Semana de mobilização Pataxó e Tupinambá: sem demarcação, povos prometem continuar luta nos territórios
Em Brasília (DF), indígenas do sul e extremo sul da Bahia cobraram demarcação de suas terras e derrubada da lei 14.701; sem resposta, povos garantem que avançarão na luta por seus territórios

Manifestação dos povos Pataxó e Tupinambá no Ministério da Justiça, no dia 12/03/2025. Foto: Tiago Miotto/Cimi
Mobilização, violência e frustração marcaram a semana dos povos Pataxó e Tupinambá. Cerca de 300 indígenas do sul e extremo sul da Bahia estiveram em Brasília (DF), entre os dias 11 e 13 de março, reivindicando a demarcação de seus territórios tradicionais. Os indígenas participaram de audiências, reuniões e realizaram manifestações em defesa de seus direitos.
Enquanto o grupo estava na capital federal, um Pataxó foi assassinado na Terra Indígena (TI) Barra Velha do Monte Pascoal e uma casa Pataxó foi queimada na TI Comexatibá – duas das terras cuja demarcação é reivindicada pelos indígenas. Ambas estão sob intensa pressão do agronegócio e da especulação imobiliária, especialmente do setor hoteleiro, interessado na construção de hotéis, resorts e pousadas na região conhecida por suas belas praias.
“Senhor presidente da República, determine que haja as portarias declaratórias. Demonstraremos que não há nenhum obstáculo técnico ou jurídico – o que não significa que haverá descontentamento de muitos setores”
Audiência pública
Durante a semana, os indígenas cobraram, especialmente, a emissão das portarias declaratórias das TIs Barra Velha do Monte Pascoal, Tupinambá de Belmonte e Tupinambá de Olivença. Este foi o tema de uma audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) e realizada na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), no dia 11 de março.
As três áreas aguardam há mais de uma década a emissão das suas portarias declaratórias, atribuição do Ministério da Justiça. O procurador da República Ramiro Rockenbach, do MPF, ressaltou que não há impedimento jurídico e administrativo para a declaração das áreas.
“Senhor presidente da República, determine que haja as portarias declaratórias. E que fique claro, estamos aqui como parceiros. Pode convocar a equipe técnica que quiser. Reunidos aqui, demonstraremos que não há, repito, nenhum obstáculo técnico ou jurídico – o que não significa que haverá descontentamento de muitos setores”, garantiu o procurador.
Participaram do evento representantes dos Ministérios da Justiça, dos Povos Indígenas e dos Direitos Humanos e da Cidadania, do governo da Bahia, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), entre outros órgãos e instituições.
A audiência iniciou com um minuto de silêncio em memória de Vitor Braz, assassinado na noite anterior durante um ataque contra uma comunidade Pataxó. “Hoje, nós amanhecemos com nosso território sangrando”, afirmou a liderança Uruba Pataxó, vice-cacica da aldeia-mãe Barra Velha e secretária do Conselho de Caciques de Barra Velha.
“Não estamos aqui pedindo. É um direito nosso ter o nosso território sagrado demarcado e homologado. Hoje, estamos sendo mortos, os corpos das nossas mulheres e das nossas crianças sendo expostos, dentro do território, por invasores que falam que são donos da terra. Os donos somos nós”, reivindicou a liderança.
Os indígenas também manifestaram descontentamento com a ausência dos titulares das pastas do governo que foram convidadas à audiência.
“Está na hora do ministro [Ricardo] Lewandowski agir”
“Gostaria muito que não só os representantes, mas também os ministros tivessem a coragem, como a gente sempre tem, de viajar vários quilômetros, e estivessem aqui. É muito feio para o Brasil, depois da fala do presidente Lula. Ele fez um compromisso com o povo Tupinambá de demarcação de seu território”, afirmou a cacica Valdelice Tupinambá, da TI Tupinambá de Olivença.
Depois da identificação e delimitação de uma terra indígena, a encargo da Funai, e do contraditório administrativo, onde são analisadas eventuais contestações à demarcação, cabe ao Ministério da Justiça a emissão da portaria declarando os limites da área. Os passos seguintes são a demarcação física, a homologação e o registro da terra indígena, concluindo seu processo demarcatório.
“Está na hora do ministro [Ricardo] Lewandowski agir”, resumiu o cacique Babau Tupinambá, da região da Serra do Padeiro, localizada na TI Tupinambá de Olivença.
“A nação Tupinambá é uma nação poderosa e ninguém vai nos vencer pelo seguinte: quando aqui chegaram, nossas aldeias eram uma sociedade organizada. Um povo que sabia que era nação e sabe até hoje que é nação”, definiu o cacique. “E nós somos da guerra: demarquem nossa terra, pois ninguém vai nos remover de lá”.
Indígenas do povo Pataxó também cobraram da Funai celeridade na demarcação da TI Comexatibá. Identificada em 2015, a TI aguarda a conclusão do contraditório administrativo, com a resposta às contestações feitas à demarcação.
“Para cessar isso, seu ministro, tem que ser assinada a carta declaratória”, reivindicou Uruba Pataxó. “Essa terra é nossa por direito”
Ministério da Justiça: sem portarias enquanto lei 14.701 vigorar
No dia seguinte, as lideranças Pataxó e Tupinambá foram recebidas pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a quem reivindicaram a assinatura das portarias de suas terras. Depois de longas horas de espera, a resposta do ministro não foi diferente daquela adiantada pela representante da pasta na audiência pública.
O ministro informou que o governo federal não emitirá novas portarias enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) não analisar a constitucionalidade da lei 14.701/2023, a “lei do marco temporal”. Segundo Lewandowski, a vigência da lei tornaria novos atos de demarcação inseguros.
“A demarcação não pode avançar enquanto o STF não decide quem tem razão: se ele mesmo, o Supremo Tribunal Federal, ou se essa lei editada pelo Congresso Nacional que reconhece o marco temporal”, afirmou o ministro. “Temos que obedecer a lei, enquanto ela não for derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, e temos que aguardar a solução do caso”.
O ministro também comentou sobre a mesa de conciliação criada pelo ministro Gilmar Mendes a partir de um conjunto de ações que discutem, no STF, a constitucionalidade da lei. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) retirou-se da mesa, no ano passado, por considerá-la uma “negociação forçada” de seus direitos.
“Não podemos aguardar indefinidamente essa conciliação. Há muitos interesses envolvidos e talvez não exista uma conciliação. Se não houver conciliação, vai-se para o julgamento. É isso que eu disse aos meus ex-colegas do Supremo Tribunal Federal, que nós precisamos resolver a situação”, disse Lewandowski.
“Não podemos mais aguardar, inclusive porque vocês estão sendo objeto de violência, vocês estão sendo lesados na sua integridade física, vocês estão sendo mortos, em que pese e sem embargo dos esforços que nós estamos fazendo”, afirmou o ministro.
“Para cessar isso, seu ministro, tem que ser assinada a carta declaratória”, reivindicou Uruba Pataxó. “Essa terra é nossa por direito”.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, também participou da reunião. Ela havia recebido a delegação indígena no dia anterior.
“Estão abrindo nossos territórios para um genocídio. Estamos aqui para dizer, senhores, demarquem os nossos territórios, pois, se vocês não demarcarem, nós assim o faremos”
Ato no STF
Na quinta-feira (13), os cerca de 200 indígenas Pataxó e Tupinambá que permaneciam em Brasília realizaram uma manifestação em frente ao STF, pedindo que a Suprema Corte reafirme o julgamento de repercussão geral sobre as demarcações de terras indígenas e declare a inconstitucionalidade da “lei do marco temporal”. As lideranças também cobraram o fim da mesa de conciliação que discute a lei.
Depois da audiência, os cerca de 200 indígenas Pataxó e Tupinambá que permaneciam em Brasília realizaram uma manifestação em frente ao STF, pedindo que a Suprema Corte reafirme o julgamento de repercussão geral sobre as demarcações de terras indígenas e declare a inconstitucionalidade da “lei do marco temporal”. As lideranças também cobraram o fim da mesa de conciliação que discute a lei.
“Estão abrindo nossos territórios para um genocídio. Estamos aqui para dizer, senhores, demarquem os nossos territórios, pois, se vocês não demarcarem, nós assim o faremos”, reivindicou o cacique Ramon Tupinambá, em coletiva de imprensa realizada após o ato.
“Estão ficando impunes as mortes dos nossos parentes. Mataram Nauí, Samuel e Gustavo, em 2023, e dias atrás mataram também Vitor Braz. Nós pedimos solução judicial, punição dos culpados, e queremos atribuir essa criminalidade ao Executivo brasileiro, que tem criado lei que é inconstitucional para destruir os nossos direitos, que estão garantidos na Constituição brasileira”, salientou o cacique Joel Braz, liderança Pataxó da TI Barra Velha do Monte Pascoal.
“Estamos diante dos povos que, quando a colonização chegou aqui no Brasil, foram os primeiros impactados”, afirmou a secretária adjunta do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Ivanilda Torres, na audiência pública realizada pelo MPF.
“É uma vergonha para o país que hoje, com mais de 35 anos da nossa Constituição, mais de 500 anos de colonização, o Estado ainda não tenha demarcado esses territórios”. Os três poderes da República têm responsabilidade por essa omissão, que tem deflagrado intensos conflitos na região, avalia Ivanilda.
“Seja o Legislativo, que criou a lei 14.701, seja o Poder Judiciário, que não declara a inconstitucionalidade e não suspende os efeitos dessa lei, seja o Executivo, porque não há impedimento jurídico para que essas terras sejam demarcadas. A gente só pode concluir que é vontade política que falta para que a demarcação desses territórios seja concluída”, afirmou a secretária do Cimi.