28/02/2018

Organizações exigem revogação de decreto do Pará que viola direito à Consulta Prévia

Em nota, mais de 30 organizações repudiam decreto inconstitucional que pretende regulamentar Consulta Prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais no Pará

Sem direito à consulta prévia respeitado, Munduruku barram audiência sobre Ferrogrão em Itaituba (PA), em dezembro de 2017. Foto: Barbara Dias/Cimi Norte 2

Sem direito à consulta prévia respeitado, Munduruku barram audiência sobre Ferrogrão em Itaituba (PA), em dezembro de 2017. Foto: Barbara Dias/Cimi Norte 2

Por Barbara Dias, do Cimi Norte 2

O direito à consulta prévia, livre e informa é um direito de todas as comunidades e povos tradicionais, sobre qualquer medida administrativa e legislativa que impacte seus direitos coletivos, territórios, culturas e modos de viver. Assegurado pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2002, e transformado em Decreto desde 2004, a consulta prévia é um instrumento de diálogo entre povos e Estado, e deve ser realizado de boa fé, com participação direta, livre, transparente e a decisão dos povos e comunidades deve ser vinculante, ou seja, decisiva.

O Brasil, no entanto, tem constantemente negligenciado esse direito para dar prosseguimento à construção de megaempreendimentos causadores de grandes impactos sociais e ambientais para esses povos, principalmente no que se refere à construção de hidrelétricas, como os casos de Belo Monte, no Pará, e da Usina Hidrelétrica (UHE) de Teles Pires, na divisa deste estado com o Mato Grosso.

Ribeirinhos, quilombolas, indígenas, pescadores e outras comunidades tradicionais têm se apropriado cada vez mais desse mecanismo como um instrumento de luta. Como a Convenção 169 garante que as consultas devem ocorrer de forma apropriada para cada povo e comunidade, respeitando suas organizações internas, sociais e políticas, além de suas formas de diálogos e de tomadas de decisões culturalmente distintas, os protocolos de consultas, elaborados por esses povos de forma autônoma, orientam o Estado brasileiro sobre a forma apropriada de consultá-los, respeitando suas particularidades culturais.

Na região do Tapajós, o povo Munduruku, os ribeirinhos de Montanha e Mangabal, Pimental e São Francisco do Periquito, assim como os Munduruku, os pescadores e os quilombolas do Planalto Santareno já fizeram seus protocolos de consulta, e tem se consolidado uma importante teia de resistência local contra os grandes empreendimentos que o governo brasileiro quer implementar de forma arbitrária na Amazônia – hidrelétricas, portos graneleiros, ferrovias, concessões florestais, entre outros.

A lógica do Estado é de capitalizar, ainda mais, a Amazônia. Em abril de 2017, o povo Munduruku e beiradeiros de Pimental e de Montanha e Mangabal conseguiram barrar duas audiências públicas sobre concessões florestais para exploração madeireira ao lado da Terra Indígena (TI) Sawre Muybu e em frente ao Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Montanha e Mangabal. As audiências já eram parte do processo de licitação, que seria realizado sem nenhuma consulta. Em dezembro do mesmo ano, os Munduruku do médio Tapajós também barraram as audiências que seriam realizadas sobre a Ferrovia do Grão, também sem respeito aos protocolos de Consulta Prévia, Livre e Informada.

Recentemente, o direito a consulta está sendo ameaçado por uma manobra do governo de Simão Jatene, no estado Pará, que tenta criar, por meio do Decreto 1.969/2018, um plano estadual de consultas, como forma de facilitar a aprovação dos projetos de exploração e infraestrutura dentro das comunidades, de deslegitimar os protocolos de consultas e a autonomia dos povos e das comunidades e de fragilizar o direito de Consulta Prévia, Livre e Informada como consta na Convenção 169 da OIT.

O Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado do Pará e as Defensorias Públicas do Pará e da União já emitiram nota de recomendação para que o estado do Pará volte atrás com o decreto, mas até então não obtiveram nenhuma resposta. Diversas organizações civis também se manifestaram contra o decreto na nota abaixo:

 

Nota de repúdio ao decreto do governo do Pará que viola o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada

No dia 24 de janeiro o Governo do Estado do Pará publicou o Decreto nº 1.969 que institui o Grupo de Estudos para criar procedimentos de Consulta Prévia, Livre e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais. Para nós, tal medida é uma afronta os dispositivos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Nós, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e pescadoras artesanais do Tapajós e representantes das organizações da sociedade civil do Estado do Pará denunciamos e repudiamos veementemente a tentativa do governo do estado, de desrespeitar as legislações e convenções nacionais e internacionais que garantem aos povos e comunidades tradicionais o direito de Consulta Prévia, Livre e Informada. O Decreto 1.969, de 24 de janeiro de 2018, que “institui Grupo de Estudos incumbido de sugerir normas procedimentais voltadas à realização de consultas Prévias, Livres e Informadas aos povos e populações tradicionais”, é, pelos motivos citados a seguir, um desrespeito à Convenção 169 e aos protocolos de consulta elaborados por diversas povos indígenas e comunidades tradicionais do estado do Pará.

O Decreto diz ter como base a Convenção 169 da OIT, mas não respeitou os princípios básicos e regras gerais de aplicação da referida convenção, no qual deveria haver primeiramente o DIÁLOGO entre Estado e os povos, o que não aconteceu, já que nenhum povo de nenhuma comunidade participou da discussão sobre o decreto. Também não foram informados previamente, sendo essa uma mudança legislativa que impacta diretamente nas organizações sociais e processos de tomada de decisões internas de cada povo, expressas em seus próprios protocolos de consulta;

A FLEXIBILIDADE na aplicação desse direito também não foi respeitada, uma vez que cada povo e comunidade têm suas próprias organizações sociais e políticas, e o plano estadual de consulta não levaria em consideração suas especificidades e particularidades, confrontando diretamente com a Constituição Federal Brasileira no artigo 231, do capítulo VIII, que garante “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições” e a convenção 169 da OIT, que ordena que os governos devem “consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”;

O Estado do Pará fere o princípio fundamental desta convenção que determina que a consulta deverá ser realizada de BOA FÉ, respeitando os princípios anteriores e possibilitando a participação direta desses povos nas tomadas de decisões. Além disso, todas as informações devem ser transmitidas com transparência e sem nenhuma pressão política, econômica ou moral sobre as comunidades. O governo de Simão Jatene não realizou nenhum dos procedimentos citados acima para publicação do decreto, sendo, portanto, uma maneira do governo do estado do Pará de ludibriar e desrespeitar os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais.

Vale mencionar que o referido decreto criou, de forma arbitrária, um grupo de estudos composto por representantes a Procuradoria-Geral do Estado do Pará, a Secretaria de Estado de Integração de Políticas Sociais, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade e a Casa Civil, mas nenhum dos povos tradicionais do Estado do Pará, os mais impactados por esse decreto, foram informados ou consultados.

Por essa razão, repudiamos o referido decreto e defendemos que, para que haja um procedimento adequado de realização da consulta prevista na Convenção 169 da OIT, o primeiro passo é respeitar os protocolos de consulta criados pelos povos e comunidades tradicionais, bem como todas as disposições da referida convenção. Qualquer medida que não obedeça ao referido procedimento não poderá ser aceita.

Assinam:

– Associação Indígena Munduruku do Médio Tapajós – Pariri

– Associação de Moradores e Pescadores de Pimental – Médio Tapajós

– Federação das Organizações Quilombolas de Santarém

– Colônia de pescadores Z.20- Santarém-PA

– Conselho Indigenista Missionário – CIMI

– Comissão Pastoral da Terra – CPT BR 163 prelazia de Itaituba

-Terra de Direitos

– Comissão Pastoral da Terra – Articulação das CPTs da Amazônia Legal

– Conselho de Pastoral de Pescadores (CPP) – Diocese de Santarém

– Fórum da Amazônia Oriental – FAOR

– Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

– Confederação Nacional de Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares – CONTAG

– Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Agricultoras Familiares do Estado do Pará – FETRAGRI-PA

– Instituto Amazônia Solidária – IAMAS

– Associação Mundial de Rádios Comunitárias – AMARC Brasil

– Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – MAMA

– FASE Programa Amazônia

– Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração

– Rede de Mulheres em Comunicação

– Pastoral Social da Diocese de Santarém

– Associação dos Agricultores Familiares do Igarapé Preto – AGFIP

– Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas- IBASE

– Fundação Luterana de Diaconia – FLD

– Articulação Pacari

– Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa

– Instituto Universidade Popular – UNIPOP

– Rede Justiça nos trilhos – JNT

– Rede Eclesial Pan-Amazônica – Repam

– Movimento pela Soberania Popular na Mineração- MAM

– Núcleo de assessoria jurídica popular – NAJUP Cabano

– Grupo de Pesquisa e extensão política, economia, mineração, ambiente e sociedade- POEMAS

– Comissão Pastoral de Pescadores – CPP

– Movimento dos pequenos agricultores – MPA

– Universidade Federal do Pará (UPFA)

 

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