07/06/2023

No Amazonas, povos Kokama e Ticuna se manifestam contra o marco temporal e garantem a luta pelo território vai continuar

Mais de 200 indígenas Kokama e Ticuna se reuniram na aldeia Porto Praia de Baixo, em Tefé (AM), e ecoaram suas vozes contra o marco temporal

Kokama e Ticuna conta o marco temporal. Foto: Salatiel Martins Kokama

Kokama e Ticuna conta o marco temporal. Foto: Salatiel Martins Kokama

Por Raimundo Nonato Filintro de Freitas, Cimi na Prelazia de Tefé, Regional Norte I

No último dia 04 de junho 2023, na Terra Indígena auto demarcada Porto Praia, aldeia Porto Praia de Baixo, no município Tefé no Amazonas, os povos Kokama e Ticuna ecoaram suas vozes contra a tese do marco temporal e Projeto de Lei (PL) 490/2007. Unindo-se à luta e às vozes dos indígenas de todo o Brasil, que se encontram em Brasília desde o dia 05. Os povos levantaram suas faixas e cartazes e realizaram um ato em defesa da Constituição Federal de 1988, demostrando para toda a sociedade brasileira que nunca desistirão de lutar por seus direitos, para que sejam respeitados e garantidos.

Os indígenas permanecerão em Brasília até o termino do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), reunindo mais de dois mil indígenas das diferentes regiões do país. Entre eles está o tuxaua Anilton Braz da Silva, da aldeia Porto Parai de Baixo. “Viajou no dia cinco e se manterá firme até o fim”, diz seu povo.

“Os povos levantaram suas faixas e cartazes e realizaram um ato em defesa da Constituição Federal de 1988”

A mobilização que une os diversos povos indígenas do Brasil ganhou forças pela indignação e revolta com os deputados que aprovaram o PL 490, no dia 30 de maio. O PL busca fixar a tese do marco temporal que pressupõe que o direito aos territórios só será garantido aos povos indígenas que neles habitem até a promulgação da Constituição Federal de 1988, o que desconsidera todos os atos de violência e crimes impostos aos povos que foram obrigados a deixar seus territórios originários para não serem assassinados.

Esse e outros retrocessos aos direitos constitucionais estão previstos no PL 490, que agora vai ser analisado pelo Senado Federal, onde ganhou o nome de Projeto de Lei 2903/2023. O projeto além de atentar contra a vida dos povos e seus territórios desconsidera processos anteriores vividos pelos povos indígenas no Brasil que causaram inúmeros impactos, perdas irreparáveis na cultura, ocasionaram o silênciamento e ocultamento de muitos povos indígenas que foram submetidos e expulsos de seus territórios originários. Os povos indígenas da Terra Indígena Porto Praia, assim como os povos indígenas de todo o país, buscam resistir ao longo das décadas a todas as ameaças, ataques a seus direitos e seus territórios sagrados e resistiram aos processos que buscaram e ainda buscam silencia-los e “decretar o fim do direito de existir e resistir”.

“Os povos indígenas da TI Porto Praia, assim como os povos indígenas de todo o país, buscam resistir ao longo das décadas a todas as ameaças e ataques”

Raimundo Nonato da Silva Kokama, segundo tuxaua da aldeia Porto Praia de Baixo, manifestou sua indignação falando dos riscos que correm se o PL for aprovado, riscos esses mais graves do que as violências que já sofrem com invasões que roubam seus recursos naturais.

“Estamos nos mobilizando para reivindicar a garantia de nossos direitos constitucionais e dizer não ao PL 490 e ao marco temporal que traz riscos as nossas vidas e ao nosso território que já sofre com as constantes invasões de pescadores, madeireiros de grande e pequeno porte, caçadores e coletores, extratores de areia e seixo da praia que fica na frente da aldeia. Sem a demarcação de nosso território, as invasões, as ameaças aos indígenas e a depredação do meio ambiente serão intensificadas, visto que os invasores não respeitam os indígenas, não reconhecem a terra como indígena, porque não está demarcada”, protesta.

“Estamos nos mobilizando para reivindicar a garantia de nossos direitos constitucionais e dizer não ao PL 490 e ao marco temporal”

Kokama e Ticuna conta o marco temporal em Porto Praia de Baixo. Foto: Salatiel Martins Kokama

Para o professor da aldeia Porto Praia, Salatiel Martins Rodrigues, a manifestação é um pedido de respeito por seus direitos, pelos seus territórios sagrados e, principalmente, respeito à história dos povos indígenas que é anterior a Constituição Federal de 1988.

“Não chegamos no território em 1988, foi muito antes, por isso não vamos aceitar que seja definido um marco a partir da Constituição de 1988 para que as terras dos povos indígenas sejam demarcadas. Esperamos que o Supremo Tribunal Federal garanta nossos direitos históricos e constitucionais e não aprove o marco temporal”, manifesta esperançoso.

A retomada do julgamento do marco temporal, nesta quarta-feira (7), discutirá se a data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988, deve ser adotada como marco para definição da ocupação tradicional da terra por indígenas. O Recurso Extraordinário (RE) 1017365 trará de reintegração de posse requerida pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina contra o povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ. O caso teve sua repercussão geral reconhecida pela Suprema Corte, o que significa que o julgado desse caso servirá para todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do Judiciário, em todo país.

“Não chegamos no território em 1988, foi muito antes, por isso não vamos aceitar que seja definido um marco temporal”

O julgamento no Supremo teve início em 2021, mas foi interrompido em 15 de setembro do mesmo ano pelo pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes. Até o momento, apenas dois ministros votaram: o relator do caso, Luiz Edson Fachin, que se manifestou contra a aplicação do marco temporal, e o ministro Nunes Marques que votou a favor.

Diante das tentativas de retrocessos aos direitos indígenas e a paralização das demarcações de terras, a professora indígena, Joicilene Nascimento da Silva Kokama, destaca a ganância do poder econômico que destrói o que os indígenas preservam, atentando contra suas vidas.

“Queremos nossos territórios demarcados e protegidos da ganancia dos não indígenas, dos setores econômicos que só pensam em explorar”

“Queremos nossos territórios demarcados e protegidos da ganancia dos não indígenas, dos setores econômicos que só pensam em explorar, destruir o que nós povos indígenas cuidamos, preservamos. A aprovação do marco temporal e do PL490 ocasiona retrocessos aos nossos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988 e atenta contra a vida de nós, povos originários, e nossos territórios sagrados. Nos coloca em situação de extrema insegurança e vulnerabilidade, expostas à violência dos invasores que desrespeitam as leis e os direitos que temos enquanto indígenas”, denuncia Joicilene.

“O marco temporal nos coloca em situação de extrema insegurança e vulnerabilidade, expostas à violência dos invasores”

Kokama e Ticuna conta o marco temporal. Foto: Jocilene Nascimento Kokama

Kokama e Ticuna conta o marco temporal. Foto: Jocilene Nascimento Kokama

Além de Brasília

Durante esta semana os povos indígenas estão com os olhares e pensamentos voltados para Brasília e para o STF. Mesmo os povos que não conseguiram chegar em Brasília e se juntar as delegações, estão somando forças desde suas aldeias e territórios. Como fez a aldeia Porto Praia de Baixo, e continuará fazendo até o julgamento terminar. O povo Kokama está em uma grande corrente de resistência, luta, defesa dos direitos e da vida de todos os povos indígena que habitam este país.

“A tese do marco temporal retira nossos direitos originários, os verdadeiros donos das terras que habitamos”

É o que afirma o professor Francisco Maciel Cavalcante Kokama. “Estamos nos manifestando para exigir a demarcação de nosso território e dizer não ao PL490 e marco temporal. Essa proposta de lei é prejudicial as nossas vidas, impossibilita a demarcação de nossa terra que há décadas reivindicamos, assim como a demarcação de tantas outras terras que aguardam providências no Brasil. Habitamos e cuidamos de nossa terra que é sagrada para nós, pois é dela que tiramos nossos alimentos, é nela que criamos nossos filhos, fortalecemos nossa cultura e nossas tradições e é nesta terra que queremos ver nossos filhos crescerem. A tese do marco temporal retira nossos direitos originários de verdadeiros donos das terras que habitamos, das terras que somos guardiões de todos os recursos naturais que nelas existem. E nossos direitos originários são anteriores, vem de nossos antepassados que já existiam antes da Constituição de 1988. Por isso dizemos não ao Marco temporal e PL490. E afirmamos que vamos continuar defendendo nossas terras, nossos direitos”, conclui.

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