Decisões condenam Funai a iniciar ou concluir estudos de demarcação em 66 ações judiciais
Para cumprir sentenças sem atender demandas territoriais indígenas, presidente da Funai nomea pessoas sem competência para a função
Tramitam na Justiça Federal 66 processos que determinam a Fundação Nacional do Índio (Funai) a constituir grupos técnicos multidisciplinares para a identificação e delimitação de terras indígenas em 19 estados do país. Do total, 23 ações envolvem territórios reivindicados e outras 43 são referentes a terras indígenas em estudo.
Os dados foram fornecidos pela Coordenação de Identificação e Delimitação da Funai como resposta ao requerimento de informação protocolado pela Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) junto ao órgão indigenista. As tramitações seguem porque em nenhuma das ações houve cumprimento integral do acórdão pela Funai.
As ações tiveram tramitação em primeira e segunda instâncias, sendo a maioria com multas diárias chegando a R$ 100 mil. Em alguns casos, como o do povo Akroá-Gamella, no Maranhão, a Justiça Federal determinou a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) em um prazo de 120 dias a partir da data da decisão, 1º de julho de 2019.
Para cumprir algumas destas decisões judiciais, sem ao mesmo tempo atender as demandas territoriais dos povos indígenas, o atual presidente da Funai, o delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier da Silva, decidiu nomear para os grupos de trabalho de quatro terras indígenas pessoas sem competência para a função e alinhadas com a política de demarcação zero do governo Bolsonaro.
Para cumprir sentenças sem atender demandas territoriais indígenas, presidente da Funai tem nomeado pessoas sem competência para a função
Duas destas terras estão em Pernambuco, as terras indígenas Tuxi e Serrote dos Campos (povo Pankará de Itacuruba), uma em Santa Catarina, a Terra Indígena Cambirela (povo Guarani Mbya) e um outro território no Pará reivindicado pelo povo Munduruku, que vive numa região conhecida como planalto santareno.
O Ministério Público Federal (MPF) pediu para a Funai suspender as portarias e restabelecer as composições originais dos grupos de trabalho, formados então por profissionais gabaritados e com antropólogos e antropólogas reconhecidos pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
Com a política anti-demarcação do governo federal, estima-se que o volume de decisões judiciais para a constituição dos grupos técnicos aumente ainda mais; e também aumente as intervenções do governo nas nomeações. De 2011 para cá, apenas 22 terras foram homologadas. É o pior resultado desde a redemocratização. O total de terras indígenas com pendências administrativas é de 821 (Cimi, 2018).
Em 2019, foram seis novas ações judiciais obrigando a Funai a colocar grupos de trabalho em campo. Em 2018, período marcado pelo último ano do governo Michel Temer e a eleição presidencial, o número chegou a sete; em 2017, nove; em 2016, ano do impeachment de Dilma Rousseff, 15; em 2015, quatro; em 2014, sete; em 2013, duas; em 2012, nenhuma; em 2011, uma.
No Mato Grosso do Sul estão 14 ações de execução para a construção e publicação do RCID. Todas as ações fazem parte de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2007 pelo governo federal junto ao MPF. O TAC nunca foi cumprido integralmente, 13 anos depois, e a Funai segue acumulando uma multa milionária também neste caso.
No Amazonas estão outras 13 destas ações (duas delas envolvendo Rondônia e Roraima), o Acre corresponde a três, Bahia quatro, Ceará quatro, Maranhão uma, Minas Gerais três, Mato Grosso três, Pará quatro, Paraná três, Rio Grande do Norte duas, Rio Grande do Sul cinco, Santa Catarina duas, Alagoas/Sergipe uma, São Paulo uma e Tocantins uma.