17/11/2024

Despejo de comunidade Akroá-Gamella pode ocorrer nesta segunda (18) mantendo a posse de título falso

Instituto de Terras do Piauí (Interpi) informou que título de propriedade a que reintegração pretende manter a posse é falso. Defesa da comunidade espera reverter decisão a tempo de evitar despejo

Policiais militares chegam à comunidade Akroá-Gamella para o início da reintegração de posse, programada para ser concluída nesta segunda (18). Foto: Comunidade Akroá-Gamella

Por Assessoria de Comunicação – Cimi Regional Nordeste

O cumprimento de uma reintegração de posse contra 50 famílias Akroá-Gamella da aldeia Barra do Correntinho, iniciado na última quinta-feira (14), cujo território está no município de Bom Jesus (PI), está programado para seguir nesta segunda-feira (18) sem levar em consideração que o título apresentado à Justiça Estadual pela Agropecuária Bom Boi LTDA, que reivindica a manutenção de posse, é falso.

A conclusão foi apresentada pelo Instituto de Terras do Piauí (Interpi) e está apensada aos autos da ação. Por outro lado, no último mês de setembro, o Ministério Público Federal (MPF) impetrou ação exigindo que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) realize os estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena. O órgão indigenista do Estado já qualificou a demanda. Até o início deste mês, o MPF protocolou na ação ao menos quatro documentos comprobatórios justificando a necessidade de identificação da Terra Indígena.

Caso o despejo seja efetivado, as 50 famílias Akroá-Gamella não terão para onde ir. A defesa dos indígenas recorreu da decisão e aguarda um despacho favorável à comunidade. Conforme se verificou na última quinta-feira (14), tanto a Funai quanto o MPF não foram informados do despejo enquanto cinco viaturas da Polícia Militar se dirigiam ao território indígena sem a presença dos órgãos federais.

“Essa retomada tem quase 20 anos. Nossas casas estão aqui, nosso sustento está aqui, nossos animais estão aqui, nossas roças estão aqui, nossa natureza sagrada está aqui, nosso espaço ritual está aqui. Se nos tiram a terra, nos tiram tudo”, afirma um indígena do povo Akroá-Gamella

 

Liminar antiga

A reintegração de posse é fruto de uma ação antiga, com decisão liminar despachada em março de 2007, mas que nunca foi cumprida. De lá para cá, sobretudo na última década, os “caboclos” que realizaram a retomada assumiram a identidade indígena Akroá-Gamella em face das relações familiares, modos de vida, relação com o território e práticas espirituais. Desde então, passaram a reivindicar a demarcação da Terra Indígena, assim como outros grupos do povo no estado.

Durante este ano, outros territórios Akroá-Gamella sofreram investidas de invasores, de pessoas ou empresas que reclamam títulos de propriedade. Em julho deste ano, a comunidade de Barra do Correntinho já havia registrado boletins de ocorrência envolvendo ameaças a seus integrantes e depredação ambiental. Em Uruçuí, cerrado piauiense, um grupo passou a comandar grilagens de terras públicas retomadas pelo povo Akroá-Gamella com o objetivo de estabelecer nelas famílias de posseiros. No território também há a presença de um outro povo, o Guegue de Sangue.

No último mês de outubro, o território Akroá-Gamella localizado em Laranjeiras, no município de Currais, foi invadido e devastado para a construção de uma rodovia, com o objetivo de beneficiar o agronegócio, cujas fronteiras avançam na região, contando com apoio do governo estadual.

Viaturas se aproximam da comunidade Akroá-Gamella, na última quinta-feira (14), para o início da reintegração de posse. Foto: Comunidade Akroá-Gamella

Perícia antropológica

De acordo com a perícia antropológica do MPF, presente na ação civil, “a identidade dos Gamela do Piauí (SIC) é produto de um processo de reconhecimento e autorreconhecimento, com aspectos construídos historicamente por seus modos de viver e sua mobilização política. Seus modos de viver se traduzem, por exemplo, nas suas relações de parentesco, no manejo da terra, na forte presença de encantados enquanto protetores de recursos naturais necessários à sobrevivência física e cultural das famílias (…)”.

Os peritos do MPF destacam ainda a identificação dos integrantes do povo como “caboclos”, uma denominação comum e genérica nos estados do Nordeste conferida aos indígenas pela sociedade envolvente, e também usada por eles como autoidentificação, sobretudo no momento anterior à emergência étnica, ou seja, como foi o caso dos Akroá-Gamella do Piauí, quando a identidade do povo passa a ser reconhecida e o termo caboclo se desfaz de seu sentido genérico revelando a singularidade a qual o grupo pertence.

Distribuídos em cinco municípios no sudoeste do Piauí, os Akroá-Gamella estão presentes em Uruçuí, Baixa Grande do Ribeiro, Bom Jesus, Currais e Santa Filomena, contabilizando cerca de 1625 indígenas

Nos últimos anos, o povo tem se mobilizado para garantir os territórios reivindicados e visibilidade social em um estado com demandas indígenas relativamente novas na história recente, mas cujos estudos e pesquisas sobre dados censitários mostram que até o final do século XIX e meados do século XX possuía uma população indígena bastante considerável – e que foi sendo invisibilizada sob variados perfis de violências.

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