    14 h – Reinício – Continuação – Contexto

    15h30 – Lanche

    16h – Continuação – Contexto

    18h – Encerramento

    19h – Jantar

    Terça feira 04/abril

    8h – Mística/espiritualidade

    8h30 – Análise das experiências de contato com povos isolados – governamentais e de Igrejas – Pe Bartolomeu Meliá e Ir Elizabeth Amarante

    9h45 – Lanche

    10h15 – Povos indígenas “isolados”: Uma leitura antropológica – Lino João – UFAM/Brasil e Beatriz Huertas – Peru.

    12h – Almoço

    14h – Os povos isolados, marcos legais e políticas desenvolvimentistas na Amazônia – Dr Ricardo Pael Ardenghi (MPF/MT), Vanildo Pereira- Cimi, CAAAP/ Peru

    16h – Lanche

    16h30 – Os povos indígenas e o direito internacional Convenções, tratados e declarações no âmbito da ONU – Rocío Barahona (especialista do Equador)

    18h – Encerramento

    19h – Jantar

    Quarta feira 05/abril

    8h – Mística/espiritualidade

    8h30 – Incidência no âmbito da ONU – Rocío Barahona

    10h – Lanche

    10h30 – Identificação e análise dos casos, organização da documentação, prazos, distribuição de tarefas.

    12h – Almoço

    14h – Estratégias de articulação e outras estratégias de ação

    16h – encerramento – Lanche

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  • 31/03/2017

    Nota de falecimento de Isamani Kulina


    Rio Branco, 30 março de 2017

    Nesta quinta feira 30 de março foi encontrado morto o grande líder Isamani Kulina, na cidade de Feijó. Vítima de que?  Não se sabe. Há suspeitas ter ingerido muito álcool até sua morte. Fez sua passagem deixando esposa e filhos. Isamani Kulina destacava-se como liderança local na luta por uma saúde indígena de qualidade, orgulhava-se da conquista de ter conseguido a demarcação de terra para o seu povo no Alto Rio Envira.

    Defendia pessoas de povos isolados que apareciam em suas aldeias, pedindo para ter paciência. “Não matem parente brabo”.

    O Cimi Regional Amazônia Ocidental, e a equipe de Feijó estão presente  prestando solidariedade e apoio neste momento de pesar. Junto com os Madiha/Kulina a nossa solidariedade. Fica em nossas memórias a saudade deste grande líder que assim que o barco encostava-se ao porto de suas aldeias nos recebia com sorriso no rosto. Manako (trocar), hihipa (comida), mari (segurar, ensinar), bika (ser bom), nomi (está bem), pahisha (ser verdade). Ficava alegre, dizendo que tinha alguma coisa para trocar, para comer, para nos ensinar e assim nos permitia entrar no mundo Madiha. Os Madiha passam por situação difícil, sobre a questão de suicídio entre eles. A este povo nosso carinho e nossa solidariedade.

    Conselho Indigenista Missionário
    Regional Amazônia Ocidental



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  • 31/03/2017

    Vicente Kiwxi e a luta Enawenê Nawê

    Por Egon Dionisio Heck e Cimi Regional MT

    Em abril de 1987, um grupo de fazendeiros e pistoleiros chegavam sorrateiramente ao barraco de Vicente Cañas na beira do Rio Juruena, município de Juína (MT). Com pauladas na cabeça e uma facada, assassinaram friamente Vicente em seu barraco, conforme depoimento de indígenas.  Era o sangue de mais um missionário morto por defender a vida e os direitos dos povos indígenas, principalmente suas terras.

    Vicente, juntamente com Thomaz Lisboa e alguns indígenas, fizeram contato com os Enawenê em 1974. A partir de então ele esteve com esse povo, sendo os últimos dez anos de sua vida dedicados integralmente aos Enawenê.

    Hoje, 31 de março, estará iniciando um relevante encontro de partilha e reflexão sobre a memória da missão e do martírio desse missionário. O Cimi, os jesuítas e a Opan estão organizando esse encontro, do qual estarão participando lideranças indígenas do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, missionários indigenistas, pastorais, professores e membros de diversas entidades.

    No decorrer desses dias, será também lançado o livro sobre a memória, martírio e missão de Vicente Cañas. “Provocar Rupturas, construir o Reino” é mais um instrumento importe para celebrar a memória desse “missionário para o século 21”.

    “Sim, Vicente estava à frente de seu tempo, de sua Igreja e Congregação e, talvez à frente até do Cimi. Para colocar o martírio de Vicente Cañas no contexto amplo de nossa Ameríndia, quero parafrasear outro santo mártir, Dom Oscar Romero de San Salvador: ‘Alegro-me porque o Cimi é perseguido, justamente por sua opção preferencial pelos povos indígenas e pelo esforço de se encarnar nos desafios dos povos indígenas, na defesa de seus territórios, de seu Bem Viver, de suas culturas e do reconhecimento das poucas leis que protegem seu futuro’”, afirma o presidente do Cimi e Arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi, no prólogo ao livro.


    foto: Egon Heck/Cimi

    Será um momento forte para animar e reforçar a presença junto aos povos indígenas. “A Vicente Cañas e a todos aqueles que, como ele, fizeram germinar com seu sangue e sua radicalidade a semente da justiça em tantos povos indígenas de qualquer parte do mundo”, afirmam José Terol e José Carrion, autores de “Tras las huellas de Vicente Canãs”.

    No Seminário estarão grandes amigos de Kiwxi – nome que Vicente Cañas recebeu dos Myky, outro povo da bacia do rio Juruena com quem o jesuíta conviveu, que significa “doar-se todo” – como Thomás Lisboa, Egydio Schwade, Batomeu Melliá, dentre outros.

    Também estarão presentes índios Enawenê Nawê. Depois de 30 anos do assassinato, esse povo não apenas continua com a memória viva de Kiwixi, mas continuam afirmando que era um deles. Com certeza sentem muito a falta desse seu amigo nesses momentos difíceis por que estão passando, com ataques contra seus direitos e pressão sobre seus territórios.

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  • 31/03/2017

    Grupo Kaingang preso no norte do RS é solto por ordem do STJ; Cimi denuncia arrendamentos


    Terra Indígena Kandóia: na quarta, 29, pistoleiro atacou aldeia. Crédito das fotos: Renato Santana/Cimi


    Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi


    Depois de quase cinco meses de detenção, os indígenas Kaingang Marcelina da Silva, Adamor Franco, Ereni Adimo Franco, Laerte Franco, Davi  Feixe, Elias da Silva e Elizeu dos Santos foram soltos nesta quinta-feira, 30, e poderão responder ao processo em liberdade. Outros três indígenas seguem detidos, envolvidos em outras situações de criminalização. O ministro-relator Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu habeas corpus a favor de medida alternativa à prisão preventiva que vinha sendo cumprida pelos Kaingang no Presídio de Lagoa Vermelha.

    Na madrugada de 23 de novembro de 2016, uma operação de guerra acordou a comunidade da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha, em Sananduva (RS). Despachados pela Justiça Estadual, mandados de prisão foram cumpridos pela Polícia Federal sob a acusação de que o grupo Kaingang incendiou lavouras privadas e ameaçou cometer o mesmo crime contra a população local. Assista aqui.

    "(…) na leitura da decisão de primeiro grau não houve menção a nenhum ato específico que pudesse demonstrar a efetiva participação dos pacientes nos eventos criminosos", afirma o ministro-relator do caso, cujo voto foi acompanhado pela Sexta Turma do STJ em unanimidade. O ministro ressaltou que acompanha a alegação da Subprocuradora-Geral da República, Mônica Nicida Garcia, que diz:

    "No caso, verifica-se a falta de fundamentação concreta da conduta, de cada um dos pacientes, tanto nas representações quanto nas decisões que decretaram as priões preventivas, que narraram, de forma genérica, sem delimitação e individualização, os atos praticados pelos acusados". A Justiça Estadual limitou-se a dizer que os indígenas estariam constrangendo os agricultores "mediante violência ou grave ameaça".

    Para o Ministério Público Federal (MPF), se tratou de detenção “ilegal em massa, abuso de autoridade, violência, segregação e exposição vexatória”, acompanhando relatório organizado pela Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O coordenador do Cimi Regional Sul, Roberto Liebgott, salienta que "o inquérito foi conduzido pela Polícia Civil e os mandados de prisão feitos por uma juíza estadual a pedido da PF. Uma aberração jurídica".

    A advogada Caroline Dias Hilgert, da Assessoria Jurídica do Cimi, entidade que impetrou o habeas corpus junto ao STJ, fez a sustentação oral em defesa dos Kaingang, na Sexta Turma do STJ. Caroline sustentou aos ministros, entre os argumentos da linha de defesa, que o caso deveria ser alçado à esfera federal, mas o relator decidiu não abordar a questão em sua decisão.



    O norte do Rio Grande do Sul se tornou tão perigoso aos indígenas quanto áreas no Mato Grosso do Sul

    Norte do Rio Grande do Sul: arrendamentos e o crescimento da violência contra os povos indígenas

     

    Os Kaingang postos em liberdade vivem no norte do Rio Grande do Sul, região que registra crescente onda de violações e violências contra os povos indígenas. Nos últimos anos, conflitos fundiários têm repercutido na vida das aldeias e acampamentos com criminalização. Caciques e lideranças são envolvidos em crimes sem provas, sofrendo acusações vagas e subjetivas, além de campanha difamatória na mídia local. Conforme apuração do Cimi Regional Sul, a negativa em arrendar terras tradicionais está por trás da ofensiva.   

    Na noite desta quarta-feira, 29, a família de Deoclides Kaingang recebeu uma visita inesperada no acampamento da Terra Indígena Kandóia, município de Faxinalzinho. Um homem branco, não identificado, esmurrou a porta da casa do indígena exigindo que ele saísse. A esposa de Deoclides comunicou que ele não estava, então o homem ameaçou matá-la. Aos gritos, a indígena o obrigou a fugir temendo a chegada de outros Kaingang.  

    O Cimi Regional Sul orientou os Kaingang a registrar Boletim de Ocorrência, ao passo que informou o episódio ao Conselho Estadual de Defensores de Direitos Humanos. Deoclides Kaingang é atendido pelo Programa de Defensores; está entre os 111 indígenas protegidos pelo Estado brasileiro. "As câmeras instaladas na casa do Deoclides estão sem funcionar. Solicitamos a manutenção porque se elas estivessem operando, o pistoleiro teria sido identificado", diz Liebgott.

    Oito lideranças da comunidade encontram-se no programa de proteção do governo Federal. A comunidade está criminalizada desde 2014. Atribui-se a seus membros crimes de organização criminosa e, além disso, 19 homens da comunidade foram denunciados por duplo homicídio e roubo. A terra que a comunidade reivindica é de 2000 hectares, mas o procedimento de demarcação foi paralisado no ano de 2013.

    A Farsul

    “Considerando que o clima tenso e hostil provocados pelos atos dos indígenas, beirando as vias do conflito, o que pode resultar em eminente risco à segurança e a vida dos envolvidos, bem como da população sananduvense”, diz um trecho do decreto assinado pelo vice-prefeito de Sananduva, Leovir Fidêncio Antunes Benedetti, horas depois do incêndio cuja autoria recaiu sobre os Kaingang postos em liberdade nesta quinta, 30.

    Um organização ruralista participou ativamente de toda a articulação contra os Kaingang. A Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) acusou publicamente os Kaingang e alguns agricultores (que não fazem oposição aos indígenas) pelo fogo. Sem provas ou quaisquer investigações policiais, o vice-prefeito decretou Estado de Calamidade Pública, atendendo à Farsul.

    No dia seguinte a  PF já tinha solicitado à Justiça Estadual a prisão de seis indígenas e dois agricultores; no dia 23, a operação de guerra, que em tese levaria tempo a ser mobilizada, fez a invasão e as prisões.

    As plantações queimadas pertencem, coincidentemente, aos fazendeiros que não permitiram a Funai realizar o trabalho envolvendo a demarcação física da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha, que teve o Relatório Circunstanciado publicado pelo Ministério da Justiça em 25 de abril de 2011, com 1.916 hectares. Os Kaingang, que contam com o apoio dos agricultores, resistem a tentativas de arrendamento e invasões de terras na região.

    Em carta, o Cimi Regional Sul alertou nesta quinta, 30, autoridades de direitos humanos sobre as consequências aos indígenas que se opõem aos arrendamentos de terras tradicionais na região – e como os recentes fatos, envolvendo a criminalização dos Kaingang, podem estar envolvidos com tal negativa de participação naquilo que é considerado um crime pela Constituição (o usufruto de uma terra indígena é exclusivo ao povo que a ocupa).

    Leia na íntegra:  

    Carta do Cimi ao Conselho Estadual dos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos/RS; ao Programa Nacional de Proteção do Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos; ao Conselho Estadual de Direitos Humanos

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul vem, respeitosamente, apresentar alguns fatos, que no nosso modo de sentir são preocupantes, pois afetam comunidades e lideranças indígenas no Rio Grande do Sul.

    Como é de conhecimento público, as disputas pela terra e pelo seu usufruto são uma  constante no Rio Grande do Sul. Os fatos mais graves, envolvendo violências como ameaças, perseguições, criminalização, prisões e assassinatos ocorrem nas regiões norte e noroeste do estado.

    Há duas questões bem emblemáticas  e que merecem atenção e cuidado daqueles que lidam com as ferramentas públicas pela defesa dos direitos à vida e pela garantia dos demais direitos humanos:

    – Há terras que foram reservadas para comunidades indígenas no século XX e que hoje são cobiçadas por aqueles que pretendem obter lucros através de sua exploração através do plantio de produtos como soja, milho e trigo – e essa exploração se dá através de um esquema criminoso de arrendamento de terras e aliciamento de indígenas;

    – Há comunidades indígenas, pelo menos 60,  em todo o estado do Rio Grande do Sul, em luta pela demarcação e reconhecimento de suas terras como sendo de ocupação tradicional e que rompem, na prática, com o esquema dos arrendamentos de terras.

    Tendo presente estas duas realidades podemos então adentrar nas questões que envolvem o contexto indígena no Rio Grande do Sul.

    No que tange ao primeiro tópico é importante salientar que os fatos criminosos de arrendamento de terras (vedados pela Constituição Federal e Estatuto do Índio) são notórios, ou seja, são de conhecimento público e dos Poderes Públicos.

    Não se traz aqui nenhuma novidade política ou jurídica. Há acordos na Justiça Federal, pactuadas com o Ministério Público Federal, de que este processo – de arrendamentos – é ilegal e portanto deveria ser, de imediato, superados juridicamente. Optou-se por um acordo de que até no final ano de 2016 todos os arrendamentos seriam concluídos e, a partir de então, as terras deveriam, como prevê a lei, destinadas ao usufruto exclusivo das comunidades indígenas.

    Há, no entanto, que se levar em conta de que o arrendamento de terras indígenas envolve muita gente. Dentre estas gentes, muitas delas importantes do ponto de vista político, jurídico e econômico. Há, pelo que se vislumbra, além do aliciamento de índios, pessoas da sociedade envolvente – autoridades municipais, estaduais, federais e políticos – ganhando dinheiro com o arrendamento de terras. Movimenta-se nas regiões norte e noroeste do RS milhões e milhões de reais oriundos do plantio, colheita e comercialização de grãos, especialmente de soja.

    O acordo Judicial certamente não agradou a todos os interessados. O cacique de Serrinha, Antônio Mig, comprometido com o acordo judicial, decidiu estabelecer o acordo como o fim do arrendamento – perante aqueles que arrendavam as terras, passou a não atender mais aos interesses econômicos. Antônio foi assassinado com seis tiros, na semana passada. Os bandidos ainda não foram encontrados.

    No que se refere ao segundo tópico salientamos que as comunidades em luta pela demarcação de terras vêm, ao longo dos anos, se posicionando contra o arrendamento das áreas indígenas. No geral as comunidades vivem em acampamentos nas margens das cidades ou rodovias. Cada ação política que desenvolvem, no sentido de cobrar providência para que suas terras sejam efetivamente demarcadas e reconhecidas, as comunidades sofrem represálias, nem tanto da sociedade em geral, mas acabam sendo agredidos por políticos, autoridades municipais e estaduais e pela Polícia Federal e Poder  Judiciário-que na prática aceita as teses e as propostas – inquéritos policiais – que visam a criminalização das lutas pela demarcação de terras.

    Relatamos dois casos que nos parecem elucidativos:  

    Terra Indígena Kandóia:  

    Terra Indígena Kandóia, município de Faxinalzinho/RS, a comunidade Kaingang conta  com 80 famílias, mas de 200 pessoas que vivem em uma área de terra de aproximadamente quatro hectares, que foi cedida pelo estado do RS para uso por um período de 20 anos. A terra que a comunidade reivindica é de 2000 hectares, mas o procedimento de demarcação foi paralisado no ano de 2013. Foi publicado o relatório circunstanciado da terra e aguarda-se a publicação da portaria declaratória por parte do Ministério da Justiça.

    A comunidade está criminalizada desde 2014. Atribui-se a seus membros crimes de organização criminosa e, além disso, 19 homens da comunidade foram denunciados por duplo homicídio e roubo.

    Oito lideranças da comunidade encontram-se no programa de proteção do governo Federal – PPDDH -, no entanto a comunidade como um todo está vulnerável. O sistema de vigilância lá implementado, por falta de manutenção do sistema, está inoperante.

    Na noite do dia 28 de março um homem de cor branca não identificado se dirigiu à  casa do Deoclides e proferiu ameaças de morte. No entanto, ele não estava na casa, mas a esposa relatou os fatos: o sujeito disse que encheria o Deoclides de tiros. A comunidade registrou ocorrência na Polícia Civil e providenciou um esquema de vigilância interna.

    Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha:

    Passo Grande do Rio Forquilha, município de Sananduva-RS a Comunidade Kaingang, com 40 famílias e  cerca de 150 pessoas,  luta pela demarcação da terra há décadas. O procedimento de demarcação avançou até a fase da publicação da portaria declaratória pelo ministério da Justiça, fato que se deu em maio do ano de 2011. A área é de 1750 hectares. No entanto, não houve a desintrusão da terra, ou seja, os agricultores que lá residem não foram removidos permanecem ocupando a área indígena. As famílias de agricultores não receberam as indenizações pelas benfeitorias de boa-fé.

    No ano de 2015 a comunidade decidiu, para pressionar o governo federal, retomar partes da terra que estão sob a posse de agricultores. O conflito se intensificou, uma vez que o sindicato rural e alguns grandes proprietários da região, que também exploram parcelas da terra, passaram a atacar os indígenas. Houve alguns conflitos.

    Em 2016, com o intento de exigir que a demarcação fosse concluída e os agricultores devidamente indenizados, os Kaingang passaram a impedir que o usufruto da terra por não-índios. Isso gerou uma grande ofensiva política e jurídica contra a comunidade. Acabou que se abriu inquérito e houve mandados de prisão contra as lideranças da comunidades.

    Dez indígenas acabaram presos no dia 23 de novembro de 2016 e permaneceram encarcerados por crimes de organização criminosa, extorsão e ameaça, e crime contra a ordem pública. Os mandados de prisão foram expedidos pela justiça estadual, embora o inquérito todo tenha sido conduzido pela polícia federal, o que é fato no mínimo estranho.

    Através de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar um Habeas Corpus impetrado por advogados do Cimi, houve a liberação, no dia 29 de março,  de sete dos dez indígenas presos em Lagoa Vermelha.

    As prisões foram evidentemente para criminalizar os líderes da comunidade e seus familiares, tanto que, dentre os presos, estavam Leonir  Franco,  o cacique, seu pai e mãe Ereni Franco e Marcelina da Silva. Além deles,  os irmãos do Cacique Wilian Franco – eleito vereador pelo município de Cacique Doble nas últimas eleições –  Laerte Franco e o tio Adamor Franco, além dos professores Elias da Silva,  Davi Faix e Elizeu Santos.

    Pelos fatos acima relatados se pede:

    Acompanhamento de processos judiciais envolvendo o assassinato de Antônio Mig-cacique da Terra Serrinha;

    Fiscalizar e acompanhar o cumprimento da determinação judicial de que os arrendamentos de terras sejam definitivamente paralisados na região;

    Cobrar do Poder Público para que as comunidades indígenas  tenham efetivamente o acesso e usufruto as terras demarcadas;

    Acompanhar o desenvolvimento dos processos envolvendo a criminalização dos 19 indígenas de Kandóia denunciados pelos crimes de homicídios e roubo;

    Assegurar que em Kandóia seja reorganizado o procedimento de fiscalização e monitoramento da comunidade;

    Assegurar a proteção dos defensores e defensoras indígenas da comunidade Kandóia;

    Acompanhar os processo envolvendo a comunidade de Passo Grande do Rio Forquilha e suas lideranças criminalizadas;

    Propor que o Ministério Público Federal abra um procedimento de investigação sobre o arrendamento de terras indígenas na região norte, com o intento de investigar  os possíveis beneficiários destas ações criminosos na região norte e noroeste do Rio Grande do Sul;

    ​Assegurar que o Programa Nacional de Proteção dos Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos atue junto às comunidades indígenas ameaçadas- especificamente Kandóia e Passo Grande do Rio Forquilha.

    Contando com a compreensão  e o atendimento das proposições nos despedimos.

    Atenciosamente

    Roberto Antonio Liebgott

    Coordenador do Conselho Indigenista Missionário Regional Sul


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