07/10/2009

Fórum visita Mato Grosso do Sul e afasta índios e sem-terra

Instância criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o Judiciário dê respostas aos problemas relacionadas à posse da terra realizou encontro em Campo Grande (MS). Presidente do STF e autoridades distribuíram recados


 


Por Maurício Hashizume


 


Campo Grande (MS) – A escolha da capital do Mato Grosso do Sul como sede do I Encontro do Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução de Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos, realizado na semana passada, não foi por acaso. O Fórum promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) propõe respostas do Poder Judiciário à violência no campo e na cidade ligada à posse da terra. O coordenador do Comitê Executivo do Fórum e secretário-geral do CNJ, Rubens Curado, confirmou à Repórter Brasil que, desde a criação da instância em maio deste ano, representantes do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJ-MS) se prontificaram a receber o evento.


 


Integrante do Comitê Executivo do Fórum e desembargador do TJ-MS, Sérgio Fernandes Martins tomou à frente da articulação para levar as discussões para o Centro-Oeste. Sérgio foi eleito vereador da capital pelo PMDB (1992 a 1996) e depois atuou Procurador-Geral do Município durante a gestão do atual governador André Pucinelli (PMDB) ainda como prefeito Campo Grande (MS), de 1997 a 2004. Em 2007, Sérgio foi nomeado como desembargador pelo próprio André Pucinelli, arauto dos interesses dos proprietários rurais e contrário ao processo em curso de demarcações de terras para povos indígenas que vivem tradicionalmente no Estado.


 


Na abertura do encontro, na terça-feira (29), as motivações da opção pelo Mato Grosso do Sul vieram à tona. O primeiro a discursar foi o desembargador Eupídio Helvécio Chaves Martins, presidente do TJ-MS. No atual momento de intensificação das discussões sobre os conflitos fundiários – entre eles o trabalho escravo, vale esclarecer -, é preciso, segundo ele, atender às demandas pelas reformas agrária e urbana, mas também – e principalmente – garantir o direito à propriedade, pois ambas estão presentes na Constituição.


 


Nos países em desenvolvimento, lembrou o desembargador, a produção de riqueza está concentrada na exploração dos recursos naturais. E no Mato Grosso do Sul, emendou, existe uma especial preocupação com a demarcação das Terras Indígenas (TIs). Diante disso, Eupídio cobrou respeito às áreas privadas que produzem muita riqueza. Para ele, além do foro cultural por trás das TIs, não se pode negar a “legitimidade” de áreas ocupadas há décadas por não-índios. Donos de terra não podem ser simplesmente “desapossados”, emendou o presidente do TJ-MS. A platéia, formada majoritariamente por estudantes remediados de Direito, respondeu com aplausos efusivos.


 


“Aqui não há grilo. Aqui não há posseiros”, prosseguiu o governador André Pucinelli, que também esteve presente na abertura do I Encontro do Fórum Nacional. Segundo ele, todos os proprietários do Mato Grosso do Sul receberam títulos de entidades governamentais, que foram distribuídos na formação da antiga região de Grande Dourados. Nas contas do governador, existem atualmente 72 litígios relacionados a TIs no Mato Grosso do Sul. “O problema”, na concepção dele, “não está nos índios e nem nos brancos, mas na inoperância da Funai [Fundação Nacional do Índio]”.


 


No discurso mais esperado, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, Gilmar Mendes, deu continuidade à sucessão de condenações públicas contra as ocupações de terra como forma de pressão pela reforma agrária. Aliás, como lembrou o ministro Gilmar, o próprio Fórum do CNJ para tratar do tema nasceu de um pronunciamento que ele próprio fez do alto da presidência do STF no sentido de que o Brasil não poderia mais conviver com essa situação. Tanto as ocupações como as apropriações ilegais de terra (as famosas “grilagens”) são, para Gilmar Mendes, intoleráveis, seja quem for o agente envolvido: sem-terra, posseiro, fazendeiro, empresa etc. “Temos uma Constituição que precisa ser respeitada”, bradou o presidente da corte.


A premissa que reproduz o conteúdo de medida provisória (MP 2.027-38) – assinada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 2000, mas que aguarda julgamento do tribunal após apresentação de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo PT – também foi apresentada pelo Gilmar Mendes como “entendimento do STF”: o impedimento de vistoria para desapropriação (por um prazo de dois anos, estabelecidos pela MP) de propriedades ocupadas. “Os movimentos sociais têm que insistir e pressionar. Mas o protesto tem que respeitar o Estado de Direito”, recomendou o ministro.


 


Sobre a questão indígena, tão relevante no Mato Grosso do Sul, o ministro repisou as 19 condições do falecido Carlos Alberto Menezes Direito para a homologação em terras contínuas no julgamento do caso da TI Raposa/Serra do Sol, em Roraima. “Em face da insuficiência da atual regulação do Estado, foi preciso atuar”, disse, assertivamente.


 


Uma dessas “espécies de sentenças aditivas” (como o ministro preferiu chamar as 19 condições, publicadas recentemente em acórdão) visa assegurar “a participação dos entes federativos durante o processo demarcatório” e foi apoiada com convicção por Gilmar. O poder público estadual, pregou o presidente do STF, “precisa ser membro não apenas como partícipe, mas como protagonista com voz ativa desde o primeiro momento”.

Outra “sentença aditiva” defendida pelo ministro foi o que veda a ampliação de terra indígena já demarcada. “Sem a existência de um novo processo, não pode haver mudanças”, acrescentou. Pelo menos 180 mil indígenas do Mato Grosso do Sul reivindicam territórios maiores que os já demarcados atualmente para sobreviver e reproduzir os seus modos de vida. Detalhe: não foi possível registrar a participação ativa de nenhum representante indígena durante as discussões no auditório e nas salas do Centro de Convenções Rubens Gil de Camilo, situado no Parque dos Poderes.


 


Propostas e previsões
Como ações práticas, a meta acordada no CNJ para acelerar os julgamentos de processos criminais protocolados até o final de 2005 acabará ajudando, nas projeções de Gilmar, a resolução de conflitos agrários pendentes. Incursão de comitiva do CNJ no Pará verificou que cartórios imobiliários “legitimam a grilagem”, contou o presidente do STF. A situação – descrita pelo ministro como “quadro de terror” – já foi submetida à Corregedoria do CNJ. Em Altamira (PA), por exemplo, foi encontrado um título fraudulento em especial de uma área equivalente a metade do território nacional.


 


Nesse sentido, o ministro criticou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 471/05), que derruba a exigência do CNJ de que haja concursos públicos para preenchimento dos cargos funcionais de cartórios e tramita no Congresso Nacional. “Precisamos superar essa falta de profissionalização dos cartórios e encerrar esta etapa de improvisação”.


 


Para encarar os desafios, o comandante do CNJ propôs ainda tanto a aplicação das leis quanto a formulações de novas leis, caso seja pertinente para o enfrentamento dos “desafios imensos” para modificar os quadros de ocupações rurais e urbanas. Gilmar admitiu que o Judiciário também pode ser responsabilizado pelo agravamento dos conflitos porque muitas vezes demora para julgar desapropriações. “Precisamos decidir com base na lei”, emendou, sem que haja o que chamou de “demora desarrazoada”.


 


A mudança processual (as desapropriações exigem perícia, que tendem a se estender no tempo), segundo ele, precisa ser debatida no sentido de evitar que haja ocupações e mais conflitos. “Se houver desproporcionalidade [na definição dos novos índices de produtividade, que determinam se uma propriedade é ou não produtiva], haverá judicialização”, previu Gilmar, dando a deixa de como o STF deve se comportar no que diz respeito à prometida atualização. Em agosto, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) mobilizou seus militantes na Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária e conseguiu arrancar do governo federal a promessa de reajuste dos índices, que continua suspensa frente à resistência do Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (Mapa) e dos ruralistas.


 


A superação dos conflitos fundiários é significativo “para separar civilização de barbárie”, na concepção do presidente do CNJ. Assim como a inflação “que nos incomodava e nos envergonhava” foi vencida, o comandante do Supremo acredita que o tema pode ser um marco para a afirmação do Estado de Direito preconizado na Carta de 1988. Mas apesar da abertura do Fórum “a todos os partícipes”, sublinhada pelo chefe maior dentro da hierarquia do Poder Judiciário, não faltaram manifestações durante o encontro pedindo maior participação popular nas discussões.


 


Melhorias?
Para não aparecer como figura única e centralizadora do I Encontro do Fórum Nacional Fundiário, Gilmar Mendes fez questão de trazer junto de si o ouvidor agrário nacional, Gercino Silva, que representou o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) no evento ocorrido em Campo Grande (MS).

Antes, postulou Gercino, o Executivo federal lidava com o problema dos conflitos de forma isolada, com medidas como a instalação da Comissão e do Plano Nacional de Combate à Violência no Campo, que conta com a contribuição do MDA, do Ministério da Justiça (MJ), do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República. Com o lançamento de medidas pelo Legislativo e a criação do Fórum no Judiciário, deu-se início ao que ele designa como “contribuição maior entre os Poderes”.


 


O ouvidor apresentou dados referentes à redução dos homicídios em função de contendas fundiárias – de 42, em 2004, para apenas nove, em 2008, segundo dados do órgão – homicídios em função de conflitos agrários. Ele atribuiu essa diminuição – não confirmada pelos dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – a providências como o alastramento das Varas especializadas. Hoje existem cinco Varas Agrárias Federais, 10 Varas Agrárias Estaduais, além de Promotorias, Defensorias e experiências até de Polícia Militar e Polícia Civil especializadas. No Mato Grosso do Sul, durante a cerimônia de abertura do evento, foi assinado termo de instalação da Defensoria Pública Agrária.


 


De acordo com Gercino, as varas especializadas são o caminho para garantir o direito legal à propriedade e a inclusão legítima dos sem-terra, dentro de uma relação harmônica. No caso dos indígenas, o ouvidor observou que não é difícil checar se houve equívoco do poder público ao emitir títulos sem verificar se era área tradicional. Também não descartou a possibilidade de compra de terras por parte da União para garantir os direitos dos índios nos casos atestados de TIs. “Mas os índios não como os sem-terra, que aceitam ser assentados em qualquer lugar. Os índios geralmente não aceitam e buscam reconhecimento da sua terra tradicional específica”, advertiu.


 


Apesar de “apostar muito na especialização como forma de avançar concretamente, pois os juízes que não conhecem a realidade e as questões relativas aos conflitos do campo não julgam bem”, Gercino, que também atuou no passado como desembargador, reconhece que, mesmo com a máquina “azeitada”, ainda haverá injustiça estrutural no campo e na cidade, geradora central de conflitos. Na área rural, a parcela de 1% dos maiores proprietários do país detém 46% do total do território nacional. “É necessário limitar também o tamanho da propriedade. Já existem vários projetos de lei no Congresso que tratam justamente disso”.


 

Fonte: Repórter Brasil
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