19/10/2009

Muita terra para pouco índio?

Na manhã da segunda-feira, dia 22 de setembro, eu voltava de um trabalho pastoral realizado nas cidades de Sete Quedas, Tacuru e Paranhos, no extremo sul da Diocese de Dourados. Ao cruzar a aldeia Limão Verde, habitada por índios guarani-kaiowá, nas proximidades de Amambai, percebi nela duas realidades contrastantes. Primeiramente, com alegria, vi que estavam sendo construídas, pelo Governo Estadual, inúmeras casas populares, simples, mas bonitas, em substituição às antigas choupanas. Continuando, porém, o caminho em direção à cidade, deparei-me com uma longa caravana de índios que, de bicicleta, carroça ou a pé, buscavam o centro urbano, procurando sabe Deus o quê.


 


Se alguém me perguntasse qual o nexo que liga uma coisa à outra, eu responderia que a solução do problema indígena em nossa região não se resume à posse da terra. De fato, nessa mesma viagem, ao me dirigir a Paranhos, passei perto de uma aldeia, onde, pelo que me foi dito, os índios teriam terra suficiente para suas necessidades. Na maior parte das propriedades que cercam as novas casas de Limão Verde, não percebi cultivo algum, nem mesmo de mandioca, que é uma planta típica da cultura indígena. Concluí que, além da terra e da moradia, os índios precisam de escolas, hospitais, emprego e até mesmo de engajamento político, para não prolongarem uma dependência indigna do ser humano.


 


Ao chegar em Dourados, depois de três dias de ausência, eu soube que, na madrugada de sexta-feira, dia 18, um grupo de homens fortemente armados havia invadido um acampamento de guarani-kaiowá, situado às margens da BR-463, destruindo e queimando seus barracos e ferindo alguns de seus habitantes. O crime prova o recrudescimento do clima de guerra existente na região, onde os culpados, porque invasores e intrusos, são sempre os índios, mesmo se desarmados e feridos, enquanto os seguranças nada fazem senão cumprir com seu dever…


 


O fato me trouxe à memória a triste estória do lobo e do cordeiro, na famosa fabula de Esopo. Não poucas vezes, a justiça que impera no Brasil é a lei do mais forte, sobretudo se estiver protegido pelo poder econômico. Por isso, considerando o descaso, a omissão, a violência e as condições desumanas em que jazem os índios, fico me perguntando se, por trás dos bastidores, não exista uma política deliberada e sutil de extermínio de um povo, considerado um empecilho para o progresso do nosso Estado…


 


Por que o Governo Federal protela para as calendas gregas a solução de um problema que incha a cada dia que passa? Pode-se falar em falta de recursos para a demarcação – ou melhor ainda, dada a complexidade da medida, inclusive pela ambiguidade das assim ditas “terras ancestrais”, – para a compra de propriedades dos agricultores dispostos a vendê-las? E por que não recorrer às inúmeras terras devolutas existentes no Estado? Há verba para tudo: para emprestar 10 bilhões de dólares ao FMI, para gastar 32 bilhões de reais na compra de aviões de guerra da França e para contratar, de 2003 para cá, 160.000 funcionários públicos, com uma folha salarial que, em 2009, supera os 153 bilhões de reais. Só não existe dinheiro para resolver o problema dos índios! Enquanto isso, a tensão cresce a olhos vistos, fazendo com que índios e agricultores se olhem como inimigos.


  


Lamentavelmente, não faltam lideranças políticas e econômicas que espalham aos quatro ventos que “é muita terra para pouco índio”. No Mato Grosso do Sul, porém, onde se encontra a segunda maior população indígena do Brasil, “muita terra” é uma expressão que só se pode aplicar a algumas centenas de fazendeiros, 53,8% deles residentes ou provenientes de outros Estados. Não, porém, aos povos indígenas. De fato, de acordo com dados divulgados recentemente pelo IBGE, a concentração de terras cresceu no Mato Grosso do Sul: enquanto as propriedades de até 10 hectares ocupam 2,7% da área rural, as fazendas com mais de 1000 hectares cobrem 43% da área total.


 

Talvez tenha sido por tudo isso que, no dia 23 de setembro, o Superior Tribunal de Justiça determinou que o assassinato do cacique guarani-kaiowá Marcos Verón, ocorrido a 13 de janeiro de 2003, em Juti, seja julgado em São Paulo, ao invés de no Mato Grosso do Sul. O Ministro Felix Fischer justificou o seu voto afirmando que o crime se insere num contexto triste e lamentável, resultado de um clima de animosidade e tensão existente no Estado entre agricultores e índios, incentivado até mesmo por autoridades públicas e por parcela da imprensa local.

Fonte: Cimi MS
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