24/07/2012

CTI – Repúdio à Portaria 303 da AGU: hipocrisia e má-fé

A recente edição da Portaria 303 da AGU é hipócrita na medida em que é cínica e impostora (sinônimos de hipocrisia no Aurélio). Cínica porque “a AGU entendeu que seu exemplo era útil para criar ‘parâmetro’ e ‘segurança jurídica’”, como disse à Folha o seu assinante, Luis Inácio Adams (Ver Notícia), em que pese o fato do STF ainda não ter decidido sobre o efeito vinculante das famigeradas “condicionantes da Raposa-Serra do Sol” – e impostora porque pretende criar parâmetros falsos, pois juridicamente incompatíveis com o arcabouço jurídico em vigência.

 

A má-fé fica evidente quando pretende impor uma segurança jurídica cerceando o direito de defesa de uma das partes (e que engloba a própria AGU). A segurança jurídica reivindicada, e em nome da qual o Advogado Geral justifica a Portaria, não passa de um embuste, na medida em que: 1) se esconde na cortina de fumaça de um pretenso interesse nacional, quando na verdade visa nitidamente obstar revisões de terras indígenas atendendo interesses de governadores e da bancada ruralista do Congresso; 2) tenta limitar o usufruto exclusivo dos povos indígenas, assentado no Art. 231 da Constituição Federal, por meio de Portaria quando o parágrafo 6º deste mesmo artigo impõe uma Lei Complementar definindo o “relevante interesse público da União” e 3) investe de atribuições um Conselho da República (o de Defesa Nacional[1]) cujas normas e bases legais não lhes garantem opinar/normatizar sobre o que não lhe é atribuído, seja pelo STF (que ainda está por decidir sobre o alcance da norma reivindicada), seja pela AGU. Este órgão de defesa jurídica dos bens e interesses da União (e as terras indígenas são propriedade da União) escancara sua hipocrisia ao interpretar e recomendar que estes bens coletivos sejam defendidos por seus Procuradores se e somente se obedecerem a uma norma jurídica ainda a ser fixada (as tais condicionantes arroladas no artigo 1º da Portaria 303). A má-fé se evidencia mais claramente ao interpretar, por via de uma perspectiva autoritária e descabida de fundamento jurídico em um Estado que se diz de Direito, que todo e qualquer procedimento de revisão das terras indígenas do país, passado e em curso, deve ter por base a pesquisa e a prova de um “vício insanável”… da parte do próprio Estado brasileiro!

 

Com isso a AGU – sob o beneplácito da Presidência da República – não faz mais do que chantagear a FUNAI e os Procuradores da União, pois que terão que provar, num prazo que se encerraria em 17 de novembro próximo, que os atos administrativos de identificação e delimitação das terras indígenas demarcadas que tenham por objeto suas revisões deverão estar fundamentados em “vício insanável” ou na sua “nulidade absoluta” – a última pedra que faltava para a judicialização total dos processos de reconhecimento das terras indígenas, posto que, agora, fazendeiros e agentes dos estados federados anti-indígenas poderão recorrer contra a FUNAI usando os termos da Portaria. O Executivo age, portantocontra seu próprio estatuto, entregando ao Judiciário um mandado que é seu de direito da mesma maneira que deixou passar no Legislativo a PEC 215.

 

Porque de fato este Governo, como já se suspeitava, mostra agora sua faceta anti-indígena mais descarada. Todas as principais entidades indígenas, indigenistas, e a própria Associação Brasileira de Antropologia manifestaram seu contumaz repúdio a essa iniciativa intolerável da AGU. O Ministério Público Federal, a CDHM e inúmeros outras entidades, blogs e pessoas se manifestaram também em repúdio.  Fica tão evidente que um indigenismo de Estado é impraticável nos termos dessa portaria, que até a FUNAI se posicionou contrária à medida. O Governo Dilma se isola completamente com a Portaria 303, correndo o risco com isso de reativar um indigenismo de Estado dos tempos do regime militar, realizado autoritariamente contra tudo, contra todos e, sobretudo, contra os índios.

 

Fonte: CTI - Centro de Trabalho Indigenista
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