Em protesto, mais de 300 lideranças dos povos Guarani Mbya e Tupi-Guarani de São Paulo e Rio de Janeiro ocupam há três semanas o prédio sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Itanhaém, no litoral paulista. A ocupação cobra a demarcação dos territórios indígenas, a anulação da portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) que inviabiliza servidores da Funai de irem até as aldeias e exige a reversão das mudanças na coordenação regional do órgão, feita sem consulta prévia aos indígenas.
Sem resposta efetiva da Funai, uma delegação com representantes dos povos que realizam a ocupação está em Brasília durante esta semana onde buscam respostas. Conforme as lideranças, a Funai informou que só irá retomar os contatos com as comunidades depois que elas desocuparem a sede da Coordenação Regional Litoral Sudeste, em Itanhaém, São Paulo.
“Sabíamos que isso poderia acontecer, a gente sempre esteve alerta com relação ao atual governo e as ameaças que estão acontecendo contra as comunidades indígenas em nossos territórios. Não querem nos ouvir, falaram que não tem diálogo”, denuncia Cristiano Kirindju.
A Funai já solicitou a reintegração de posse do espaço onde foi montado o acampamento, e pediu que a Polícia Federal instaure um inquérito para averiguar se houve dano ao patrimônio, procedimento que justificou ser padrão por parte da entidade.
“Minha maior preocupação é com a demarcação dos territórios, nós estamos com mais de 80 grupos de Guarani e Tupi que estão com este mesmo problema. Se nós não podemos mais ser atendido pela Funai, se é o único órgão que a gente pode procurar, o que vai ser de nós, vamos morar em baixo da ponte? O que vamos deixar para nossos netos?”, questiona o cacique Awa, da Aldeia Renascer, em Umbatuba-SP.
O grupo ainda denuncia a nomeação do tenente reformado, Roberto Cortez de Sousa, para a função de coordenador regional da entidade, descrito pelas lideranças como um “militar que não conhece a realidade das comunidades indígenas”.
“Não concordamos porque não fomos ouvidos e sabemos que devemos ser consultados para fazer essas indicações”, afirma Verá Danilo, liderança Guarani Mbya da Terra Indígena (TI) Itaóca e coordenador regional da Comissão Guarani Yvyrupa.
A implantação de megaempreendimentos de energia, aeroviário e de turismo também tem sido denunciado pelo acampamento em São Paulo e pela delegação de lideranças que veio até a Capital Federal. “Esses empreendimentos estão sendo construídos, inclusive dentro das terras indígenas já demarcadas e nas que ainda estão em processo de demarcação”, relata o cacique Awa Tenondeguá dos Santos, da aldeia Tapirema, localizada na Terra Indígena Piaçaguera.
Portarias do Ministério da Justiça e Segurança Pública
Em outubro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) publicou duas portarias que alteraram os fluxos internos na instituição. A portaria nº 764/MJSP restringe a concessão de diárias e passagens para servidores da Funai ao Secretário-Executivo do MJSP, enquanto a portaria 1.619/SE/MJSP subdelega parte da competência exclusivamente ao Presidente da Funai. Estas medidas alteram o protocolo seguido até então no órgão, conforme destaca a nota pública da Indigenistas Associados – INA [1].
Somado às portarias, um despacho interno da presidência da Funai, divulgado recentemente pela imprensa, impede servidores de visitarem terras indígenas não demarcadas ou em processo de demarcação. Conforme a INA, “essas mudanças provocaram maior burocratização, morosidade e intensa centralização das autorizações de deslocamento dos servidores da Funai para outros municípios e Terras Indígenas, especialmente de suas unidades regionais”.
Este foi um dos pontos que ganhou destaca nas denúncias dos Guarani Mbya e Tupi-Guarani. “A gente já sofre invasão, agora que a Funai diz que não vai mais acompanhar as terras indígenas que não são demarcadas, vamos sofrer ainda mais. Essa portaria é um incentivo para os não-índios invadirem nossos territórios. E não temos para quem recorrer se a Funai não pode mais ir nos territórios”, analise com preocupação Cristiano Kirindju.
Para os indígenas, a centralização e o aumento das etapas para as autorizações de viagem têm dificultado a realização de atividades por parte do órgão nos territórios. “Isso vai alimentar ainda mais as invasões de nossas terras. Se com a Funai já acontece, sem os servidores vai ficar ainda pior”, denuncia Verá Danilo.
Os indígenas, que já levaram suas denúncias até o Ministério Público Federal (MPF), exigem ser recebidos pelo presidente da Funai e seguem em Brasília até que suas reivindicações sejam atendidas.
“Não vamos voltar para a nossa base sem ter diálogo com o presidente da Funai, e não desocuparemos a sede da Coordenação Regional enquanto não houver esse diálogo”, completa Danilo.