Covid-19: solidariedade é elemento central para assegurar a vida dos povos indígenas
Junto a parceiros, o Regional Goiás/Tocantins do Cimi tem distribuído cestas básicas e kits com material de limpeza e de higiene aos povos indígenas
O avanço da covid-19 para o interior das terras indígenas no Brasil tem preocupado lideranças e organizações indigenistas. O descaso e negligência com que o Governo Federal tem tratado a pandemia, somado a morosidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) em implementar ações contra a covid-19, acendem um alerta quando o assunto é pandemia e povos indígenas.
Com 8.066 mil indígenas contaminados pela covid-19, e 359 mortos, o vírus já chegou ao território de 112 povos, conforme levantamento realizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Essa tragédia só não é maior devido às providências tomadas pelos próprios indígenas de fechar seus territórios criando barreiras sanitárias, e as ações de solidariedade de comunidades e parceiros.
O apoio de pessoas físicas, instituições e agências de cooperação tem reforçado a autogestão com que os povos indígenas têm enfrenado a pandemia, quando levantamento divulgado pelo Cimi aponta à baixa execução orçamentária da Funai em medidas de enfrentamento a pandemia, o que aprofundar as dificuldades vividas nos em seus territórios. O valor gasto pela Funai nos cinco primeiros meses de 2020 é o mais baixo dos últimos dez anos, indica estudo.
“Vivenciar ao mesmo tempo a morte injusta, a invasão de seus territórios e as vidas ameaçadas, é de uma violência desigual”
Nesse panorama, a solidariedade é urgente e se faz necessária em função da crise sanitária causada pelo novo coronavírus que ameaça fortemente o modo de vida dos povos indígenas. Inúmeras são as preocupações que têm dois fatores determinantes: a covid-19 acrescido as invasões nos territórios. “Vivenciar ao mesmo tempo a morte injusta, a invasão de seus territórios e as vidas ameaçadas, é ter que reagir a tudo de forma rápida, em razão da ausência, conivência e omissão do Estado brasileiro, é de uma violência desigual”, aponta Eliane Franco.
O Regional Goiás/Tocantins do Cimi, em parceria com organizações e cooperadoras internacionais, realizou a entrega de 303 cestas básicas, kits com material de limpeza e higiene. Também foram confeccionadas aproximadamente seis mil máscaras, adquirido medidores de temperatura e prestado apoio as barreiras sanitárias com combustível e alimentação.
“A luta pelo direito à sobrevivência e à saúde devem tornar-se prioridade para que os povos indígenas se mantenham firmes diante da extrema gravidade da pandemia em todo país”
Segundo Elaine Franco, são ações que somam um valor de 66 mil reais em contribuições recebidas de organizações nacionais e internacionais que contribuem para a defesa e o fortalecimento dos povos indígenas. “Neste momento, a luta pelo direito à sobrevivência e à saúde devem tornar-se prioridade para que os povos indígenas se mantenham firmes diante da extrema gravidade da pandemia em todo país”, reforça.
Com o apoio das agências de cooperação internacional, foi possível produzir material didático para incentivo e permanência dos povos indígenas nas aldeias e nos territórios. “Essas ações do Cimi são importantes porque ajudam a orientar, distribuindo mascara, álcool em gel e cestas básicas, para que os povos indígenas possam passar por este momento tão difícil”, destaca o vice cacique do povo Krahô, Davi Camõc Reis de Lira Krahô, da Aldeia Takaywara, localizada em Lagoa da Confusão, no Tocantins.
“As doações recebidas são de importante apoio para as lideranças continuarem com as ações de manutenção das barreiras sanitárias, além de assegurar o isolamento de seus povos”, reforça Eliane Franco. Diante a pandemia, a ternura permanece entre os povos e o Regional Goiás – Tocantins do Cimi demonstra a esperança transformada em solidariedade. “A mobilização torna-se em ações concreta no meio das florestas, no campo e na cidade”, ressalta.
“As doações recebidas são de importante apoio para as lideranças continuarem com as ações de manutenção das barreiras sanitárias, além de assegurar o isolamento de seus povos”
Os desafios enfrentados simultaneamente a pandemia
Os povos indígenas têm presenciando diariamente a morte de suas lideranças, das crianças que tem o futuro roubado por um descaso em ações por políticas específicas para saúde indígena; tombam homens e mulheres que guardam o conhecimento das festas, rituais, rezas, cantos, roças e remédios das florestas. A pandemia tem afetado de maneira particular os anciões que detêm a sabedoria ancestral. A morte deles pela covid-19 ameaça interromper a memória, a história, a resistência dos povos indígenas, e somada com o falecimento das nascentes gerações, constituem uma ameaça ao futuro dos povos.
São perdas que se contrastam com uma conjuntura em que a pandemia é minimizada inclusive pelo presidente da República, que incentiva a população ao não cuidado com as medidas sanitárias e ao isolamento social. Impera máxima de que “a vida do povo brasileiro precisa voltar ao normal”, contrariando todos os estudos científicos e estatísticos que preconizam o distanciamento social, o cuidado com a própria vida e a do próximo.
“Aqui é uma luta diária. O som triste do maracá vai ficando longe e o caixão vai sendo levado com o corpo de um guerreiro”
Nesse contexto, os indígenas lutam para manter e garantir os direitos básicos, como território, alimentação e saúde, além de enfrentar a pandemia com uma ineficiência das políticas indigenistas. “O que reforça, ainda mais, o sofrimento dos indígenas é saber que essa doença não lhes permite realizar os rituais fúnebres na sua própria cultura”, lamenta Eliane.
“Aqui é uma luta diária”, relata o vice cacique Povo Krahô. O som triste do maracá vai ficando longe, o caixão vai sendo levado com o corpo de um guerreiro, para um lugar distante da comunidade. Enquanto isso, o choro e a dor aumentam em cada perda. Não é número. E assim, fica plantado mais um indígena que foi acompanhado somente pelas pessoas que conduziram o seu sepultamento, em pura solidão.
Ao mesmo tempo em que acontecem sepultamentos, os povos indígenas tentam impedir a entrada do vírus em seus territórios, levado por garimpeiros, madeireiros e grileiros. As lideranças afirmam que a Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), e o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) estão omissos e permitiram, em algumas regiões, a chegada do vírus nas aldeias. A pandemia avança rapidamente e assusta também os pequenos municípios, provocando medo, ansiedade e morte. No caso do estado do Tocantins, por exemplo, o vírus se espalhou por 110 dos 139 municípios.
“Benditas as mãos que se abrem para acolher os povos indígenas e socorrê-los; são mãos que levam esperança”
As campanhas de solidariedade
Com a pandemia tem se agravado a falta de alimentos nos territórios. O isolamento social tem impedido que os indígenas comercializem seus produtos e os artesanatos nas cidades próximas as terras indígenas. A necessidade da autoproteção dos povos, com as barreiras sanitárias, alterou o cotidiano das aldeias. Essa situação provocou mudanças nas economias locais indígenas e influenciou as atividades da pesca, caça, coleta e plantio, porque as lideranças indígenas precisam fazer a segurança dos territórios e reforçar o isolamento social, em uma realidade intensamente comunitária.
As ações realizadas pelo Regional Goiás-Tocantins do Cimi só foram possíveis de serem realizadas com as valiosas contribuições recebida. “Benditas as mãos que se abrem para acolher os povos indígenas e socorrê-los; são mãos que levam esperança”, agradece o Regional Cimi Goiás-Tocantins ao parafrasear Papa Francisco.
O Cimi mantém em seu site um canal aos que desejam contribuir com a ação do organismo nas aldeias, junto as comunidades atendidas. Apoie o Cimi e nossa presença junto aos povos indígenas.