Formação do professor indígena pesquisador
Depois da Constituição de 1988, quando a responsabilidade pela educação escolar indígena passou da FUNAI para o Ministério da Educação (1991), houve uma mudança de postura assumida pelo MEC, que tirou a educação indígena do esconderijo e fez vir à tona os objetivos que o movimento indígena vinha se colocando para a educação escolar desde o final dos 80-90 em assembléias e reuniões em diversos pontos do país, começando com a Comissão dos professores indígenas do Amazonas, Roraima e Acre (COPIAR). Esta Comissão traçou uma Declaração de Princípios que viria a ser um guia para a implantação das propostas feitas pelos povos indígenas em todo o país.
Mas os avanços alcançados em termos de legislação, no pós-88, acabam abafados nas condições precárias das escolas, da formação dos professores e, sobretudo, nos sistemas estaduais e municipais que, contraditoriamente, não facilitam experiências diferenciadas e, portanto, não aplicam a legislação . Até os dias de hoje, há uma defasagem muito grande entre o proposto na legislação e o executado. É que as mudanças em profundidade não se fazem automaticamente, a não ser com enormes esforços das próprias organizações indígenas. Nos estados e municípios onde há um trabalho comum discutido e realizado pelos povos indígenas, em parcerias importantes com organizações indigenistas não-governamentais, com universidades e outros pesquisadores, lingüistas, antropólogos e outros profissionais, os resultados têm sido bastante animadores.
As escolas indígenas buscam saídas para as dificuldades de levar adiante os seus projetos político-pedagógicos diferenciados, tentando sair do modelo ocidental de educação escolar, que marca tão profundamente os sistemas de organização escolar, orientados a partir das disciplinas, calendários convencionais, com seus horários bem “disciplinados”.
Uma das saídas que tem produzido mudanças na concepção de currículo e de organização escolar e efeitos muito interessantes nas comunidades é o ensino com pesquisa.
Nesta perspectiva, é necessário o investimento na formação de educadores para agenciar processos alternativos educacionais que tenham como premissas básicas a sensibilidade para o diálogo intercultural, o compromisso social, a construção da cidadania, o acesso ao conhecimento, à cultura e à tecnologia, levando em consideração práticas inovadoras que atendam às problemáticas das sociedades indígenas, onde a prática da pesquisa como princípio educativo for implantada.
O ensino com pesquisa é capaz de ajudar a desconstruir o núcleo de ferro da educação moderna – que perdura há quase quatrocentos anos – para favorecer processos diversificados de sustentabilidade em diferentes níveis: sustentabilidade cultural, lingüística e econômica, como se propõe a educação escolar indígena. A pesquisa na escola indígena é capaz de desencadear processos de “empoderamento” orientados aos atores sociais que, historicamente, foram afastados das possibilidades de influir nas decisões e nos rumos de suas próprias sociedades. Segundo Vera Candau & Koff, o “empoderamento” começa por “libertar a possibilidade, o poder, a potência que toda pessoa tem para que ela possa ser sujeito de sua vida e ator social”, sem deixar de lado os aspectos coletivos, favorecendo os movimentos organizados e a participação ativa de grupos minoritários na vida civil (Candau & Koff, 2006, p. 490-491).
O ensino com pesquisa que está sendo, aos poucos, implantado em comunidades indígenas, tem a pretensão de fazer fluir todo o potencial humano dos povos envolvidos, depois de séculos de uma política de negação.
Todo o currículo escolar, em qualquer curso ou nível de escolaridade, pode ser organizado a partir de projetos de pesquisa, problemas e necessidades comunitárias, de dúvidas e inquietações dos alunos, projetos de trabalho. Isto exigirá do professor a sensibilidade e a atenção permanente de se perguntar (e perguntar aos pares, outros professores, gestores, alunos, lideranças locais…) como a sua área de especialização teórica e técnica pode colaborar para o desenvolvimento de um projeto societário em andamento. Somente assim será possível o desejado e necessário diálogo entre culturas e entre os saberes locais, sistematicamente negados ou desconsiderados como saberes.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Marta e SILVA, Márcio. “Pensando as escolas dos povos indígenas no Brasil: o Movimento dos Professores do Amazonas, Roraima e Acre”. In SILVA, Aracy Lopes da e GRUPIONI, Luis Donisete (orgs). A temática Indígena na Escola. Brasília: MEC/UNESCO/MARI, 1995.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB 03/1999. Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e dá outras providências. Brasília: MEC, 1999
BRASIL. Congresso Nacional. Lei Federal Nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 20 de dezembro de 1996
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB 14/1999. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena. Brasília: MEC, 1999
BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. 5 de outubro de 1988
CANDAU, Vera M. & KOFF, Adélia Maria. “Conversas com… sobre a didática e a perspectiva multi/intercultural”. In Educação & Sociedade, n. 95. Vol. 27 – Maio/Agosto de 2006. Campinas, Unicamp/CEDES, 2006.
MEC. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF,1998.
MEC. As Leis e a Educação Escolar Indígena: Programa Parâmetros em Ação de Educação Escolar Indígena / Organização Luis D. Grupioni. Brasilia: MEC/SEF, 2001.