08/10/2009

A Oktoberfest na terra dos Xokleng: comemoração de uns, enchentes pra outros

A cidade de Blumenau, em Santa Catarina, está em festa nesse mês de outubro. Como já é tradição na cidade desde 1984, todo mês de outubro acontece a Oktoberfest, uma bela festa germânica, com farta gastronomia, mergulhada no chopp e extasiada pela animada música que encanta turistas e orgulha os cidadãos do “vale europeu”. Como gostam de dizer os blumenauenses “a Oktoberfest está na alma do povo”.


 


O curioso é que esta festa iniciou a partir de uma catástrofe. Em 1983 e1984 enchentes aterrorizam a população, destruíram a cidade e quando perecia que tudo estava perdido o pode público local organizou uma festa para apaziguar os espíritos das águas e quem sabe recuperar economicamente da cidade.


 


Ocorre que a partir de então a cidade ficou protegida, não apenas porque os espíritos das águas ficaram agraciados com a festa, mas porque as águas ficaram presas no complexo de três barragens construídas nas cabeceiras dos principais rios que formam a bacia do Itajaí. Em novembro de 2008 a cidade foi novamente atingida por enchente, mas isso foi resultado de um fenômeno de precipitação que caiu à jusante das barragens.


 


Também é desde a época da construção das barragens que o povo Xokleng enfrenta a cada outubro sua enchente, sem festa, sem tradição, sem bebida, sem alimentos e nesse momento sem remédios, completamente isolados. A água que não desce a Blumenau fica presa e alaga as terras indígenas e isola comunidades, como é denunciado todos os anos pelas lideranças daquela comunidade. A principal barragem fica exatamente no limite da Terra Indígena e nunca havia subido tanto como nesse ano. Uma comunidade está totalmente isolada há duas semanas, sem qualquer acesso. Solicitaram do governo do estado um barco pra transportar doentes e conseguir alimentos, mas ainda não foram atendidos. A escola de ensino médio recebe alunos de 6 aldeias, destas, pelo menos duas acrescem o percurso diário em 50 km em estrada de chão para desviar do alagado. Desde 1981 a comunidade vem lutando pra construir duas pontes de concreto e algumas pontes pênsil para amenizarem a situação, mas, agora que as cidades estão protegidas, os Xokleng ficaram esquecidos. No ano passado, começou a ser construída uma das pontes, porém com as chuvas desses últimos dias ela ficou 5 metros submersa. Erro de planejamento? Fatalidade? Incompetência? Nenhuma indenização foi paga aos Xokleng pelos quase mil hectares de terra alagados, somente construíram como compensação algumas poucas casas – depois de muita luta desse povo. A Funai – que autorizou a construção da barragem – lava as mãos.


 


Se a Oktoberfest é o ícone que reaviva o orgulho germânico, revive a história da colonização, para os Xokleng é o ícone da desgraça, porque desde 1850 quando Hermann Blumenau iniciou a destruição da floresta e penetrou no território Xokleng criando a colônia que levaria seu nome, o povo Xokleng não teve mais paz.


 


São mundos separados não apenas pela história e cultura, mas especialmente pela memória. A memória que engrandece e traz orgulho a alguns se projeta sobre a desgraça do outro. Reconciliar-se com a história não se faz pelo esquecimento, mas pela memória viva.


 


É necessário que todos os povos tenham direito as suas festas. Que os erros sejam reparados o mais rápido possível pelas autoridades competentes – governo estadual e governo federal – e que jamais sejam repetidos.


 


 


Cimi Sul Florianópolis


 


Marina de Oliveira e Clovis Brighenti

Fonte: Cimi
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