17/07/2009

Estado de Roraima extingue 10 escolas Yanomami

Entre as escolas extintas, uma localiza-se em Roraima e as outras nove no Amazonas, mas todas elas mantêm vínculos formais com o Estado de Roraima desde 2003, quando foram cadastradas pela primeira vez no censo escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Desde então, os alunos informados no censo escolar e suas escolas são mantidas por Roraima. Além das escolas extintas, existem no estado outras vinte e três Escolas Estaduais Yanomami que atendem a mais de setecentos alunos.


O fechamento das escolas Yanomami, pelo Decreto nº10.236, de 30/06/2009, vai na contramão da proposta atual do governo federal que, através de outro decreto, o de nº 6.861, define a organização da educação escolar indígena em territórios etnoeducacionais, buscando, com isso, respeitar as necessidades e especificidades de cada povo. Os territórios etnoeducacionais se sobrepõem à estrutura federativa do sistema político-administrativo brasileiro, ou seja, não se limita à lógica dos estados e municípios. Segundo este decreto, os elementos básicos para organização, estrutura e funcionamento das escolas indígenas são: a sua localização em terras habitadas por comunidades indígenas, exclusividade de atendimento às comunidades indígenas, ensino ministrado nas línguas indígenas e organização escolar própria, além de ser criada por iniciativa ou reivindicação das comunidades interessadas. As escolas Yanomami extintas pelo Estado de Roraima seguem todos os requisitos mencionados, portanto não se justifica o seu fechamento.


Um fato que chamou a atenção da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e das organizações de apoio ao Yanomami foi a ausência de qualquer aviso prévio sobre a extinção das escolas. O governo estadual agiu em silêncio, não consultou as comunidades envolvidas nem os demais órgãos competentes e contrariou orientações específicas do Ministério da Educação (MEC), de a Secretaria manter o atendimento das escolas localizadas no Amazonas.


Durante a Conferência Regional de Educação Escolar Indígena, que aconteceu em Boa Vista no inicio do mês de julho, os Yanomami e Ye’kuana solicitaram a criação de um território etnoeducacional próprio para garantir que todos os povos que habitam a terra Yanomami possam ter acesso a uma educação de qualidade e que respeite os projetos comunitários.


Opinião dos Yanomami


Desde a criação, entre os anos de 1995 e 1997, as lideranças e professores yanomami das escolas extintas sempre alertaram a Secretaria de Educação do Estado de Roraima (SECD/RR) sobre a necessidade de estas estarem ligadas a Roraima. Isso porque o acesso deles à Manaus é praticamente impossível e tendo em conta o desejo de que as escolas fossem estaduais. A notícia sobre a extinção causou grande preocupação em toda a comunidade, afinal as escolas estão em pleno ano letivo e atendem a mais de 280 alunos.


Histórico das Escolas Yanomami


As reivindicações dos professores Yanomami, que envolvem o Decreto de Criação e o processo de reconhecimento das escolas, pelo Poder Executivo, tiveram início em 2001. No ano de 2002, quando a Secretaria Estadual de Educação estava sob a gestão da então secretária Ana Maria Freitas, os professores Yanomami apresentaram a primeira versão da Proposta Pedagógica.


Em 2003, a Secretaria de Educação, por meio da Divisão de Educação Escolar Indígena DEEI/SECD/RR, juntamente com a Comissão Pró-Yanomami (CCPY) e professores Yanomami, elaboraram o “Projeto Piloto de Implantação, Criação, Autorização e Reconhecimento das Escolas Yanomami”. Esse documento estabelece metas a serem atingidas no que concerne ao reconhecimento, organização das escolas Yanomami e formação dos professores indígenas. No mesmo ano, a então secretária de Educação, Lenir Veras, de comum acordo com a Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas do MEC, cadastrou as escolas yanomami no Censo Escolar na categoria “escola indígena estadual”. Essa mesma secretária visitou a comunidade e a escola Yanomami da aldeia Watoriki, região do Demini – uma das regiões atingidas pelo novo decreto.


Em 2004, o Conselho Estadual de Educação expediu um parecer, apreciando o Projeto Político Pedagógico das escolas Yanomami localizadas no Amazonas e em Roraima. Neste mesmo ano, a Secretaria Estadual de Educação realizou um processo seletivo específico e diferenciado para professores Indígenas. A prova foi aplicada em três pontos da Terra Indígena Yanomami: Papiu, Toototopi e Missão Catrimani (as duas primeiras regiões tiveram suas escolas extintas). Na época, 14 professores Yanomami foram inscritos e aprovados, integrando, assim, o quadro de profissionais temporários do Estado de Roraima. Ao final de 2004, Ilma Xaud assumiu e Secretaria Estadual de Educação e determinou um número mínimo de vinte alunos para manter as escolas indígenas em funcionamento. Essa portaria gerou grande problemas para todos os povos indígenas de Roraima, que passaram pela ameaça de ter suas escolas – que atendem comunidades pequenas e isoladas – fechadas. O decreto foi revogado posteriormente, pois feria o direito de todo brasileiro ter acesso a educação.


O contrato temporário dos 14 professores Yanomami foi renovado por mais um ano, como previa o edital do processo seletivo realizado em 2004. A CCPY assinou um termo de compromisso como dirigente escolar para preencher os formulários do censo. Em outubro, as organizações indígenas de Roraima (Organização dos Professores Indígenas de Roraima – OPIRR, Conselho Indígena de Roraima – CIR, Associação dos Povos Indígenas do Estado de Roraima – APIRR, Organização de Mulheres Indígenas de Roraima – OMIRR e Hutukara Associação Ynaomami – HAY) encaminharam para o recém-empossado secretário, Adjamo Moreira Abadi, um documento solicitando a melhoria no atendimento da educação escolar indígena no estado.


Mais um processo seletivo simplificado indígena foi realizado em 2007, no qual 37 professores Yanomami foram contratados temporariamente. O governo do estado assinou o Decreto nº 7.974, criando vinte e quatro escolas Estaduais Yanomami. Em função da criação das escolas, o contato entre os Yanomami e a Secretaria Estadual de educação foi intensificado. Organizações de apoio realizaram uma série de novos estudos para subsidiar o governo no atendimento das escolas Yanomami. O então secretário Luciano Moreira visitou a Terra Yanomami durante o VIII Curso de formação de professores Yanomami e, no mesmo ano, a CCPY promoveu um seminário de 40 horas envolvendo os vários setores da Secretaria Estadual e os professores Yanomami em formação, com o intuito de aproximar o estado dos beneficiários diretos para, juntos, organizarem o atendimento das escolas. Também foi desenvolvido um curso inicial de processamento dos dados do censo escolar na internet para os professores Yanomami, afim de que eles gerenciem as informações de duas escolas, como prevê o Inep. Nessa ocasião a CCPY e os professores Yanomami informaram os dados para o censo escolar.


Em 2008, foi realizado mais um processo seletivo simplificado indígena, em que 38 professores Yanomami e Sanoma foram contratados temporariamente. A CCPY viabilizou a visita de cinco coordenadores pedagógicos itinerantes da Secretaria Estadual nas regiões Demini, Toototopi, Papiu, Alto Catrimami e Kayanau e, mais uma vez, realizou o levantamento dos dados do censo escolar das escolas Yanomami.


No primeiro semestre deste ano, foi realizado mais um processo seletivo simplificado indígena, do qual ainda não se obteve informações sobre os professores contratados temporariamente. A SECD/RR, por meio da Divisão de Educação Escolar Indígena, disse que assumiria a responsabilidade pelas escolas Yanomami mas, até o momento, não foi enviado nenhum material escolar, assim como não houve o levantamento dos dados dos alunos para o cadastro no censo escolar.


Na busca de reverter a situação, a HAY entrou com uma representação junto aos Ministérios Públicos Federal e Estadual tentando impedir que o decreto produza quaisquer efeitos sobre as escolas yanomami. (Veja aqui o documento na íntegra).


O MEC também foi comunicado e atua para reverter a extinção das escolas pelo governo de Roraima. Segundo informações do próprio ministério, o secretário de educação continuada, alfabetização e diversidade, André Lázaro, encaminhou ofício ao secretário da SECD/RR, Dirceu Medeiros de Morais, solicitando informações e pedindo providências para que as escolas yanomami não sejam abandonadas.


 


ISA, Lidia Montanha de Castro.

Fonte: ISA
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