10/07/2009

Atuação da Funasa: a realidade de 10 anos de atendimento no Pólo-Base de Guajará-Mirim/RO

Há 10 anos, a transferência da responsabilidade da saúde indígena da Fundação Nacional do Índio (Funai – Ministério da Justiça) para Fundação Nacional de Saúde (Funasa – Ministério da Saúde) foi festejada pelos povos indígenas e seus aliados, fruto de suas lutas incansáveis durante mais de uma década e de duas Conferências Nacionais de Saúde Indígena. A aprovação da Lei “Sergio Arouca” com a criação de um subsistema de atenção à saúde indígena dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), a formação de 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) com autonomia financeira e administrativa e a criação dos Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena para exercer o controle social foram os alicerces da construção do novo modelo de atenção diferenciada à saúde indígena.


 


Em 2000, ano de transição, graças à aquisição de material permanente e à chegada de novas equipes de saúde, houve uma melhora. Infelizmente, “a alegria do pobre dura pouco” e a assistência foi piorando a cada ano. Os principais motivos foram a terceirização, o autoritarismo crescente da Funasa, a falta de transparência na aplicação dos recursos e a má administração dos mesmos, a contratação de dezenas de empresas para serviços, o desrespeito cada vez maior para com as decisões dos Conselhos e o enfraquecimento destes. As deficiências crescentes dos municípios e dos estados no atendimento na rede do SUS foram mais um agravante. A impressão que se tem é que a saúde indígena é um barco sem leme que o vento e as ondas jogam de um lado para outro.


 


O Pólo-Base de Guajará-Mirim no Dsei de Porto Velho é um exemplo do descaso.  Os 5.000 indígenas que pertencem às 24 etnias do Pólo (o povo Oro Wari, com 08 etnias conta 3.000 pessoas) e que moram em 30 aldeias e na cidade, são vítimas de uma falta de assistência descarada da União.


 


Nos últimos cinco anos foram registrados no Pólo-Base de Guajará-Mirim 20 óbitos por falta de assistência, sendo a metade deles por falta de transporte ou de encaminhamento. Os conselheiros indígenas acabam por ser desacreditados por suas comunidades, porque durante 10 anos a Funasa não atendeu as reivindicações básicas como transportes de emergência, radiofonias nas aldeias, postos de saúde, saneamento básico, contratação e cursos de formação de AIS, Pré-Natal, combate às endemias, atendimento médico e odontológico, encaminhamentos para consultas especializadas, entre outros pontos.


 


Casos graves


 


Entre outras situações, também muito graves, a hepatite B e C chama a atenção. A preocupação não vem somente da taxa elevada de portadores crônicos, mais ou menos 10% da população, o que poderia se encontrar também em populações ribeirinhas de nossa região. Mas ela se dá, principalmente, pela falta de transparência dos resultados dos inquéritos e pela morosidade da Funasa em realizar os encaminhamentos necessários. Em maio de 2007, o Cimi tinha denunciado a Fundação, que manteve sob sigilo os resultados de um inquérito sobre Hepatite B e C realizado em parceria com o município em setembro de 2005. A Funasa entregou os resultados nas aldeias apenas em agosto de 2007, ou seja, quase dois anos depois. Devido à discordância dos resultados apresentados pelo município, a Funasa realizou um segundo inquérito a partir de agosto de 2007 onde planejou abranger todas as aldeias indígenas em 03 etapas, concluindo no início de 2008. Entretanto, com a justificativa da falta de recursos, os kits do marcador da Hepatite C não foram comprados; a segunda e terceira etapa atrasaram respectivamente 5 meses e um ano e 04 meses.


 


Os resultados da segunda etapa que a Funasa tem em mãos desde janeiro de 2009 ainda não foram entregues nas aldeias. Foi uma audiência pública em maio de 2008 que obrigou a Funasa a atender os portadores crônicos de hepatite que durante 02 anos não foram encaminhados por falta de recursos para passagens: a Funasa firmou uma parceria com instituições de pesquisa que de vez em quando libera médicos para atender em Guajará-Mirim. Entretanto, a maioria dos portadores que fizeram uma primeira consulta e exames entre junho e outubro de 2008 aguardam o retorno sem conhecer os resultados. Nos últimos 14 meses, três pacientes portadores de hepatite B faleceram com cirrose e câncer do fígado, graves complicações da doença. Nenhum deles chegou a iniciar o tratamento, a doença foi diagnosticada tarde demais. Um paciente que chegou a iniciar o tratamento neste ano aguardou 09 meses a compra do medicamento pela Funasa; sendo que como agravante se passaram 07 meses entre o resultado da biópsia e a consulta onde o tratamento foi receitado.


 


Os atrasos são preocupantes e há o medo de que, com a justificativa de falta de recursos, os pacientes continuem a não serem atendidos no prazo certo. Se a pesquisa científica tem sua importância, o paciente deveria ter mais ainda. Na outra ponta tem a prevenção, onde a Funasa deveria investir mais esforços. Muitos indígenas apesar de ser vacinados não são protegidos (imunizados), isso provavelmente porque o esquema vacinal da hepatite B que necessita da aplicação de 03 doses no intervalo certo (0, 30 e 180 dias), não foi respeitado, portanto eles correm o risco de um dia ser contaminados se não forem revacinados corretamente.


 


Infelizmente, até agora as viagens de vacina realizadas nas aldeias não respeitam o esquema vacinal da hepatite B. Uma outra forma de prevenção é realizada nas crianças que nascem de gestantes portadores: nas primeiras horas de vida, elas vão receber uma vacina e gamma globulinas. Para isso, precisa saber se a gestante é ou não portadora da hepatite B, entretanto a maioria das gestantes não tem o resultado.


 


A partir de 2008, o município não renovou o convênio com o Laboratório do Estado-LACEN e as Gestantes deixaram de realizar exames preconizados pelo Ministério da Saúde como hepatite B e toxoplasmose: são doenças endêmicas cuja transmissão para a criança pode acarretar sérios danos e cuja transmissão pode ser prevenida com um tratamento. A toxoplasmose já afetou várias crianças indígenas por falta de diagnóstico e tratamento na gravidez; as crianças apresentam atraso psico-motor, cegueira ou sérios problemas na visão. É lamentável que a Funasa não realize esses exames em laboratório particular.


 


Exigências     


No documento final de sua 8ª assembléia ocorrida de 15 a 18 de junho de 2009, as lideranças indígenas da região de Guajará-Mirim reivindicaram a mudança do Coordenador Regional da Funasa, uma auditoria imediata, a ampliação e estruturação da Casai, a aquisição de transportes de emergência para as aldeias, a contratação de mais médicos, a contratação e cursos de formação para os AIS, a formação de uma equipe para o programa de hepatite, o encaminhamento urgente dos pacientes que precisam ser removidos fora do estado, o acompanhamento pela Funasa dos pacientes internados em Porto Velho, o atendimento dos indígenas que moram na cidade e a realização das reuniões de Conselho de saúde.


 


A atitude da Funasa, que diante das mortes anunciadas não toma as devidas providências, pode ser caracterizada de genocida. Os povos indígenas e seus aliados aguardam providências urgentes do Ministério Público Federal.


 


Guajará-Mirim/RO, 27 de junho de 2009


Equipe CIMI-Guajará-Mirim/RO

Fonte: Cimi RO
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