Manifesto contra a instalação da primeira usina de etanol em Roraima
Os cidadãos, cidadãs e movimentos sociais vêm a publico manifestar sua preocupação com os riscos para a sociedade, a saúde pública e o meio ambiente, caso seja concedida a licença de instalação para a usina de etanol da empresa Biocapital S/A nos campos naturais de Roraima. Se a usina for aprovada, os canaviais seriam maiores que todas as plantações de soja, arroz e acácia juntas, e a área de influência dos impactos da fumaça e dos canaviais poderia alcançar meio milhão de hectares. Um empreendimento desse porte, que envolve grandes extensões de terra e enormes volumes de fumaça e veneno, deveria ter sido amplamente discutido com a sociedade e tratado com o máximo de rigor e transparência, para garantir que o projeto é seguro e viável do ponto de vista social, ambiental, e econômico. Mas não é o que está acontecendo.
As audiências públicas foram canceladas e convocadas novamente com apenas um dia útil de antecedência, o cidadão comum não teve acesso ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) como a lei determina, e ainda hoje, não tem acesso ao parecer técnico e à licença prévia emitidos pelo órgão ambiental do Estado (Femact). Num claro desrespeito ao direito de informação, a Femact declara que só a parte interessada pode ter acesso a estes documentos, como se toda a sociedade não fosse parte interessada no maior licenciamento ambiental da historia do estado. Diversas irregularidades, entretanto, já foram denunciadas ao Ministério Público Federal e deram origem a uma ação civil pública que ainda está em tramitação na justiça.
Se for aprovada, a usina vai emitir 250 mil m3 de fumaça por segundo. De acordo com o mapa apresentado no EIA (p.97) a fumaça vai atingir Boa Vista e sete Terras Indígenas, mas o estudo não fala nada sobre as conseqüências da fumaça para a saúde e a qualidade de vida das pessoas. A empresa afirma que a qualidade do ar não seria afetada, mas o estudo não apresenta todos os dados usados no cálculo de dispersão da fumaça. O estudo também carece de informações sobre a promessa de geração de quatro mil e quinhentos empregos diretos, levando em conta que a atividade é sazonal (só produz durante a safra) e tem plantio e colheita totalmente mecanizados.
Nos canaviais seriam aplicados seis bilhões de litros de vinhoto, além dos agrotóxicos. O vinhoto é um subproduto da usina usado como fertilizante nos canaviais. Entretanto, se acidentalmente cair nos rios, o vinhoto é um veneno mortal para os peixes, podendo ainda alterar a qualidade da água que abastece Boa Vista.
Apesar da riqueza da fauna aquática e da importância socioeconômica da pesca em Roraima, a palavra “peixe” não é citada no Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Pescadores e populações indígenas não foram consultados durante os estudos e não foram incluídos no programa de compensação ambiental. Dessa forma, nota-se que informações essenciais foram omitidas do estudo com a aparente finalidade de facilitar a aprovação do projeto.
Também é grave que a licença prévia para a usina tenha sido concedida sem a realização de estudos sobre a introdução da cana em Roraima. É preciso lembrar que ainda não existe cultivo de cana em larga escala nesta parte do país, e que todos os cultivos futuros seriam destinados à produção da usina. Ou seja, para verificar a viabilidade do empreendimento como um todo, é necessário estimar o impacto potencial dos 75 mil hectares de cana juntos. Antes disso, não é possível fragmentar o licenciamento da cana em dezenas de processos menores, como se os canaviais não estivessem juntos em seus propósitos e impactos. Ainda é preciso destacar que o empreendimento precisaria ocupar mais de 200 mil hectares de terras para obter os 75 mil hectares de área cultivável, agravando a concentração fundiária.
O necessário esforço para reduzir as emissões de carbono não pode resultar em prejuízos para a água e a biodiversidade, e não pode justificar a expansão do etanol sobre a Amazônia. Por esse motivo a usina de etanol da Biocapital S/A também atrapalha o esforço federal em obter o passaporte verde para o etanol brasileiro, pois representa a instalação de uma nova usina na Amazônia e a retirada de vegetação nativa (campos naturais) para introdução da cana na bacia o rio Negro, uma das maiores e mais conservadas do país.
Finalmente, é preciso considerar que também é possível gerar emprego, renda e desenvolvimento investindo nos pequenos produtores, micro-empresários e na agricultura familiar, fortalecendo a indústria de beneficiamento da produção que já existe, o turismo e o comércio fronteiriço. Neste momento histórico para Roraima, o desafio que se apresenta é promover o desenvolvimento com justiça social e conservação da natureza. Dessa forma, um projeto que contribui para a concentração de terras e de renda, que compromete a produção de alimentos e que produz impactos significativos ao ambiente e à qualidade de vida de um povo, não está à altura deste desafio. Se não houver mobilização e o governo estadual der o sinal verde para a instalação da usina, a sociedade de Roraima corre o risco de ter sua qualidade de vida alterada para pior, de modo irreversível.
Movimentos que apóiam esse manifesto:
Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB);
Coletivo Ambiental do Lavrado (CAL);
Colônia de Pescadores Z-1/RR;
Comissão Pastoral da Terra (CPT);
Conselho Indígena de Roraima (CIR);
Conselho Indigenista Missionário (CIMI);
Central Única dos Trabalhadores (CUT);
Movimento das Mulheres Camponesas (MMC);
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST);
Núcleo de Mulheres de Roraima (NUMUR);
Organização de Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR);
Pastoral Indigenista (PI)