31/08/2009

Saúde indígena: vergonhoso quadro de negligência e desvalorização da vida

No dia 28 de agosto de 2009 faleceu uma criança de cinco meses do povo Kaxinawa da comunidade Nova Olinda do alto Envira por falta de assistência adequada. Segundo os pais da criança, há quase um mês eles estavam em Feijó em busca de tratamento para seu filho que veio a falecer de infecção respiratória. 


 


Porque os povos indígenas do Envira estão recebendo esse tipo de tratamento, e quando finalmente seus direitos assegurados na Constituição serão efetivados na prática? 


 


Os povos que mais tem sofrido com essa cruel realidade da saúde indígena tem sido os Ashaninka e os Madija pelo fato de suas comunidades serem muito longe do centro de Feijó chegando a gastar entre 8 e 10 dias  viajando para chegar até a cidade. Quando estes chegam até a cidade de Feijó em busca de um tratamento estão submetidos ao total descaso por parte dos responsáveis pela Saúde Indígena, que fere a primazia dos Direitos dos Povos Indígenas quando diz que os povos indígenas têm direito, sem qualquer discriminação, à melhoria de suas condições econômicas e sociais, especialmente nas áreas da educação, emprego, capacitação e reconversão profissionais, habitação, saneamento, saúde e seguridade social.


           


A falta de uma política pública compromissada com a vida dos povos indígenas do Envira tem ressoado como um caótico e deficiente tratamento que a nosso ver já deveria ter tido a intervenção do Ministério Público. Sabemos que muitos colaboraram para o provimento de “Saúde” para os indígenas de forma negligente, irresponsável e fraudulenta.


 


O centralismo burocrático de acesso das forças políticas locais foi o ponta pé inicial para um o retrocesso da saúde indígena no município de Feijó. A extrema burocratização das atividades assistenciais, as intervenções políticas provocam recorrentes crises no fornecimento dos serviços de saúde indígena e no trabalho de campo nas bases.     


 


Até julho de 1999 não havia uma política de assistência a saúde indígena, comprometendo o acesso adequado as ações de saúde, o que impossibilitava o exercício da cidadania e a garantia das diretrizes estabelecidas na Constituição, no que diz respeito ao atendimento de saúde diferenciado dos índios. Em agosto do mesmo ano foi criada a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), com a responsabilidade de estruturar o subsistema de atenção a saúde indígena, articulado com o Sistema Único de Saúde – SUS.


 


O município de Feijó possui uma população de quatro povos indígenas: Ashaninka (Kampa), Kaxinawá, Shanenawá e Madija (Kulina). O Pólo Base da FUNASA em parceria com a Prefeitura do município são responsáveis pela saúde desses povos indígenas. Mas nos últimos tempos o descontentamento dos indígenas com o tratamento que a FUNASA tem oferecido é explícito. Quase todos os dias a equipe do CIMI Feijó é surpreendida com a visita de índios, vindos principalmente do Alto Envira, em busca de tratamento. Muitas vezes ficam a mercê da própria sorte, sem ter o que comer e onde se abrigar da chuva e do sol, ficam pelas margens dos rios (onde armam acampamento da maneira que podem, com lonas ou palhas), nas praias e praças de Feijó. Quando não suportam mais a fome se dirigem até a nossa equipe em busca do que comer. Temos presenciado alguns funcionários da equipe da Saúde Indígena que, sensibilizados com a situação, fazem compras nos comércios de Feijó para alimentar esses povos. 


 


Os pacientes que ficam na cidade para tratamento se submetem a essas condições subumanas, pois o Pólo Base da FUNASA não oferece nenhuma estrutura para recebe-los. O pólo não possui nenhuma área adequada para alojá-los e por falta de estrutura adequada, muitos pacientes ficam na beira do rio Envira nos seus barcos, canoas ou armam acampamentos.


 


Em 2008, a equipe do Cimi Feijó presenciou uma cena crítica: três mulheres Ashaninka que estavam no Pólo Base FUNASA com os seus filhos, todos de colo e em estágio de desnutrição total, não tinham simplesmente onde dormirem com suas crianças, sendo que na noite anterior todas dormiram no chão do Pólo Base. No dia seguinte mais uma vez uma funcionária da equipe de saúde teve que providenciar da sua própria casa um colchão de casal para as mães Ashaninka junto com seus filhos que estavam em tratamento se acomodassem por aqueles dias. A equipe do CIMI providenciou cobertores para as mães e para os bebês, pois naqueles dias fazia frio.


                                                           


Uma outra situação complicada é em relação ao combustível que tem que ser dado aos índios que estão na cidade em tratamento. Esse combustível é cedido pela FUNASA. Assim que termina o tratamento, os pacientes tem que voltar   para  a suas respectivas comunidades, mas muitos índios informam que muita vezes não têm acesso a esse combustível. Muitos até passam dias na beira do rio Envira tomando água suja e sem alimentação suficiente,  esperando a liberação do combustível pelo Pólo Base da FUNASA. Com a demora e as péssimas condições em que os indígenas ficam, acabam por adoecerem novamente, e os que não agüentam mais em esperar a liberação do combustível, fazem compra de combustível fiado nos comércios de Feijó para voltarem para suas comunidades, ou então retornam de varejão, com uma vara bem grande vão empurrando o barco contra a correnteza. Indo de varejão os índio que moram no alto Envira demoram até 20 dias para chegarem em suas comunidades.


 


Diante deste quadro de crescente descaso com a saúde indígena do município de Feijó, só resta apelar a opinião pública em solidariedade aos povos do alto e baixo Envira.                                              


  


Ana Patrícia Ferreira


Equipe CIMI – Feijó

Fonte: Cimi AO
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