27/05/2009

Criança Guarani morre em área cercada por fazendeiros no Mato Grosso do Sul

Há mais de um mês, cerca de 100 pessoas do povo Guarani Kaiowá estão vivendo como “reféns” em parte de sua terra tradicional, no município Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul. A comunidade Nhanderu Laranjeira está cercada por fazendeiros que impedem a Fundação Nacional do Índio (Funai) de entregar alimentos aos indígenas ou prestar outro tipo de assistência. Há duas semanas uma criança doente faleceu, pois o único veículo autorizado a entrar – o da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) – chegou tarde demais.  As crianças da comunidade precisam caminhar diariamente 3km para pegar o ônibus escolar, que também é impedido de entrar.


 


Os indígenas lutam pela recuperação de seu território tradicional que hoje está invadido por parte da fazenda Santo Antonio da Nova Esperança. Há um ano e meio, eles retomaram 450 hectares da terra e agora estão ameaçados de despejo, pois a Justiça Federal em Dourados determinou a reintegração de posse da área.  O Ministério Público recorreu da decisão ao Tribunal Regional Federal da 3 Região, por isso, os indígenas, que seriam retirados ontem, 26 de maio, permaneceram na terra para aguardar a decisão do TRF.


 


Ontem, mais de uma dezena de representantes de organizações sociais do Mato Grosso do Sul (Cimi, Conlutas, Comissão Pastoral da Terra, Conferência dos Religiosos do Brasil, Movimento de Mulheres Camponesas, Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal, Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rio Brilhante, MST, Ara Vera etc) levaram sua solidariedade para os indígenas. Também estava presente Margarida Nicoletti, administradora da Funai de Dourados. No entanto, a comitiva não chegou até a aldeia, por que foi impedida por 25 fazendeiros que vigiavam a porteira, trancada com cadeado.


 


Na altura do km 309 da BR 163 fica a entrada da fazenda Inho, propriedade de José Raul das Neves, mais conhecido na região como “o Português”. Para entrar na fazenda Santo Antônio e chegar à aldeia Nhanderu Laranjeira, onde moram 38 famílias Kaiowa-Guarani, a porteira da fazenda Inho é passagem obrigatória.


 


Quando a comitiva chegou ao portão fechado trancado o “Português” abordou a liderança guarani, Anastácio Peralta, membro da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e após o seguinte diálogo ameaçou com gestos o indígena:


 


O português: Que é isto Anastácio?! Não era isso que a gente acertou!? Para que toda esta gente, esta mobilização, a imprensa? Isto vai gerar mais atrito, mais conflito.


Anastácio Peralta: Eu não prometi nada ao senhor.


O português: Mas a gente conversou e você prometeu que não iam criar mais conflito e agora você traz toda esta gente.


Anastácio Peralta: Cada um confia em seu povo.


O Português: (com tom ameaçador) Então tá, vamos ver isso.


 


Assistência impedida


A seguir a comitiva presenciou os fazendeiros impedirem a ação da Funai na área. A Fundação levou cestas de alimentos para as famílias indígenas que vivem cercadas. Apesar de ser um órgão do Estado, a Funai não conseguiu entrar para entregar os alimentos. Segundo a administradora da Funai, esse fato ocorre há muito tempo. O órgão chegou a entrar com uma ação na justiça para conseguir levar os alimentos até a aldeia. No entanto, o pedido foi negado por um juiz federal de Dourados, alegando que a fazenda Inho não faz parte de processo. Por causa disso, os indígenas recebem a cesta básica por cima do portão fechado da fazenda e caminham com os produtos por cerca de três quilômetros. Segundo a liderança da comunidade Farides Mariano de Lima, isto acontece quando às famílias já estão passando fome.


 


Hoje, 27 de maio, faz 14 dias que morreu uma criança de 12 anos na aldeia. A comunidade não teve condições de dar os primeiros atendimentos e o carro da Funasa – único autorizado a entrar na comunidade – chegou tarde demais. Os moradores de Nhanderu Laranjeira responsabilizam os fazendeiros e a justiça por essa morte, por que a barreira impede a passagem de carros dos alidados do povo, que os ajudam nessas situações.


 


Outro grave problema afeta as crianças da comunidade em idade escolar. Elas têm que caminhar quase três quilômetros, todo o dia, porque uma medida judicial impede que o ônibus da escola chegue na aldeia. Em meio de um conflito, os pais temem pela segurança de seus filhos.


 


Os indígenas também têm contra eles o governador de estado André Puccineli, que prometeu enviar a Policia Militar para cumprir a ordem de reintegração de posse, caso a Policia Federal não cumpra.  


 


Grave ameaça


Em 10 de dezembro de 2008, o Juiz Federal Substituto Fábio Rubem David Muzel de Dourados/MS determinou a desocupação da área ocupada pela  comunidade Nhanderu Laranjeira. Porém, a reintegração de posse não aconteceu, pois os indígenas conseguiram a mediação da Funai, do Ministério Publico Federal e de organismos aliados à causa indígena. Foi feito um acordo e o juizado federal de Dourados deu prazo de 120 dias para que a Funai apresentasse um relatório sobre a comunidade para que se buscasse uma solução mais favorável à reivindicação indígena.


 


Segundo a administradora da FunaiI de Dourados, um antropólogo fez o relatório parcial por que foi impedido de entrar na aldeia e na fazenda. “O Estudo foi feito da porteira para fora”, explicou a funcionária. Para tentar resolver o problema a Funai entrou com uma ação jurídica e o mesmo juizado que pediu o relatório sobre a comunidade negou autorização para que o antropólogo realizasse os estudos. A demora deste processo fez que se esgotasse o prazo de 120 dias, mesmo assim a Funai enviou o relatório incompleto. A situação da comunidade é dramática.


 

Fonte: Cimi - MS
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