Relatório aponta a não demarcação dos territórios tradicionais como o principal gerador de exclusão, fome e marginalização entre os indígenas no Rio Grande do Sul
O Relatório do Grupo de Trabalho: Implementação de políticas públicas nas comunidades indígenas no Rio Grande do Sul, foi apresentado em audiência na Assembleia Legislativa do Estado
A situação das comunidades indígenas no Rio Grande do Sul foi debatida, nesta última quarta-feira (13), durante audiência na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do Estado. Na oportunidade, foi realizada a entrega oficial do Relatório do Grupo de Trabalho: Implementação de políticas públicas nas comunidades indígenas no Rio Grande do Sul, durante e após a pandemia da Covid-19.
Frente ao desafio imposto aos povos originários durante a pandemia sanitária, o grupo de trabalho interdisciplinar foi criado pelo governo do Estado a partir da audiência pública da CCDH, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em 2021. Na ocasião, indígenas e indigenistas denunciaram a situação de absoluta vulnerabilidade das comunidades indígenas em todo o estado.
“O grupo, num primeiro momento, fez um levantamento extensivo de dados, tais como população, número de aldeias e suas localizações e territórios; abrangência dos atendimentos da Sessai e SUS; dados do Cadastro Único; a estatística da contaminação, mortalidade e letalidade devido a Covid-19”, relata o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, que acompanhou o processo.
“Frente ao desafio imposto aos povos originários durante a pandemia sanitária, o grupo de trabalho interdisciplinar foi criado”
O diagnóstico das condições nutricionais, com recorte à situação de segurança alimentar – e de sustentabilidade, foi realizado na sequência. Em seguida a situação das condições de saneamento básico e saúde, de comunicação e educação e, por fim, de habitação e reconhecimento territorial.
O relatório comprova, de modo concreto, as denúncias que são feitas por comunidades indígenas e pelas entidades como o Cimi e o Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN).
Nas análises, chamou a atenção a desterritorialização dos povos Mbya Guarani, Kaingang, Charrua e Xokleng, pois a maioria da população não tem acesso à terra e mesmo onde há demarcação, ou áreas delimitadas, estas se encontram sob o domínio de terceiros, por meio do arrendamento ou outras formas de esbulho e degradação, promovidas por agentes externos.
“Chamou a atenção a desterritorialização dos povos Mbya Guarani, Kaingang, Charrua e Xokleng, pois a maioria da população não tem acesso à terra e mesmo onde há demarcação, ou áreas delimitadas”
A falta de terras demarcadas, ou de acesso ao seu usufruto exclusivo, são geradores de exclusão, fome, marginalização e abandono no âmbito da assistência em saúde, educação e atividades de sustentabilidade. Questões que também foram destacadas no relatório do Grupo de Trabalho. As normas da Fundação Nacional do Índio (Funai) e orientações do Governo o Federal vão no sentido de que não se atendam as comunidades que não estão em áreas demarcadas.
Na audiência, “notou-se a ausência dos órgãos de assistência do governo federal, como Funai e Sessai e a representação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, responsável por ações complementares na política indigenista, foi feita por servidores, mas não contou com a participação de secretários do Estado”, criticam os indígenas.
As comunidades indígenas têm buscado suas próprias saídas para a problemática a qual estão expostos, a exemplo das retomadas de terras como fizeram: o Xokleng Konglui, em São Francisco de Paula; os Mbya Guarani de Canela, Ponta do Arado; Maquiné, Terra de Areia; Pará Roke de Rio Grande; e os Kaingang de Canela, Campo do Meio, Faxinal, Passo Grande do Rio Forquilha, Carazinho, Segu, Passo dos Índios, Kandóia e Rio dos Índios.
“Notou-se a ausência dos órgãos de assistência do governo federal, como Funai e Sessai e a representação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul”
“Outras comunidades, mais de três dezenas, vivem nas margens de rodovias ou em áreas degradadas, em situação de acampamento, mas que insistentemente requerem a implementação da garantia de políticas assistenciais e territoriais”, conta o coordenador do Cimi, Regional Sul, Roberto Liebgott.
Além destas, há também as comunidades indígenas que migraram para as cidades, onde são submetidas ao abandono assistencial. Mesmo vivendo em contextos urbanos, não se cansam de lutar pelo reconhecimento de seus direitos fundamentais à vida, à terra, à cultura e assistência diferenciada.
Os dados dão conta de que há no Rio Grande do Sul uma população indígena superior a 36 mil pessoas, que ocupam menos de 0,4% do território do estado e, em grande parte, sem estar regularizados.
“Há espaços em que os indígenas ocupam na beira de estradas, entre o asfalto e as cercas das fazendas”
As comunidades do povo Mbya Guarani, por exemplo, vivem em 52 pequenas áreas, estas, na sua quase totalidade, são degradadas e se vive na precariedade, já que tais áreas foram concedidas temporariamente pelo estado ou municípios. “Ou aquelas que acabaram adquiridas através de programas de compensações pelas duplicações de rodovias. E os espaços que os indígenas ocupam na beira de estradas, entre o asfalto e as cercas das fazendas”, explica Roberto Liebgott.
Os testemunhos das lideranças indígenas, nesta audiência, foram fortes e denunciam o contexto da antipolítica indigenista fundamentada na violência, discriminação, racismo e esbulho territorial.
“Embora toda essa realidade, as chamas da esperança não apagam, a resistência se fortalece e a luta contra a opressão se mobiliza em estreita articulação com todos os povos indígenas, muitos deles em Brasília, no Acampamento Terra Livre [ATL], bem como os demais povos que lutam nas diversas regiões do Brasil”, conclui Roberto.