Governo federal deixa povo Karaxuwanassu na mão e fantasma do despejo volta à aldeia Marataro Kaeté
Funai e MPI precisam explicar à Justiça Federal falta de solução para permuta de terras com a Prefeitura de Igarassu (PE)
Por Assessoria de Comunicação – Cimi Regional Nordeste | Matéria atualizada em 31 de janeiro, às 17h45
Em manifestação dirigida à Justiça Federal de Recife (PE), no último dia 9, a Prefeitura de Igarassu, município localizado na região metropolitana da capital pernambucana, pede a reconsideração de uma decisão liminar, suspensa em abril de 2024, que determina a reintegração de posse do território de 120 hectares ocupado pelo povo Karaxuwanassu.
A Procuradoria do município argumenta na petição que após pouco mais de oito meses, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) não deram prosseguimento à destinação de área federal ao município como compensação ao território ocupado pelos indígenas, localizado na Estrada do Monjope.
A juíza Camila Dechicha Parahyba, da 9a Vara da Subseção Judiciária de Recife, onde a Procuradoria de Igarassu impetrou o pedido de reconsideração do despejo, concedeu 30 dias para que a Funai e o MPI expliquem os motivos da falta de encaminhamento do acordo antes de tomar uma decisão definitiva para revalidar ou não a reintegração de posse, um fantasma a pairar sobre a aldeia Marataro Kaeté.
Conforme o acordo, intermediado pelo Ministério Público Federal (MPF), a Prefeitura se absteria de continuar a militar na liminar pela reintegração do território, pedindo a suspensão da ação. O que foi feito. Isso sob a condição de que os órgãos do governo federal encontrem uma área para destinar ao município, o que não ocorreu até o momento.
“Descobrimos que a Funai não repassou para Brasília o encaminhamento. O que é que aconteceu? Nada. A Prefeitura então voltou a pedir a reintegração, reafirmando que somos invasores. Então muita coisa ficou parada nesses oito meses. Temos todos os e-mails enviados (à Funai cobrando encaminhamentos), mas a Funai não conseguiu encaminhar”, explica a advogada da comunidade e integrante do povo Karaxuwanassu, Raiza Cavalcanti.
O coordenador regional da Funai, Cícero Albuquerque, explica que há uma controvérsia quanto a quem pertence a área. “A Prefeitura não tem um documento que comprove ser a dona. Já recebemos informações de que a área é de propriedade do estado. Precisamos dessa informação para seguir adiante”, diz.
Albuquerque afirma que em convênio com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um estudo está em curso para responder à questão. “Estamos com dificuldade de pessoal em Brasília e aqui na região. Então contamos com esses apoios. Faremos uma reunião com a Procuradoria da Funai na segunda (dia 3 de fevereiro) para saber como responder a isso na Justiça”, encerra.
Prefeitura acusa sem provas
Aproveitando a ausência de encaminhamento por parte da Funai e do MPI, a Prefeitura de Igarassu demonstrou nos autos toda a carga de racismo contra o povo Karaxuwanassu envolvente à controvérsia. A Procuradoria anexou aos autos um Boletim de Ocorrência, lavrado em 29 de dezembro de 2024, em que denuncia à Polícia Civil um furto no galpão em utilização no território ocupado pelos indígenas.
No local funciona uma marcenaria do Poder Público, e dela foram levados três motores: um de serra, uma lixadeira e um desengrosso. O depoimento foi prestado pelo funcionário da marcenaria. Ele ressaltou que em 26 de agosto de 2024 ocorreu o primeiro furto – ocasião em que um Boletim de Ocorrência também foi lavrado.
Não há quaisquer provas de que os furtos tenham sido cometidos pelos indígenas, tampouco algum resultado de investigação policial, então por que o Boletim de Ocorrência foi anexado na petição pela Procuradoria de Igarassu? Para as lideranças do povo, se trata de mais uma prova de como o Poder Público municipal tem tratado a comunidade.
A cacica Kyalonan Karaxuwanassu ressaltou, em outras ocasiões, que “é um ganho social para o município a presença de uma comunidade indígena, mas a Prefeitura vem incitando uma ideia de que somos invasores, colocando em questão se somos indígenas mesmo, o que leva a todo esse preconceito e racismo que os povos indígenas acabam sofrendo”.
Reivindicação completa três anos
A ocupação Karaxuwanassu completou três anos neste mês de janeiro. O assunto, portanto, não é novo para a Funai e o MPI. Os indígenas ocuparam uma área abandonada pelo Poder Público municipal. São mais de 60 famílias que residem na área retomada em casas encontradas vazias pelos indígenas e em acampamentos. O território fica em uma região de mata, atrativa à reprodução física, cultural e social do povo.
Por sua vez, a Prefeitura de Igarassu nega que a área estava abandonada e passou a se manifestar publicamente a respeito de alguns projetos, em nada detalhados ou em curso, para o território ocupado pelos indígenas. Todavia, os indígenas reiteram que apenas um galpão vinha sendo utilizado pelo Poder Público. Todo o resto da área, incluindo outras estruturas, estava em situação de abandono.
Desde então, antes do encontro que selou a permuta entre a área pública municipal, ocupada pelos indígenas, por uma área pública federal, a ser destinada ao município, foram inúmeras reuniões dos órgãos do governo, incluindo a Procuradoria Especializada da Funai, com os indígenas, entidades e grupos indigenistas e a Procuradoria da Prefeitura de Igarassu.
MPI se manifesta
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) havia se manifestado, em março do ano passado, ao enviar ofício aos desembargadores da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5a Região (TRF-5), onde tramita um agravo de instrumento sobre a reintegração de posse.
No documento, a ministra Sônia Guajajara procura dialogar com o Judiciário para que, como poderes do Estado, possam se ater às prerrogativas constitucionais que asseguram aos povos indígenas direitos territoriais.
“As ações de recuperação territorial conhecidas como retomadas de terras têm sido levadas a cabo por povos indígenas de todas as regiões do país (…) constituindo forma de ação coletiva (…) decisiva para a efetivação dos direitos indígenas em um cenário de recorrente omissão e morosidade por parte do Poder Público”, ressalta trecho do ofício.
A ministra lembra ainda de recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), caso da Ação de Descumprimento de Preceito Constitucional (ADPF) 709, reforçando que o papel do Estado é reconhecer as fronteiras das terras indígenas, mas não é este ato que constitui a terra como indígena, lembrando que esta condição é preexistente e a demarcação é ato meramente administrativo.
No documento, a ministra Sônia Guajajara também faz referência à condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no caso povo Xukuru do Ororubá x Estado brasileiro, pela morosidade na garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas, bem como ressalta a Resolução 454 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) envolvendo o acesso ao Judiciário pelos indígenas.