12/12/2019

Povos Guarani Mbya e Tupi-Guarani cobram demarcação e a anulação da portaria que inviabiliza ações da Funai nas aldeias

Enquanto 300 indígenas ocupam coordenação regional da Funai em Itanhaém (SP), uma delegação em Brasília cobra as autoridades

Cerca de 300 indígenas ocupam a Coordenação Regional da Funai em Itanhaém (SP) contra restrições e mudanças no órgão feitas sem consulta prévia. Foto: povo Guarani

Cerca de 300 indígenas ocupam a Coordenação Regional da Funai em Itanhaém (SP) contra restrições e mudanças no órgão feitas sem consulta prévia. Foto: povo Guarani

Por Adi Spezia, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Em protesto, mais de 300 lideranças dos povos Guarani Mbya e Tupi-Guarani de São Paulo e Rio de Janeiro ocupam há três semanas o prédio sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Itanhaém, no litoral paulista. A ocupação cobra a demarcação dos territórios indígenas, a anulação da portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) que inviabiliza servidores da Funai de irem até as aldeias e exige a reversão das mudanças na coordenação regional do órgão, feita sem consulta prévia aos indígenas.

Sem resposta efetiva da Funai, uma delegação com representantes dos povos que realizam a ocupação está em Brasília durante esta semana onde buscam respostas. Conforme as lideranças, a Funai informou que só irá retomar os contatos com as comunidades depois que elas desocuparem a sede da Coordenação Regional Litoral Sudeste, em Itanhaém, São Paulo.

“Sabíamos que isso poderia acontecer, a gente sempre esteve alerta com relação ao atual governo e as ameaças que estão acontecendo contra as comunidades indígenas em nossos territórios. Não querem nos ouvir, falaram que não tem diálogo”, denuncia Cristiano Kirindju.

A Funai já solicitou a reintegração de posse do espaço onde foi montado o acampamento, e pediu que a Polícia Federal instaure um inquérito para averiguar se houve dano ao patrimônio, procedimento que justificou ser padrão por parte da entidade.

“Minha maior preocupação é com a demarcação dos territórios, nós estamos com mais de 80 grupos de Guarani e Tupi que estão com este mesmo problema. Se nós não podemos mais ser atendido pela Funai, se é o único órgão que a gente pode procurar, o que vai ser de nós, vamos morar em baixo da ponte? O que vamos deixar para nossos netos?”, questiona o cacique Awa, da Aldeia Renascer, em Umbatuba-SP.

O grupo ainda denuncia a nomeação do tenente reformado, Roberto Cortez de Sousa, para a função de coordenador regional da entidade, descrito pelas lideranças como um “militar que não conhece a realidade das comunidades indígenas”.

“Não concordamos porque não fomos ouvidos e sabemos que devemos ser consultados para fazer essas indicações”, afirma Verá Danilo, liderança Guarani Mbya da Terra Indígena (TI) Itaóca e coordenador regional da Comissão Guarani Yvyrupa.

A implantação de megaempreendimentos de energia, aeroviário e de turismo também tem sido denunciado pelo acampamento em São Paulo e pela delegação de lideranças que veio até a Capital Federal. “Esses empreendimentos estão sendo construídos, inclusive dentro das terras indígenas já demarcadas e nas que ainda estão em processo de demarcação”, relata o cacique Awa Tenondeguá dos Santos, da aldeia Tapirema, localizada na Terra Indígena Piaçaguera.

Ocupação na Coordenação Regional Litoral Sudeste da Funai, em Itanhaém (SP), iniciou no dia 26 de novembro. Foto: povo Guarani

Ocupação na Coordenação Regional Litoral Sudeste da Funai, em Itanhaém (SP), iniciou no dia 26 de novembro. Foto: povo Guarani

Portarias do Ministério da Justiça e Segurança Pública

Em outubro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) publicou duas portarias que alteraram os fluxos internos na instituição. A portaria nº 764/MJSP restringe a concessão de diárias e passagens para servidores da Funai ao Secretário-Executivo do MJSP, enquanto a portaria 1.619/SE/MJSP subdelega parte da competência exclusivamente ao Presidente da Funai. Estas medidas alteram o protocolo seguido até então no órgão, conforme destaca a nota pública da Indigenistas Associados – INA.

Somado às portarias, um despacho interno da presidência da Funai, divulgado recentemente pela imprensa, impede servidores de visitarem terras indígenas não demarcadas ou em processo de demarcação. Conforme a INA, “essas mudanças provocaram maior burocratização, morosidade e intensa centralização das autorizações de deslocamento dos servidores da Funai para outros municípios e Terras Indígenas, especialmente de suas unidades regionais”.

Este foi um dos pontos que ganhou destaca nas denúncias dos Guarani Mbya e Tupi-Guarani. “A gente já sofre invasão, agora que a Funai diz que não vai mais acompanhar as terras indígenas que não são demarcadas, vamos sofrer ainda mais. Essa portaria é um incentivo para os não-índios invadirem nossos territórios. E não temos para quem recorrer se a Funai não pode mais ir nos territórios”, analise com preocupação Cristiano Kirindju.

Lideranças Guarani Mbya e Tupi Guarani da ocupação em SP viajaram à Brasília para cobrar autoridades. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Lideranças Guarani Mbya e Tupi-Guarani da ocupação em SP viajaram à Brasília para cobrar autoridades. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Para os indígenas, a centralização e o aumento das etapas para as autorizações de viagem têm dificultado a realização de atividades por parte do órgão nos territórios. “Isso vai alimentar ainda mais as invasões de nossas terras. Se com a Funai já acontece, sem os servidores vai ficar ainda pior”, denuncia Verá Danilo.

Os indígenas, que já levaram suas denúncias até o Ministério Público Federal (MPF),  exigem ser recebidos pelo presidente da Funai e seguem em Brasília até que suas reivindicações sejam atendidas.

“Não vamos voltar para a nossa base sem ter diálogo com o presidente da Funai, e não desocuparemos a sede da Coordenação Regional enquanto não houver esse diálogo”, completa Danilo.

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